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A partir de hoje veremos os relatos muito interessantes da Dra. Juliana Ferreira de Souza sobre o que aconteceu no principal congresso sobre neurofibromatoses nos Estados Unidos, do qual ela participou juntamente com o Dr. Nilton Alves de Rezende.

Sobre cada tema, veremos as notas sobre a nova informação apresentada pelos palestrantes e entre aspas (e em azul) os comentários da Dra. Juliana.

Em nome de todos os leitores deste blog, agradeço imensamente o excelente trabalho realizado pela Dra. Juliana.

Desejo boa leitura para todas as pessoas que nos acompanham.

Lor

Parte 1 – Sábado (18/6/16)
Simpósio Satélite Educacional

Tema 1 – Câncer de mama na NF1 (Dr. Douglas Steward e Dr. Gareth Evans)

Nota 1 – Após os 30 anos de idade o risco de desenvolver câncer de mama é 4 vezes maior entre as mulheres com NF1;

“Diante disso, o rastreamento de todas as mulheres com NF1 para o câncer de mama estaria indicado a partir dos 30 anos e não a partir dos 50 anos como nas mulheres não acometidas pela doença. ” 



Nota 2 – Ainda não estão disponíveis informações sobre os tipos histológicos mais comumente diagnosticados em mulheres com NF1 e tampouco as estatísticas sobre a evolução após diagnóstico e tratamento;

“Tive a impressão que o mapeamento dos tipos histológicos mais frequentes e a verificação do comportamento destes tumores (incluindo resposta ao tratamento habitual utilizado) nas mulheres com NF1, é o maior interesse dos pesquisadores no momento. Questiona-se até que ponto o microambiente no entorno destas células tumorais influenciaria na diferenciação destes tumores e no prognóstico (no caso das mulheres com NF1). ” 



Nota 3 – A Ressonância Magnética (RNM) foi mencionada repetidamente como o exame ideal para este rastreamento e foi ressaltada sua vantagem por não expor as mulheres com NF1 à radiação;

“Como não sei ao certo os critérios utilizados atualmente por mastologistas e oncologistas para a indicação da RNM no diagnóstico e acompanhamento do câncer de mama, a indicação da RNM no câncer de mama na NF1 (aqui mencionado) pode ser conduta já adotada para a população em geral. ”

Tema 2 – Vasculopatia (um grupo de doenças do sistema vascular), Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e Feocromocitoma (um tumor produtor de adrenalina) na NF1 (Dr. Kaleb Yohai)

Nota 1 – O acometimento vascular é mais frequente na NF1 (em vasos de qualquer calibre). O risco de Acidente Vascular Encefálico (AVE) está aumentado na NF1 (principalmente o AVE hemorrágico). O risco de acometimento vascular também é maior na gestante com NF1 quando comparado ao risco na gestante não acometida pela doença.

“Quanto às vasculopatias, não me recordo de qualquer recomendação de conduta clínica diferente das já adotadas. ”

Nota 2 – Para o diagnóstico de feocromocitoma na NF1 foram mencionados: medição dos níveis plasmáticos de metanefrinas (4 vezes acima dos limites superiores de normalidade são observados em 80% dos indivíduos); a utilidade da dosagem de metanefrinas na urina para confirmação ou exclusão dos casos com níveis baixos ou moderados de metanefrinas plasmáticas; o uso de exames de imagem para a localização do tumor, como tomografia computadorizada (TC) ou RNM com contraste, cintilografia ou PET-CT.

“ Um bom fluxograma para o diagnóstico foi apresentado. Não tenho certeza se difere em algo do fluxograma padrão para diagnóstico de feocromocitoma (independente da NF1). Acredito que não. ”

Nota 3 – Quanto à HAS foi ressaltada a importância da monitorização ambulatorial da pressão arterial (assim como o emprego do MAPA ou aferições subsequentes de PA no domicílio), como método mais adequado para o diagnóstico e acompanhamento, quando comparado à aferição isolada da PA em consulta médica. Um fluxograma diagnóstico foi apresentado ressaltando a importância de se investigar a hipertensão secundária (renovascular nos < 30 anos e feocromocitoma nos > 30 anos).

“Chamou a atenção a valorização do MAPA (medida da pressão monitorizada durante 24 horas) como instrumento diagnóstico e de acompanhamento. Me pareceu que eles o utilizam com mais frequência do que temos o costume de fazer no Brasil.”

Continuamos amanhã.

“Descobri sem querer a NF, fui ao mastologista, pois havia aparecido uns sinais nas auréolas dos meus seios. Só que ele começou a me examinar por inteiro e viu outras marchas em meu corpo. Na região mais no bumbum. Só que agora está aparecendo uns sinais de carne nos braços e pernas, além nas auréolas dos seios. Passei a vida toda achando que fosse a história que o médico contou para minha mãe… que foi um medicamento que ela tinha tomado sem saber que estava grávida. Aí gente, a vida toda acreditando nisso. Até que as manchas café com leite não incomodam e os sinais posso tirar. Mas o fato da minha família já ter índice de câncer isso me preocupa. Só que não sei de onde eu adquiri, pois não tenho contato com a família do meu pai. Estou também muito preocupada com a questão de poder engravidar. Estou muito triste. Tenho 35 anos”. IL, de Aracaju, SE.

Cara I. Obrigado por compartilhar seus sentimentos conosco.

De fato, você tem razão em ficar triste por saber que tem neurofibromatose, uma doença genética, que vai acompanhar você por toda sua vida e que pode trazer alguns transtornos, inclusive preocupações quanto à gravidez.

Todos nós gostaríamos de não ter um problema como este que acometeu você, mas primeiro é preciso lembrar que você não tem nenhuma culpa quanto a isso.

Também não tem culpa a sua mãe, porque a NF não é causada por medicamentos ingeridos, mas sim por uma mutação que acontece por acaso num dos milhares de genes que possuímos, e isto acontece geralmente na formação do espermatozoide (80%) ou do óvulo (20%). Infelizmente, muitos médicos desconhecem as NF porque elas são doenças raras e existem mais de 5 mil doenças raras.

Quanto ao fato de sua família apresentar casos de câncer seria importante você aumentar sua vigilância, ou seja, ficar atenta a dois tipos de câncer que são um pouco mais frequentes nas pessoas com NF1: câncer de mama e de estômago. Assim, informe o (a) médico (a) de seu Programa de Saúde da Família sobre esta questão e peça a ele (a) que tomem as providências necessárias para proteger sua saúde.

Quanto à gravidez, você pode engravidar como qualquer outra pessoa sem NF1, embora a gestação costume apresentar um pouco mais de problemas (pressão alta, aborto espontâneo).

No entanto, você também tem razão em ficar apreensiva com uma gravidez pois existe, sim, a possibilidade de você transmitir a NF1 para um bebê e a probabilidade (chance) disto acontecer é de 50%. 


Por outro lado, se você deseja muito ter um filho biológico, existem maneiras de realizar a inseminação artificial com seleção de embriões e isto deve ser uma reivindicação das pessoas com NF1 junto ao serviço público de saúde.

Existe também a alternativa de adotar uma criança, o que pode ser um fonte de alegria e felicidade para você e seu companheiro.

Finalmente, é preciso levar em conta que você está com 35 anos e, pelo seu relato, não apresenta as formas mais graves da NF1, o que significa que pode levar uma vida praticamente normal e tentar ser feliz, mesmo com a NF1.

Você é muito maior do que a NF1, pois ela deve ser apenas uma parte de sua vida.

Pergunta (19/05/2015)
Olá. Tenho 40 anos, sou portadora de neurofibromatose do tipo 1 (NF1), como outras pessoas na minha família, e aos 22 anos tive câncer de mama (esquerda), o qual foi tratado com cirurgia extensa, quimioterapia e radioterapia.  Como sequela permanente daquele tratamento, meu braço esquerdo está sempre inchado, inflamado e com infecções frequentes, que me obrigaram a ficar internada em hospitais por várias vezes. Aos 27 anos apareceu câncer na mama direita, que também foi retirada e na mesma época, por causa de sangramentos menstruais frequentes, retirei o útero e os ovários, pois estes últimos estavam policísticos. Sem os ovários, entrei na menopausa, perdi a vontade de ter relações e desenvolvi osteoporose por não poder fazer a reposição hormonal. Hoje, sinto-me uma pessoa incapaz de trabalhar, discriminada por causa dos meus neurofibromas na pele, muito cansada, com insônia e dificuldade de me alimentar. O senhor acha que eu tenho direito à aposentadoria por motivo de doença? LBG, de São Paulo, SP.

Resposta
Cara LBG. Obrigado pelo seu depoimento, que pode ser muito importante para outras pessoas. De início, antecipo minha resposta pois, baseado nas suas informações, sim, acho que você deve entrar com um pedido de aposentadoria no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), pedido este que deve ser documentado com um laudo realizado por um (a) médico (a) com conhecimento das neurofibromatoses. Por exemplo, você pode ser examinada clinicamente em nosso Centro de Referência (basta ligar 31 3409 9560 e agendar a consulta pelo SUS) e depois disso, confirmados os problemas que relatou, receberá um laudo com as informações necessárias para entrar com seu pedido no INSS.

Vou agora justificar a minha opinião.
A NF1 é uma doença genética (autossômica dominante) que pode levar a diversas complicações, especialmente ao surgimento de tumores benignos múltiplos, assim como à transformação maligna deles. Portanto, a NF1 é uma doença crônica, incurável, progressiva e de caráter imprevisível, o que faz com que uma parte dos pacientes seja incapaz de levar uma vida normal e produtiva. Dentre as formas possíveis de gravidade da NF1 (mínima, leve, moderada ou grave), os achados clínicos que você relata permitem classificar a gravidade da sua doença como grave.
Entre outras complicações, a NF1 aumenta a incidência de determinados tipos de cânceres, entre eles o câncer de mama (3,5 vezes mais comum nas mulheres com NF1 do que na população em geral), leucemia mieloide crônica e o sarcoma do estômago, segundo um importante estudo realizado em 2011 pelo Dr. Gareth Evans e colaboradores (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3746274).

A NF1 apresenta grande variação de uma pessoa para outra, mas entre as principais complicações a NF1 pode causar dificuldade de aprendizado na maioria das pessoas com a doença, graus diferentes de desordem do processamento auditivo em praticamente todas elas, discriminação social por causa dos neurofibromas na pele ou neurofibromas plexiformes deformantes, dificuldade de relacionamento afetivo, distúrbios alimentares e do sono, tumores nos nervos ópticos, além de cifoescoliose e outros problemas mais raros.

Diante disso, a NF1 transforma algumas das pessoas acometidas em portadoras de necessidades especiais. Já está em vigor uma lei no Estado de Minas Gerais (Lei 3037 2012) desde 2014, que estende os benefícios da Lei dos Portadores de Necessidades Especiais aos portadores de Neurofibromatoses. É importante lembrar que a NF1 isoladamente não garante os direitos especiais, sendo necessária a comprovação das deficiências específicas, sejam elas físicas, intelectuais e/ou sociais.

Considerando o exposto acima, cara LBG, creio que seus problemas são graves o suficiente para impedi-la de trabalhar regularmente, o que justifica o seu pedido de aposentadoria por invalidez junto ao INSS.