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Continuo hoje a tradução e adaptação do artigo do Dr. Vincent M. Riccardi, no qual ele defende o uso de cetotifeno para evitar o crescimento dos neurofibromas. O título do artigo é “Utilização atual dos estabilizadores de mastócitos para o tratamento antecipatório dos neurofibromas na NF1”  (ver AQUI o artigo completo ).

Para facilitar a compreensão, as palavras do Dr. Riccardi estão em itálico e em verde, e meus eventuais comentários em negro.
Introdução
A gravidade e a mortalidade da NF1 estão direta e indiretamente relacionadas com a “carga” de neurofibromas: quanto maior o número e o tamanho dos neurofibromas, maior o risco para a pessoa.
A maioria das pessoas com NF1 não apresenta neurofibromas ao nascer, no entanto eu calculo que entre de 5% a 15% das pessoas com NF1 apresentam um ou mais neurofibromas congênitos (ou seja, foram formados durante a vida intrauterina). Estes neurofibromas geralmente são chamados de Neurofibromas Plexiformes Difusos (NPD), mas sua descrição mais técnica deveria ser neurofibromas epineurais (ver comentário meu em outro post AQUI ).
Além disso, praticamente todas as pessoas com NF1 apresentam o risco de desenvolver neurofibromas cutâneos mais tarde, assim como algumas podem desenvolver os neurofibromas subcutâneos e os neurofibromas plexiformes nodulares. Estes últimos, os nodulares, estão associados com maior mortalidade e são especialmente comuns em pessoas com a deleção completa do gene.
Na maioria das vezes, a conduta de rotina para as pessoas com NF1 tem sido esperar até que o crescimento dos neurofibromas cause maiores consequências clínicas para então se usar medicamentos caros, geralmente com grandes efeitos colaterais, os quais não oferecem garantia de interromper ou reverter a progressão dos neurofibromas. Diante disso, tenho sugerido maior empenho nas condutas antecipatórias – minimizar a iniciação e progressão destes tumores.
Os neurofibromas da NF1 causam problemas de formas direta e indiretas, dependendo de seu tamanho, localização e infiltração nos tecidos ao redor.
Os neurofibromas cutâneos (endoneurais) geralmente aparecem na adolescência, podendo atingir centenas ou mesmo milhares de lesões numa só pessoa, variando em tamanho desde pequenos (gramas) até grandes volumes (quilogramas). Em qualquer tamanho eles geralmente causam transtornos estéticos e localmente produzem coceira, dor ou inchação.
Os neurofibromas subcutâneos (inclusive os nodulares) podem surgir em qualquer idade e são geralmente a causa de dor e problemas neurológicos. Os neurofibromas nodulares plexiformes (NNP) geralmente ocorrem nas raízes da medula ao longo de diversos pontos da coluna vertebral.
A transformação maligna ocorrem, no mínimo, em 10% das pessoas com neurofibromas plexiformes (nodulares ou difusos), e o tumor é um sarcoma, geralmente o neurofibrossarcoma.
Embora ainda não tenha sido provado que o uso regular dos medicamentos bloqueadores dos mastócitos (cetotifeno, por exemplo) seja capaz de evitar a transformação maligna dos neurofibromas, parece provável, – até mesmo obrigatório admitir, – que um neurofibroma inativo seja menos propenso a se transformar num tumor maligno.
Pode ser esta uma boa razão para tentarmos interromper o crescimento dos neurofibromas nas pessoas com NF1?
Amanhã continuo a tradução e adaptação do artigo do Dr. Riccardi.

O Dr. Vincent M. Riccardi, que desde 1978 é o pioneiro mundial no atendimento clínico às pessoas com Neurofibromatoses, gentilmente enviou-me um artigo científico que ele escreveu defendendo o uso de cetotifeno para evitar o crescimento dos neurofibromas. Seus argumentos foram publicados no ano passado na revista científica Neuro Open Journal (ver aqui o artigo completo AQUI )

Minha admiração e amizade pelo Dr. Riccardi levaram-me a traduzir e adaptar o seu artigo para os leitores deste blog. Seus argumentos são muito bons e fazem com que nós indiquemos o cetotifeno para todas as pessoas com neurofibromatose do tipo 1 que apresentam coceira ou problemas alérgicos em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. 

No entanto, nossa prática médica é orientada pelas normas da medicina baseada em evidências, ou seja, cada tratamento adotado deve passar por um conjunto de provas que demonstram sua eficiência e segurança. Neste sentido, a recomendação do Dr. Riccardi de que o cetotifeno seja indicado para TODAS as pessoas com NF1, inclusive de modo contínuo desde a infância, ainda precisa ser provado por outros pesquisadores para ser uma evidência científica.

Além do argumento sobre o cetotifeno, o artigo do Dr. Riccardi é muito bem escrito e traz ideias interessantes sobre a NF1 que merecem ser lidas. Por isso, reproduzirei a partir de hoje as principais partes de sua excelente contribuição, para a qual ele deu o seguinte título: “Utilização atual dos estabilizadores de mastócitos para o tratamento antecipatório dos neurofibromas na NF1”.

Começando a compreender os termos técnicos, lembro que mastócitos são células que produzem uma substância denominada histamina e estão envolvidos nos processos de defesa e imunidade do organismo, assim como em algumas doenças alérgicas. Estabilizadores de mastócitos são, portanto, medicamentos que impedem a liberação da histamina pelos mastócitos, ou seja, drogas chamadas anti-histamínicas. Uma destas drogas é o medicamento cetotifeno, que foi inicialmente usado para o tratamento da asma brônquica.

Tratamento antecipatório é um termo usado pelo Dr. Riccardi para indicar um procedimento que possa evitar o crescimento futuro dos neurofibromas em pessoas com NF1. 

Amanhã continuo a falar sobre este tema tão interessante.

Continuação do Simpósio Satélite Educacional

Tema 3 – Osteoporose na NF1 (Dr. David Stevenson)

Nota 1 – Breve revisão da literatura feita pelo Dr. Stevenson, relembrando que a osteoporose tem prevalência aumentada na NF1 e está associada a um maior risco de fraturas nestes indivíduos;

Nota 2 – O diagnóstico deve ser feito com densitometria óssea;

Nota 3 – Ainda não está demonstrada a utilidade do medicamento à base de biofosfonatos na NF1;

Nota 4 – Dr. Stevenson mencionou um estudo clínico em andamento, utilizando altas doses de Vitamina D em indivíduos com NF1, e sem resultados animadores quanto à saúde óssea destes indivíduos;

Nota 5 – Até o momento está indicada a suplementação de Vitamina D (por via oral) nos casos de deficiência (buscando alcançar níveis plasmáticos adequados de Vitamina D), a interrupção do tabagismo e o estímulo à prática de exercício físico;

“Novamente, me parece não ter havido mudança na conduta clínica atualmente adotada. Aguardemos pelo resultado final do estudo clínico por ele mencionado.”


Tema 4 – Aspectos cosméticos dos neurofibromas (Dr. Bruce Korf)

Nota 1 – De 15 a 25% dos adultos com NF1 apresentam um número considerável de neurofibromas cutâneos, provocando demanda por tratamento estético dos mesmos;

“Nenhum comentário foi feito sobre a subjetividade do tema quanto à percepção individual do paciente com NF1 que apresenta neurofibromas cutâneos e deseja de removê-los, independentemente do número de lesões. ”

Nota 2 – Dr. Korf mencionou as técnicas de eletrocauterização e eletrodissecação e laser com CO2 para a exérese dos neurofibromas;

“Nenhuma menção foi feita à fotodermoterapia (técnica mencionada pelo Riccardi em e-mail prévio) ou a qualquer outra forma de exérese ou terapia alternativa para os neurofibromas cutâneos. ”

Nota 3 – Um ensaio clínico usando um inibidor da MEK visando o tratamento de neurofibromas cutâneos terá início em breve;

“A questão principal, colocada pelo próprio Dr. Korf, diante dos potenciais efeitos colaterais desta droga (que vem sendo testada para o tratamento de plexiformes e tumores malignos da bainha do nervo periférico) é: qual o limite razoável (para médicos e pacientes) para o tratamento dos aspectos cosmético ligados à NF1? ”

Tema 5 – Manejo clínico (Dr. Peter de Blank) e avaliação oftalmológica e biomarcadores no glioma óptico na NF1 (Dr. Robert Avery)

Nota 1 – Na sua maioria os gliomas ópticos na NF1 são Astrocitomas Pilocíticos Juvenis. Pior prognóstico: aqueles que são diagnosticados antes dos 2 anos de idade e após os 5 anos de idade; aqueles localizados mais posteriormente na via óptica (glioma quiasmático ou pós quiasmático); gliomas ópticos em meninas;

“Na prática clínica, especial atenção deve ser dada ao acompanhamento oftalmológico (com exame de imagem, se necessário) destes casos. ”
Nota 2 – Recomendação de exame oftalmológico anual (até os 8 anos de idade) e de 2 em dois anos (acima dos 8 anos de idade) com: acuidade visual quantitativa, campo visual, cor e fundoscopia. Se o exame oftalmológico for limitado ou inconclusivo (por exemplo, pela idade do paciente ou incapacidade de colaborar com o exame) considerar a realização de RNM.

“Achei interessante a possibilidade de encaminharmos ao oftalmologista solicitando, especificamente, a avaliação dos 4 domínios citados acima. Acho que esta prática pode direcionar a avaliação oftalmológica e melhorar a qualidade da mesma (especificamente para os indivíduos com NF1) e da contra-referência por parte dos colegas oftalmologistas.”
Nota 3 – A melhor indicação para tratamento (quimioterapia) continua sendo quando acontece a diminuição progressiva da acuidade visual quantitativa e a perda progressiva de campo visual. O acompanhamento, durante a quimioterapia, deve ser feito com exames oftalmológicos e RNM a cada 3 meses;

“Foram ressaltados: a importância da avaliação quantitativa e não qualitativa da acuidade visual (tanto para o diagnóstico como para o acompanhamento durante o tratamento do glioma óptico); a limitação do uso de campo visual automatizado para avaliação de crianças abaixo dos 10 anos de idade.”
Nota 4 – A Tomografia de Coerência Óptica (OCT) foi mencionada como instrumento promissor para futura utilização como biomarcador para o glioma da via óptica na NF1.

 “Todos os neurofibromas têm o famoso aspecto de “botão” (afunda quando apalpado) ou podem ter a aparência e consistência de uma “picada de inseto” ou espinha interna? Qualquer dermatologista pode diferenciar um neurofibroma de outros sinais cutâneos através do dermatoscópio ou apenas profissionais experientes em Neurofibromatose? Desculpe tantos questionamentos, mas participo de um grupo de neurofibromatose no Facebook e muitos participantes não têm certeza se alguns sinais da pele são mesmo novos neurofibromas ou apenas sinais normais da pele”. JF, de local não identificado.


Caro J, obrigado pela sua pergunta interessante e provavelmente do interesse de várias pessoas, o que me fez interromper temporariamente a revisão do mês. 


Sim, espero que todos os dermatologistas possam identificar um neurofibroma a olho nu ou com o auxílio de um dermatoscópio. Também concordo com você que a maioria dos neurofibromas cutâneos parece afundar quando são comprimidos e lembram às vezes uma picada de inseto.

Também percebo que muitas pessoas, inclusive médicos, têm dificuldade de distinguir os neurofibromas cutâneos e subcutâneos de outras lesões de pele. Em parte, é porque os neurofibromas se apresentam de formas muito variadas entre as pessoas com NF1 e até na mesma pessoa. Por isso, vou tentar esclarecer um pouco esta questão.

Veja na figura acima que os neurofibromas mais comuns são os cutâneos (números 1, 2 e 3) e os subcutâneos (número 4). Não falarei dos neurofibromas plexiformes hoje.

Os neurofibromas cutâneos do tipo 1 são pedunculados, ou seja, possuem uma base mais fina, como se fossem um pequeno arbusto. Os neurofibromas do tipo 2 são elevações na pele como se fossem pequenos montes, ou metades de grãos de feijão, ou picadas de insetos. Os neurofibromas do tipo 3 são planos e parecem uma falha na consistência da pele, como uma cicatriz sem as marcas dos pontos. Os neurofibromas do tipo 4 são localizados debaixo da pele e geralmente seguem o trajeto de um nervo.

Algumas regras comuns para identificarmos os neurofibromas:

Em geral, os neurofibromas cutâneos (1, 2 e 3) não são dolorosos. Os subcutâneos (4) podem ser dolorosos ocasionalmente, quando comprimidos, ou mesmo espontaneamente.

Em geral, os neurofibromas cutâneos (2, 2 e 3) são macios. Os subcutâneos (tipo 4) geralmente são mais firmes, parecendo um grão de arroz, ou feijão ou mesmo um pouco maiores.

Em geral, a pele na superfície dos neurofibromas cutâneos do tipo 1 e 2 é lisa e com a cor um pouco diferente da pele ao lado, ou rosados ou mais escuros. Os neurofibromas cutâneos planos ou “embutidos” (3) apresentam a pele lisa e ligeiramente diferente e quando os palpamos temos a impressão de que falta um pouco de tecido subcutâneo naquela região. A pele sobre os neurofibromas do tipo 4 geralmente não apresenta qualquer diferença da pele ao redor.

Em geral, quando movemos os neurofibromas cutâneos (1, 2 e 3) a pele se move junto com eles. Quando movemos a pele sobre o neurofibroma subcutâneo (4) a pele se move independentemente do neurofibroma.

A seguir, alguns exemplos de neurofibromas cutâneos e subcutâneos.


Ao lado, neurofibromas cutâneos do tipo 1 e tipo 2.













Ao lado, uma pessoa com três critérios para NF1: manchas café com leite, efélides axilares e neurofibroma cutâneo tipo 3.









Ao lado, neurofibromas cutâneos tipo 1 e 3 e um subcutâneo do tipo 4.








Ao lado, neurofibromas cutâneos (1) e subcutâneos (4).





Ao lado, vários neurofibromas subcutâneos (tipo 4) ao longo do trajeto dos nervos intercostais.
Estas figuras servem apenas como orientação geral. 
A certeza do diagnóstico depende do exame pessoal de um (a) médico (a) dermatologista ou com experiência em neurofibromatoses.
Até a próxima semana.


“Dr, minha filha de 12 anos é portadora de NF1. Muitas vezes nos questiona o porquê de ter os “caroços “. Ela é muito esperta. Gostaria de saber pela sua experiência qual a melhor idade para esclarecer sobre a doença. Ficamos receosos, pois com certeza ela irá procurar na Internet e aparecerá imagens que não condizem com a realidade dela. ” Remetente não identificada (o).

Prezada (o), obrigado por trazer esta questão que aflige tantos pais e mães.

Vou responder como pai e não como médico, pois não conheço nenhum estudo científico que tenha estabelecido o melhor momento psicológico para revelar a uma criança que ela tem uma das formas de neurofibromatose.

Creio que conhecer é sempre melhor do que desconhecer, ainda que aquilo que ficamos sabendo seja um problema a ser enfrentado. Conhecer melhor as causas e consequências de um problema nos ajuda a enfrentá-lo de forma mais eficiente. Desconhecer nos leva a atitudes tomadas às cegas, as quais podem, inclusive, agravar o problema.

Além disso, a capacidade de conhecimento e compreensão dos problemas vai aumentando aos poucos a cada etapa do desenvolvimento mental de uma criança. Então, o desafio é saber qual o nível de compreensão que cada pessoa tem num dado momento para receber de forma construtiva uma certa informação.

Juntando estes dois pensamentos acima, penso que o momento de explicar sobre as manchas café com leite é quando a própria criança as percebe ou um coleguinha chama sua atenção sobre elas. O momento de falar sobre os neurofibromas é quando surge um neurofibroma, nunca antes da criança perguntar por eles.

Acho que devemos dizer com todas as letras para a criança que ela possui uma doença (ou problema) que a torna um pouco (ou muito, dependendo do caso) diferente das outras pessoas, e tentar explicar para ela as consequências, sem aumentar nem diminuir as dificuldades. Creio que assim ela pode encontrar suas próprias saídas, para as situações que terá que enfrentar, de forma natural.

Por exemplo, uma de minhas netas tem a pele muito clara, é loira e de olhos azuis. Então, desde os primeiros momentos em que ela podia entender esta diferença, sua mãe Ana explicou a ela que mais do que a irmã e os primos, ela precisava de usar protetor solar, boné e às vezes uma roupa especial para permanecer mais tempo sob o sol. Hoje, ela mesma, com 4 anos de idade é a primeira a nos lembrar dos cuidados que devemos ter para que ela não tenha queimaduras de pele.

Minha filha Maria Helena, que nasceu com a NF1, desde os primeiros anos de vida soube que as manchinhas faziam parte de um problema com o qual ela havia nascido e explicavam algumas de suas dificuldades (de aprendizado) ou necessidades (ir ao tratamento com a querida fonoaudióloga Dilza Antunes, por exemplo).

Na última reunião da AMANF, sábado passado, Maria Helena, hoje com 38 anos, comentou que o mais importante para uma criança é saber que ela conta com a família e que ela havia recebido este apoio em sua infância.

Bem, pelo menos na minha casa, parece que foi bom ter falado sobre a NF desde o início.

 

“Sou mãe de um jovem de 23 anos que possui neurofibromatose.
Aos 12 anos teve que passar por uma cirurgia para retirar um tumor que crescia muito rápido e estava alojado na parte direita do crânio. Deste então fazemos ressonância e exames diversos com receio. Contudo e apesar de todo o cuidado, recentemente tendo que retirar o dente do siso, perceberam que havia algo errado, procuramos um cirurgião buco maxilar que através de exames nos alertou que Lucas tem um tumor alojado na parte de baixo do maxilar. E isso não é novo, disseram eles, apesar de não conseguir mensurar. Toda a parte óssea está comprometida e sempre que procuramos uma especialista nada de concreto nos falam, preciso de ajuda pois alguns dizem que tem que mexer, outros dizem que melhor não mexer. Ajude-me por favor.” E, de local indeterminado.

Cara E. Obrigado pela confiança. Compreendo sua angústia, mas procure manter a calma para poder ajudar seu filho. Tentei responder seu e-mail diretamente para você, mas como ele retornou, farei alguns comentários publicamente. Espero que você os veja.

Como não examinei seu filho pessoalmente, não posso afirmar nada sobre ele diretamente. Assim, estamos à sua disposição para vê-lo pelo SUS no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Basta ligar e agendar: (31) 3409 9560 ou enviar um e-mail para adermato@hc.ufmg.br . Não esqueça de trazer o cartão do SUS na primeira consulta.

O que eu posso fazer hoje neste blog é dar algumas informações gerais, as quais podem ou não ser úteis no caso de seu filho, mas que nos ajudam a pensar de um modo mais organizado sobre as neurofibromatoses. Leve estas informações ao (à) médico (a) que está cuidando dele.

Você diz que ele tem neurofibromatose, mas não posso saber com segurança qual tipo: tipo 1 ou tipo 2? Porque ambos os tipos podem causar tumores no cérebro (astrocitomas na NF1 e meningiomas e schwannomas na NF2).

Como você disse a palavra “crânio”, tanto na NF2 quanto na NF1 podemos encontrar tumores na parte interna ou na externa da cabeça. Na NF1, os tumores internos geralmente são astrocitomas (chamados de gliomas) e na parte externa geralmente são neurofibromas. Na NF2, os tumores mais comuns na parte interna são os schwannomas (no nervo vestibular) e os meningiomas. Na parte externa, na NF2 também podemos encontrar schwannomas.

Você teria algum laudo de biópsia daquele tumor que foi retirado aos 12 anos de idade? Isto nos ajudaria muito.

Por falar em 12 anos, naquela idade é pouco comum a manifestação da NF2, portanto, minha tendência é pensar que seu filho teria a NF1 e o tumor operado teria sido um glioma.

Estes tumores na NF1, os gliomas, apresentam uma evolução muito benigna e geralmente não produzem danos, podendo ser observados ao longo da vida. Em nosso Centro de Referência, seguindo os padrões internacionais de tratamento das neurofibromatoses, nós raramente indicamos quimioterapia, rarissimamente indicamos cirurgia e NUNCA indicamos radioterapia para estes gliomas que acontecem na NF1.

Imaginando que seu filho tenha NF1, o tumor percebido na região da boca poderia ser um neurofibroma chamado plexiforme, que também é um tumor benigno e que costuma estar presente desde a vida intrauterina.

Em 85% das vezes, estes tumores não se transformam em malignos, mas numa pequena parte deles sim, e esta transformação pode ser anunciada por dor persistente e forte, associada a crescimento e endurecimento do tumor. Por isso ficamos atentos aos plexiformes, especialmente aqueles muito grandes e profundos.

Veja neste blog, na caixa ao lado de busca de assuntos, outras informações importantes sobre o tratamento dos plexiformes.

Até segunda feira.

Riccardi reafirma que o grande desafio nos estudos sobre tratamento dos neurofibromas é a nossa pouca capacidade atual de quantificarmos cientificamente a “carga de tumores” de uma pessoa, ou seja, qual a gravidade de cada caso, uma vez que a NF1 se apresenta de formas extremamente diferentes entre uma pessoa e outra, ainda que ambas possuam a mesma mutação genética, como no caso de gêmeos univitelinos.
Para enfrentarmos esta questão da quantificação da carga de tumores, Riccardi propõe uma tabela de descrição dos neurofibromas, a qual adaptei para nosso uso ambulatorial e que estará disponível para quem se interessar, bastando enviar-me um e-mail neste sentido.
O desafio consiste em sermos capazes de avaliar cada tipo de neurofibroma de acordo com alguns critérios apresentados na Tabela abaixo.
Tipo
Critérios
Endoneurais (cutâneos)
Número total (dúzias a centenas)
Tamanho (poucos milímetros a vários quilogramas)
Localização (em qualquer parte da pele e mucosas)
Densidade regional (especialmente na parte central das costas, lombares, torácicos)
Planos, sesseis, pedunculados ou invertidos
Pós-traumáticos
Influência no conforto pessoal e desempenho cotidiano
Coceira – dor – rigidez
Areolares (dificuldade para amamentar)
Estética (face, mãos, braços e genitais externos)
Perineurais (subcutâneos)
Número total (poucos a muitos)
Tamanho (poucos milímetros a vários centímetros)
Localização (em qualquer parte ao longo do trajeto de um nervo)
Influência no conforto pessoal e desempenho cotidiano
Invasão regional
Coceira – dor – rigidez
Transformação maligna
Neuropatia
Estética
Perineurais (plexiformes nodulares)
Número total (poucos a geralmente muitos)
Tamanho (pequenos a muito grandes)
Localização (geralmente, mas não exclusivamente, para-espinhais)
Transformação maligna
Influência no conforto pessoal e desempenho cotidiano
Invasão regional
Coceira – dor – rigidez
Neuropatia (disfunção neurológica)
Estética
Epineurais (plexiformes difusos)
Número total (um ou vários)
Tamanho (pequenos a muito grandes)
Localização (proximal ou distal, interno ou externo, frequentemente ganglionares)
Transformação maligna
Influência no conforto pessoal e desempenho cotidiano
Invasão regional
Coceira – dor – rigidez
Neuropatia (disfunção neurológica)
Estética
Atípicos
Número total (um ou poucos)
Tamanho (médios a grandes)
Localização (geralmente se desenvolvem num subcutâneo, ou em plexiformes já existentes)
Transformação maligna
Influência no conforto pessoal e desempenho cotidiano
Invasão regional
Coceira – dor – rigidez
Como podemos ver, é uma tarefa bastante complexa em muitos casos, o que exige grande dedicação dos pesquisadores interessados em desenvolver tratamentos para os neurofibromas.
Agradeço mais uma vez ao Dr Riccardi por ter escrito este artigo e gentilmente nos ter enviado uma cópia nesta segunda feira.
Amanhã volto com outro assunto do nosso interesse: as dificuldades cognitivas na NF1.

 

O olhar sempre renovado do Dr. Riccardi (Parte 3)

Depois de ter comentado os conceitos do Riccardi sobre a distinção entre ”achados, consequências e complicações” da NF1 e lembrarmos os 5 níveis de tratamento dos neurofibromas, tentaremos hoje compreender os diferentes tipos de neurofibromas sob o olhar do nosso mestre inspirador. Na opinião do Riccardi, precisamos distinguir as características anatômicas dos neurofibromas para manejá-los clinicamente de forma adequada.

Riccardi divide os neurofibromas em três tipos fundamentais, cujos termos indicam a origem dos tumores em relação ao nervo.

Um nervo (ver figura acima) é formado por feixes de axônios (o prolongamento dos neurônios) são envolvidos pelas células de Schwann, que estão num ambiente chamado ENDONEURO. Vários axônios e o endoneuro são agrupados por uma membrana chamada PERINEURO. Vários feixes reunidos são abraçados por outra membrana mais externa, chamada EPINEURO.

 Assim, conforme a origem dos neurofibromas, eles podem ser: ENDONEURAIS (crescem sem limitações dentro na camada chamada endoneural – ver figura acima), ou PERINEURAIS (crescem sempre limitados pela camada perineural) ou EPINEURAIS (começam limitados pela camada epineural e depois perdem os limites, espalhando-se pelos tecidos ao redor).

Cada tipo de neurofibroma tem sua história clínica particular e precisamos conhecer as diferenças entre eles para tratarmos adequadamente.

Endoneurais (também chamamos de cutâneos e pedunculados)

São os mais comuns, geralmente pequenos e indolores, de consistência macia e rosados. Nascem na parte interna (endoneuro) da terminação de um nervo sensitivo na pele, crescem especialmente a partir da puberdade e praticamente nunca se tornam malignos.

PERINEURAIS (também chamamos de neurofibromas subcutâneos ou nodulares)

Surgem em qualquer parte do nervo sensitivo, da raiz até a extremidade, são nodulares e firmes porque estão envolvidos por uma bainha (perineuro), a qual define bem os seus limites, separando-os dos tecidos ao redor. Às vezes formam cordões com vários neurofibromas ao longo do trajeto de um nervo como se fossem “contas de um rosário” e podem ser dolorosos. Geralmente se apresentam nos primeiros 5 anos após o nascimento e continuam a crescer ao longo da vida.

Algumas pessoas com NF1 apresentam estes neurofibromas perineurais ao longo das raízes nervosas em várias partes da coluna vertebral ou mesmo em toda ela, situação em que denominamos de forma espinhal da NF1. Segundo Riccardi, estes neurofibromas se comportam como plexiformes e há a chance de pelo menos 15% deles sofrerem transformação maligna.

EPINEURAIS (também chamamos de neurofibromas plexiformes difusos)

São formados entre o perineuro e ocorrem em cerca de 30% das pessoas, são geralmente congênitos, surgem na vida intrauterina em qualquer parte de um nervo sensitivo, desde a raiz nervosa próxima à medula até suas terminações nervosas. Costumam estar associados a manchas cutâneas grandes (hiperpigmentadas) que são confundidas com manchas café com leite. Seu pico de crescimento é nas primeiras três décadas de vida.

Segundo Riccardi, com exceção daqueles que acontecem no nervo trigêmeo (na face), cerca de 15% deles sofrem transformação maligna em tumor maligno da bainha do nervo periférico (TMBNP). Mesmo quando benignos podem causar deformações e atingir grandes tamanhos.

Riccardi chama a atenção para um “quarto” tipo de neurofibroma, que temos chamado de “atípico”, o qual, na verdade, seria um passo intermediário na transformação de um neurofibroma epineural (nodular) ou perineural (difuso) para um tumor maligno da bainha do nervo periférico (TMBNP). Estes neurofibromas atípicos apresentam aumento anormal do metabolismo no PET CT e devem ser tratados com rapidez.

Amanhã farei meus últimos comentários sobre o artigo do Riccardi, no qual ele propõe uma forma de medirmos a gravidade dos neurofibromas, o que, segundo ele, seria fundamental para tratamentos mais eficazes.

Continuando o breve resumo das ideias publicadas pelo pioneiro Vincent M Riccardi recentemente, retomo a sua proposta dos cinco níveis de tratamento dos neurofibromas.

Para o nível 1, da prevenção, Riccardi lembra que ainda não dispomos de um tratamento recomendado como consenso entre os especialistas e repete seu argumento, conhecido desde 1990, que o uso contínuo de um medicamento estabilizador das células chamadas mastócitos (o Fumarato de Cetotifeno) seria capaz de evitar o surgimento dos neurofibromas, e pede aos especialistas em neurofibromatoses que realizem estudos amplos sobre esta possibilidade.

No nível 2 do tratamento (parada do crescimento dos neurofibromas), ele também sugere que o Cetotifeno seria capaz de parar o crescimento dos neurofibromas, mesmo depois que eles aparecessem, embora reconheça que ainda não tenhamos evidências de estudos com grandes grupos de pessoas.

No nível 3 do tratamento (reversão do tamanho), Riccardi lembra que alguns resultados parciais têm sido apresentados com alguns medicamentos usados em oncologia, como o Sunitinibe, o Sirolimus e o Imatinibe. No entanto, sabemos que estes estudos ainda não estão concluídos.

No nível 4 do tratamento dos neurofibromas (assim como em caso de sua eventual transformação maligna), nosso amigo pioneiro lembra que contamos com as cirurgias ou eventualmente com o recurso complementar da quimioterapia nas malignizações. Devo comentar que nossa impressão é de que a radioterapia pode ser mais eficaz como tratamento complementar da cirurgia dos tumores malignos da bainha do nervo periférico (ver artigo aqui) do que a quimioterapia, embora ambos os recursos sejam pouco efetivos no enfrentamento deste tipo de tumor.

Finalmente, no nível 5 do tratamento dos neurofibromas (paliativo), Riccardi lembra a necessidade do tratamento efetivo da dor causada pelos neurofibromas quando eles não podem ser removidos. É fundamental garantirmos dignidade, conforto e paz para as pessoas que enfrentam as formas mais graves e intratáveis da neurofibromatose.

Amanhã comentarei a opinião do Riccardi de que precisamos distinguir os diferentes tipos de neurofibromas para manejá-los clinicamente de forma adequada.

Como tenho recebido algumas perguntas parecidas e não gostaria de deixar nenhuma sem resposta, vou apresentar abaixo dois conjuntos conjunto delas, com os links para as respostas já fornecidas neste blog.


Se ainda permanecerem as dúvidas, digam-me.

Perguntas sobre “cura” e crescimento dos neurofibromas

Há pouco descobri que minha sobrinha tem neurofibromatose, gostaria de saber essa doença é proveniente de que, tem cura e qual o tratamento. Obrigada. MPD, de local não identificado.

Olá, minha filha tem trinta anos e aumenta cada dia os fibromas. Nada ainda que evite a continuidade? Obrigada DMH, de Bagé, RGS.

Tenho 41 anos algum neurofibroma gostaria de saber se eles podem aumentar de número e/ou tamanho com o passar dos anos. MF, Salvador – BA
Respostas
As doenças genéticas geralmente não têm “cura”, mas podem ter muitos tratamentos que melhoram a qualidade de vida (clique aqui).
Os neurofibromas são de diferentes tipos e seu crescimento varia de acordo com o tipo e a idade das pessoas (clique aqui).
Perguntas sobre diagnóstico da NF1 e direito a benefícios no INSS
Tenho uma filha de 13 anos que foi diagnosticada com neurofibromatose tipo 1. Ela sente muita dor de cabeça, tem um pequeno desvio na coluna e apresenta atraso mental, a ponto de não conseguir atravessar a rua direito. Cheguei a matricula-la em alguns cursos para ver se melhorava o aprendizado, mas não resolveu. Gostaria de saber se minha filha teria direito a algum benefício do INSS. RG, Guarujá
Meu filho foi diagnosticado com neurofibromatose tipo 1 aos 8 anos de idade e hoje está com 22 anos. Atualmente ele vem sentindo dores na coluna e nas pernas, apresenta alguns neurofibromas pelo corpo, e sente muita falta de ar. Existe algum exame que confirme o diagnóstico da doença? Além disso, na cidade onde moro não tem assistência e penso em sair daqui para procurar tratamento adequado. O meu filho teria direito a algum benefício? M, Cabo Frio – RJ
Respostas

O diagnóstico da NF1 pode ser feito com bastante segurança na grande maioria dos casos apenas com o exame clínico (clique aqui).
Em alguns casos pedimos exames complementares, especialmente quando suspeitamos de deleção do gene (clique aqui).
Sim, existem benefícios previstos na legislação para pessoas com NF1 (clique aqui).
Se ainda restar alguma dúvida, voltem a fazer contato comigo.