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Na última reunião da Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses (AMANF) um casal trouxe a questão se a fé religiosa poderia afetar o desenvolvimento da doença.



Sabemos que boa parte da população brasileira tem algum tipo de fé religiosa e a maioria é formada por cristãos (católicos, protestantes, evangélicos e espíritas), portanto, esta é uma pergunta importante e deve ser considerada. No entanto, é interessante notar que em mais de uma década de participação nestas reuniões mensais da AMANF é a primeira vez que me recordo deste tema ter sido colocado em discussão.
A possibilidade de a fé religiosa afetar a nossa saúde tem sido defendida por pessoas que acreditam que existe algo além da vida material. Por causa disso, alguns cientistas já tentaram estudar de forma objetiva se a fé, orações e procedimentos rituais religiosos poderiam mudar o curso das doenças. Os estudos científicos que pude ler até hoje não conseguiram demonstrar qualquer efeito físico (benéfico ou maléfico) sobre doenças objetivamente diagnosticadas como cânceres, por exemplo.
Por outro lado, não conheço qualquer estudo científico sobre os benefícios ou prejuízos da religiosidade de uma pessoa sobre a evolução natural da sua neurofibromatose, portanto, não posso responder com segurança sobre essa questão que nos interessa mais de perto.
Considerando as doenças em geral, sabe-se que ser diagnosticado com uma doença que ameaça a vida (como um câncer) causa grande estresse emocional e diminui a qualidade de vida. Há evidências de que o estresse excessivo leva a resultados piores no tratamento, por isso, reduzir o estresse mental é um dos objetivos dos tratamentos psicológicos e psiquiátricos. Algumas técnicas alternativas (yoga, meditação, etc.) também podem ser utilizadas. No entanto, uma revisão recente destas práticas alternativas para reduzir o estresse mental não incluiu as atividades religiosas entre elas (ver aqui artigo completo).

Por outro lado, considerando os problemas de comportamento (na NF1, especialmente), podemos indagar se a religiosidade teria algum papel nas doenças mentais. Outra revisão recente publicada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ver aqui o artigo completo) examinou os resultados de mais de 3 mil artigos científicos sobre as relações entre religiosidade e saúde mental. Os autores afirmam que há uma relação complexa entre religiosidade e saúde mental e que não podemos concluir de forma simplificada se a fé é “boa” ou “má”. Eles dizem que uma parte dos pacientes se beneficia enquanto outra parte piora em função sua religiosidade. Ou seja, a preocupações religiosas e espirituais podem tanto fazer parte do tratamento quanto do problema. Eles concluem que são necessários mais estudos científicos para se ter uma visão segura do assunto.
Em nosso Centro de Referência, parece-me que a maioria das pessoas com fé religiosa aceita como “vontade de Deus” o fato de possuírem uma das formas de neurofibromatose. Mesmo que não compreendam e/ou não questionem o motivo divino para terem “recebido” a doença, reagem positivamente na busca de melhor qualidade de vida, seguem os tratamentos necessários e não se culpam demasiadamente.
Outras pessoas com algum tipo de religiosidade percebem a doença como um castigo divino, perguntam-se o que fizeram de errado e acreditam que somente as orações e a fé poderão “resolver” o problema “quando Deus quiser”. Já ouvi, inclusive, a justificativa de que a neurofibromatose seria o resultado de erros em vidas passadas e a reencarnação com aquela doença seria uma forma de expiação do pecado original cometido.
Infelizmente, estas crenças fatalistas, deixando tudo “nas mãos de deus”, têm sido responsáveis por algumas famílias descuidarem do acompanhamento clínico de doença, às vezes perdendo-se o momento certo para fazer intervenções que poderiam modificar a qualidade ou mesmo salvar a vida da pessoa com neurofibromatose.
Como sou ateu, acredito na vida como uma grande maravilha da natureza, onde surgimos como seres humanos que precisam viver em sociedades, para os quais a solidariedade e o respeito ao próximo são fundamentais. Eu acredito que existe vida antes da mortee por isso deve ser vivida hoje, aproveitada para construir um amanhã melhor e respeitada sempre.
Penso, portanto, que os direitos de todos que devem ser garantidos, inclusive o direito de acreditar ou não em religião. Minha função no Centro de Referência e neste blog é apenas a de aconselhar e oferecer informações sobre as neurofibromatoses, e por isso respeito as escolhas de cada pessoa sobre o que deseja fazer com sua própria vida.
No entanto, especialmente quando se trata de crianças, as quais ainda não alcançaram a maturidade para escolher se querem ou não acreditar numa determinada religião, tenho a esperança de que a fé dos seus pais ajude a medicina a cuidar delas e não seja um obstáculo para sua felicidade.

Ainda sobre a felicidade de nossas crianças com NF1, lembrei-me de uma família que atendi no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses: a menina de 11 anos (a única com NF1), que vou chamar de Mariana, a mãe (profissional da saúde) e a avó (profissional da educação aposentada).
Notei que todas as perguntas que eu fazia à Mariana, ela olhava para a mãe e para a avó antes de responder. Este é um comportamento bastante comum entre as crianças com NF1 que tenho encontrado, revelando uma certa dependência psicológica para com os pais, ou seja, uma dificuldade em saber o que elas próprias desejam.
Também já observei que os pais (principalmente as mães) se apressam em retirar a roupa das crianças, mesmo daquelas que já podem fazer isto sozinhas, quando peço a elas para ficarem de cueca ou de calcinha para que eu possa pesá-las, ver sua estatura e fazer o exame físico. Geralmente, preciso explicar aos pais que a habilidade em retirar as roupas já faz parte do meu exame neurológico, e por isso preciso ver como a criança se organiza com as próprias roupas. Este comportamento também sinaliza uma certa superproteção comum entre os pais de crianças com NF1.
Outro indicativo da superproteção dos pais se revela nas constantes correções de postura (senta direito, fica bonitinha), de proibições (não mexe no carimbo do doutor, tira a mão daí, fica sentado, etc.), mesmo depois que eu digo que pode mexer, que pode subir na balança, que pode abrir a torneira da pia e brincar com a água. Outro dia, durante a consulta, uma mãe de cerca pouco mais de 60 anos corrigiu com a ponta dos dedos o batom de sua filha de (com NF1) sem pedir permissão à ela, como se a filha fosse ainda uma menina, apesar dela ser uma profissional de 40 anos bem sucedida.
Quando Mariana demorava um pouquinho para responder, a mãe ou a avó respondiam em seu lugar, usando a terceira pessoa: ela gosta disso, ela faz aquilo, ela sente aquilo outro. Diante desta interferência da família, Mariana dizia: – Não! Não é isso! E ficava com os olhos marejados de lágrimas. Praticamente em tudo elas pareciam discordar, inclusive sobre os próprios sentimentos da Mariana. Por exemplo, quando a mãe disse: – Ela morre de medo disso. Mariana retrucou: – Não, não tenho medo!
Ao longo da entrevista e do exame, fui notando que a Mariana se debruçava cada vez mais sobre a mesa em minha direção, se aproximando de mim e olhando-me nos olhos mais diretamente, apesar das primeiras interferências de sua mãe e sua avó para tentarem “corrigir sua postura”.
Num dado momento, comentei diretamente com a Mariana: parece que você não concorda em nada com sua mãe e sua avó. Ela, mais uma vez com os olhos marejados, disse: Elas exigem muito de mim!
Tenho a impressão de que esta é uma resposta chave para a questão da felicidade das crianças com NF1.
Se para as pessoas que não possuem NF1, a sociedade que criamos ao longo de séculos (capitalista, competitiva, elitista e desumana) já gera muita infelicidade e sofrimento, podemos imaginar o que deve ser  uma pessoa com NF1 viver nesta mesma sociedade, pois quem tem NF1 precisa de um pouco mais de tempo para aprender e realizar suas tarefas.
Lembro-me de minha esposa Thalma, andando com nossas duas filhas a caminho da escola. Ana, – a mais velha, ágil, esperta, correndo na frente, e a segunda, – Maria Helena, com NF1, mais lenta e distraída. Thalma dizia: – Espera, Ana… Vamos, Maria Helena!
E por que exigimos tanto de nossas crianças?
Porque preocupamo-nos com seu futuro, esperamos que sejam capazes de trabalhar, de serem independentes como adultos.
Mas como esperar que sejam adultos independentes, se não os deixamos tirar a própria roupas nem responder sobre seus próprios sentimentos, hoje, quando já são capazes de fazer isto sozinhos?
Porque queremos que sejam felizes no futuro.
Mas, as neurofibromatoses são doenças imprevisíveis, não sabemos o que nos espera com certeza. Além disso, com ou sem NF, quem sabe o que acontecerá no futuro?
Por isso, especialmente para quem tem NF, não existe felicidade no futuro: a felicidade é no presente, é hoje. Fazer o que for possível para ser feliz agora, dentro das possibilidades de cada um e de cada dia.
E que a felicidade de hoje nos ajude a construir um mundo melhor para todos no amanhã.

Bom final de semana.

Sou portadora de neurofibromatose do tipo II, tenho várias manchas café com leite espalhadas pelo corpo, um glioma no quiasma no nervo óptico que não atrapalha minha visão, dificuldade de concentração moderada. Faço acompanhamento com neurologista e oftalmologista. Recentemente li uma reportagem sobre o enquadramento da enfermidade como deficiência física para fins de concurso público. Gostaria de saber se existe essa previsão, se meu caso pode ser considerado dessa forma e os motivos que justificariam esse enquadramento. Grata pela atenção MPC Belo Horizonte, MG.
Cara M, obrigado por trazer sua dúvida, que me parece comum a muitas pessoas, inclusive profissionais da saúde.
Até o final da década de 1980, não sabíamos que a NF1 e a NF2 eram duas doenças genéticas completamente diferentes entre si. Acreditávamos que havia apenas uma única doença, chamada de Doença de von Recklinghausen, que se apresentava de diferentes formas ou tipos. Isto porque todas as neurofibromatoses têm em comum o fato de apresentarem múltiplos tumores benignos ligados ao sistema nervoso e manchas cutâneas.
A questão só ficou compreendida, quando se descobriu que o problema genético da NF1 está num gene localizado no cromossomo 17 e o problema genético da NF2 está noutro cromossomo, o 22. Por isso, não usamos mais o termo Doença de Recklinghausen, pois ele pertence a um momento histórico diferente do conhecimento científico sobre as neurofibromatoses.
Como esta descoberta tem menos de 30 anos, há muitos médicos que ainda não foram informados sobre ela e continuam misturando os problemas da NF1 com os da NF2. Por exemplo, hoje sabemos que a presença de um glioma óptico (um tumor benigno do nervo óptico) e cinco ou mais manchas café com leite são dois critérios suficientes para fazermos o diagnóstico de NF1.
Por outro lado, de forma resumida, para o diagnóstico de NF2 é preciso encontrarmos tumores bilaterais no nervo vestibular (do equilíbrio), chamados de schwannomas. Ou então um schwannoma vestibular associado a dois ou mais meningioma (outro tumor benigno que acontece nas meninges do cérebro).
Também sabemos que os gliomas ópticos, muitas manchas café com leite e dificuldades de atenção praticamente não fazem parte da NF2, e sim da NF1. Assim, minha impressão é que você deve ter a NF1 e não a NF2, como mencionou.
Quanto aos direitos dos portadores de necessidades especiais, de fato, uma lei estadual reconheceu as necessidades especiais também para as pessoas com neurofibromatoses (veja que na lei eles ainda chamam de Doença de Recklinghausen). 
Esta lei trouxe, principalmente, mais uma forma de reconhecimento público para as neurofibromatoses, aumentando a sua representação social, o que tanto precisamos.

No entanto, para ser beneficiária da lei, a partir de um laudo médico, a pessoa com NF tem que se submeter a uma perícia no INSS que comprove a sua necessidade especial. Procure neste blog, no assunto Leis para ter mais informações sobre como proceder num concurso público. 
Bom dia eu tenho algumas manchas café com leite e poucos nódulos de Neurofibromatose, estou fazendo academia a um tempo, e queria saber se posso tomar suplementos e se isso pode ocasionar no aparecimento de mais nódulos, também tenho a dúvida se posso tomar Dianabol, que é um hormônio. LG, Belo Horizonte, MG.


Caro LG, obrigado pelas suas duas perguntas.
Primeiro, os “suplementos”.
Para responder com segurança à sua pergunta, preciso saber o que você está usando e que chama de “suplementos”, porque existem centenas de produtos industrializados vendidos sob este nome, cada um deles com diferentes supostas propriedades e efeitos sobre a saúde.
Parece-me que, apesar da variedade de conteúdos nestes “suplementos”, a maioria destes produtos pouco fiscalizados pelos órgãos de vigilância sanitária promete oferecer maior quantidade de proteínas e ou vitaminas, as quais aumentariam o seu crescimento muscular.
Em pessoas sem as neurofibromatoses, é possível que uma dieta rica em proteínas aumente um pouco a resposta ao exercício de musculação (clique aqui para ver a revisão).
No entanto, não existe qualquer estudo científico sobre o efeito da ingestão destes produtos em pessoas com neurofibromatoses, portanto, não tenho como responder de forma segura e científica o que me perguntou, se eles aumentam ou não os neurofibromas.
O meu palpite é que você deve fazer uma dieta saudável, baseada naquilo que sua cultura familiar costuma utilizar como alimento, sem qualquer adição destes produtos industrializados, porque esta é a forma mais econômica e segura de manter a sua saúde.
Agora, o Dianabol.
A droga existente sob o nome de Dianabol é a “Metandrostenolona”, um medicamento semelhante ao hormônio masculino “testosterona”.
O tal Dianabol foi desenvolvido para ser ingerido e não injetado como os que havia então no mercado.
Os hormônios semelhantes à testosterona têm sido usados, especialmente nos esportes de competição, para aumentar a resposta dos músculos aos exercícios, porque os homens têm, naturalmente, mais músculos do que as mulheres por causa da presença de maior quantidade deste hormônio masculino no seu corpo.

Em quantidades normais, ou seja, aquelas que são produzidas no organismo naturalmente, a testosterona é fundamental para a saúde. Porém, o uso de quantidades artificiais de hormônios masculinos, como neste medicamento Dianabol, é muito perigoso, pois causa desde problemas menores, como infecções na pele (acne), aumento das mamas e queda de cabelo, como complicações graves, como hipertensão e lesões do fígado, podendo, inclusive serem fatais.
Por isso, estas drogas são proibidas nos esportes e os estudos científicos sérios com seres humanos com a Metandrostenolona foram interrompidos em 1986. Além disso, sua comercialização foi interrompida há muitos anos nos Estados Unidos, portanto há uma grande probabilidade de você estar usando um produto falsificado ou com a validade vencida.
Se problemas graves podem ser causados por estes hormônios ingeridos em pessoas que não têm neurofibromatoses, imagina só o perigo que correm as pessoas com neurofibromatoses, nas quais nem mesmo sabemos ainda, com segurança, qual o papel dos hormônios naturais sobre o crescimento dos neurofibromas e outros tumores.

Minha opinião é: NUNCA use qualquer droga que não tenha comprovação científica de que fará bem a você.
Continuando a resposta de ontem, sabemos que a chance de nascer com NF é a mesma para meninos e meninas, mas a gravidade da doença pode ser diferente entre os dois sexos?
Até recentemente a maioria dos especialistas em NF pensava que a gravidade seria semelhante entre meninos e meninas porque os cromossomos onde estão os problemas que causam as neurofibromatoses não são aqueles ligados ao sexo.
No entanto, um estudo científico recente realizado nos Estados Unidos (clique aqui para ver o artigo completo) informou que as meninas com NF1 têm três vezes mais chances de precisarem de tratamento quando têm glioma óptico do que os meninos com NF1 que também apresentam glioma óptico. Ou seja, a gravidade da doença, pelo menos quanto ao glioma seria diferente entre os sexos.
Pessoalmente, tenho a impressão de que a NF1 se manifesta clinicamente de forma diferente entre meninos e meninas, pois eles me parecem mais tímidos e retraídos do que elas. Parece-me que os homens com NF1 permanecem solteiros com mais frequência do que as mulheres com NF1, mas esta observação subjetiva precisa ser estudada de forma mais rigorosa.
Além disso, as mulheres com NF1 apresentam momentos razoavelmente definidos na sua vida quando os neurofibromas aparecem e crescem com mais frequência: na puberdade, na gravidez e na menopausa. Os homens com NF1 não mostram fases tão nítidas de crescimento dos neurofibromas depois da puberdade.
As mulheres com NF1 também apresentam cerca de 3 vezes mais chances de desenvolver câncer de mama do que as pessoas sem NF1 entre os 30 e os 50 anos, o que não acontece com os homens com NF1.
Não tenho informação segura de que as demais neurofibromatoses possam possuir diferenças de gravidade entre os sexos.
De qualquer forma, a gravidade da doença é percebida pela pessoa acometida e pela sua família de modo muito particular e individual. Para algumas famílias, pequenos problemas na opinião dos médicos podem ser percebidos como grande sofrimento para a pessoa com NF e/ou sua família. Ao contrário, grandes problemas para os médicos podem ser enfrentados de forma tranquila pela família e/ou a pessoa acometida.

As neurofibromatoses são doenças “pessoais e intransferíveis”, como disse-me uma pessoa com NF1, enfatizando as características únicas que formam a identidade de cada pessoa.
Doutor, tenho neurofibromatose e quatro filhos, duas meninas e dois meninos. Uma das meninas tem a NF1 e um dos meninos também. A menina com NF1 tem problema na visão e o menino não. 

A doença é diferente para os meninos e as meninas? 

Por que a metade dos meus filhos tem a doença e a outra não? RA, de Belo Horizonte, MG.
Cara R. Obrigada pela sua pergunta que deixei para responder depois de tentar esclarecer ontem o que são doenças genéticas, congênitas e hereditárias.
Como vimos, as neurofibromatoses são doenças genéticas, portanto são também congênitas, e tanto podem ocorrer por causa de uma nova mutação, quanto serem herdadas de um dos pais (hereditárias).
Outra característica das NF, especialmente da NF1, é que basta um dos pais ter a doença para que metade de seus filhos tenha a chance de herdar, como aconteceu com você. Isto acontece porque para o funcionamento normal do nosso organismo precisamos da proteína neurofibrominaproduzida pelos genes herdados do pai e da mãe. Se faltar um dos genes (materno ou paterno) ou se um deles vier com alguma mutação que atrapalhe a formação da neurofibromina, a neurofibromatose se manifesta obrigatoriamente. Por isso chamamos a NF1 de doença genética dominante.
Quando é necessário que a mutação esteja presente no gene do pai e no gene da mãe para a doença se manifestar, chamamos de doença genética recessiva, como é o caso da fibrose cística. Neste caso, os pais são chamados de “portadores”, porque eles carregam o gene alterado, mas sem expressar a doença. Neste sentido, não podemos usar a expressão “portadores de NF1”, porque sempre que a mutação da NF1 estiver presente numa pessoa ela apresentará a doença. Chamamos a isto de expressão completa da doença.
Esta informação sobre a expressão completa da NF nos ajuda a compreender porque a NF não salta gerações, por exemplo de avós para netos (as) ou de tios para sobrinhos (as). Ou seja, se uma pessoa tem NF e seu filho (ou filha, tanto faz) não herdou a NF, seu neto (ou neta) – que é filho deste filho sem a doença – também não herdará a doença.
E as neurofibromatoses acontecem tanto em meninos quanto em meninas?
Existem doenças genéticas nas quais o defeito está localizado num dos cromossomos sexuais, no X ou no Y. Chamamos de doenças genéticas ligadas ao sexo. Estas doenças poderão ou não ocorrer ou se manifestar de formas diferentes dependendo do sexo do bebê. Por exemplo, a hemofilia, na qual um defeito recessivo localizado no cromossomo X for herdado da mãe, se for um bebê masculino (XY) a doença se manifestará nos filhos e não nas filhas (como aconteceu com o cartunista Henfil e seus irmãos Betinho e Chico Mário – clique aqui para ver o documentário Três Irmãos de Sangue).
As neurofibromatoses não são doenças ligadas ao sexo, porque os defeitos estão em outros cromossomos (no 17 na NF1, no 22 na NF2, no SMARCB na schwannomatose e no SPRED1 na Síndrome de Legius). Por isso chamamos as NF de doenças genéticas autossômicas, que podem acontecer com a mesma frequência (50%) em meninos e meninas, como, por exemplo na sua família.

Amanhã veremos se a gravidade da doença é a mesma para meninos e meninas.
O senhor disse outro dia que ficamos confusos com as informações médicas sobre a nossa doença. Gostaria de saber se as neurofibromatoses são genéticas ou hereditárias? JTP, de Brasília, DF.


Caro J, obrigado pela sua dúvida que provavelmente deve ser de outras pessoas também.
Resumindo ao que nos interessa para compreendermos as neurofibromatoses, em geral as doenças podem ser divididas de acordo com sua causa, com a época de aparecimento e se são transmitidas ou não para os filhos.
Quanto às causas, as doenças podem ser genéticas ou adquiridas.
As doenças genéticas são produzidas por alterações no nosso código genético (mutações que acontecem totalmente ao acaso) que prejudicam o funcionamento normal do nosso organismo. Por exemplo, um erro no momento de copiar o DNA do pai para formar o espermatozoide (ou o óvulo na mãe) pode dar origem a uma criança com um gene incapaz de formar corretamente a proteína neurofibromina. Assim, o desenvolvimento dos tecidos da criança, especialmente a pele e o sistema nervoso, pode apresentar algumas diferenças que nós chamamos de critérios diagnósticos para neurofibromatose do tipo 1.
Algumas doenças genéticas acontecem por causa de mutações que surgem no embrião depois da fecundação. Nestes casos, apenas parte do organismo conterá a alteração no DNA e a doença se manifestará de forma irregular: em apenas metade do corpo, ou numa perna ou num braço, etc. São casos mais raros na NF1, que nós chamamos em mosaicismo ou forma segmentar, mas são mais frequentes na NF2 e mais ainda na schwannomatose.
As doenças adquiridas são causadas por fatores externos, por exemplo, a gripe causada pelo vírus influenza, ou internos, como o diabetes, causado pela incapacidade do organismo em utilizar os carboidratos de forma adequada. 

É importante lembrar que muitas das doenças adquiridas também possuem maior ou menor tendência genéticapara o seu desenvolvimento. Os próprios exemplos citados, gripe e diabetes, são doenças que dependem de fatores externos, internos e de predisposição genética para acontecerem.
Quanto à época de aparecimento, as doenças podem ser congênitas, da infância e adolescência, da vida adulta ou do envelhecimento. As doenças congênitassão aquelas que já estão presentes na gestação ou no nascimento, enquanto as outras ocorrem nas demais fases da vida

É importante lembrar que as doenças genéticas, como as neurofibromatoses, são, é claro, congênitas, mas suas características podem se manifestar apenas mais tarde, como na neurofibromatose do tipo 2, em que os tumores no nervo vestibular geralmente dão sintomas depois da adolescência. Por outro lado, algumas características das doenças genéticas podem já estar presentes no momento do nascimento, como as manchas café com leite e os neurofibromas plexiformes na NF1.
Quanto à possibilidade de transmissãoda doença de um dos pais para os filhos, as doenças podem ser hereditárias ou não hereditárias. As doenças verdadeiramente hereditárias precisam ser genéticas e a mutação deve estar presente no espermatozoide ou no óvulo, para que venha a fazer parte da nova pessoa. 

No entanto, algumas infecções maternas (como exemplos, pelo vírus HIV, pelo agente da sífilis, pelo protozoário da Doença de Chagas e pela bactéria da úlcera gástrica) podem ser transmitidas durante a gestação da mãe para a criança e algumas pessoas usam para elas o termo hereditário. Nestes casos, penso que o mais adequado seria dizer que estes exemplos são doenças congênitas.
E as neurofibromatoses?
As neurofibromatoses são doenças genéticas, logo são também congênitas, mesmo que os sinais clínicos não estejam presentes ao nascimento.
As neurofibromatoses tanto podem ocorrer por causa de uma nova mutação, quanto serem herdadas de um dos pais (hereditárias).
Todo indivíduo com neurofibromatose, portanto, possui uma doença genética e que é hereditária a partir dele mesmo.

Amanhã comentarei porque basta apenas um dos pais ter a NF1 ou a NF2 para haver a chance de metade dos filhos nascer com a doença. E também se as neurofibromatoses atingem meninos e meninas da mesma forma.
Olá. Tenho neurofibromatose, com poucos caroços na pele, mas muitos na coluna, de acordo com o resultado da ressonância magnética. Sinto muita dor nos braços e principalmente nas pernas, que não me deixa dormir. O senhor disse que os neurofibromas geralmente não doem. Como explica o meu caso? O que posso fazer? ADN, de Santos, SP.
Caro A. Obrigado pela sua pergunta sobre um assunto que ainda não comentei neste blog. De fato, geralmente, a maioria dos neurofibromas não doem, mas a dor pode ser a queixa principal de cerca de 15% das pessoas com neurofibromatoses.
Como não sei exatamente qual das neurofibromatoses (NF1, NF2 ou Schwannomatose) você apresenta, aproveito para esclarecer algumas diferenças entre elas quanto à dor.
O Quadro abaixo foi adaptado daquele publicado em 2015 pela Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatose (Clique aqui para ver o artigo completo) e pode ser útil para compreendermos a questão da dor.
Doença
Tipo de dor
Duração
Causa
Tratamento
NF1
Dor de cabeça
Aguda (rara)
Aumento da pressão no cérebro?
Exames de imagem para esclarecer
Crônica (comum)
Desconhecida
Analgésicos comuns
Em outras partes
Aguda (perigosa)
Transformação maligna de um neurofibroma?
Exames de imagem e cirurgia se houver suspeita
Crônica (comum)
Plexiformes
Compressão da medula
Tumor glomus
Cirurgia quando possível e analgésicos, antidepressivos e anticonvulsivantes
NF2
Dor de cabeça
Aguda
Aumento da pressão no cérebro?
Exames de imagem para esclarecer
Crônica
Incomum: buscar outras causas
Analgésicos?
Em outras partes
Aguda ou crônica
Schwannomas em crescimento
Cirurgia quando possível e analgésicos
Schwannomatose
Em outras partes
Aguda ou crônica
Schwannomas em crescimento
Cirurgia quando possível e analgésicos
É preciso lembrar que o tratamento da dor nas neurofibromatoses, especialmente aquela dor crônica e com características que que nós chamamos neuropáticas, não é simples.
A dor neuropática pode ser percebida como uma dor profunda, em queimação, ardência, “como se fosse um choque”, “como se fosse no osso”, “como se estivesse puxando o nervo”, “como dor de dente” e outras formas.
A dor neuropática causa grande desconforto psicológico constante, dificulta ou interrompe o sono, o que resulta em fadiga crônica, cansaço e depressão.
Geralmente, o tratamento da dor neuropática requer o uso prolongado de analgésicos comuns (dipirona e paracetamol) com outros semelhantes à morfina (opioides) e associados a antidepressivos e anticonvulsivantes. Às vezes, injeção de cortisona em determinados locais da coluna podem ser eficazes.
Algumas vezes é possível localizar a origem da dor, um neurofibroma plexiforme, um schwannomas periférico ou um neurofibroma comprimindo a raiz de um nervo na coluna. Nestes casos, é possível a tentativa cirúrgica para remover a causa, embora em alguns casos a dor possa continuar.

Amanhã falo um pouco mais sobre a dor neuropática.

Por intermédio do Professor Elcio Neves, da Associação de Vitória (ES), o gabinete do Senador Romário se propôs a fazer cartilhas informativas sobre doenças raras e nos enviou algumas perguntas sobre as neurofibromatoses.

1.
    O que é a doença?

As neurofibromatoses formam um grupo de 4 doenças que têm em comum o aparecimento de manchas café com leite e tumores benignos que se originam dos tecidos neurais (neurofibromas, gliomas, schwannomas, meningiomas) e que podem causar complicações à saúde das pessoas acometidas.
São as doenças chamadas de neurofibromatose do tipo 1, neurofibromatose do tipo 2, schwannomatose e Síndrome de Legius.

2.
    Número de pacientes no mundo e no Brasil?

Cada uma das 4 doenças tem incidências diferentes, mas tomadas em conjunto, teríamos cerca de 1:3000 pessoas nascidas, ou seja, cerca de 68 mil pessoas no Brasil e cerca de 2 milhões de pessoas no mundo.
3.    Ações já tomadas e medidas já existentes em prol da doença?

Atualmente existem algumas associações de pessoas com NF e poucos centros de referência especializados no atendimento às pessoas com neurofibromatoses: Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto.
Há páginas na internet e pesquisas científicas sendo realizadas.
Há uma Sociedade Brasileira de Pesquisa em NF de caráter informal que publicou recentemente dois manuais de orientação para profissionais da saúde para o diagnóstico e tratamento das neurofibromatoses.


Uma iniciativa interessante seria a tradução destes artigos de forma compreensível para a maioria das pessoas.

4.
    Medicamentos e seu uso?

Apesar de diversas pesquisas internacionais que buscam medicamentos para os diversos problemas das neurofibromatoses, não existem ainda medicamentos eficazes e específicos para as neurofibromatoses.

5.
    Perspectiva de vida ou sobrevida?

Há uma redução de cerca de 10 a 15 anos de expectativa de vida na neurofibromatose do tipo 1 e do tipo 2. Ainda não se sabe esta informação na schwannomatose e na Síndrome de Legius.

6.
    O que ainda falta em relação aos avanços da doença?

Do ponto de vista da sociedade, falta o reconhecimento de que a doença existe, quais as suas características (representação social) e é mais comum do que se pensa.

7.
 Outros que considera necessário?

Creio que faltam informações para os profissionais de saúde e para as pessoas acometidas pelas neurofibromatoses.

B- Indicação de um médico ou especialista na área que poderá assinar junto aos “organizadores” para que faça a correção do texto.
Ofereço a colaboração de nossa equipe do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, coordenada pelo Prof. Dr. Nilton Alves de Rezende.

C- Instituições, sites, especialistas citados e outros.

Por enquanto, dispomos de atendimento público especializado em neurofibromatoses nos estados do Rio de Janeiro (cidade do Rio:  www.cnnf.org.br), Minas Gerais (Belo Horizonte, o nosso: ver www.amanf.org.br) e São Paulo (Ribeirão Preto, ver: guimedicina@gmail.com  e São José do Rio Preto (ver: eny.goloni@famerp.br ). Em São Paulo (nas faculdades de medicina da USP e Unifesp) temos geneticistas que atendem às neurofibromatoses também.
Continuando a resposta para IT, de Portugal, vimos que uma das indicações para a identificação das mutações causadoras das neurofibromatoses seria para o diagnóstico pré-implantação, ou seja, no processo de inseminação artificial, para garantir que o embrião implantado não tenha uma das NF. 


Repito então as respostas oferecidas há alguns meses por dois experientes geneticistas: Dra. Eugênia Valadares da Faculdade de Medicina da UFMG, e Dr. Salmo Raskin, da Clínica Genétika, localizada em Curitiba.


Dra. Eugênia Valadares: 

O diagnóstico genético pré-implantação (PGD) de NF1 é uma opção para os casais que já têm identificada a mutação causadora da doença, de acordo com artigos publicados na literatura médica internacional. A fertilização in vitro pode ser feita em alguns hospitais universitários, com algum custo para os pacientes. Mas, em relação ao PGD, posso garantir que no Brasil são raros os laboratórios de genética que realizam este exame e acredito que na rede pública não tenha ninguém trabalhando com isso. 

É fundamental que o médico geneticista e o médico da fertilização in vitro que estão acompanhando o casal trabalhem de forma bem articulada com o laboratório de genética que vai realizar o exame. Os riscos da fertilização in vitro por injeção intracitoplasmática de espermatozoide e os custos de todo o processo devem ser informados diretamente pela equipe executora.


Dr. Salmo Raskin:

O Diagnóstico Genético pré-implantação (PGD) não é a única alternativa, mas sem dúvida é uma alternativa muito interessante para evitar o nascimento de um filho com Neurofibromatose.  
A técnica já foi testada por mais de duas décadas, e em mãos bem treinadas, é bastante confiável. Claro que há de se levar em conta que o procedimento de fertilização in vitro que antecede ao Diagnóstico Genético pré-implantação, é um procedimento complexo, sob todos os aspectos, em especial o emocional, e principalmente para a mulher. 

Todo o processo (fertilização in vitro seguida de Diagnóstico Genético pré-implantação) custa em torno de 20 a 30 mil reais, lembrando que às vezes é necessário repetir o processo (em parte ou integralmente), quando a gestação não se desenvolve. Outra alternativa médica seria a fecundação por meio da doação de gametas (espermatozoides ou óvulos) de uma pessoa sem NF1 para o casal com a doença.

DR LOR: 

É importante lembrar que aqueles casais onde um dos pais tem NF e desejam ser pais é possível a adoção.

Aproveitando que a Dra. Eugênia e o Dr. Salmo comentaram a questão dos custos financeiros para o PGD, lembro que, infelizmente, ainda não existe nenhum centro público de saúde no Brasil oferecendo o PDG pelo SUS, segundo o Dr. Selmo Geber, da Clínica Origen, em Belo Horizonte.

Por outro lado, dispomos agora da Portaria 199 do Ministério da Saúde sobre a obrigatoriedade do Sistema Único de Saúde prestar assistência integral às pessoas com Doenças Raras (o que inclui as neurofibromatoses). Considero que a paternidade e a maternidade sejam um direito de todos e a realização deste direito pode apresentar necessidades especiais no caso de determinadas doenças, como as neurofibromatoses, entre elas a necessidade de contar com a reprodução assistida.
  
No entanto, a Portaria 199 menciona o aconselhamento genético, mas não faz referência à reprodução assistida para portadores de Doenças Raras, o que precisa ser discutido entre as entidades envolvidas com a questão, incluindo o Ministério da Saúde.