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Foi publicado na última semana (30/3/2017) na revista científica internacional American Journal of Medical Genetics Part A o nosso artigo intitulado “Bilateral second toe superposition associated with neurofibromatosis type 1 and NF1 whole gene deletion” (tradução: Superposição bilateral do segundo dedo dos pés está associada à deleção completa do gene NF1 – ver a referência do artigo em inglês AQUI)

Esta publicação numa revista de alta qualidade científica nos traz mais segurança para orientarmos as famílias com este sinal (ver a figura), cerca de 10% das famílias com NF1, no sentido de procurarmos a confirmação da deleção por meio de teste genético (MPLA), uma vez que esta forma da NF1 requer alguns cuidados especiais.

(Ver aqui AQUI excelente revisão científica recente, de 2017, sobre os aspectos clínicos e genéticos das deleções do gene NF1).

Este estudo científico foi realizado pelos pesquisadores do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (Luiz Rodrigues, Juliana Souza, Luíza Rodrigues e Nilton Rezende), em colaboração com pesquisadores do Laboratório Hermes Pardini (Frederico Malta, Juliana Rodrigues e Patricia Couto), sob a orientação do médico pioneiro das Neurofibromatoses o Dr. Vincent Riccardi, do The Neurofibromatosis Institute, La Crescenta, Califórnia, Estados Unidos.

Em resumo, a American Journal of Medical Genetics Part A publicou as informações a seguir.

Em alguns indivíduos atendidos no CRNF com o diagnóstico de NF1 notamos a superposição do segundo dedo sobre o terceiro de ambos os pés. Chamamos a este sinal anatômico de Superposição do Segundo Dedo (em inglês a sigla ficou STS) (outras imagens do STS depois do texto abaixo).

Numa etapa seguinte, nós perguntamos por meio de um questionário especial a 445 pessoas com NF1 atendidas e diagnosticadas no nosso CRNF quem possuía o STS. Entre as 162 que responderam ao questionário, 11,9% delas confirmaram a presença da superposição do segundo dedo.

Baseados nestas observações anteriores, nós fotografamos os pés de 187 pessoas COM NF1 e 194 SEM NF1 e as fotografias foram avaliadas por 3 examinadores independentes, que não sabiam quem tinha ou não NF1. O resultado mostrou que o STS estava presente em 8% das pessoas com NF1, ausente em 80,2% e indeterminado em 11,8% delas. Na população controle (isto é, sem NF1), o STS estava presente somente em 0,5%, ausente em 95,4% e indeterminado em 4,1% delas. Ou seja, o STS foi 16 vezes mais presente na NF1 do que nas pessoas sem NF1, o que foi estatisticamente significativo (P<0,0001).

O passo seguinte foi analisarmos a presença da deleção completa do gene NF1 por meio de um teste laboratorial denominado Multiplex Ligation-dependent Probe Amplification (MLPA), o qual foi realizado em 28 pessoas com NF1, entre as quais encontramos 8 delas com a deleção completa e 7 delas apresentam o sinal do segundo dedo dos pés. As demais pessoas com NF1 não apresentavam nem a deleção nem o sinal do dedo.

As análises estatísticas destes resultaram mostraram que a relação entre o sinal do dedo e a deleção foi altamente significativa (P=0,00007). Ou seja, ao encontramos uma pessoa com NF1 e o STS devemos pensar imediatamente na possibilidade de ela apresentar também a deleção completa do gene NF1.

Além disso, todas as pessoas com deleção completa do gene NF1 nesta amostra são do sexo feminino e também são uma mutação nova na família. Ainda não sabemos com segurança o significado deste achado, que será estudado a seguir.

Nossa conclusão é de que o STS é um sinal precoce das manifestações clínicas da NF1 e pode ser útil no diagnóstico e acompanhamento das pessoas que o apresentam.

Agradeço a todas as pessoas que contribuíram para que este conhecimento tenha sido construído em nosso CRNF, em especial às famílias que autorizaram as fotos e coletas de sangue para que o estudo pudesse ser realizado. Vocês contribuíram para que a NF1 seja um pouco mais bem conhecida em todo o mundo a partir desta semana.

 
Abaixo, mais algumas fotos de pessoas com o STS e deleção completa comprovada pelo MPLA.

 

 

 

 

 




Sabemos que quanto mais cedo for feito o diagnóstico de uma pessoa com neurofibromatose, melhor podemos realizar o acompanhamento clínico, compreendendo as manifestações e prevenindo e tratando as complicações.

Atualmente, usamos pelo menos dois dos sete critérios clínicos para diagnóstico da neurofibromatose do tipo 1 (manchas café com leite, efélides, neurofibromas, glioma óptico, Nódulos de Lisc, displasias ósseas e/ou parente de primeiro grau com NF1). No entanto, nos recém-nascidos e crianças pequenas, muitas vezes não dispomos de sinais seguros para o diagnóstico.

Temos observado e divulgado entre os profissionais da saúde (1) um outro sinal que, por enquanto, encontramos somente entre as pessoas com NF1: o segundo dedo de ambos os pés está um pouco mais elevado (letra a na figura acima) e o quarto dedo um pouco alargado (letra b na figura acima).

Verificamos por meio de entrevistas que cerca de uma em cada 10 pessoas com NF1 apresenta este sinal. Depois, por meio de fotografias, documentamos que uma em cada 20 pessoas apresenta este sinal e que nenhuma pessoa sem NF1 o apresenta da mesma forma (2).

Além disso, chamou-nos a atenção o fato de que algumas pessoas com NF1 e com este sinal dos dedos também apresentarem o quadro clínico compatível com a deleção completa do gene (ver neste blog mais informações sobre este assunto), que são pessoas que requerem mais cuidados e maior atenção no acompanhamento clínico.

Assim, resolvemos realizar uma pesquisa em colaboração o Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento do Laboratório Hermes Pardini para testarmos se haveria alguma relação entre o sinal dos dedos dos pés e a deleção completa do gene.

Os primeiros resultados mostraram que parece mesmo haver uma relação entre a deleção do gene e o sinal dos dedos. No entanto, precisamos aumentar a nossa amostra de pessoas examinadas para termos certeza desta associação e assim podermos cuidar melhor de todos.

Portanto, peço a todos que apresentem este tipo de dedos dos pés e que desejarem ser voluntários nesta pesquisa que entrem em contato comigo pelo E-mail: rodrigues.loc@gmail.com

De preferência, aos interessados peço-lhes que me enviem uma foto de ambos os pés para que eu possa incluí-los na pesquisa.

Vamos nos ajudar a cuidar de todos cada vez melhor.

Mais informações científicas:

(1) Faria LPG, Rodrigues LO, Diniz LM, Rezende NA, Rodrigues LOC. Prevalence of a new phenotype in neurofibromatosis type 1 – Preliminary data. Rev Med Minas Gerais; 22(4):363-368, 2012. http://www.rmmg.org/content/imagebank/pdf/v22n4a02.pdf

(2) Rodrigues LOC, Diniz LM, Cunha KGS, Darrigo-Junior LG, Passos RLF, Geller M, Rezende NA. Photographic prevalence of the Second Toes Signal phenotype in Neurofibromatosis Type 1 (NF1). Poster apresentado nos congressos: Neurofibromatoses Children’s Tumor Foundation Conference, nos Estados Unidos em 2014, e durante o European NF Meeting, Barcelona, 2014.

Ontem falei sobre as diferentes formas de gravidade das neurofibromatoses. Hoje, vamos compartilhar um caso grave.
Em 2012, uma família do interior de Minas Gerais nos trouxe sua pequena MMJ, com apenas um ano de idade. Ela vinha apresentando um tipo de convulsão (crises de ausência) de difícil controle e seu diagnóstico de Neurofibromatose do tipo 1 já havia sido realizado por um neurologista pediátrico, que encaminhou a menina ao nosso Centro de Referência.
Quando a examinei, M mostrava-se apática e com períodos de perda de conjugação do olhar, alguns movimentos bruscos e involuntários e ligeiramente irritada, resultando na impressão geral de atraso moderado do desenvolvimento psicomotor por causa das crises de ausência.
O conjunto de sinais clínicos que ela apresentava fizeram-me suspeitar de que ela pudesse ter uma das formas da NF1 causada pela perda completa do gene (chamada de deleção), que acontece em cerca de 10% das pessoas com NF1. As deleções completas do gene geralmente produzem mais complicações do que as mutações isoladas em partes do gene. Naquele momento, ainda não estávamos realizando a pesquisa da deleção, um estudo do nosso Centro junto com o Laboratório Hermes Pardini, por isso não fizemos o exame. De qualquer forma, mesmo que fosse confirmada a perda completa do gene, isto não mudaria a nossa conduta naquele momento.
Mesmo com a suspeita da deleção, naquela primeira consulta, entre os níveis de gravidade “mínima, leve, moderada ou grave”, os achados clínicos de M permitiram-me classificar a gravidade da sua doença comomoderada, pela presença das convulsões. Por isso sugerimos a reavaliação das doses da medicação junto ao neurologista para tentarmos o controle efetivo das crises epilépticas.  
Pedimos avaliação anual em nosso Centro de Referências para observação do desenvolvimento psicomotor, se não houvesse qualquer novidade clínica antes disso. Solicitamos também avaliação fonoaudiológica aos 3 anos e realizamos o aconselhamento genético dos pais e fornecemos material didático sobre a NF1 na forma de cartilha e sites.
No entanto, M retornou em julho de 2015, com histórico de internação hospitalar em sua cidade natal por problemas ventilatórios: um estreitamento da região da faringe, que ocasionara aspiração de alimentos e pneumonia. A gravidade da situação levou à realização de traqueostomia e tratamento para dilatação da estenose, na esperança de retorno da ventilação às vias normais.
Por outro lado, as convulsões estavam sob controle com Vigabatrina, o que permitia à pequena M mais desenvolvimento psicomotor (interação social e postura ereta). A família também trouxe relatório da pediatra pneumologista, que solicitou nossa opinião sobre uma imagem tumoral encontrada na tomografia.
Minha opinião diante das imagens e do exame clínico foi de que havia um neurofibroma plexiforme na região do pescoço e mediastino, provavelmente causador do problema do estreitamento da faringe e crescimento anormal dos tecidos na região (estenose subglótica, mancha do queixo e assimetria discreta do pescoço).
Lembrei à família que os neurofibromas plexiformes, apesar de congênitos, ou seja, estarem presentes desde a vida intrauterina, podem ou não crescer durante a vida, comportamento este que é impossível de ser previsto num determinado momento.
Informei também que o neurofibroma plexiforme em si não se constitui num problema grave, não havendo necessidade de remoção cirúrgica simplesmente porque ele está presente, especialmente se considerarmos a localização complexa em que se encontrava no caso da pequena M, na qual eles praticamente nunca são completamente removidos.
Orientei os pais sobre a eventual possibilidade de transformação maligna dos neurofibromas plexiformes (de 10 a 20% ao longo de toda a vida), alertando-os que deveríamos ficar atentos a: crescimento rápido (muito acima da velocidade de crescimento da menina), sinais de dor, especialmente contínua, neuropática e noturna; mudança de aspecto do tumor para uma consistência mais dura (onde ele pode ser palpado); perda de função neurológica nas partes do corpo relacionadas com a inervação que percorre o trajeto do tumor.
Naquele momento, minha impressão é de que M estava evoluindo razoavelmente bem, e eu tinha a mesma esperança da pneumologista pediatra de que a traqueostomia pudesse ser retirada depois de completado o tratamento da estenose e de que o desenvolvimento psicomotor continuaria progredindo. Neste sentido, recomendei fisioterapia para desenvolvimento global da marcha e da força muscular.
Infelizmente, nesta semana recebi um comunicado da família dizendo que há dez dias M havia sofrido uma súbita obstrução na traqueostomia (durante uma convulsão?), que causou falta de oxigênio em seu pequeno cérebro, que levou à sua morte cerebral e ela veio a falecer nesta semana.
Enquanto cuidávamos atentos à porta da frente, o acaso de outra complicação nos surpreendeu pela janela, roubando-nos a vida de M.

Mesmo com todo o cuidado e carinho que ela recebeu de seus dedicados pais e dos vários médicos (e médicas) que a atenderam, não há ainda um tratamento que pudesse mudar este final da história. 
Seguimos adiante, buscando, para outros, quem sabe?
Como tenho recebido algumas perguntas parecidas e não gostaria de deixar nenhuma sem resposta, vou apresentar abaixo dois conjuntos conjunto delas, com os links para as respostas já fornecidas neste blog.


Se ainda permanecerem as dúvidas, digam-me.

Perguntas sobre “cura” e crescimento dos neurofibromas

Há pouco descobri que minha sobrinha tem neurofibromatose, gostaria de saber essa doença é proveniente de que, tem cura e qual o tratamento. Obrigada. MPD, de local não identificado.

Olá, minha filha tem trinta anos e aumenta cada dia os fibromas. Nada ainda que evite a continuidade? Obrigada DMH, de Bagé, RGS.

Tenho 41 anos algum neurofibroma gostaria de saber se eles podem aumentar de número e/ou tamanho com o passar dos anos. MF, Salvador – BA
Respostas
As doenças genéticas geralmente não têm “cura”, mas podem ter muitos tratamentos que melhoram a qualidade de vida (clique aqui).
Os neurofibromas são de diferentes tipos e seu crescimento varia de acordo com o tipo e a idade das pessoas (clique aqui).
Perguntas sobre diagnóstico da NF1 e direito a benefícios no INSS
Tenho uma filha de 13 anos que foi diagnosticada com neurofibromatose tipo 1. Ela sente muita dor de cabeça, tem um pequeno desvio na coluna e apresenta atraso mental, a ponto de não conseguir atravessar a rua direito. Cheguei a matricula-la em alguns cursos para ver se melhorava o aprendizado, mas não resolveu. Gostaria de saber se minha filha teria direito a algum benefício do INSS. RG, Guarujá
Meu filho foi diagnosticado com neurofibromatose tipo 1 aos 8 anos de idade e hoje está com 22 anos. Atualmente ele vem sentindo dores na coluna e nas pernas, apresenta alguns neurofibromas pelo corpo, e sente muita falta de ar. Existe algum exame que confirme o diagnóstico da doença? Além disso, na cidade onde moro não tem assistência e penso em sair daqui para procurar tratamento adequado. O meu filho teria direito a algum benefício? M, Cabo Frio – RJ
Respostas

O diagnóstico da NF1 pode ser feito com bastante segurança na grande maioria dos casos apenas com o exame clínico (clique aqui).
Em alguns casos pedimos exames complementares, especialmente quando suspeitamos de deleção do gene (clique aqui).
Sim, existem benefícios previstos na legislação para pessoas com NF1 (clique aqui).
Se ainda restar alguma dúvida, voltem a fazer contato comigo.

Meu filho de 9 anos tem grande dificuldade de aprendizado e um geneticista suspeitou de NF1 ou Síndrome de Noonan? O que é isto? MRS, de Governador Valadares, MG.







Caro M, sua pergunta é importante porque cerca de 10 a 13% das pessoas com NF1 apresentam características parecidas com a chamada Síndrome de Noonan, outra doença genética que é tão comum quanto a NF1, mas resultante de defeitos genéticos complexos, algumas vezes localizados no cromossomo 12, mas envolvendo outros genes (ver aqui artigo técnico sobre os genes).

As principais características em comum entre as duas doenças são manchas café com leite, baixa estatura, baixo tônus muscular, dificuldades de aprendizado e alterações (deformidades) ósseas no tórax (geralmente um afundamento da parte central, chamado de pectus excavatum) e estenose da válvula pulmonar no coração.
Especialmente os casos mais graves da NF1, chamados de deleção e já apresentados neste blog, podem apresentar alterações faciais que lembram a Síndrome de Noonan.
E quais são estas alterações faciais da Síndrome de Noonan?
Na Noonan, os olhos são bem separados entre si (chamamos de hipertelorismo) e as pálpebras ficam um pouco caídas (chamamos de ptose palpebral). Além disso, as orelhas são um pouco mais baixas dos que nas pessoas sem a doença e também um pouco rodadas para trás. O pescoço também é um pouco mais alargado do que nas demais pessoas (ver figura).
Nas crianças com Noonan, os problemas cardíacos congênitos são mais comuns: 20 a 50% apresentam um estreitamento da artéria pulmonar (chamado de “estenose pulmonar congênita”) ou 20 a 30% apresentam alteração na formação dos tecidos do coração, que ficam maiores do que deveriam, chamada cardiomiopatia hipertrófica.
Finalmente, nos meninos com Noonan, os testículos podem estar escondidos (chamamos de criptorquidia).
No entanto, na Noonan não aparecem neurofibromas (cutâneos nem plexiformes), nem Nódulos de Lisch, nem glioma óptico e nem as displasias ósseas típicas (da tíbia e/ou da asa menor do esfenoide).
Para mais informações técnicas, ver o artigo da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatoses (ver aqui o artigo técnico sobre o diagnóstico diferencial com NF1).
… sou sua leitora assídua. Gostaria de saber o significado deste resultado sobre NF1, se é leve ou grave, pois os médicos não souberam dizer. 
A avaliação demonstrou 3 alterações no gene NF1, mas apenas a mutação c.4832G sinal de menor T (p.R16111.) é patogênica, pois as outras duas alterações estão presentes nos pais, sendo benignas. Minha dúvida é (se) essa mutação é maligna? AICCM, de São Caetano, SP.

Cara A, obrigado por estar acompanhando o blog, pois acredito que a solução para nossa dificuldade de conhecimento dos profissionais sobre as NF é a divulgação de informações e a organização das famílias de pessoas com neurofibromatoses.

Não sou especialista em genética, mas sim clínico geral, e por isso pedi a ajuda do biólogo Frederico Scott Varella Malta, do setor de Pesquisa e Desenvolvimento do Laboratório Hermes Pardini, com quem estou desenvolvendo uma pesquisa sobre a análise genética na NF1 e enviei a ele sua mensagem.

Segundo o Frederico, é possível que o resultado “esteja se referindo a esta mutação c.4832G>T (p.R1611L). Esta simbologia significa que na sequência do cDNA houve uma substituição da base G (guanina) por uma T (timina) na posição 4832 que levou uma substituição de um aminoácido R (arginina) por uma L (Leucina) na posição 1611 na sequência da proteína”.

Sobre a capacidade desta proteína para causar doenças, Frederico disse: “não achei nada especificadamente sobre esta mutação, mas temos o dado de que ela foi a única a não estar presente nos pais (que não possuem a doença) e que também houve a substituição do aminoácido por outro de grupo funcional diferente. Quando isto ocorre, provavelmente podemos ter alteração na função da proteína”.

Agradeço ao Frederico a ajuda e acrescento que já foram identificadas mais de mil mutações diferentes no gene NF1 em pessoas com as mais diversas manifestações clínicas da doença. 

Há muitos anos os pesquisadores vêm tentando descobrir se existe alguma relação entre o tipo de mutação encontrada e as manifestações clínicas, a gravidade, a presença ou não de tumores mais preocupantes ou as dificuldades de aprendizado. 

Até recentemente, não havia qualquer relação bem estabelecida entre o tipo de mutação e as formas clínicas da doença.

No entanto, nos últimos anos descobriu-se que os 5% dos casos de NF1, aqueles mais graves, parecem estar relacionados com a perda completa do gene (chamada de deleção – ver neste blog um comentário que fiz sobre este problema).

Não me parece que o resultado que você recebeu seja uma deleção, portanto, creio que as mutações encontradas não estão relacionadas com formas mais graves da doença.
No nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das da Universidade Federal de Minas Gerais temos adotado a conduta de somente pedir testes genéticos quando o resultado possa mudar a nossa conduta clínica.

Na maioria das pessoas com neurofibromatoses (NF1, NF2 e Schwannomatose) encontramos sinais clínicos suficientes para preenchermos os critérios diagnósticos com relativa facilidade. Assim, os testes de DNA têm sido reservados para situações de dúvida no diagnóstico e para o aconselhamento genético em alguns poucos casos.

No entanto, recentemente surgiu o conhecimento de que cerca de 5% das pessoas com NF1 apresentam formas mais graves da doença por causa de uma mutação genética especial chamada de deleção (ou microdeleções).

Nas pessoas sadias, o gene da NF1 codifica uma proteína necessária para o desenvolvimento normal dos tecidos. Na maior parte das pessoas com NF1, a proteína neurofibromina é defeituosa por causa de mutações no gene (ver figura). Nas chamadas deleções, grande parte (ou mesmo todo o gene e outros genes nas proximidades do mesmo cromossomo é perdida no momento da cópia genética para formar o espermatozoide ou o óvulo.

As pessoas com a deleção do gene NF1 podem apresentar algumas das características apresentadas no quadro abaixo, adaptado do livro “Neurofibromatose na prática clínica” da equipe de Manchester (Dra. Ferner, Dra. Huxon e Dr Evans, 2011).


  
Características
Frequência
Face especial (grande separação entre os olhos, pálpebras caídas, nariz mais grosso, aparência mais velha do que a idade) (Ver foto do livro citado)
89%
Estatura acima da média com mãos grandes e pés grandes
46%
Pectus excavatum
Pescoço largo,
Excesso de tecido macio nas mãos e pés
31%
31%
50%
Excesso de flexibilidade das articulações
Hipotonia muscular
Cistos ósseos
Pé plano
72%
44%
50%
17%
Tumor maligno da bainha do nervo periférico
20%
Atraso intelectual importante
Índice de inteligência (QI) menor que 70
Dificuldades de aprendizado
48%
38%
44%
Outras alterações mais frequentes do que nas demais pessoas com NF1: Doença cardíaca e Escoliose


Observando-se o quadro acima, percebemos que as pessoas com deleções do gene podem apresentar uma evolução mais grave, com grande carga de neurofibromas, com aparecimento precoce deles, de vários tipos, inclusive espinhais.

Assim, pode ser importante do ponto de vista clínico saber quem tem este tipo prognóstico pela análise do seu DNA para que possamos realizar melhor a supervisão médica.

Diante disso, iniciamos em 2014 um projeto de pesquisa em parceria com o Laboratório Hermes Pardini para desenvolvermos a tecnologia para a detecção de deleções no gene NF1 e, depois, realizarmos o sequenciamento genético completo das mutações. Para esta pesquisa, diversas pessoas com NF1 com e sem a suspeita de deleção, foram voluntárias, cedendo amostras de sangue para análise.

Nesta semana, recebi os 7 primeiros resultados desta pesquisa. Entre as 5 pessoas com NF1 analisadas, uma delas apresentou a deleção do gene da NF1.

Curiosamente, esta pessoa foi examinada também pelo Dr. Vincent Riccardi, quando ele esteve aqui no nosso Centro de Referência em 2014. Naquela ocasião, um dos médicos da nossa equipe disse ao Dr. Riccardi que aquele era um caso provável de deleção, pelo seu aspecto clínico. O Dr. Riccardi, que possui uma das maiores experiências clínicas do mundo em NF1, opinou que não lhe parecia um caso de deleção.

A importância do resultado da análise do DNA afinal ter mostrado que há, de fato, deleção do gene NF1 naquela pessoa, apesar da opinião em contrário de um grande especialista, indica que não é tão fácil fazer o diagnóstico de deleção clinicamente.

Isto aumenta a necessidade de realizarmos testes genéticos em mais pessoas com NF1 do que temos defendido até agora.


Ainda respondendo para IT, de Portugal, vamos ver quando é interessante pedir um exame de DNA nas neurofibromatoses.
 
Até recentemente, nós raramente solicitávamos testes genéticos das pessoas atendidas no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Isto porque, na maioria dos casos, os sinais clínicos são suficientes para realizarmos os diagnósticos com segurança.
 
Além disso, a pouca demanda de pessoas com NF por testes pré-natais, junto com a dificuldade técnica de se identificar a mutação por causa de sua variabilidade e do tamanho do gene, resultavam em alto custo financeiro para a realização rotineira do teste genético nos laboratórios.
 
Por outro lado, considerando que na NF1 a possibilidade de falsos negativos ainda está em torno de 5%, percebíamos que os resultados dos testes genéticos não mudariam muito as nossas condutas de acompanhamento e prevenção de complicações.
 
No entanto, nos últimos anos aconteceram dois fatos importantes: 1) a identificação da Síndrome de Legius (ver minha resposta anterior sobre este assunto) e 2) a descoberta de que alguns tipos de mutação podem influenciar a evolução clínica, o que chamamos de correlação entre o genótipo (a mutação) e o fenótipo (manifestações clínicas).
 
Assim, fomos convencidos de que há algumas situações nas quais os testes genéticos estão bem indicados para o diagnóstico da NF1, da NF2, da Schwannomatose e da Síndrome de Legius.
 
Começo com a NF1 e Legius. Atualmente, consideramos indicado o teste genético quando:
 
1)     Os sinais clínicos levarem à suspeita de que a pessoa possua deleções (perdas de grandes partes) do gene da NF1. Estes tipos de mutação causam os quadros mais graves, correspondem a cerca de 5% dos casos de NF1 e precisam de acompanhamento mais rigoroso (em breve, voltarei a este assunto, com mais detalhes sobre este subtipo da NF1);
2)     As pessoas apresentam sinais clínicos atípicos de NF1;
3)     Encontramos famílias com duas ou mais gerações com apenas lesões pigmentares: manchas café com leite e efélides (sardas), para a distinção entre NF1 e Síndrome de Legius;
4)     São crianças sem história familiar e apenas lesões pigmentares: manchas café com leite e efélides (distinção NF1 e Legius);
5)     Alguém deseja saber o diagnóstico pré-natal e antes da implantação na fertilização artificial.
 
Quando houver o interesse na distinção entre NF1 e Legius, recomenda-se começar pela tentativa de identificação da mutação no gene da Síndrome de Legius (SPRED1) por ser um gene menor (apenas 8 éxons) do que o gene da NF1, logo, deve ser um exame mais barato.
 
Amanhã, retomo os testes genéticos na NF2 e Schwannomatose.