Ontem apresentei uma estimativa da quantidade de médicos e especialistas em neurofibromatoses necessária para o atendimento da população brasileira com NF. 


Creio que este é um dos passos na elaboração de uma rede de atendimento eficiente e suficientemente abrangente para o cuidado com os brasileiros acometidos pelas diferentes formas de NF.

A primeira forma de enfrentarmos as NF, como venho defendendo neste blog, é a conquista pelas famílias do conhecimento científico sobre as NF, para que elas possam ajudar os médicos nos tratamentos propostos, indicando, sugerindo e orientando as melhores condutas em cada caso.

Para dominarem os conhecimentos sobre as NF, as famílias devem se associar em comunidades de informação e apoio, como a Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses (AMANF) e outras já existentes. Estas associações devem servir de fonte de informações médicas, científicas, jurídicas, sociais e políticas de forma constante, rápida e segura.

A segunda ação que devemos propor é a criação de Centros de Referência em NF(CRNF), nos quais os casos mais complexos de NF (aqueles 25% que comentei ontem) devem ser acompanhados e tratados.

Além disso, os CRNF devem ser capazes de divulgar as NF, informar tecnicamente e fornecer treinamento aos profissionais de saúde que trabalham nos diversos níveis de atenção à saúde pública no Brasil:

1) Promovendo campanhas de diagnóstico e orientação sobre as NF nos níveis do Programa de Saúde da Família e dos Postos de Saúde e dos Hospitais da rede pública. Por exemplo, divulgando cartazes com a informação “Manchas café com leite podem ser neurofibromatose:  você pode ajudar!”, seguida de orientação básica para o diagnóstico das NF;

2) Criando material de divulgaçãoem linguagem básica sobre as NF na forma de cartilhas ilustradas, como a ”As manchinhas da Mariana”;

3) Oferecendo estágios práticos para residentes de clínica médica, oncologia, dermatologia, neurologia, Programa de Saúde da Família, pediatria, e outras especialidades;

4) Oferecendo cursos de capacitação permanentespara familiares e profissionais da saúde, destinados a capacitá-los ao diagnóstico e triagem das pessoas com formas mais graves de NF a serem encaminhados aos CRNF e identificando aqueles que podem ser acompanhados localmente;

5) Oferecendo um sistema de telediagnóstico, ou seja, a possibilidade de, usando um telefone celular, o médico que estiver atendendo uma pessoa com NF numa cidade do interior, por exemplo, possa trocar informações verbais e visuais com um profissional de plantão no CRNF em busca do melhor diagnóstico e tratamento.

6) Capacitando professores e pesquisadores por meio de estudos clínicos envolvendo as NF, pois estas pesquisas aumentam o conhecimento dos próprios profissionais dos CRNF e o seu intercâmbio científico com outros centros de referência internacionais.

Em passos iniciais, a AMANF e o CRNF do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais estão tentando realizar alguns destes seis objetivos.

Mas sabemos que a rede brasileira de atendimento público não cairá de graça em nossas mãos.

A sua construção requer nosso empenho como associação de familiares de pessoas com NF. 

Precisamos defender propostas como esta junto aos políticos que nos representam, junto às autoridades de saúde e junto às universidades. 

Defender nossa rede de atendimento junto à sociedade brasileira, em outras palavras.

Temos uma boa luta pela frente.
Soube na semana passada que o senador Romário lançou o projeto da construção de um Centro de Referência em Doenças Raras no Estado do Rio de Janeiro. Romário tem sido um apoiador da causa das doenças raras, motivado pela sua filha que nasceu com a Síndrome de Down.

Diante disso, vou apresentar o pensamento que tenho defendido sobre a questão dos centros de especialidades destinados ao atendimento das pessoas com neurofibromatoses. Uma espécie de utopia a ser alcançada.

Primeiro, vamos lembrar que as neurofibromatoses ocorrem em cerca de uma em cada 3 mil pessoas que nascem, independentemente de sua região geográfica, do nível social ou de outras características, porque é um acontecimento totalmente aleatório, casual, como um número qualquer retirado entre 3 mil bolinhas do bingo.

Assim, sabendo que a população brasileira está em torno de 205 milhões, calculamos que existam cerca de 62 mil pessoas no Brasil com neurofibromatoses (NF1, NF2 e Schwannomatose).

Considerando que cada uma delas precisa realizar uma consulta clínica com um (a) médico (a) pelo menos uma vez ao ano, descobrimos que precisamos de 62 mil consultas médicas por ano.

De forma ideal, um (a) médico (a) pode atender uma pessoa por hora, durante seis horas por dia, durante dez meses por anos. Isto indica que cada profissional poderia atender cerca de mil e duzentas consultas por ano, ou seja, precisaríamos da carga de trabalho total de 50 médicos (as) para atender apenas uma vez por ano cada uma das pessoas com neurofibromatoses.

Estas consultas seriam realizadas por médicos que, ainda que não sejam especialistas, conheçam o diagnóstico da pessoa, saibam as principais condutas em cada um dos tipos de neurofibromatose, e possam contar com um centro de referência à distância (internet) para buscar informações e tirar dúvidas.

Então precisamos de pelo menos 50 profissionais médicos (as) dedicados às neurofibromatoses, apenas para cuidarem da parte clínica, não incluindo os neurologistas, cirurgiões, radiologistas e demais especialidades que podem ser necessárias.

Considerando que estes profissionais precisam de férias e podem ter que se afastar ocasionalmente do trabalho, vamos acrescentar mais dez profissionais e teremos cerca de 60 médicos (as) necessários apenas para o acompanhamento clínico das NF no Brasil.

Sabemos que uma em cada quatro pessoas com NF apresenta as formas mais graves das doenças e requer especialistas com conhecimento mais profundo das NF. Assim, daqueles 60 médicos, precisamos que 1 em cada quatro seja especialista em NF, o que nos fornece o resultado final de 15 a 17 especialistas em NF para todo o país.

Como a distribuição das pessoas com NF acompanha a distribuição geográfica da população brasileira, os especialistas deveriam também ser distribuídos de acordo com a quantidade de pessoas a serem atendidas. Então, apenas como sugestão, apresento no quadro abaixo como deveria ser uma possível distribuição destes especialistas pelo Brasil afora.

São Paulo (São Paulo + Sul)
6
Rio (Rio + Bahia + Espírito Santo)
3
Belo Horizonte (Minas + Norte + Centro)
5
Recife (Nordeste)
3
Total
17
No momento, algumas associações de pessoas com NF estão construindo centros de informação à distância e temos 4 médicos especialistas, mas que podem se dedicar ao atendimento clínico das NF apenas em regime parcial de trabalho.

Falta muito, não?

Amanhã, comentarei uma possível saída para esta questão.
“Dr. Lor, recentemente foi noticiada nos grandes jornais, uma suposta cápsula que chamaram de “Cápsula da USP”, desenvolvida a partir de uma substância chamada Fosfoetanolamina sintética. 

Noticiaram como sendo uma possível cura para o câncer, a ANVISA então decidiu proibir, mas agora voltou atrás e decidiu liberar, mesmo que aparentemente não se tenha provado, tão pouco realizado testes que provem a sua eficácia. Sendo assim, gostaria de saber a sua opinião sobre essa cápsula, o que você como médico pensa a respeito? Caso realmente promova algum tipo de benefício, poderia ser viável utilizar em pacientes que desenvolveram o chamado tumor maligno da bainha do nervo periférico (TMBNP), visto que radioterapia e quimioterapia não são tão eficazes para esse tipo de tumor? ” AV, de local não informado.
Caro A. Obrigado pela pergunta pertinente. Aliás, por coincidência, o Dr. Dráuzio Varela falou ontem, no programa Fantástico da Rede Globo, exatamente sobre esta substância e eu estou plenamente de acordo com ele.
Confira também neste site (clique aqui uma opinião interessante apresentada num vídeo bem compreensível sobre a tal fosfoetanolamina.
Diante da sua pergunta, pesquisei no banco de dados científicos chamado PubMed, uma das principais fontes científicas confiáveis em temas relacionados à saúde, e não encontrei nenhum estudo sobre esta substância sendo testada em qualquer uma das neurofibromatoses.
Aproveito para lembrar que quando alguém diz que descobriu um remédio contra “O” câncer, devemos adotar uma posição de cautela, porque existem muitas formas diferentes de “cânceres”. Câncer é um nome histórico, usado antigamente de forma genérica para um grande grupo de doenças, sobre as quais hoje dispomos de conhecimentos suficientes para caracterizar cada uma delas.
Portanto, usar o termo “o” câncer é tão inadequado quanto chamar qualquer uma das neurofibromatoses de Doença de von Recklinghausen, porque depois de 1989 sabemos que este nome se aplicava ao que hoje sabemos serem doenças completamente diferentes entre si: NF1, NF2 e Schwannomatose.
Além disso, antigamente dávamos o nome de câncer para as doenças que hoje chamamos de neoplasias, as quais podem ser de evolução benigna ou maligna. Nas neurofibromatoses, por exemplo, temos diversas neoplasias tanto de evolução benigna (neurofibromas, schwannomas, gliomas, meningiomas, etc.) e malignas (tumor maligno da bainha do nervo periférico, gliobastomas, alguns feocromocitomas, etc.).
Este conceito de benigno ou maligno refere-se apenas ao aspecto das células encontradas nos tumores, as quais definem a provável evolução da doença: crescimento rápido, invasão dos tecidos vizinhos, metástases e grande risco de morte se não tratadas (as malignas); ou de crescimento lento, restrito a determinado local, pouca invasão de tecidos vizinhos, sem metástases e baixo risco de morte (as benignas).
É preciso lembrar que do ponto de vista funcional, para a pessoa acometida por uma neoplasia, mesmo que ela seja “benigna” (quanto às células que a formam), como um neurofibroma plexiforme (na NF1) ou um schwannoma do nervo vestibular (na NF2), a doença pode ser muito problemática para a pessoa: por exemplo, o plexiforme pode causar grave deformidade facial ou o schwannoma vestibular pode levar à surdez e desequilíbrio.
Portanto, nem sempre a palavra “benigna” é usada da mesma forma pelo médico e pela pessoa com uma das neurofibromatoses.

” Peço-lhes a permissão para contar a história de um menino, que vamos chamar de Breno, uma história que pode nos revelar algumas coisas importantes.
Assim que Breno nasceu, durante seu primeiro banho, a enfermeira percebeu que ele apresentava mais de cinco manchas na pele, todas elas cor de café com leite, e alertou o pediatra. O médico, por sua vez, suspeitou de neurofibromatose do tipo 1, uma doença genética, e comunicou aos pais do Breno a sua impressão e pediu a eles que procurassem o pediatra no posto de saúde do seu bairro.
No posto de saúde, a médica que examinou o Breno, também observou mais de cinco manchas café com leite, cada uma delas com mais de meio centímetro, e encaminhou o menino para um centro de referência para confirmar o seu diagnóstico de neurofibromatose do tipo 1.
No centro de referência, Breno teve seu diagnóstico de neurofibromatose do tipo 1 confirmado e a família foi orientada, assim como a médica do posto de saúde, para os controles anuais que deveriam ser realizados, – com atenção especial sobre um tumor benigno que Breno apresentava na face, chamado neurofibroma plexiforme. Os pais foram esclarecidos sobre as causas da doença e receberam aconselhamento genético.
Os controles foram realizados corretamente e Breno foi se desenvolvendo relativamente bem, embora um pouco abaixo do peso e da estatura ideais.
Assim que entrou para a escola, apesar de ser um menino afetivo e bem-humorado, Breno apresentou dificuldades de aprendizado e as professoras foram informadas sobre sua doença.  Elas receberam cartilhas de esclarecimento e deram atenção especial ao menino, que assim conseguiu acompanhar os colegas.
Quando a família de Breno enfrentou dificuldades econômicas, o serviço de assistência social do município conseguiu ajudar o grupo familiar na superação da crise e o apoio psicológico oferecido pelo centro de referencia amenizou as complicações causadas pela doença do menino.
Aos dez anos, o tumor na face do Breno apresentou um crescimento maior do que o esperado e a médica do posto de saúde solicitou nova avaliação no centro de referência em neurofibromatoses, onde foi providenciada uma tomografia com emissão de pósitrons, que mostrou aumento na captação de glicose pelo tumor, o que sugeria uma possível transformação maligna do tumor, embora este acontecimento seja pouco comum antes dos vinte anos.
Diante disso, Breno foi submetido a uma biópsia que revelou o início de uma transformação maligna, e este dado motivou a retirada imediata do núcleo do tumor, seguida de quimioterapia e reconstituição da face com cirurgia plástica.
Breno recuperou-se do tratamento, – perdeu algumas notas na escola, é claro, – mas está bem, realizando seus controles periódicos há dois anos, sem sinais de novas complicações.
As pessoas que possuem qualquer uma das neurofibromatoses e seus pais, assim como todas as demais pessoas que me ouvem e que conhecem a realidade das doenças raras, devem estar incrédulas diante da história do Breno.
E vocês têm razão de estarem admiradas com este meu relato, – uma história que poderia ter acontecido assim, mas – não aconteceu.
Os profissionais de saúde não perceberam as manchas do Breno ao nascimento.
Eles também não perceberam a neurofibromatose no posto de saúde ou em qualquer outro momento em que se aproximaram do menino.
Os pais de Breno se separaram depois que o pai, embriagado, espancara o menino que não parava de chorar; meses depois o pai foi preso por assassinato e cumpre pena numa penitenciária de Minas Gerais.
A família se desintegrou, a mãe mudou-se para o interior com duas irmãs de Breno e ele foi deixado na casa de parentes em Belo Horizonte.
A escola pública não compreendeu as dificuldades de Breno, ele não recebeu qualquer atenção especial por causa de sua doença, – pelo contrário, e ele tornou-se progressivamente isolado pela discriminação dos colegas.
Uma de suas tias, preocupada com o caroço que crescia no rosto do menino, procurou ajuda na internet e encontrou nosso centro de referência no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
Mas era tarde.
Breno faleceu meses depois na casa de sua tia recebendo morfina e outros cuidados paliativos, depois do fracasso da quimioterapia e da radioterapia.
Breno tinha apenas doze anos de idade.
Breno nasceu por acaso com uma doença rara, a neurofibromatose do tipo 1, que acomete cerca de 80 mil brasileiros. Como acontece nas demais doenças raras, as pessoas com neurofibromatose sofrem muito com o desconhecimento técnico, científico, social e político de sua doença.
O desconhecimento significa angústia, solidão, desamparo, danos físicos e psicológicos para as pessoas doentes e seus familiares;
O desconhecimento gera insegurança para os profissionais da saúde, despertando sua impotência, levando-os a reagirem com negação, indiferença, abandono, negligência, omissão e imperícia;
O desconhecimento de uma doença pela sociedade faz com que a doença não tenha representação social, ou seja, as pessoas não sabem como se sentir diante da pessoa que carrega aquela doença, o que resulta em falta de empatia, em baixa solidariedade e preconceito.
O resultado deste desconhecimento geral é a perda da nossa humanidade.
Precisamos conhecer para compreender.
Precisamos conhecer para aceitar.
Precisamos conhecer para amar.
Precisamos conhecer para cuidar.”
Fiz este depoimento no Congresso Nacional, em Brasília, no dia 26 de fevereiro de 2014, por ocasião de um evento promovido pela Associação Maria Vitória de Doenças Raras com o apoio de alguns deputados e senadores.
Se nas eleições nós elegermos políticos mais comprometidos com as pessoas e sem financiamento de empresas corruptoras, podemos esperar um futuro melhor do que o que estamos presenciando neste momento no Congresso Nacional.
Quem sabe assim teremos recursos financeiros para a saúde para evitarmos a repetição da história do menino Breno.

Até a próxima semana.

Ontem respondi parte da pergunta de uma família que indagava se alguma coisa poderia ter acontecido durante a gestação de sua filha, causando a sua doença, a NF1.

Apesar da família que me enviou a pergunta não ser de médicos ou profissionais da área biológica, imaginei que já conhecessem a informação de que a CAUSA ou as CAUSAS das mutações que provocam as neurofibromatoses ainda não é conhecida até o momento.
De qualquer forma, compreendo que esta atitude é natural entre todos nós seres humanos, que procuramos achar relações de causa e efeito em tudo que observamos. Nosso cérebro sempre procura padrões e não está preparado para lidar com o aleatório, com aquilo que acontece puramente por acaso (ver livro do Ramon Cosenza, comentado neste blog).
O problema é quando nesta busca por causas dos efeitos observados, identificamos suspeitos que imediatamente se tornam culpados pela doença de nossas crianças. Às vezes é o álcool do pai, outras o cigarro da mãe, pode ser o estresse da família, o primo que tem um problema mental, a alimentação rica nisso ou pobre naquilo, o agrotóxico nos alimentos. Esta busca além de injusta, pode terminar com sentimentos de hostilidade contra o outro (suposto culpado) ou contra nós mesmos: por fui fazer aquilo?
Infelizmente, até mesmo ideias religiosas podem ser usadas para “justificar” a doença: ela está pagando pelos pecados do pai ou da mãe, ou de vidas passadas, etc.
No entanto, nada, mas absolutamente nada mesmo, que ocorra durante a gestação deve contribuir para a existência da mutação (que já estava presente antes da fecundação, repito) e, consequentemente, da existência da doença, que irá se manifestar sempre que houver a mutação.
No entanto, uma vez que existe a mutação (no genótipo), ainda não sabemos se o curso da gestação poderia afetar a expressão corporal da mutação (o fenótipo): por exemplo, se a gravidade da doença poderia ser maior ou menor, se a dificuldade de aprendizagem seria mais acentuada ou não, se os sintomas seriam mais tardios ou precoces, etc. Ou seja, não sabemos os efeitos das condições da gestação, incluindo o estresse materno ou familiar, sobre a expressão clínica das neurofibromatoses.
Além disso, as formas raríssimas de neurofibromatose segmentar (que surgem depois da fecundação) merecem um estudo no futuro, pois não sabemos se há algo durante a gestação que poderia contribuir para o aparecimento da mutação em apenas uma célula que dará origem, por exemplo, a uma das pernas (ver neste blog neurofibromatose segmentar).
Portanto, independentemente da presença ou não da mutação num bebê, a sociedade precisa dar condições para que toda gestação seja realizada nas melhores condições ambientais possíveis: sociais, emocionais, de saúde e econômicas.

Nesta semana, um pai apresentou-me a seguinte pergunta: “Fiquei pensando em que momento ocorre a alteração do gene. É logo na concepção? Ou no desenvolvimento do óvulo? E também sobre o que pode causar a mutação. Fiquei matutando sobre isso porque me lembrei que apesar da gravidez da minha filha (que tem NF1) ter sida a mais calma de todos meus filhos, os meses que antecederam foram muito tumultuados e, quem sabe, forem essas pressões externas que fizeram acontecer a alteração do gene? ”
Esta pergunta ganha maior importância pelo fato de ter sido formulada por uma família com longa experiência em NF1 e por isso eu imaginava que já soubessem que a mutação no gene ocorre de forma aleatória, isto é, totalmente ao acaso e durante a formação do espermatozoide (80% das vezes) ou do óvulo (20% das vezes). Além disso, pensei já ter esclarecido esta questão neste blog algumas vezes (ver na caixa de assuntos deste blog), do qual a família é leitora assídua.
Por isso, vale a pena tentar tornar mais compreensível o problema.
Sabemos que a mutação (troca de uma letra, por exemplo, no código do DNA) acontece na duplicação do material genético que ocorre no testículo para formar o espermatozoide ou no ovário, para formar o óvulo. Ou seja, o problema acontece ANTES da fecundação e da gestação.
Quando o óvulo e o espermatozoide se encontram e dão origem a uma nova pessoa, todas as suas células serão formadas com metade dos genes provenientes do pai e outra metade proveniente da mãe. Durante a atividade natural das células, elas formam proteínas para o seu funcionamento, crescimento e metabolismo.
A metade genética que contiver a mutação no gene da NF1 (ou NF2 ou Schwannomatose) que veio no espermatozoide ou no óvulo, produzirá uma proteína defeituosa, porque o código genético para a sua formação está alterado, o que atrapalha o funcionamento da célula.
Quando a proteína defeituosa ou nenhuma proteína é produzida, o desenvolvimento do bebê fica prejudicado em algumas partes e ele nasce com alguns sinais e sintomas, que já são visíveis ao nascimento ou aparecem ao longo da vida, e que constituem a doença genética, no caso aqui, uma das neurofibromatoses.

Para não ficar muito longo este texto, amanhã concluirei minha opinião.
1) Medicamento da USP para “câncer” serve para NF?
Recentemente foi noticiado nos grandes jornais, uma suposta cápsula que chamaram de “Cápsula da USP”, desenvolvida a partir de uma substância chamada “fosfoetanolamina sintética”, noticiaram como sendo uma possível cura para o câncer, a ANVISA então decidiu proibir, mas agora voltou atrás e decidiu liberar, mesmo que aparentemente não se tenha provado, tão pouco realizado testes que provem a sua eficácia. Sendo assim, gostaria de saber a sua opinião sobre essa cápsula, o que você como Médico pensa a respeito? Caso realmente promova algum tipo de benefício, poderia ser viável utilizar em pacientes que desenvolveram o chamado tumor maligno da bainha do nervo periférico (TMBNP), visto que radioterapia e quimioterapia não são tão eficazes para esse tipo de tumor? Obrigado. AV, de local ignorado.

Caro A. Obrigado pela pergunta interessante. Infelizmente, não há qualquer estudo científico sobre esta substância em pessoas com NF1. Para você ter uma ideia de como a tal fosfoetanolamina não é relevante no momento, a palavra nem mesmo consta do PubMed, o principal site onde procuramos publicações científicas confiáveis.

Assim, minha opinião sobre esta substância é semelhante à deste site aqui . Se ainda tiver dúvida volte a entrar em contato comigo. Você tem algum tumor que o preocupa? Ligue para nosso atendimento: (31) 3409 9560.

2) Precisamos de teste de DNA para fazer o diagnóstico de NF1?

Estou escrevendo pois não estou mais aguentando tamanha aflição de saber que meu filho pode ter NF1. Logo após o nascimento percebemos que ele começou a apresentar várias manchas café com leite, hoje este está com 10 meses e continua surgindo manchas. A pediatra solicitou vários exames, oftalmológico, neurológico e com dermatologista e como graças a Deus todos os exames estão normais nos encaminhou a uma geneticista. Após a consulta, a geneticista disse que não estava parecendo NF1 em razão da tonalidade das manchas, mais clarinhas, e meu filho é loirinho, porém solicitou um exame genético para tirar a dúvida. Estou tentando a liberação do exame pelo plano de saúde, mas não está fácil e está demora está me consumindo por dentro. Meu filho vem se desenvolvendo normalmente, tamanho, peso, aprendizado etc. Gostaria de saber se a cor da mancha pode indicar se é ou não NF1?
Caro E. Veja neste blog (clique aqui) os critérios para o diagnóstico de NF1. Geralmente não precisamos de teste de DNA para o diagnóstico e quando encontramos mais de 5 manchas café com leite a probabilidade de ser NF1 é de 95%. Mas o melhor é uma pessoa com experiência em NF ver seu filho. Ligue para nosso atendimento (31) 3409 9560.
3) Dificuldade de aprendizagem faz parte da NF1?
Meu filho tem neurofibromatose e ele tem dificuldade em aprender, ele já tem 17 anos e quando vai fazer concurso ele não entende nada, mas ele sabe, só não consegue expressar. Isso faz parte da doença.

Cara CS. Provavelmente sim, veja neste blog (clique aqui) que já respondi sobre este assunto. Se precisar de orientações mais pessoais, ligue para (31) 3409 9560.
Tenho um filho e uma filha com NF1 que foi herdada do pai. Todos sofrem discriminação por causa das suas manchas café com leite e dificuldades de aprendizagem e meu marido por causa de um neurofibroma no rosto. 

Como enfrentar estes problemas? PG, de Porto Alegre, RGS.

Cara P, obrigado pela sua dúvida que deve ser comum a muitas famílias com NF1 e outros problemas de saúde, que se tornam visíveis e que causam estranhamento nas demais pessoas.

Primeiro, é preciso lembrar que, mesmo sem a NF1, quase toda pessoa tem alguma coisa em particular que pode a tornar alvo da discriminação e brincadeiras ofensivas das demais pessoas. Umas porque são altas, outras porque são magras, outras muito brancas, outras com sardas, outras porque usam óculos, outras porque têm os dentes grandes e por aí vamos.

Como diz a música “Bailarina” do Chico Buarque, “procurando bem, todo mundo tem pereba, só a bailarina é que não tem”. Como ninguém é a bailarina ideal, todos teremos algo que nos diferencia dos demais.

Nesta semana, minha filha Ana enviou-me um pensamento que ela coletou durante uma reunião em que participou representando um grupo de ateus: o Encontro Estadual de Respeito à Diversidade Religiosa.

“Temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito de ser diferentes, quando a igualdade nos descaracteriza”.

Adaptando este pensamento para a NF1, seu filho e sua filha têm o direito de serem tratados como todas as outras crianças, com respeito e oportunidades iguais e, especialmente, como pessoas capazes de realizarem plenamente seu potencial humano no futuro. Neste sentido, a diferença apresentada pelas manchas café com leite não pode servir de qualquer pretexto para inferiorizar as crianças com NF1.

Da mesma forma, a presença do neurofibroma no rosto ou na pele não pode afastar seu marido do convívio social e restringir seus direitos como ser humano. 

Li recentemente no excelente livro de Andrew Solomon (“Longe da Árvore – pais, filhos e a busca da identidade”, de 2013) que Martha Undercoffer, que é anã e pertence a uma associação de anões nos Estados Unidos adotou a seguinte prática: quando alguém olha para ela de forma estranha, ela entrega para a pessoa um cartão do bolso no qual está escrito: “Sim, notei o seu comportamento em relação a mim.” E no verso do cartão ela escreveu: “Creio que você não pretende causar nenhum dano com suas ações e comentários, porém eles causaram mal e não foram apreciados. Se você quiser saber mais sobre indivíduos com nanismo, por favor, visite www.lpaonline.org “.  

Comportamento parecido adotou o Reggie Bibbs (foto acima), que é uma pessoa com NF1 e que tem um neurofibroma plexiforme que causou grande deformidade em sua face. É natural que todas as pessoas olhem para ele com espanto, porque nosso cérebro foi desenvolvido para ter uma fantástica capacidade de identificar mínimos detalhes nas expressões faciais. Somos peritos nisso e ficamos perplexos quando uma deformidade nos impede de reconhecer o humano que nos é familiar, assim como os significados emocionais que a face expressa. Então, inevitavelmente deixamos escapar caras de espanto e, infelizmente, de medo e repulsa. Para enfrentar isto, Reggie Bibbs criou um site onde divulga sua doença e por onde vai veste suas camisetas que mostram sua deformidade e convidam as pessoas a perguntarem a ele o que ele tem (mais informações sobre ele aqui aqui).

Por outro lado, as dificuldades de aprendizagem, que afetam a maioria das pessoas com NF1, constituem uma diferença que necessita de atenção especial dos professores e não pode ser tratada da mesma forma que as demais crianças nem motivo de discriminação. Por exemplo, dar mais tempo para seu filho e sua filha realizarem uma tarefa é um direito das suas crianças e é um dever da escola e não um privilégio.

Equilibrar a garantia do tratamento especial (naquilo que é fundamental) com a inclusão social (nas demais atividades que podem ser realizadas de forma semelhante) é um desafio para todos aqueles que lidam com pessoas com NF1.

Um desafio que pode ser enfrentado com mais conhecimento sobre a diferença, mais tolerância para com o outro, mais delicadeza na convivência, mais respeito pela diversidade: em outras palavras, buscar a empatia como a maior virtude humana.

Just LOVE, diria o Reggie Bibbs.
Minha filha tem NF1 e não gosta de frutas e verduras, somente de batata frita e hambúrguer e aumentou de peso nos dois últimos anos. 

Já fiz tudo o que posso, mas ela não colabora para emagrecer. 
O que mais devo fazer? CVP, de Belo Horizonte, MG.
Prezada C, obrigado pela sua pergunta. Aproveitando que você é de Belo Horizonte, convido você e sua família (e a todas as pessoas que puderem) para as atividades que serão realizadas neste domingo em comemoração ao Dia das Crianças na Praça JK, no bairro Sion. Entre as muitas atrações para as crianças, teremos uma campanha da Sociedade Mineira de Pediatria de combate à obesidade infantil (ver aqui).
Sabemos que as dificuldades dietéticas são comuns nas pessoas com NF1, com padrões restritos de ingestão de determinados alimentos e especialmente de frutas e verduras. Além disso, por motivos ainda desconhecidos, a maioria das pessoas com NF1 apresenta baixo peso ou peso corporal abaixo da média da população em geral (exceto cerca de 5% que apresenta alta estatura e que podem ser casos de deleção dos genes – clique aqui para ver neste blog este assunto). 
Há 11 anos, quando começamos o atendimento clínico no Centro de Referência em Neurofibromatoses, o comum era encontrarmos pessoas com NF1 com baixo peso e raramente encontrávamos uma delas com sobrepeso e praticamente nunca com obesidade. 

No entanto, de uns quatro anos para cá temos observado progressivamente o aumento do sobrepeso e alguns casos de obesidade em pessoas com NF1, especialmente entre crianças.
Quando procuramos saber o comportamento alimentar destas pessoas, percebemos que há um excesso da ingestão de açúcar na forma de refrigerantes, sucos adoçados artificialmente, doces e guloseimas industrializadas (clique aqui para ver um resultado de nossas pesquisas sobre este assunto).

Infelizmente, a epidemia de obesidade infantil que acomete a população em geral parece estar chegando às pessoas com NF1 pelas pressões da sociedade pelo consumo de produtos industrializados de alto conteúdo de açúcar.
Preciso registrar que na NF2 e na Schwannomatose não há relações estabelecidas entre peso corporal e estas doenças.
Não é fácil combater a obesidade. Por isso a Sociedade Mineira de Pediatria lançou uma campanha de combate à obesidade infantil que agora foi abraçada pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Tive a grande satisfação de ajudar na elaboração da cartilha usada na campanha e que está disponível (clique aqui) .
Se você ou se alguém de sua família está com sobrepeso ou obesidade, clique aqui para baixar a cartilha que foi produzida para ajudar nesta luta que precisa de todos unidos contra a obesidade e suas consequências para a saúde.
Mesmo que estejam todos com o peso normal, vale a pena ver a cartilha para nos ajudar a prevenir contra a obesidade. Bom final de semana.


Li no seu blog que a expectativa de vida é menor na NF1. Por quê? MCCRP, Rio de Janeiro.
Cara MC, obrigado pela oportunidade de tentar esclarecer esta questão.
Antes de tudo, é preciso dizer que os estudos sobre a expectativa de vida na NF1 são baseados em atestados de óbitos, os quais podem apresentar distorções.  Por exemplo, menos da metade dos atestados de óbito registra a NF1 como uma doença envolvida na morte de pessoas que sabidamente tinham a doença, e nas quais a causa da morte provavelmente estaria relacionada com a NF1.
Os estudos mais recentes sobre as causas de morte na NF1 têm mostrado que, apesar de alguns anos de redução da expectativa de vida, cerca de 50% das pessoas com NF1 podem viver acima dos 71 anos. Ou seja, poderia haver um pouco mais de óbitos em pessoas com NF1 numa faixa etária mais jovem.
Os 50% que morrem antes dos 71 anos teriam como principais causas de morte os tumores malignos da bainha do nervo periférico (TMBNP), geralmente decorrentes da transformação maligna de um neurofibroma plexiforme volumoso e profundo. 

Em segundo lugar, a morte poderia ocorrer precocemente como consequência daqueles raros casos de gliomas ópticos que evoluem de forma agressiva. É importante lembrar que estas mortes por glioma óptico ocorrem geralmente antes dos 20 anos.
No entanto, ao contrário do que pensávamos, se descontarmos os TMBNP e os gliomas ópticos agressivos, alguns estudos mostraram que apesar de um pouco mais frequentes (câncer de mama, câncer de estômago e leucemia mieloide) as pessoas com NF1 não apresentam maior chance de morrer destas e de outras formas de câncer do que a população em geral.
Por outro lado, há uma suspeita de que as mortes de pessoas com NF1 em decorrência de doenças cardiovasculares podem ser quatro vezes mais frequentes do que na população em geral, talvez em decorrência de outros problemas vasculares possivelmente diferentes da doença aterosclerótica.
Um estudo bastante confiável publicado em 2011 pelo grupo da Dra. Susan Huson (ver aqui) mostrou que a expectativa média de vida para pessoas com NF1 é de 71,5 anos (mulheres 75,5), ou seja,  cerca de 8 anos a menos do que a população da mesma região (Inglaterra).
Em conjunto, os TMBNP, os gliomas ópticos agressivos e as doenças vasculares seriam responsáveis por esta redução de cerca de 8 anos em relação à população em geral. É com estes dados que trabalhamos no momento.