“Estou tentando conseguir um emprego há dois anos e num deles falei da minha doença que traz necessidades especiais e o encarregado disse: Quem usa cota, no meu entender, está assinando embaixo que é incompetente! ”. Como a gente pode responder a uma coisa dessa? JGM de São Paulo.

Caro J, compreendo sua decepção e a incompetência da pessoa que disse isto, porque ela parece desinformada sobre o sentido das cotas na nossa sociedade.

A ideia das cotas começa no nascimento de cada um de nós.

Imagine dois irmãos que acabam de nascer. Os gêmeos Pedro e Paulo. Ambos são seres humanos com igualdade de direitos, entre eles o direito à vida, à dignidade, à educação, ao trabalho, à saúde, à segurança, à moradia e à cultura, entre outros.

Em outras palavras, ambos têm o mesmo potencial para viver uma vida plena e feliz.

No entanto, Paulo nasceu com uma doença genética, como a Neurofibromatose do tipo 1 (NF1), sobre a qual ele não teve qualquer escolha ou responsabilidade. Esta doença produz, por exemplo, alguma dificuldade para ele aprender a ler, escrever, praticar esportes e se relacionar com os colegas.

Se somos uma sociedade democrática, que deseja que todos os brasileiros sejam felizes, nosso dever é criar condições para que o Paulo possa compensar suas dificuldades causadas pela doença e atingir a melhor situação possível dentro dos seus limites. Por exemplo, ser capaz de aprender um ofício, trabalhar e conseguir se manter economicamente de forma autônoma.

Assim, a família, as escolas, as empresas, a sociedade, enfim, deve oferecer situações que atendam as necessidades especiais de Paulo para que ele seja um cidadão brasileiro com plenos direitos.

E como fica o Pedro nessa história?

Numa primeira situação, há recursos suficientes e o Pedro não perde nada com o apoio adicional que é fornecido ao Paulo e eles podem levar suas vidas de forma cooperativa, cada um oferecendo para a sociedade aquilo que pode (dentro de sua capacidade), mas ambos recebendo o mesmo respeito por parte da sociedade à qual pertencem.

Esta condição de recursos suficientes para todos é o desejo de todos nós, não é verdade?

Mas, pode ser que os recursos não sejam suficientes para o pleno desenvolvimento das duas crianças por causa das necessidades especiais do Paulo. Então, é preciso repartir uma parte do que seria destinado ao Pedro com o Paulo, para que ambos sejam capazes de atingir o melhor possível dentro daquelas circunstâncias.

Pode ser que Paulo precise utilizar uma cota reservada para pessoas com necessidades especiais numa grande empresa para ser capaz de trabalhar e viver de forma autônoma.

Mesmo assim, esta situação de compartilhamento dos recursos disponíveis pode ser benéfica para o Pedro estimulando-o a desenvolver uma qualidade humana importantíssima, a solidariedade.

Uma família, um povo, uma nação, uma humanidade somente se formam com solidariedade.

 

Imagine agora que Pedro e Paulo não sejam irmãos, mas duas crianças nascidas em famílias diferentes.

Uma das famílias é pobre e a outra rica, por exemplo. Ou uma delas é negra e a outra branca.

 

A solidariedade social é a base fundamental das cotas, inclusive para as pessoas com necessidades especiais, como você, caro J.

E não deve ser motivo de vergonha, como aquela pessoa desinformada sugeriu a você.

Vá em frente, use seu direito conquistado em nossa legislação.

 

 

 

 

 

 

O leitor P.E.N., de Aracaju, trouxe a pergunta: “Por que a maioria das pessoas, inclusive os médicos, desconhece as neurofibromatoses?

Para responder, preciso contar uma história.

Meu pai, José Benedito Rodrigues, foi médico em Lambari, uma pequena cidade no Sul de Minas, e eu era menino quando o acompanhava em seus atendimentos pelas fazendas e povoados ao redor, que eram alcançados apenas pelas estradas de terra.

Na volta para casa, algumas vezes ele me dizia estar em dúvida sobre o diagnóstico de alguma pessoa que acabara de atender, mas logo se lembrava do pensamento que aprendera com um de seus professores na Faculdade de Medicina: “o que é comum, é comuníssimo – o que é raro, é raríssimo”. Então, meu pai optava pelo diagnóstico mais comum, aquele que melhor podia se encaixar naquela circunstância.

O sentido deste pensamento é que o médico precisa se preocupar com aquilo que é comum, ou seja, saber tratar as doenças mais comuns. As doenças raras, então, infelizmente, ficavam desamparadas, olhadas apenas como curiosidades científicas e recebendo atenção de poucos médicos que eram, inclusive, criticados por dedicarem seu tempo às “raropatias”.

Além deste pensamento discriminador, de fato, é impossível para qualquer médico conhecer profundamente as mais de 5 mil doenças raras que existem, o que contribui para afastar o nosso interesse pelo seu conhecimento, pois pensamos que jamais encontraremos uma pessoa com uma daquelas doenças ao longo da nossa vida profissional. É importante lembrar que o conhecimento médico atual é impossível de ser dominado por qualquer indivíduo de forma satisfatória, porque existem cerca de 55 mil doenças diferentes, segundo o Código Internacional de Doenças (CID), ver  AQUI. Tudo isso nos remete para a necessidade de especialistas.

Eu mesmo, quando estudante de medicina, ao saber que a neurofibromatose do tipo 1 acontecia em menos de 1 pessoa em cada 20 mil (dados daquela época), disse que não estudaria o assunto para a prova de neurologia, pois “eu jamais veria um caso em Lambari”, aonde pretendia trabalhar depois de formado e cuja população era de 12 mil pessoas. Alguns anos depois, nasceu uma de minhas filhas com NF1.

Meu pai formara-se em 1947, um pouco depois da Segunda Guerra Mundial, antes, portanto, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1949). Até aquela declaração promovida pela Organização das Nações Unidas, a maioria dos países era governada por ditaduras ou regimes autoritários, mas aos poucos as democracias foram se disseminando pelo mundo.

As ideias dominantes até aquela época se dividiam entre ideologias que justificavam o poder de uma minoria sobre as demais pessoas (por exemplo, ditaduras, monarquias, reinados e colônias) ou ideologias que procuravam respeitar a vontade da maioria, ou seja as democracias.

No entanto, as democracias podem ser divididas em dois tipos: as democracias exclusivas e as democracias inclusivas.

As democracias exclusivas são aquelas que consideram que apenas o desejo da maioria deve ser respeitado e as minorias devem se adaptar ou serem extintas (por exemplo, se a maioria de uma nação é formada por pessoas interessadas em criar gado na floresta amazônica, os povos indígenas devem ceder suas terras ou serem extintos como cultura).

Depois da Declaração Universal dos Diretos Humanos, passamos a defender que todas as pessoas devem ser respeitadas e não apenas as maiorias. Todos temos direitos iguais: o direito à vida, à nossa cultura, o direito de realizarmos nosso potencial humano, de termos filhos e sermos felizes.

Estes direitos humanos nos pertencem de forma independente da cor da nossa pele, do nível social e econômico, da religião, do gênero ou da preferência sexual. E independente do estado de saúde.

Assim, começaram a surgir democracias inclusivas, que são aquelas que respeitam o desejo das maiorias, mas de tal forma que as minorias sejam também respeitadas e protegidas. Por exemplo, numa democracia inclusiva, os recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) devem atender as doenças mais comuns, mas também as mais raras. Se temos 100 reais para distribuir entre a população do SUS, que sejam destinados 3 reais para as doenças raras, pois 3% da população apresenta uma das mais de 5 mil doenças raras.

Depois que entrei para a Faculdade de Medicina onde se formara meu pai, na Universidade Federal de Minas Gerais, ouvi do mesmo professor o famoso pensamento.  Ainda hoje vejo colegas médicos repetirem aquela ideia de que o que é raro é raríssimo, o que é comum é comuníssimo. Talvez a maioria dos médicos pense que as doenças comuns devam ser atendidas primeiro e, se sobrassem recursos, as raras teriam a sua vez.

Como os recursos atuais do SUS são insuficientes para o tratamento até mesmo das doenças comuns de forma eficiente, as doenças raras jamais receberão o cuidado que merecem. Então, temos dois desafios: pressionar os governos a aumentarem os recursos para a saúde e garantir uma parcela destes recursos para as doenças raras.

Se conseguirmos construir uma democracia inclusiva, as minorias receberão nossa atenção, entre elas as pessoas com doenças raras. Para isso, todos nós (inclusive os médicos) devemos mudar nosso olhar e procurar conhecer melhor e respeitar todas as minorias, incluindo as pessoas com doenças raras.

Portanto, o conhecimento dos médicos sobre as neurofibromatoses caminha junto com a sociedade: se a democracia for exclusiva, haverá descaso e discriminação com aquele que é diferente da maioria. Se a democracia for inclusiva, haverá interesse e respeito pelas minorias.

Nesse futuro que espero possamos construir, meu caro P.E.N. de Aracaju, você encontrará médicas e médicos que talvez não venham a entender profundamente de sua neurofibromatose, mas saberão indicar para você centros de referência em doenças raras. Além disso, todos reconheceremos que você merece receber o melhor atendimento que o Sistema Único de Saúde possa oferecer.

 

Comentário

Depois de ler o texto acima, o Dr. Luiz Otávio Savassi Rocha, professor de Clínica Médica e Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, enviou-nos o seguinte e-mail:

Caro Luiz Oswaldo

Subscrevo suas palavras por várias razões, como, por exemplo: 1 – porque a Medicina é uma só e o médico não escolhe (ou, pelo menos, não deveria escolher) quem deverá procurá-lo; 2 – porque, em se tratando de doenças raras –  particularmente se de natureza genética  −, os pacientes em geral não têm responsabilidade sobre o seu adoecimento (ao contrário, por exemplo, dos tabagistas inveterados acometidos por carcinoma das cordas vocais); 3 – porque já tive familiares e amigos  acometidos por doenças raras e sei de seu impacto sobre tais pessoas; 4 – porque, convivendo com os exercícios de correlação anatomoclínica há meio século, já deparei com as mais variadas doenças raras, bem como com as mais variadas apresentações insólitas de doenças comuns. Aproveitando a oportunidade, envio-lhe, a propósito de doenças raras, o relato de dois casos publicados, respectivamente, no periódico Arquivos Brasileiros de Cardiologia e no periódico on-line Autopsy and Case Reports (do qual sou membro do Comitê de Publicação). Envio-lhe, também, texto de minha autoria a propósito do que eu entendo por “ser clínico”.

Grande abraço, extensivo à sua esposa, do

Luiz Otávio Savassi

SER CLÍNICO

Ser clínico, num tempo marcado por massacrante quantidade de informações maldigeridas, pela fragmentação do saber e pela hiperespecialização, é, antes de tudo, uma atitude, uma postura, um modus faciendi.

É ser uma espécie de gerente ou maestro, capaz não apenas de lançar um olhar giratório e hipercrítico sobre tudo um pouco, como também de “governar a rédea”, na tentativa de manter a situação sob controle, para que o paciente não “entre em parafuso” e não se perca num emaranhado de opiniões avulsas, não raro divergentes, emitidas por uma sucessão de especialistas stricto sensu que, além de desprovidos de uma visão de conjunto, nem sempre levam em consideração o contexto psicossociocultural em que o mesmo se insere – “o homem e sua circunstância”, de que fala Ortega y Gasset. É rebelar-se contra a “Medicina prêt-à-porter”, da produção em série e do consumo, que dispensa o raciocínio elaborado e a reflexão amadurecida.

É estar sempre disposto a exercer, sem pressa, a arte da escuta empática, desarmada; alguém capaz de ouvir o que é dito e, sobretudo, o não-dito; alguém que se disponha a ler nas entrelinhas, a captar o conteúdo latente do discurso do paciente, inspirado no logos riobaldinus: “O sério pontual é isto, o senhor escute, me escute mais do que eu estou dizendo; e escute desarmado”.

É ter consciência, como o próprio Riobaldo, de que “a gente sabe mais, de um homem, é o que ele esconde”. É ser capaz de realizar um exame físico refinado e o mais completo possível, ciente de seu incontestável valor heurístico e, até mesmo, de sua transcendência, na medida em que, como ensina Lewis Thomas, “o tato é um meio de conseguir significativas visões íntimas”.

É saber que o ato médico transcende o fato médico e que a busca de “evidências”, baseadas, sobretudo, em estudos randomizados, constitui apenas um dos componentes da tomada de decisões. É não deixar que os guidelines, protocolos e algoritmos, fundamentos da chamada cookbook Medicine, sejam sempre os balizadores implacáveis da conduta médica; por conseguinte, é ter a consciência clara de que o exercício de seu mister está menos para um concerto-recital, em que, de forma mais ou menos previsível, interpreta-se ao pé da letra uma partitura, do que para uma jam session, em que se privilegia a improvisação ao sabor do clima que brota no momento da interação entre os músicos participantes.

É imbuir-se de salutar cepticismo e, na esteira de John P.A. Ioannidis [Why most published research findings are false. PLoS Med 2005; 2(8):e124], desconfiar dos resultados das pesquisas, mesmo quando estampados nas páginas dos mais prestigiosos periódicos. É privilegiar a subjetividade, em busca da chamada “Medicina da pessoa”; é “andar com o sapato do outro” e, sem abrir mão da própria individualidade, procurar enxergar o mundo a partir de sua perspectiva.

É tornar-se uma espécie de alter ego do paciente, ajudando-o a descobrir, num relacionamento marcado pelo diálogo e pela parceria, o que parece ser melhor para si, num certo momento e sob determinadas circunstâncias, sem no entanto deixar de informá-lo, com base em pesquisas idôneas, sobre o que seria, em tese, melhor para um grande número de pessoas, em circunstâncias parecidas, mas nunca idênticas.

É não deixar que, ao modo da vassoura do bruxo, no poema “O Aprendiz de Feiticeiro”, de Goethe, a tecnologia tenha vida própria e, roubando a cena, passe a constituir um valor em si mesma e não um simples meio para se atingir determinado fim. É relativizar a importância dos exames complementares, dando-lhes o valor que merecem, nem mais, nem menos; e, em se tratando dos métodos de imagem, é saber precaver-se contra os “incidentalomas”.

É ser chamado a atender, em primeira mão, pacientes sem diagnóstico, com quadros clínicos obscuros ou apresentações insólitas de afecções comuns – como, por exemplo, aqueles com febre prolongada de origem indeterminada –, pacientes esses que, pela indefinição de seu problema, exigem uma abordagem a mais abrangente possível.

É cultivar a prudência, pois, como ensina o escritor cordisburguense, “muito junto do braseiro, gente há às vezes que não se aquece direito, mas corre risco de sapecar a roupa”. É ser um profissional inacabado, sempre a meia jornada, em permanente gestação, e, por conseguinte, alguém que não parece ter direito ao repouso do sétimo dia.

É estudar muito e saber pouco; e, cônscio de suas limitações e da precariedade de sua condição – visto que o ser humano, no fundo, não passa de um pobre coitado –, é cultivar a humildade, pois, em sua práxis cotidiana, está condenado a encenar o incômodo papel de super-homem.

E last but not least, é ter sempre em mente que “a Medicina acaba, mas o médico continua”, consoante a sábia exortação de venerando médico são-joanense; e, diante do chamado “paciente terminal”, é ser capaz de acolhê-lo, amorosamente, até o desenlace, na crença de que há momentos de plenitude em muitas despedidas…

Luiz Otávio Savassi Rocha

 

por Adriana Venuto

Mãe da Catarina e professora do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais

 

Por vezes, as pessoas com neurofibromatose (NF1) são percebidas como preguiçosas, desinteressadas e até mesmo antissociais.

Essa percepção equivocada é reforçada no ambiente escolar, pois é o lugar em que as habilidades de relacionamento pessoal, a capacidade de aprender rapidamente, de memorizar muitas coisas e de resolver problemas complicados são constantemente exigidas.

Dado o pouco conhecimento e a grande complexidade da doença, muitas vezes a escola não entende os efeitos da NF1 sobre a vida escolar do aluno. Por isso, é comum que os professores elaborem atividades avaliativas e criem momentos de aprendizagem sem levar em conta as dificuldades das pessoas com neurofibromatose.

Por causa desse desconhecimento por parte da escola, que usa de técnicas avaliativas e de aprendizagem pouco eficazes, o desempenho do aluno com NF1 nas avaliações suas interações sociais são comprometidas, o que reforça a percepção geral de que eles são preguiçosos, desinteressados e antissociais.

Laudo médico

Por isso, é fundamental que a família providencie um laudo médico especificando a doença e suas principais características para ajudar a escola a tomar as providências legais, no sentido de amparar o aluno e ao mesmo tempo orientar os professores para fazerem as adaptações que atendam às necessidades das pessoas com NF1.

É a partir deste laudo médico que as pessoas com NF1, que são consideradas portadoras de necessidade especiais, terão acesso aos direitos previstos no Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei 13.146.

 

E esses direitos são muitos!

É também a partir do laudo e da inclusão no aluno no programa da escola para pessoas com deficiência que os professores deverão desenvolver um plano de ação individualizado para atender as necessidades do aluno com NF.

Além do laudo médico, também é muito importante que a escola saiba como a NF1 atua no aprendizado do aluno. Nesse caso, ninguém melhor do que o próprio aluno com NF1 e sua família e, se for o caso, os profissionais que o acompanham, para explicar quais são essas dificuldades.

Nossa sugestão é que seja feita uma reunião com coordenação pedagógica da escola explicando todos os efeitos que a NF1 tem sobre o aluno. Ou seja, para ajudarmos a escola e os professores devemos dizer-lhes o que a doença causa e quais são seus efeitos no cotidiano escolar. Para tanto, temos que perceber como os sintomas da NF1 atuam na vida escolar do aluno.

Por exemplo, o laudo médico pode indicar que há distúrbio auditivo. Neste caso, é preciso explicar para a escola de que forma o distúrbio se manifesta no portador e como ele interfere na vida escolar. Se possível, se a família e o aluno souberem, devem indicar alguma coisa a fazer. Muitas vezes o aluno e as famílias nunca pensaram sobre formas alternativas par ajudar a melhorar a aprendizagem. Em outras situações, contudo, mesmo sem formação pedagógica e sem nenhum profissional da educação por perto, elas já pensaram sobre o assunto e tiveram uma impressão, uma intuição ou mesmo uma hipótese do que poderia ser feito para ajudar o aluno.

 

Vejamos como isso pode ser feito.

Podemos, por exemplo, explicar que o aluno com distúrbio auditivo não compreende bem o que o professor fala em sala de aula. Ele pode não entender a ideia principal, pode se perder durante a explicação e, muitas vezes, até esquecer quase tudo o que foi dito. Nesta situação, podemos sugerir que a fim de minimizar a baixa compreensão do que foi dito em sala de aula, os professores entreguem um resumo por escrito da aula e que incluam, nas avaliações de aprendizagem, apenas o conteúdo que foi dado por escrito.

Vejamos outro exemplo.

É comum que pessoas com NF1 tenham dificuldade de memorização. Neste caso, podemos sugerir a escola que, quando o conteúdo avaliado for muito extenso e exigir muita memória, que ele seja dividido em duas ou mais avaliações.

Cada pessoa tem respostas diferentes aos sintomas da doença, por isso é preciso refletir sobre suas especificidades e explicar tudo bem detalhadamente para a escola.

 

Mas por que a escola atenderia nossas sugestões se não somos pedagogos nem professores?

Porque quando um laudo médico de NF1 é entregue na escola, o aluno fica sob a proteção Lei 13.146, a chamada Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

A Lei 13.146 garante as pessoas com deficiência direito em várias áreas da vida social. Nela há referência ao atendimento prioritário, à saúde, à moradia, entre outras.

No caso da educação, a lei estabelece para a pessoa com deficiência o acesso a um sistema educacional seja inclusivo, a uma escola que cria adaptações necessárias que garantam ao aluno “o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem”.

É importante sabermos que essa lei, assim como as demais leis, portarias e regulamentos direcionadas para pessoas com deficiência não desqualificam nem tornam a pessoa uma vítima. Ao contrário, elas reconhecem que as pessoas com deficiência enfrentam barreiras que as demais não enfrentam e, por isso, tentam corrigir as desigualdades de acesso e oportunidade.

A lei 13.146 tem, portanto, “como objetivo assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais das pessoas com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania”.

Mas o que a Lei 13.146 garante aos portadores de NF no ambiente escolar?

Entre os vários direitos que constam na Lei 13.146 podemos destacar:

  • Atendimento prioritário à pessoa com deficiência nas dependências da escola, em especial, no que se refere a disponibilização de recursos, tanto humanos quanto tecnológicos, que garantam o atendimento em igualdade de condições com as demais pessoas; (Art. 9º,  inciso III)
  • A oferta de serviços e recursos que garantam o acesso à escola e favoreça a permanência, a participação e a aprendizagem. (Art.28, inciso V)
  • A elaboração de um plano de atendimento educacional especializado, que leve em consideração as especificidades do aluno. ( Art. 28, inciso VII)
  • Disponibilização de provas em formatos acessíveis para atendimento das necessidades específicas. (Art.30, inciso III).
  • Ampliação do tempo de realização das provas, conforme demanda apresentada pelo aluno (Art. 30, inciso V).

Esses são apenas alguns dos direitos das pessoas com deficiência. Se você quiser saber mais é só clicar aqui: LEI NA ÍNTEGRA .

Saber nossas necessidades e conhecer nossos direitos nos capacita a lutar por um mundo melhor!

Mande para nosso e-mail seu relato de uma situação que viveu (ou está vivendo) que precisa desta atenção especial para seguir estudando.

 

(*) Agradecemos a colaboração da associada Adriana Venuto e lembramos o que temos discutido em nossas reuniões, que Escola Inclusiva é  Escola na qual todos participam, Sem Competição.

Dr Lor

Presidente da AMANF

“Tenho um filho de 6 anos com 4 manchas e outro de 5 meses com 2 manchas desde o nascimento, ambos sem qualquer outro sinal de NF1. Eu sou branca, italiana, mas meu marido tem a pele escura, pois é de origem indiana. Dois médicos aqui em Ruanda e na Itália, disseram que não se trata de NF1 e que a diferença na cor de nossa pele é a causa destas manchas em nossos filhos. Isto é verdade? ” Mensagem em inglês de LF, de Ruanda, África.


Cara L, obrigado pela sua pergunta.
Esta informação, de que a diferença na cor da pele dos pais poderia causar manchas café com leite nos filhos, circula entre pessoas de várias partes do mundo, pois já a ouvi de médicos no Brasil, nos Estados Unidos, na Inglaterra[1] e agora você me fala dos médicos na África e na Itália.

Primeiramente, preciso deixar bem claro que as manchas café com leite típicas da neurofibromatose NÃO SÃO CAUSADAS pela possível diferença de cor da pele entre os pais, inclusive este esclarecimento já consta de nossa cartilha “As manchinhas da Mariana” (ver AQUI).

No entanto, esta ideia, de que o casamento entre pessoas com diferenças na cor da pele possa causar problemas de saúde, precisa ser melhor compreendida.

Este conceito, que considero equivocado parece-me pertencer às ideias de “pureza racial”, de que existiriam “raças” humanas e que algumas seriam melhores e outras piores e que o casamento (ou a reprodução) entre pessoas de cor de pele diferente levaria a uma “degeneração” da espécie humana. Ver o excelente filme “Loving”, que mostra como a luta de um casal nesta situação levou a mudanças nas leis racistas norte-americanas (ver o trailer AQUI).

Infelizmente, estas ideias de fundo racista continuam a ser defendidas por muitas pessoas, apesar de todas as evidências científicas de que não existem raças humanas no sentido biológico. O que existem são diferenças no campo das ideias, dos costumes, da língua, da música, ou seja, diferentes culturas entre populações que se originaram em regiões climáticas distintas (sobre isto, veja a excelente palestra da socióloga Dorothy Roberts AQUI).

Atualmente (2021), penso que não existem raças biológicas, mas existe racismo, ou seja, os preconceitos contra pardos e pretos (negros) causa profunda desigualdade e injustiça social. Portanto, o problema social é mais importante do que o conceito biológico. O racismo discrimina, fere e mata. Ver aqui um texto sobre quando nos tornamos racistas.

A pele ficou diferente entre populações geográficas distantes entre si porque a maior ou menor exposição destas antigas populações à luz do sol fez com que a espécie humana (sem raças) se tornasse mais ou menos pigmentada para proteger sua saúde. Assim, em regiões de muita radiação ultravioleta, a pele mais escura protege uma vitamina importante no desenvolvimento neurológico, o ácido fólico; ao contrário, em regiões de pouca radiação ultravioleta, a pele mais clara permite a síntese de outra vitamina fundamental no desenvolvimento ósseo, a vitamina D.

Desta forma, as pessoas com pele mais pigmentada tiveram filhos mais saudáveis nos ambientes com muita radiação solar, enquanto as pessoas com pele mais clara tiveram filhos mais saudáveis em ambientes com pouca radiação solar. Ao longo de milhares de anos foram sendo selecionadas populações com diferentes cores de pele para cada uma das regiões climáticas do planeta.

Isto nada tem a ver com calor, nem mesmo com o câncer mais perigoso de pele, o melanoma, que não depende de exposição ao Sol. Também nada a ver com inteligência, caráter ou comportamento. São peles diferentes apenas pelos motivos evolutivos acima descritos. No entanto, a cor da pele tem servido para explicações racistas de afirmam que existem pessoas superiores e pessoas inferiores, explicações estas que são usadas para justificar a escravidão e a exploração das classes econômicas dominantes sobre o restante da população.

Assim, mais luz solar, pele negra; menor luz solar, pele branca. E se o casamento (ou a reprodução) acontecer entre pessoas de pigmentação diferente de pele, então múltiplas e maravilhosas variações na cor da pele surgem e aumentam a diversidade humana, que é a fonte principal de nossa riqueza, inclusive para nossa sobrevivência como espécie (ver o excelente livro de Pascal Picq AQUI ).

Ou seja, no casamento entre pessoas de diferentes cores de pele não há qualquer prejuízo à saúde dos filhos. Ao contrário, haverá maior diversidade biológica, fonte da resistência aos desafios do meio ambiente, ou seja, mais saúde.

Mas a sua pergunta ainda existe: nestes casamentos podem aparecer pequenas manchas atípicas?

Não encontrei qualquer estudo científico que tenha comprovado ou afastado esta ideia. No entanto, atendemos em nosso Centro de Referência uma população formada por cerca de um terço de genes de origem africana, um terço de origem indígena e um terço de origem europeia. Ou seja, somos uma população mestiça, onde há maior chance de casamento entre pequenas variações de cor da pele do que entre os extremos da pigmentação.

Portanto, para responder sua pergunta, teríamos que realizar um estudo científico adotando alguma das classificações de cor da pele e sair investigando todas as pessoas que se casam com outras de cor diferente para saber se em seus filhos aparecem ou não mais manchas cutâneas do que no restante da população. Vamos supor que o resultado mostrasse que sim, que haveria mais manchas ocasionais, qual seria a utilidade deste enorme esforço para a saúde das pessoas?

Não vejo utilidade médica ou clínica nesta divisão das pessoas pela cor da pele, exceto para algumas poucas doenças (como anemia falciforme, por exemplo). Ao contrário, penso que se dermos importância exagerada à cor da pele, além de seus efeitos biológicos de proteção do ácido fólico e da vitamina D, podemos aumentar os preconceitos, o racismo e a cruel divisão social que já existe entre os seres humanos.

[1] Ferner, Huson & Evans: Neurofibromatosis in Clinical Practice, Springer, London, 2011 ver AQUI

 

“Tenho NF1, estou com 26 anos e vou me casar em breve. Existe um meio de garantir que meus filhos biológicos não venham com a doença? “ JR, de Natal, RGN.

 
Caro J, obrigado pela sua pergunta, que é de interesse comum.


Primeiramente, vamos lembrar que a chance de seu filho (ou filha) herdar a sua mutação é de 50% em cada gestação. Ou seja, há uma chance em duas do bebê nascer sem NF1, ou como tirar coroa na moeda jogada para o alto.

Para garantir que uma mutação que causa a NF1 não seja passada adiante numa gestação existem técnicas de reprodução humana assistida, ou seja, métodos desenvolvidos por equipes especializadas. Estes métodos permitem a seleção daqueles embriões que não contém a mutação para NF1 e a sua inseminação artificial. Como isto é feito?

De forma resumida, é o seguinte. O casal interessado procura os centros de reprodução assistida, onde a mulher receberá hormônios que irão estimular o amadurecimento de vários de seus óvulos de uma só vez. No momento certo estes óvulos são recolhidos e colocados em contado com os espermatozoides do parceiro para que haja a fecundação. Geralmente, mais de um óvulo é fecundado e alguns embriões são obtidos, mas ainda não sabemos quais deles têm o diagnóstico de NF1.

Três dias depois de formados os embriões, uma biópsia muito delicada é feita retirando-se apenas uma célula de cada embrião e esta célula é levada para análise do DNA. Aqueles embriões que não apresentarem a mutação para NF1 são transferidos para o útero da mulher, onde darão continuidade à gestação. Assim, temos a garantia de que os bebês concebidos por esta técnica não apresentarão a NF1.

Desde 2002 este método vem sendo aplicado em pessoas com NF1 e NF2, mas nem sempre funciona bem e ainda são relativamente poucos casos realizados na experiência mundial. 


Sua pergunta seguinte provavelmente é querer saber onde poderá realizar este procedimento, chamado de diagnóstico pré-implantacional (DPI).

No momento, no Brasil, o DPI é permitido por lei, embora haja pessoas que não o aprovam por questões éticas, com o receio de que ele venha a ser usado para excluir embriões femininos, por exemplo. Existem clínicas privadas brasileiras que realizam estes procedimentos em parceria com clínicas internacionais, as quais ficam responsáveis pela análise da mutação NF1 (ou NF2) no DNA a partir daquela única célula retirada do embrião. Não conheço nenhum serviço público no Brasil que esteja realizando o DPI para pessoas com neurofibromatoses.

Em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais temos adotado a busca por soluções públicas para os problemas e questões apresentados pelas pessoas com neurofibromatoses, ou seja, defendemos o fortalecimento do Sistema Único de Saúde.

Por isso, temos elaborado propostas na Associação Mineira de Apoio às pessoas com Neurofibromatoses (AMANF) direcionadas ao SUS, no sentido de que este serviço seja oferecido às pessoas com NF. Estamos nesta luta neste momento (2021).

 

 


Muitas pessoas perguntam se por terem nascido com neurofibromatose tem direito à aposentadoria por invalidez. Esta é uma pergunta importante e precisa ser respondida tendo em vista as leis existentes.

Por exemplo, ontem comentei sobre o Projeto de Lei Federal que está tramitando no Congresso Nacional em relação às pessoas com neurofibromatoses, encaminhado por um deputado federal pelo Espírito Santo, Sergio Vidigal (PDT). É um projeto bastante semelhante à lei que já está em vigor em Minas Gerais, segundo a qual as pessoas acometidas por neurofibromatoses já são consideradas portadoras de necessidades especiais (Lei 21.459, de 2014, fruto do PL 3.037/12, sancionada pelo governador de Minas Gerais em 2014).

A Lei mineira “inclui no grupo de pessoas com deficiência aquelas acometidas com neurofibromatose, doença incurável e degenerativa, também chamada de síndrome de Von Recklinghausen, que causa dores crônicas e desfiguração de partes do corpo. A norma assegura às pessoas com neurofibromatose os direitos e benefícios previstos na Constituição e na legislação estadual para a pessoa com deficiência, desde que ela se enquadre no conceito definido na Lei 13.465”.

Nesta semana, o professor Élcio Neves da Silva, uma pessoa que está exercendo grande liderança na organização da associação capixaba de apoio às pessoas com neurofibromatoses, também me informou que foi publicada uma nova Lei no Estado do Espírito Santo, semelhante à de Minas Gerais, que reconhece as necessidades especiais das pessoas com neurofibromatoses.

A nova Lei, de autoria do deputado estadual Doutor Homero (PMDB), recebeu o número 10.490/2015, e foi publicada no Diário Oficial do Espírito Santo no dia 18 de janeiro de 2016. Ela pretende assegurar a todas as pessoas com NF os cuidados diferenciados garantidos pela Constituição Estadual e demais legislações em vigor.

Estas leis e o projeto federal têm alguns pontos em comum, sobre os quais precisamos conversar. Primeiro, quero deixar claro que entendo que as pessoas que propuseram estas leis buscam a melhoria das condições de saúde das pessoas com neurofibromatoses. No entanto, alguns conceitos incluídos no texto das leis podem causar dificuldades na sua aplicação.

Primeiro, tanto a lei estadual como o projeto federal se destinam ao benefício de pessoas com o que eles denominam de Síndrome de Recklinghausen. É importante lembrar que os conhecimentos modernos sobre as neurofibromatoses não utilizam mais a denominação de Síndrome (ou Doença) de Recklinghausen desde o início da década de 90 no século passado.

Não é apenas uma questão de troca de nomes, mas já se decorreram mais de 26 anos desde o consenso internacional alcançado depois das descobertas dos genes causadores das neurofibromatoses. A partir daquela data, toda informação científica vem sendo construída dentro de um novo modelo científico, o qual não mais confunde as neurofibromatoses com a Doença de von Recklinghausen e nem com os sete tipos de NF propostos pelo Professor Riccardi.

Segundo, as leis dão a entender “A” neurofibromatose é uma doença genética rara que se manifesta por volta dos 15 anos e provoca o crescimento anormal de tecido nervoso pelo corpo, formando pequenos tumores externos chamados de neurofibromas.

Então, mais uma vez, para evitar confusões, é preciso lembrar que todas AS neurofibromatoses já estão presentes ao nascimento (nos genes) e que podem se manifestar em qualquer época da vida, desde os primeiros anos de idade (geralmente a NF1), no começo da vida adulta (geralmente a NF2) ou depois dos 30 anos (geralmente a Schwannomatose).

Terceiro, as leis mencionam que as pessoas acometidas têm de conviver com dores crônicas ou “desfiguramento” de partes do seu corpo, o que causa grande sofrimento ao indivíduo e a seus familiares.

De fato, para algumas pessoas, o principal problema de sua doença são as dores, como na Schwannomatose. No entanto, geralmente dor não é a principal queixa das pessoas com NF1 e NF2. Além disso, é preciso esclarecer, porque isso assusta e faz sofrer muitas famílias, que algum tipo de deformidade corporal pode acontecer em menos de 10% das pessoas com NF1 e praticamente estas complicações estão ausentes na NF2 e Schwannomatose.

Numa nota de divulgação da nova Lei no Espírito Santo, a Sra. Luísa Bustamante finaliza dizendo: “A intenção é chamar a atenção das autoridades para o problema. São inúmeras pessoas que estão nessa condição e que são perfeitamente capazes; porém, não são aproveitadas pelo mercado de trabalho pelo fato de terem essa patologia. Além da luta pela vida, o preconceito por causa das mudanças no corpo também é um desafio para quem tem essa doença incurável”.

Concordo plenamente que estas propostas são humanitárias e buscam o reconhecimento das neurofibromatoses por parte da sociedade e das autoridades.

No entanto, talvez seja interessante esclarecer a questão da capacidade ou não para o trabalho.

Existem pessoas com neurofibromatose que são capazes e outras que são incapazes para o trabalho. O simples fato de nascer com a doença não significa que haverá impedimento de sua capacidade funcional, mas serão certas eventuais complicações, que podem ou não ocorrer ao longo da vida, é que levarão ou não uma determinada pessoa às necessidades especiais.

Assim, temos que ver as limitações e potencialidades de cada caso, para não tornarmos incapaz uma pessoa produtiva ou não reconhecermos as necessidades especiais de alguém limitado pela doença. Não podemos tratar pessoas desiguais da mesma forma, assim como não podemos tratar pessoas semelhantes de forma desigual.

Parabéns Élcio e demais companheiros por mais este passo dado em mais um Estado brasileiro e contem com nosso apoio do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.