Ontem respondi parte da pergunta de uma família que indagava se alguma coisa poderia ter acontecido durante a gestação de sua filha, causando a sua doença, a NF1.

Apesar da família que me enviou a pergunta não ser de médicos ou profissionais da área biológica, imaginei que já conhecessem a informação de que a CAUSA ou as CAUSAS das mutações que provocam as neurofibromatoses ainda não é conhecida até o momento.
De qualquer forma, compreendo que esta atitude é natural entre todos nós seres humanos, que procuramos achar relações de causa e efeito em tudo que observamos. Nosso cérebro sempre procura padrões e não está preparado para lidar com o aleatório, com aquilo que acontece puramente por acaso (ver livro do Ramon Cosenza, comentado neste blog).
O problema é quando nesta busca por causas dos efeitos observados, identificamos suspeitos que imediatamente se tornam culpados pela doença de nossas crianças. Às vezes é o álcool do pai, outras o cigarro da mãe, pode ser o estresse da família, o primo que tem um problema mental, a alimentação rica nisso ou pobre naquilo, o agrotóxico nos alimentos. Esta busca além de injusta, pode terminar com sentimentos de hostilidade contra o outro (suposto culpado) ou contra nós mesmos: por fui fazer aquilo?
Infelizmente, até mesmo ideias religiosas podem ser usadas para “justificar” a doença: ela está pagando pelos pecados do pai ou da mãe, ou de vidas passadas, etc.
No entanto, nada, mas absolutamente nada mesmo, que ocorra durante a gestação deve contribuir para a existência da mutação (que já estava presente antes da fecundação, repito) e, consequentemente, da existência da doença, que irá se manifestar sempre que houver a mutação.
No entanto, uma vez que existe a mutação (no genótipo), ainda não sabemos se o curso da gestação poderia afetar a expressão corporal da mutação (o fenótipo): por exemplo, se a gravidade da doença poderia ser maior ou menor, se a dificuldade de aprendizagem seria mais acentuada ou não, se os sintomas seriam mais tardios ou precoces, etc. Ou seja, não sabemos os efeitos das condições da gestação, incluindo o estresse materno ou familiar, sobre a expressão clínica das neurofibromatoses.
Além disso, as formas raríssimas de neurofibromatose segmentar (que surgem depois da fecundação) merecem um estudo no futuro, pois não sabemos se há algo durante a gestação que poderia contribuir para o aparecimento da mutação em apenas uma célula que dará origem, por exemplo, a uma das pernas (ver neste blog neurofibromatose segmentar).
Portanto, independentemente da presença ou não da mutação num bebê, a sociedade precisa dar condições para que toda gestação seja realizada nas melhores condições ambientais possíveis: sociais, emocionais, de saúde e econômicas.

Nesta semana, um pai apresentou-me a seguinte pergunta: “Fiquei pensando em que momento ocorre a alteração do gene. É logo na concepção? Ou no desenvolvimento do óvulo? E também sobre o que pode causar a mutação. Fiquei matutando sobre isso porque me lembrei que apesar da gravidez da minha filha (que tem NF1) ter sida a mais calma de todos meus filhos, os meses que antecederam foram muito tumultuados e, quem sabe, forem essas pressões externas que fizeram acontecer a alteração do gene? ”
Esta pergunta ganha maior importância pelo fato de ter sido formulada por uma família com longa experiência em NF1 e por isso eu imaginava que já soubessem que a mutação no gene ocorre de forma aleatória, isto é, totalmente ao acaso e durante a formação do espermatozoide (80% das vezes) ou do óvulo (20% das vezes). Além disso, pensei já ter esclarecido esta questão neste blog algumas vezes (ver na caixa de assuntos deste blog), do qual a família é leitora assídua.
Por isso, vale a pena tentar tornar mais compreensível o problema.
Sabemos que a mutação (troca de uma letra, por exemplo, no código do DNA) acontece na duplicação do material genético que ocorre no testículo para formar o espermatozoide ou no ovário, para formar o óvulo. Ou seja, o problema acontece ANTES da fecundação e da gestação.
Quando o óvulo e o espermatozoide se encontram e dão origem a uma nova pessoa, todas as suas células serão formadas com metade dos genes provenientes do pai e outra metade proveniente da mãe. Durante a atividade natural das células, elas formam proteínas para o seu funcionamento, crescimento e metabolismo.
A metade genética que contiver a mutação no gene da NF1 (ou NF2 ou Schwannomatose) que veio no espermatozoide ou no óvulo, produzirá uma proteína defeituosa, porque o código genético para a sua formação está alterado, o que atrapalha o funcionamento da célula.
Quando a proteína defeituosa ou nenhuma proteína é produzida, o desenvolvimento do bebê fica prejudicado em algumas partes e ele nasce com alguns sinais e sintomas, que já são visíveis ao nascimento ou aparecem ao longo da vida, e que constituem a doença genética, no caso aqui, uma das neurofibromatoses.

Para não ficar muito longo este texto, amanhã concluirei minha opinião.
1) Medicamento da USP para “câncer” serve para NF?
Recentemente foi noticiado nos grandes jornais, uma suposta cápsula que chamaram de “Cápsula da USP”, desenvolvida a partir de uma substância chamada “fosfoetanolamina sintética”, noticiaram como sendo uma possível cura para o câncer, a ANVISA então decidiu proibir, mas agora voltou atrás e decidiu liberar, mesmo que aparentemente não se tenha provado, tão pouco realizado testes que provem a sua eficácia. Sendo assim, gostaria de saber a sua opinião sobre essa cápsula, o que você como Médico pensa a respeito? Caso realmente promova algum tipo de benefício, poderia ser viável utilizar em pacientes que desenvolveram o chamado tumor maligno da bainha do nervo periférico (TMBNP), visto que radioterapia e quimioterapia não são tão eficazes para esse tipo de tumor? Obrigado. AV, de local ignorado.

Caro A. Obrigado pela pergunta interessante. Infelizmente, não há qualquer estudo científico sobre esta substância em pessoas com NF1. Para você ter uma ideia de como a tal fosfoetanolamina não é relevante no momento, a palavra nem mesmo consta do PubMed, o principal site onde procuramos publicações científicas confiáveis.

Assim, minha opinião sobre esta substância é semelhante à deste site aqui . Se ainda tiver dúvida volte a entrar em contato comigo. Você tem algum tumor que o preocupa? Ligue para nosso atendimento: (31) 3409 9560.

2) Precisamos de teste de DNA para fazer o diagnóstico de NF1?

Estou escrevendo pois não estou mais aguentando tamanha aflição de saber que meu filho pode ter NF1. Logo após o nascimento percebemos que ele começou a apresentar várias manchas café com leite, hoje este está com 10 meses e continua surgindo manchas. A pediatra solicitou vários exames, oftalmológico, neurológico e com dermatologista e como graças a Deus todos os exames estão normais nos encaminhou a uma geneticista. Após a consulta, a geneticista disse que não estava parecendo NF1 em razão da tonalidade das manchas, mais clarinhas, e meu filho é loirinho, porém solicitou um exame genético para tirar a dúvida. Estou tentando a liberação do exame pelo plano de saúde, mas não está fácil e está demora está me consumindo por dentro. Meu filho vem se desenvolvendo normalmente, tamanho, peso, aprendizado etc. Gostaria de saber se a cor da mancha pode indicar se é ou não NF1?
Caro E. Veja neste blog (clique aqui) os critérios para o diagnóstico de NF1. Geralmente não precisamos de teste de DNA para o diagnóstico e quando encontramos mais de 5 manchas café com leite a probabilidade de ser NF1 é de 95%. Mas o melhor é uma pessoa com experiência em NF ver seu filho. Ligue para nosso atendimento (31) 3409 9560.
3) Dificuldade de aprendizagem faz parte da NF1?
Meu filho tem neurofibromatose e ele tem dificuldade em aprender, ele já tem 17 anos e quando vai fazer concurso ele não entende nada, mas ele sabe, só não consegue expressar. Isso faz parte da doença.

Cara CS. Provavelmente sim, veja neste blog (clique aqui) que já respondi sobre este assunto. Se precisar de orientações mais pessoais, ligue para (31) 3409 9560.
Tenho um filho e uma filha com NF1 que foi herdada do pai. Todos sofrem discriminação por causa das suas manchas café com leite e dificuldades de aprendizagem e meu marido por causa de um neurofibroma no rosto. 

Como enfrentar estes problemas? PG, de Porto Alegre, RGS.

Cara P, obrigado pela sua dúvida que deve ser comum a muitas famílias com NF1 e outros problemas de saúde, que se tornam visíveis e que causam estranhamento nas demais pessoas.

Primeiro, é preciso lembrar que, mesmo sem a NF1, quase toda pessoa tem alguma coisa em particular que pode a tornar alvo da discriminação e brincadeiras ofensivas das demais pessoas. Umas porque são altas, outras porque são magras, outras muito brancas, outras com sardas, outras porque usam óculos, outras porque têm os dentes grandes e por aí vamos.

Como diz a música “Bailarina” do Chico Buarque, “procurando bem, todo mundo tem pereba, só a bailarina é que não tem”. Como ninguém é a bailarina ideal, todos teremos algo que nos diferencia dos demais.

Nesta semana, minha filha Ana enviou-me um pensamento que ela coletou durante uma reunião em que participou representando um grupo de ateus: o Encontro Estadual de Respeito à Diversidade Religiosa.

“Temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito de ser diferentes, quando a igualdade nos descaracteriza”.

Adaptando este pensamento para a NF1, seu filho e sua filha têm o direito de serem tratados como todas as outras crianças, com respeito e oportunidades iguais e, especialmente, como pessoas capazes de realizarem plenamente seu potencial humano no futuro. Neste sentido, a diferença apresentada pelas manchas café com leite não pode servir de qualquer pretexto para inferiorizar as crianças com NF1.

Da mesma forma, a presença do neurofibroma no rosto ou na pele não pode afastar seu marido do convívio social e restringir seus direitos como ser humano. 

Li recentemente no excelente livro de Andrew Solomon (“Longe da Árvore – pais, filhos e a busca da identidade”, de 2013) que Martha Undercoffer, que é anã e pertence a uma associação de anões nos Estados Unidos adotou a seguinte prática: quando alguém olha para ela de forma estranha, ela entrega para a pessoa um cartão do bolso no qual está escrito: “Sim, notei o seu comportamento em relação a mim.” E no verso do cartão ela escreveu: “Creio que você não pretende causar nenhum dano com suas ações e comentários, porém eles causaram mal e não foram apreciados. Se você quiser saber mais sobre indivíduos com nanismo, por favor, visite www.lpaonline.org “.  

Comportamento parecido adotou o Reggie Bibbs (foto acima), que é uma pessoa com NF1 e que tem um neurofibroma plexiforme que causou grande deformidade em sua face. É natural que todas as pessoas olhem para ele com espanto, porque nosso cérebro foi desenvolvido para ter uma fantástica capacidade de identificar mínimos detalhes nas expressões faciais. Somos peritos nisso e ficamos perplexos quando uma deformidade nos impede de reconhecer o humano que nos é familiar, assim como os significados emocionais que a face expressa. Então, inevitavelmente deixamos escapar caras de espanto e, infelizmente, de medo e repulsa. Para enfrentar isto, Reggie Bibbs criou um site onde divulga sua doença e por onde vai veste suas camisetas que mostram sua deformidade e convidam as pessoas a perguntarem a ele o que ele tem (mais informações sobre ele aqui aqui).

Por outro lado, as dificuldades de aprendizagem, que afetam a maioria das pessoas com NF1, constituem uma diferença que necessita de atenção especial dos professores e não pode ser tratada da mesma forma que as demais crianças nem motivo de discriminação. Por exemplo, dar mais tempo para seu filho e sua filha realizarem uma tarefa é um direito das suas crianças e é um dever da escola e não um privilégio.

Equilibrar a garantia do tratamento especial (naquilo que é fundamental) com a inclusão social (nas demais atividades que podem ser realizadas de forma semelhante) é um desafio para todos aqueles que lidam com pessoas com NF1.

Um desafio que pode ser enfrentado com mais conhecimento sobre a diferença, mais tolerância para com o outro, mais delicadeza na convivência, mais respeito pela diversidade: em outras palavras, buscar a empatia como a maior virtude humana.

Just LOVE, diria o Reggie Bibbs.
Minha filha tem NF1 e não gosta de frutas e verduras, somente de batata frita e hambúrguer e aumentou de peso nos dois últimos anos. 

Já fiz tudo o que posso, mas ela não colabora para emagrecer. 
O que mais devo fazer? CVP, de Belo Horizonte, MG.
Prezada C, obrigado pela sua pergunta. Aproveitando que você é de Belo Horizonte, convido você e sua família (e a todas as pessoas que puderem) para as atividades que serão realizadas neste domingo em comemoração ao Dia das Crianças na Praça JK, no bairro Sion. Entre as muitas atrações para as crianças, teremos uma campanha da Sociedade Mineira de Pediatria de combate à obesidade infantil (ver aqui).
Sabemos que as dificuldades dietéticas são comuns nas pessoas com NF1, com padrões restritos de ingestão de determinados alimentos e especialmente de frutas e verduras. Além disso, por motivos ainda desconhecidos, a maioria das pessoas com NF1 apresenta baixo peso ou peso corporal abaixo da média da população em geral (exceto cerca de 5% que apresenta alta estatura e que podem ser casos de deleção dos genes – clique aqui para ver neste blog este assunto). 
Há 11 anos, quando começamos o atendimento clínico no Centro de Referência em Neurofibromatoses, o comum era encontrarmos pessoas com NF1 com baixo peso e raramente encontrávamos uma delas com sobrepeso e praticamente nunca com obesidade. 

No entanto, de uns quatro anos para cá temos observado progressivamente o aumento do sobrepeso e alguns casos de obesidade em pessoas com NF1, especialmente entre crianças.
Quando procuramos saber o comportamento alimentar destas pessoas, percebemos que há um excesso da ingestão de açúcar na forma de refrigerantes, sucos adoçados artificialmente, doces e guloseimas industrializadas (clique aqui para ver um resultado de nossas pesquisas sobre este assunto).

Infelizmente, a epidemia de obesidade infantil que acomete a população em geral parece estar chegando às pessoas com NF1 pelas pressões da sociedade pelo consumo de produtos industrializados de alto conteúdo de açúcar.
Preciso registrar que na NF2 e na Schwannomatose não há relações estabelecidas entre peso corporal e estas doenças.
Não é fácil combater a obesidade. Por isso a Sociedade Mineira de Pediatria lançou uma campanha de combate à obesidade infantil que agora foi abraçada pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Tive a grande satisfação de ajudar na elaboração da cartilha usada na campanha e que está disponível (clique aqui) .
Se você ou se alguém de sua família está com sobrepeso ou obesidade, clique aqui para baixar a cartilha que foi produzida para ajudar nesta luta que precisa de todos unidos contra a obesidade e suas consequências para a saúde.
Mesmo que estejam todos com o peso normal, vale a pena ver a cartilha para nos ajudar a prevenir contra a obesidade. Bom final de semana.


Li no seu blog que a expectativa de vida é menor na NF1. Por quê? MCCRP, Rio de Janeiro.
Cara MC, obrigado pela oportunidade de tentar esclarecer esta questão.
Antes de tudo, é preciso dizer que os estudos sobre a expectativa de vida na NF1 são baseados em atestados de óbitos, os quais podem apresentar distorções.  Por exemplo, menos da metade dos atestados de óbito registra a NF1 como uma doença envolvida na morte de pessoas que sabidamente tinham a doença, e nas quais a causa da morte provavelmente estaria relacionada com a NF1.
Os estudos mais recentes sobre as causas de morte na NF1 têm mostrado que, apesar de alguns anos de redução da expectativa de vida, cerca de 50% das pessoas com NF1 podem viver acima dos 71 anos. Ou seja, poderia haver um pouco mais de óbitos em pessoas com NF1 numa faixa etária mais jovem.
Os 50% que morrem antes dos 71 anos teriam como principais causas de morte os tumores malignos da bainha do nervo periférico (TMBNP), geralmente decorrentes da transformação maligna de um neurofibroma plexiforme volumoso e profundo. 

Em segundo lugar, a morte poderia ocorrer precocemente como consequência daqueles raros casos de gliomas ópticos que evoluem de forma agressiva. É importante lembrar que estas mortes por glioma óptico ocorrem geralmente antes dos 20 anos.
No entanto, ao contrário do que pensávamos, se descontarmos os TMBNP e os gliomas ópticos agressivos, alguns estudos mostraram que apesar de um pouco mais frequentes (câncer de mama, câncer de estômago e leucemia mieloide) as pessoas com NF1 não apresentam maior chance de morrer destas e de outras formas de câncer do que a população em geral.
Por outro lado, há uma suspeita de que as mortes de pessoas com NF1 em decorrência de doenças cardiovasculares podem ser quatro vezes mais frequentes do que na população em geral, talvez em decorrência de outros problemas vasculares possivelmente diferentes da doença aterosclerótica.
Um estudo bastante confiável publicado em 2011 pelo grupo da Dra. Susan Huson (ver aqui) mostrou que a expectativa média de vida para pessoas com NF1 é de 71,5 anos (mulheres 75,5), ou seja,  cerca de 8 anos a menos do que a população da mesma região (Inglaterra).
Em conjunto, os TMBNP, os gliomas ópticos agressivos e as doenças vasculares seriam responsáveis por esta redução de cerca de 8 anos em relação à população em geral. É com estes dados que trabalhamos no momento.


Ontem vimos o depoimento do Rogério Barbosa sobre a tese do Dr. Daniele Carrieri (foto) sobre como as famílias e os serviços de saúde acompanham as neurofibromatoses do tipo 1, pelo fato de serem doenças genéticas com enorme variabilidade na expressão clínica.


Depois de ler os resultados da tese, encaminhei ao Dr. Daniele, por meio do Rogério Barbosa, uma pergunta que ele prontamente respondeu e o Rogério traduziu para nós.

Dr. Lor: Como você entendeu a resistência das famílias em aceitarem o diagnóstico da NF1?
Dr. Daniele: Sua pergunta é muito importante e transversal a muitas das questões que eu enfrentei durante a minha tese. A resistência depende de vários fatores inter-relacionados. Vou tentar resumir alguns abaixo.
A extrema variabilidade da NF1
Por causa da sua variabilidade, a NF1 não parece estar associada a uma doença de identidade ou ligada a alguma comunidade. Pessoas levemente afetadas, muitas vezes, se recusam a identificar-se com as mais seriamente afetadas e vice-versa.
A tendência para ignorar a NF1
Muitas pessoas diagnosticadas com a NF1 e seus familiares me disseram (explícita e implicitamente) como eles tendem a ignorar, normalizar, ou mesmo rejeitar a NF1, sempre que possível.
Eles falaram que preferem normalizar ou minimizar os transtornos causados pela NF1, evitando pensar nisso, e concentrarem-se nos aspectos positivos ou mais urgentes da vida diária. Esta tendência não parece ser influenciada pela gravidade da NF vivida pela indivíduos e famílias. Esta tendência também pode ser vista como uma forma de gerir a incerteza dos sintomas da NF1.
Ao mesmo tempo, a NF1 pode tornar-se relevante em certos momentos particulares na vida das pessoas, especialmente quando surgem complicações graves ou em relação a escolhas reprodutivas.
Uma identidade fragmentada da doença 
O aparecimento de complicações sérias não necessariamente leva as pessoas a aceitarem o diagnóstico NF1. As identidades dos indivíduos e famílias com NF1 tendiam a ser fragmentadas de acordo com o que eles percebiam ser os sintomas mais graves (por exemplo, tumores, etc.).
Curiosamente, por causa disso, as pessoas passam a procurar formar associações de apoio relacionadas com os sintomas específicos da NF1 (por exemplo, grupos de apoio às pessoas com câncer, escolas para aqueles com necessidades especiais, etc.), ao invés de serem relacionadas com a própria doença. 
Um sistema de saúde fragmentado
As entrevistas que fiz com os profissionais de saúde envolvidos no tratamento de NF1 me permitiram identificar mais uma causa para a resistência das famílias em aceitarem a doença.
A maioria dos profissionais de saúde lamentou a falta de conhecimento geral sobre a doença e de serviços eficazes para a NF1. Eles também observaram que – à semelhança do que eles haviam notado com outras condições complexas e que se desenvolvem ao longo da vida do paciente (por exemplo, síndrome de Marfan, paralisia cerebral, espinha bífida etc.) – os sintomas da NF1 são tratados, normalmente, de maneira separada e por diferentes especialistas médicos, sem ninguém tomar o entendimento da doença como um todo, ou coordenar o serviço de atendimento ao paciente.
Isso me levou a perceber que há uma tendência em criar a identidade do paciente espelhada na estrutura e nas práticas do sistema de saúde que o atende. Interpretei a “tendência a minimizar e não pensar sobre NF1” como uma possível forma de “ajuste” à falta de serviços médicos adequados para a doença.
Eu também sugeri que a abordagem médica predominante, caracterizada pelo tratamento de sintomas específicos, sem uma compreensão global da doença, reflete nos pacientes e nas famílias, a tendência em minimizar a sua condição como um todo, e só considerar os sintomas específicos quando eles se tornam evidentes.

O Rogério Lima Barbosa (foto) é pai da Maria Vitória e por causa dela foi um dos fundadores da Associação Maria Vitória de Doenças Raras (AMAVI) sediada em Brasília.

Continuando sua luta pelas pessoas com doenças raras, em especial pelas pessoas com neurofibromatoses, Rogério foi para Portugal, onde realizou seu mestrado em Ciências Sociais estudando as relações entre as indústrias (farmacêutica, médica e de equipamentos médicos) com as associações de defesa das pessoas com doenças raras.

Atualmente, Rogério está na Inglaterra para dar continuidade ao seu doutorado na mesma linha de interesse: as doenças raras e as neurofibromatoses. Ele me mandou seu depoimento sobre sua trajetória até encontrar a tese de seu possível orientador, Dr. Daniele Carrieri, na Universidade de Exeter, publicada em 2011 e intitulada: “Neurofibromatose do tipo 1 (NF1): Experiências das famílias e dos sistemas de saúde no manejo de uma síndrome genética caracterizada por manifestações clínicas altamente variáveis” ( ver a tese completa em inglês clicando aqui ).

Vale a pena ler o seu depoimento a seguir.

“O “mundo” da Neurofibromatose do tipo 1 (NF1), foi-me apresentado em 2010, quando se levantou a suspeita do diagnóstico para a minha filha. 

A partir de então eu conheci tanto o cuidado médico dos especialistas em entenderem a doença e a melhor forma de falar com a família como, também, as notícias um tanto apocalípticas da grande maioria dos profissionais.

Na maior parte dos casos, a suspeita da NF surge de profissionais que não são especialistas na doença. Baseados nas poucas informações que conseguem lembrar do tempo de estudos ou das atualizações que passam durante a vida profissional são eles que, não raro, empurram as famílias para um mundo de dúvidas e incertezas.

Jogados neste mundo, sozinhos, acabam por serem os responsáveis por conseguirem entender o que é a NF. Assim, provavelmente o caminho começará com o “Dr. Google”. É lá que se encontram as horripilantes (desculpem o termo, mas não consigo encontrar algo melhor) notícias sobre o que é a NF. Eles ainda não sabem, mas são notícias desatualizadas e que chegam a assustar qualquer pai/mãe que busca as informações sobre a NF.

Com sorte, essas pessoas conseguem encontrar alguma Associação, como a AMANF ou o CNNF. Quando conseguem esse encontro, muitas questões passam a ser esclarecidas e se inicia um longo processo de aprendizado sobre a doença ou sobre como lidar com os seus sintomas.

Esse caminho foi particularmente vivido por mim. Tenho a plena consciência de que é apenas um dos vários caminhos que surgem para lidar com uma doença tão diversificada quanto a NF. Por ele comecei a traçar um novo projeto de vida que consiste em dedicar-me aos estudos sobre a sociologia e o impacto da NF na família e na sociedade. Consegui o meu mestrado e hoje estou no doutorado. 

Das leituras que eu consegui fazer nesta fase de estudos, sem sombra de dúvidas, a tese de doutorado de Daniele Carrieri, Neurofibromatose do tipo 1 (NF 1): Experiências familiares e a gestão da saúde em uma doença genética com fenótipo altamente diversificado, defendida em 2011 na Universidade de Exeter – Inglaterra, é a mais interessante. Sem contar que, até onde eu sei hoje, é a primeira a lidar com a NF1 em uma perspectiva sociológica.

Em um trabalho permeado com toques pessoais, o autor estrutura a sua tese sobre a imprevisibilidade dos sintomas da NF1. E para um estudo que toma a imprevisibilidade como tema central, surpreendemo-nos com as imprevisíveis emoções que surgem de sua leitura.

Nos primeiros capítulos, somos como estudante que, com ansiedade, aprendem um tanto sobre a Neurofibromatose. As suas particularidades clínicas, o desenvolvimento dos seus conceitos e o aumento do interesse sobre a doença que, com o tempo, consegue separá-la de outras e identificar as suas variações. 
Conhecemos até a interessante sugestão de sua influência na arte, como o quadro “Mulher com a boina vermelha”, de Pablo Picasso.
O decorrer da leitura impele para a mudança da ansiedade para um pensamento militante.  Acompanhamos o debate sobre a influência da genética na construção das identidades e o distanciamento do autor de algumas ideias “mainstream” (dominantes) ligadas a biocidadania e o envolvimento das famílias nas associações.

As transcrições para a tese de parte das entrevistas, transporta o nosso coração, uma vez que vemos nossas crianças e familiares, ali à nossa frente. Em momentos de angústia, dúvidas e ansiedade lemos as linhas com a perfeita noção do que aqueles entrevistados querem passar, compartilhamos algumas ideias e discordamos de outras. Mas a emoção é a companheira contínua de todos os parágrafos. O debate que nos persegue internamente é: – Vivemos uma maldição?

Na parte final da tese somos tomados pela questão sobre o que fazer. Em uma análise do envolvimento dos diversos atores que circundam a NF, Associações, Profissionais de Saúde, Familiares e Pacientes, percebemos a complexidade do ambiente em que vivemos não somente como familiares ou pacientes, mas como cidadãos.

A tese do Dr. Carrieri é, sem dúvidas, uma fonte interessante para se conhecer a NF1, as questões genéticas sobre a saúde, o envolvimento associativo, das famílias e a disposição do sistema de saúde. O mais importante, ela consegue transpor a frieza do trabalho acadêmico para uma leitura que nos aquece internamente porque, pelo que se percebe, foi escrita de uma maneira sensível e cuidadosa. Boa leitura.”

Caro Rogério, obrigado por compartilhar conosco seu foco de atenção. Quem sabe teremos uma versão traduzida da tese do Dr. Daniele Carrieri no futuro? Boa sorte nos seus estudos e mantenha-nos informados. Abraço do amigo LOR.

Acabo de ler o livro “Porque NÃO somos racionais – como o cérebro faz escolhas e toma decisões” do Ramon M. Cosenza, Médico, Doutor em Ciências e Professor Aposentado do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais.




O livro foi recentemente lançado pela ARTMED e é escrito em termos claros e acessíveis a todas as pessoas interessadas e traz conceitos fundamentais para aqueles que querem entender como pensamos e como tomamos decisões (nem sempre certas ou as melhores).

Tenho a impressão de que este livro vai ajudar a muitas pessoas envolvidas com as dificuldades de aprendizagem na NF1, não só os profissionais da saúde, mas também os pais interessados em compreender melhor o desenvolvimento mental de seus filhos.

Admiro o Ramon há muitos anos pelas suas qualidades como cientista e ser humano, sua honestidade intelectual, sua sensibilidade social e seus múltiplos interesses, que vão da meditação (pura) à meditação regada a bons vinhos.

Sinto-me honrado por ser um de seus amigos há décadas.

O livro pode ser adquirido em livrarias e vi na Livraria da Folha de São Paulo (on line) por 39 reais.

Parabéns Ramon e longa vida para seu livro.
Continuando a resposta de ontem, apresento a seguir um resumo dos estudos científicos que verificaram o efeito do bevacizumabe (Avastin®) sobre schwannomas vestibulares.
A indicação de bevacizumabe vem aumentando e parece-me apoiada numa revisão feita pelo grupo do Dr. Plotkin, de Boston, Estados Unidos (ver aqui, em inglês)

Em 2012, eles reviram um total de 31 pessoas com NF2 e schwannomas vestibulares que receberam bevacizumabe como opção de tratamento.
Vejamos abaixo algumas características das pessoas tratadas, as quais receberam o medicamento durante cerca de 14 meses (6 meses para o tratamento mais curto e 41 meses para o mais longo).

A idade mediana das pessoas foi de 26 anos, no entanto, havia pessoas de 17 e de 73 anos, o que me deixa um pouco na dúvida se haveria entre elas algumas pessoas com schwannomas vestibulares, mas sem NF2.

A taxa média anual de crescimento dos tumores antes do bevacizumabe era de 64% de aumento, ou seja, um tumor de 2 cm havia passado para um pouco mais de 3 cm em um ano.

Depois de pelo menos 3 meses de tratamento com o bevacizumabe, a melhora na audição aconteceu em 13 de 23 pessoas (57%), ou seja, antes de começar o tratamento a chance do bevacizumabe funcionar seria mais ou menos como jogar uma moeda para cima e escolher cara ou coroa.

Da mesma forma, a redução (20%) do tamanho dos schwannomas na ressonância magnética aconteceu em 17 de 31 pessoas (55%), ou seja, antes do tratamento temos a metade da chance de dar certo.

Mesmo assim, a pequena redução do volume (20%) pareceu mais relacionada com o edema (líquidos ao redor do tumor) do que com a diminuição da parte sólida do schwannoma.

Depois de um ano do tratamento, 90% das pessoas tratadas permanecia com a audição estável. Não entendi bem como compararam com a possibilidade de,se não fossem tratadas, como estaria a audição?

Segundo os autores da pesquisa, o medicamento havia sido “bem tolerado” pelas pessoas.
No entanto, o tratamento com o bevacizumabe não é simples e seus efeitos colaterais podem ser importantes. Por isso, por exemplo, na Inglaterra, duas equipes médicas independentes entre si devem atestar que a pessoa precisa do tratamento com bevacizumabe para que ele seja iniciado.
O bevacizumabe deve ser administrado às pessoas por infusão venosa a cada 15 dias em ambiente hospitalar, o procedimento dura algumas horas e não pode ser dado a pessoas um mês antes ou depois de uma cirurgia ou durante a gravidez e amamentação.
  
A ressonância magnética do cérebro deve ser repetida a cada 3 meses para controle.
Dias ou semanas depois de iniciado o tratamento, podem acontecer quaisquer destes sinais e sintomas: náuseas, febre, alergia cutânea, inchação dos lábios e obstrução da garganta, falta de ar, tontura, tosse contínua, dor no peito e em diversas partes do corpo, fadiga geral, perda do apetite, diarreia ou constipação, aumento da pressão arterial, úlceras na boca, dificuldade de cicatrização, sangramento, embolia pulmonar, baixa resistência às infecções, insuficiência cardíaca, problema no funcionamento renal e infertilidade.
A minha conclusão é que, infelizmente, o bevacizumabe ainda não é uma BOA opção de tratamento. Por enquanto, creio que devemos seguir o tratamento padrão (ver o post de ontem) e torcer para que outra alternativa melhor seja descoberta.
Outras informações podem ser obtidas em inglês sobre schwannomas (aqui) e ineficácia do bevacizumabe em diminuir os meningiomas (aqui) em pessoas com NF2.

Bom final de semana.