Tenho recebido muitos e-mails de famílias (especialmente das mães) angustiadas por não saberem o que fazer com seus filhos ou filhas com NF, por falta de assistência especializada em seus municípios. Assim são os pedidos de ajuda de VJ de Campinas, de SC de Fortaleza, de AC de Campina Grande, de LSF de Manaus e tantas outras pessoas.

De fato, como acontece com todas as demais doenças raras, ainda não temos profissionais de saúde suficientes e devidamente preparados para atender as neurofibromatoses. Há uma portaria do Ministério da Saúde (de 2014) que cria os Centros de Referência em doenças raras no SUS, mas entre a intenção governamental e a realização das nossas necessidades tem que haver uma mobilização social e política que ainda não aconteceu, por isso, os Centros ainda estão no papel.

Enquanto isso, vamos tentando ajudar naquilo que podemos.

Geralmente, os e-mails que recebo trazem informações sobre a situação da clínica e me pedem orientações sobre como proceder, se devem realizar ou não determinada cirurgia ou se devem fazer ou não determinado exame complementar.

A todas estas pessoas respondo que, como médicos, não podemos responder diretamente sobre qualquer questão de saúde de uma pessoa sem examiná-la pessoalmente, ou sem um relatório de outro (a) médico (a) no qual ele (ela) solicite a nossa opinião.

Assim, para que possamos responder com segurança sobre problemas relacionados às neurofibromatoses, estamos à disposição de todas as pessoas no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRNF).

Somos um serviço público e estamos vinculados ao Sistema Único de Saúde, por isso, é fundamental trazer seu cartão do SUS na primeira consulta.

Para agendar uma consulta conosco (com Dr. Nilton Alves de Rezende ou comigo) basta ligar no telefone 31 3409 9560 ou mandar um e-mail para: adermato@hc.ufmg.br

Além disso, as pessoas perguntam se conhecemos especialistas em NF em suas regiões. Repito o que está informado no lado direito desta página, que, por acreditar que a saúde é um direito de todos e não deve ser comercializada, neste blog somente indico os serviços públicos que eu conheço pessoalmente (VER AQUI).

Respeitadas estas condições, procuro fornecer informações gerais sobre os problemas apresentados e aproveito aquelas questões de interesse mais amplo para reproduzi-las neste blog.

Amanhã tem mais.

A partir de hoje, quem desejar marcar consultas conosco pode utilizar o e-mail:
adermato@hc.ufmg.br
ou telefonar para 31 3409 9560 numa quarta de 8 às 10 horas, em virtude de férias do pessoal da secretaria.


Venho comentando que a maioria das pessoas com NF1 apresenta-se dentro da média geral, nos relatórios dos testes neuropsicológicos realizados pela Danielle de Souza Costa num grupo de pessoas com NF1 que foram atendidas em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

É preciso dizer que este grupo específico não representa exatamente a população com NF1, porque são pessoas que já procuraram atendimento especializado, ou seja, havia um motivo qualquer, ligado à sua saúde, que as levaram a procurar assistência médica. Assim, é possível que a “verdadeira” população com NF1 apresente um pouco menos de problemas (inclusive de aprendizado) do que aqueles voluntários que aceitaram participar do estudo da Danielle de Souza Costa.

Diante do resultado de um relatório de dificuldade de aprendizado ou problemas cognitivos, qual é a melhor conduta, o que devemos fazer? Comunicar o problema à escola e demais pessoas envolvidas no cuidado da criança, solicitando que deem uma atenção especial àquela pessoa com NF1, ou manter silêncio sobre o problema para evitar sua discriminação social?

Há um estudo científico mostrando que foi dito aos professores que um determinado grupo de crianças possuía inteligência maior do que outro, o que era uma informação falsa, de propósito, porque não havia diferença real de capacidade intelectual entre os grupos de criança.

Foi pedido aos professores que mantivessem segredo sobre aquela informação e que não tratassem os dois grupos de forma diferente.

Num teste aplicado algum tempo depois nos professores, aquelas crianças do grupo falsamente “mais inteligente” foram descritas por eles como sendo “mais atentas, mais criativas e mais cooperativas”.

O mais interessante é que no segundo teste de inteligência aplicado em todas as crianças, aquelas crianças do grupo “mais inteligente” pontuaram melhor do que aquelas do grupo “menos inteligente”.

Ou seja, a informação falsa sobre a inteligência das crianças gerou comportamentos inconscientes nos professores que foram transmitidos às crianças, estimulando-as de formas diferentes de acordo com o grupo a que pertenciam no início do estudo.

Em conclusão, a “expectativa dos professores afeta o desempenho dos alunos, mesmo quando os professores tentam tratar a todos com imparcialidade” (ver o livro de Leonard Mlodinow, “Subliminar”, Jorge Zahar Editor, 2012, página 155).

Diante disso, como devemos agir com nossas crianças com NF1? Enviar ou não os atestados dizendo que elas possuem dificuldades de aprendizado?

Minha impressão é de que existem três situações diferentes.

Há casos em que a dificuldade de aprendizado é tão evidente que não precisamos de qualquer atestado médico ou relatório psicológico para percebermos que a criança apresenta necessidades especiais. Portanto, nestes casos, creio que o mais produtivo seria enviar informações sobre a NF1 para ajudarmos os cuidadores da criança a entenderem o que está acontecendo, suas causas e limitações, para ajustarem suas técnicas e expectativas.

Na outra ponta estão as crianças com NF1 que não apresentam problemas evidentes no aprendizado e não apresentam deformidades aparentes, nem sinais da doença que chamem a atenção dos colegas. Neste caso, creio que o mais prudente é não despertar a atenção da comunidade para a NF1 e apenas responder à demanda por informações, ou seja, responder apenas o que for perguntado. Além disso, mesmo nestas condições, acho que devemos insistir em dizer que todas as pessoas têm potencial para aprender e para serem felizes e que este é o principal objetivo da educação e não as pontuações acadêmicas.

Resta aquele grande grupo das crianças com NF1 que ficam no meio, que apresentam algumas dificuldades específicas, por exemplo, em matemática, na música, de linguagem, na voz ou pouca atenção. Para estas, creio que devemos analisar caso a caso e sempre enviarmos relatórios que mostrem o POTENCIAL das crianças e não sua LIMITAÇÃO.

Não é simples, mas precisamos tentar.


Na semana passada, comentei sobre os resultados dos testes cognitivos realizados pela psicóloga Danielle de Souza Costa, que mostraram que a maioria das pessoas com NF1 (61%) se encontra dentro da média da população em geral, enquanto 35% está abaixo e apenas 3% acima da média.

Muitos destes testes neurológicos nos ajudam a compreender uma parte do problema das pessoas com NF1, aquelas dificuldades em realizar as tarefas mais conscientes e objetivas do cotidiano.

No entanto, a maior parte da nossa atividade mental é realizada de forma inconsciente, por exemplo, movemos todos os músculos necessários para evitar um buraco em nosso caminho enquanto continuamos a falar ao celular, ou sentimos que estamos entre amigos apenas pela expressão corporal do grupo, ou sorrimos para uma pessoa estranha quando cruzamos com ela para evitarmos agressões, ou, enfim, mudamos sem saber o tom de voz de acordo com a pessoa com quem conversamos.

Estas habilidades inconscientes são geneticamente determinadas e fazem parte do desenvolvimento de todo ser humano, habilitando-nos a viver em sociedade, porque somente sobrevivemos em grupos. No entanto, os grupos sociais humanos são muito complexos e viver neles exige grande capacidade de perceber indicadores sociais que são continuamente trocados entre as pessoas. É preciso ter muita atenção.

Para sermos socialmente integrados numa comunidade precisamos perceber, por exemplo, quando alguém está mentindo ou dizendo a verdade, quando o que foi dito é uma piada ou algo que deve ser levado a sério, quando é uma ironia ou um elogio sincero, quando alguém é um verdadeiro amigo ou apenas está interessado nas balas que levei para a escola.

Minha impressão é de que muitas pessoas com NF1 demoram mais para aprender estes indicadores sociais (ou mesmo não os possuem), porque apresentam dificuldade de “atenção social” em decorrência do desenvolvimento do sistema nervoso modificado pela falta da neurofibromina. O Dr. Vincent Riccardi acredita, inclusive, que o melhor nome para a neurofibromina deveria ser “atentina”, tamanha a importância que teria esta proteína no desenvolvimento cerebral que permite as habilidades sociais.

A “atentina” é tão importante para o desenvolvimento da atividade mental, que, na vida selvagem, os animais com NF1 não conseguem sobreviver, porque são incapazes de avaliar permanentemente todos os riscos e benefícios de cada situação.


Conversando sobre isto com o Riccardi, fiz para ele o cartum abaixo, que ele mandou emoldurar e está pendurado no escritório em sua casa na Califórnia. Na natureza, o camundongo com NF1 (no desenho indicado pelo símbolo da mutação nf+/-) é capturado pelo gavião, enquanto o camundongo sem a mutação (indicado pelo símbolo nf+/+) consegue escapar.
















Talvez por isso, algumas pessoas com NF1 apresentam resultados dos testes cognitivos dentro da média da população em geral, mas sofrem com dificuldades sociais, as quais limitam sua rede de amigos e influenciam sua capacidade de trabalhar e conviver.

Como enfrentar esta questão?

Primeiro, identificar e reconhecer as dificuldades sociais nas pessoas com NF1. Em seguida, tentar criar um ambiente que estimule o desenvolvimento das habilidades sociais das pessoas com NF1, evitando a discriminação social.

Neste sentido, qual é o papel dos atestados e relatórios médicos sobre dificuldades de aprendizado para as escolas? 


Falarei disso amanhã.
A pedido da Alessandra Belo, comunico a todos companheiros da Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses que acabamos de perder nosso amigo e fundador, o André Belo, vítima de um infarto agudo ontem. André completaria 46 anos a no próximo dia 8 de julho e deixa Alessandra e Yara, seus grandes amores.

André e sua mãe Monica Bueno foram os criadores da AMANF em 2002, inspirados numa consulta com o Dr. Mauro Geller no Rio de Janeiro. Eles fizeram a estrutura básica, o estatuto, o logotipo e promoveram as primeiras reuniões em sua casa, onde tive a oportunidade de mudar minha vida e da minha filha Maria Helena. Sou profundamente grato ao André e à Dona Mônica por tudo que fizeram por mim e minha família. 

Acima, nossa última foto do André (no centro, o décimo da esquerda para a direita), na reunião final de confraternização da Amanf de 2015, durante a qual ele encantou a todos com jogos e diversas atividades interativas.

Estamos de luto e sentiremos muito a falta do nosso pioneiro, sem o qual nada do que fazemos hoje teria acontecido. Milhares de pessoas em Minas e em  todo o Brasil são devedoras do carinho nos oferecido pelo André e sua família.

Alessandra pediu-me que avisasse a todos que o velório será hoje, 2 de abril de 2016, no Cemitério Belo Vale, capela 5 e a cremação ocorrerá às 17 horas. O endereço é Avenida Ortocrim 20, Bairro São Benedito, Santa Luzia, Minas Gerais.

Obrigado, André, pelos anos que desfrutamos de sua companhia.


“Tenho 22 anos, sou portadora de NF1 e tenho algumas dúvidas com relação à dificuldade de aprendizado que podemos apresentar. Quando o portador de NF1 apresenta dificuldade de aprendizado, ela necessariamente manifesta-se na infância? Pode ocorrer de ela se manifestar mais tarde, por exemplo, depois dos 15 ou 20 anos? Pergunto isso porque, quando era criança, tinha muita facilidade em aprender. Tanto é que eu aprendi a ler sozinha com 3 anos, usando gibis. De acordo com meus pais, aos 4 anos eu já lia e nem eles e nem a escola tinham me ensinado. Fora isso, eu sempre tive facilidade na escola, tirava boas notas e era a melhor aluna da turma. No entanto, hoje sinto que não tenho mais essa mesma facilidade de aprendizado. Não sinto que tenho dificuldade, mas as coisas não são tão fáceis como antes. Seria porque as pessoas têm mais facilidade quando são mais novas e talvez porque agora eu aprendo coisas mais difíceis? (Eu faço medicina – e, aliás, não consegui passar no vestibular de primeira e tive que fazer um tempo de cursinho). Ou poderia ser um sinal de dificuldade de aprendizado causado pela NF1? Um outro detalhe é que desde criança eu sempre tive facilidade em escutar uma música e reproduzi-la no teclado, mesmo sem aula de música. E isso se manteve até hoje. Mas na faculdade sou uma aluna mediana e não sinto mais facilidade em aprender, mesmo amando o curso e tendo muito interesse nas matérias. Será que posso estar com algum grau de dificuldade que possa aumentar futuramente? Desculpe se minhas perguntas não forem relevantes e nem importantes para ajudar outras pessoas além de mim. Mas eu gostaria muito de saber se a dificuldade pode se manifestar tardiamente. E espero que isso ajude outras pessoas. (O meu relato foi apenas para exemplificar para o Sr. Portanto, se achar mais pertinente, pode tirar o relato e deixar apenas as minhas perguntas na hora de responder)”. MAS, de local não identificado.

Cara M. Obrigado pelo seu relato. Fiz questão de reproduzi-lo integralmente porque ele mostra como a NF1 se apresenta de formas tão diferentes entre as pessoas, desde aquelas poucas que não conseguem aprender a escrever, até outras, como você, que conseguem entrar para a universidade.

Portanto, não é possível saber com certeza se a NF1 não afetou sua capacidade cognitiva ou se você seria muito mais inteligente se tivesse nascido sem a NF1. Além disso, há formas segmentares da NF1 que atingem algumas partes do corpo e não outras, por exemplo, o cérebro – e poderia ser o seu caso?

De qualquer forma, tenho a impressão de que as dificuldades cognitivas nas pessoas com NF1 aparecem desde os primeiros instantes de vida e permanecem ao longo do tempo, podendo ser cumulativas à medida que a necessidade de interação social aumenta em complexidade (na próxima semana falarei disso com mais detalhes).

No entanto, precisamos sempre lembrar que a maioria das pessoas com NF1 apresenta inteligência dentro da média, enquanto a NF2 e a Schwannomatose não afetam a capacidade intelectual. Vejamos então um estudo interessante realizado em nosso meio.

A psicóloga Danielle de Souza Costa realizou a avaliação cognitiva de 36 pessoas com NF1 em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Ela dividiu sua avaliação em diversos aspectos relacionados com algumas capacidades para perceber o mundo e interagir com ele.

Seus testes baseados na neurociência avaliaram diversas habilidades mentais envolvidas naquilo que podemos chamar de capacidade intelectual. Ela avaliou a inteligência, a destreza motora (habilidades manuais e para os movimentos), a habilidade viso-construtiva (capacidade de localização e representação espacial de objetos observados), vocabulário, compreensão verbal (de palavras) e não-verbal (de expressões, atitudes, gestos), memória episódica (de fatos específicos), nível de atenção, habilidade de lidar com informações diferentes ao mesmo tempo, desempenho escolar, capacidade de planejamento e capacidade de alternar atividades diferentes com eficiência.

Agrupei os dados dos 36 relatórios de acordo com as informações da Danielle de Souza Costa, em: resultados abaixo da média, resultados na média ou resultados acima da média da população em geral. Assim, obtive uma espécie de perfil médio das pessoas com NF1 avaliadas pelos testes da Danielle. O resultado foi o seguinte: 35% (1 em cada 3 pessoas com NF1 avaliadas) possui uma capacidade intelectual abaixo da média, 61% (2 em cada 3) estão na média e apenas 3% estão acima da média da população sem NF1.

Neste quadro, pelo que descreveu, você poderia ter uma capacidade intelectual na média da população ou mesmo acima dela. É preciso lembrar que entre os estudantes sem NF1, de medicina ou de outra faculdade, temos obrigatoriamente de encontrar metade deles abaixo do rendimento médio da turma e metade acima, é claro, mas todos eles dentro da chamada “normalidade”.

No entanto, minha impressão atual é de que as dificuldades intelectuais causadas pela NF1 às vezes são muito sutis e de difícil percepção nos testes psicológicos.

Semana que vem falarei sobre isto.

Foi com grande satisfação que recebemos ontem a comunicação da comissão julgadora do Prêmio Varilux de Oftalmologia dizendo que a Dra. Vanessa Waisberg conquistou o primeiro lugar na categoria Sênior seu estudo sobre a tomografia de coerência óptica na neurofibromatose do tipo 2.

O Prêmio Varilux de Oftalmologia é promovido há muitos anos pela Sociedade Brasileira de Oftalmologia e tem o objetivo de fomentar pesquisas no setor oftalmológico que tragam benefícios à população. 

As premiações são divididas em três categorias: Master, Sênior e Incentivo à Pesquisa Clínica-Refração. A Dra. Vanessa Waisberg concorreu na 44ª edição e receberá seu prêmio durante a cerimônia de abertura do próximo Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de Oftalmologia.

O estudo da Dra. Vanessa Waisberg foi realizado numa parceria entre o Programa de Pós-Graduação em Medicina Molecular e o Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais, sob a orientação da Dra. Débora Marques de Miranda e do Dr. Márcio Bittar Nehemy.

Este estudo e seu merecido prêmio foram possíveis porque várias pessoas com Neurofibromatose do tipo 2 dispuseram-se a colaborar e tornaram-se voluntárias no mestrado da Dra. Vanessa Waisberg.

Já comentei neste blog os resultados (VER AQUIque a Dra. Vanessa Waisberg obteve, e como eles já estão nos ajudando a cuidar melhor das pessoas com NF2.

Sabemos que a tomografia de coerência óptica também é muito útil na NF1 e esperamos que no seu doutorado a Dra. Vanessa Waisberg dê continuidade à sua pesquisa estudando outras pessoas com neurofibromatoses.

Parabéns, Dra. Vanessa Waisberg: seu conhecimento médico, dedicação aos pacientes e criatividade científica foram reconhecidos pela comunidade oftalmológica brasileira.

Nós, do Centro de Referência em Neurofibromatoses, ficamos honrados pela sua participação em nossos trabalhos.

“Tenho NF e muitas manchas efélides pelo corpo. Estava olhando sobre “Luz intensa pulsada” e também cremes “despigmentantes”. Eles funcionam em quem tem NF?” F. de Boa Esperança, Minas Gerais.

Caro F. Obrigado pela sua pergunta que tem sido feita de outras formas por diversas pessoas: é possível tratar as manchas café com leite e as efélides?

Sabemos que as manchas café com leite e as sardas (efélides) fazem parte das neurofibromatoses e especialmente na neurofibromatose do tipo 1 (NF1) elas se apresentam em maior número. Sabemos que cinco ou mais manchas café com leite maiores do que meio centímetro indicam a probabilidade de 95% de chance de serem causadas pela NF1. Se associadas a duas ou mais efélides, o diagnóstico de NF1 está praticamente confirmado.

As manchas café com leite estão presentes ao nascimento ou aparecem logo em seguida e depois não aumentam mais em quantidade, e apenas crescem de acordo com o crescimento do corpo da criança. Elas são congênitas e não dependem da luz solar.

As efélides podem aparecer um pouco mais tarde e continuarem a aumentar durante a vida em algumas pessoas. As efélides na NF1 ocorrem em regiões que geralmente não recebem a luz solar (axilas, região inguinal de debaixo das mamas), enquanto as “verdadeiras” efélides (sardas) dependem da luz solar. Na NF1, as efélides podem ás vezes surgir ao redor da boca e dos olhos e causar preocupação estética.

Nem o tamanho e nem a quantidade ou localização das manchas e das efélides tem qualquer relação com a gravidade da NF1 ou com o aparecimento de neurofibromas a partir da adolescência.

Por outro lado, dependendo de sua quantidade, tamanho e localização as manchas café com leite são motivo para discriminação social, o que gera sofrimento nas pessoas com NF1 e, por isso, algumas delas gostariam de se livrar destas marcas da doença.

De início, podemos compreender que realizar cirurgias para retirar as manchas café com leite e as efélides seria trocar um pequeno problema por outro maior, que seriam as cicatrizes. Assim, a alternativa imaginada para a cirurgia seria o uso de alguma substância, algum creme ou produto que fizesse desaparecer ou diminuir as manchas.

Sabe-se que na NF1 as manchas são causadas pelo aumento da produção de melanina, um pigmento que dá cor à pele. A maior pigmentação da pele é uma adaptação natural da nossa evolução humana, porque nossos antepassados surgiram na África, onde muita radiação solar (contendo raios ultravioleta) poderia danificar uma vitamina essencial para a formação dos espermatozoides e para o desenvolvimento neurológico do bebê: o ácido fólico. Assim, nossa sobrevivência naquele ambiente depende de maior pigmentação da pele com melanina justamente para proteger o ácido fólico.

Por isso, as mulheres brancas gestantes que vivem em regiões ensolaradas devem acrescentar ácido fólico na sua dieta para seus bebês nascerem saudáveis.

Quando algumas populações humanas migraram para regiões com menos radiação solar, como o norte da Europa, a pele escura (originada na África) protegia tanto a pele que os raios ultravioleta não conseguiam ativar outra vitamina: a Vitamina D. A falta da Vitamina D causa raquitismo e osteoporose. Assim, apenas sobreviveram naquelas regiões as pessoas com a pele mais branca, ou seja, com menos melanina na pele.

Por isso que as pessoas negras que vivem em regiões menos ensolaradas, na Inglaterra, por exemplo, precisam acrescentar Vitamina D na sua dieta para manterem seus ossos saudáveis.

Voltando às manchas café com leite e efélides, elas são áreas de maior produção de melanina causada pela insuficiência da neurofibromina na NF1 desde a vida intrauterina. Assim, a solução de fornecer neurofibromina para aquelas células da pele se torna mais complicada, como já comentei neste blog (VER AQUI).

Outra possibilidade seria evitar o sol com protetores solares somente nas manchas e efélides e apenas e tomar sol nas demais áreas do corpo, na tentativa de se igualar a tonalidade da pele. Não conheço algum estudo científico neste sentido, mas não me parece uma alternativa muito prática.

De qualquer forma, supondo que mais Vitamina D disponível nas pele evitaria a formação de melanina, foi realizado um estudo num pequeno grupo de pessoas com NF1, no Japão (VER AQUI), aplicando-se sobre a pele pulsos de luz de alta frequência combinados com cremes contendo Vitamina D. Segundo os autores os resultados foram médios ou bons em 75% das pessoas.

Minha impressão é de que são necessários mais estudos científicos sobre esta possibilidade, para sabermos se o benefício estético compensa os custos, em termos do tempo gasto, do equipamento necessário e do produto utilizado.

“Tenho um filho com 14 anos com NF1, ele já fez uma cirurgia no cérebro para a retirada de um tumor astrocitoma benigno quando tinha 9 anos de idade e passa por acompanhamento médico e faz exames sempre. Ele tem muita dificuldade na escola. Ele tem aumento no fígado e no baço gostaria de saber se é por causa da neurofibromatose e se esse aumento pode vir a causar outras complicações. Ele tem muita náusea, vômito e queimação no estomago e além da NF1 ele tem síndrome de Gilbert que causa aumento na bilirrubina e cor amarelada nos olhos e pele”. RPB, de Itaobim, São Paulo.

Cara R. Obrigado pela sua pergunta, que pode ser útil a várias pessoas que me perguntam se as neurofibromatoses atingem o fígado e outros órgãos digestivos.

Parece-me que seu filho tem a neurofibromatose do tipo 1 e você relata que ele tem também a doença de Gilbert.

Salvo um melhor conhecimento futuro, creio que é uma casualidade, ou seja, aconteceu totalmente por acaso, que seu filho tenha sido acometido por estas duas doenças ao mesmo tempo, pois elas não têm relação entre si.

Geralmente, na NF1 o fígado, os rins, os intestinos e os pulmões não são diretamente afetados pela doença, ou seja, funcionam normalmente. Ocasionalmente, ocorrem problemas ou sintomas relacionados com estes órgãos apenas quando eles são invadidos ou comprimidos por algum neurofibroma (geralmente os plexiformes profundos) que estão na sua proximidade.

Portanto, será preciso saber quais sintomas são relacionados com a NF1 e quais são decorrentes da Síndrome de Gilbert, e isto pode ser difícil em algumas situações.

A NF1 causa dificuldades de aprendizado e tumores no sistema nervoso, como você relatou sobre seu filho.

Já a náusea, a icterícia (pele e olhos amarelados), a dor abdominal e os aumentos do fígado e do baço provavelmente devem estar relacionados com a Síndrome de Gilbert, que é uma doença hereditária causada por diversos genes. Na Síndrome de Gilbert, há uma dificuldade em eliminar a bilirrubina, uma proteína que surge na renovação da hemoglobina.

A Síndrome de Gilbert pode permanecer com poucos sintomas ou aumentar a icterícia durante estresse (exercícios, insônia, cirurgias, jejum, infecções) ou ingestão de paracetamol (um medicamento que nós usamos frequentemente na NF1 para a dor de cabeça).

Além disso, a síndrome de Gilbert pode causar sintomas e sinais que também ocorrem em pessoas com NF1, como fadiga precoce (as pessoas com NF1 têm metade da capacidade aeróbica comparadas às pessoas sem NF1), baixo peso, tendência para a pressão baixa, intolerância a algumas comidas, ansiedade, palpitações e dificuldades cognitivas, de atenção e problemas de aprendizado (na escola ou no cotidiano).

Como vê, é preciso cuidado e atenção porque algumas vezes não será fácil sabermos o que está sendo causado pela NF1 e o que é resultado da Síndrome de Gilbert.

“Quem tem NF1 pode fumar? ” PIS, de localidade não identificada.

Caro P., obrigado pela sua pergunta, pois provavelmente ela interessa a muitas pessoas.

Antes de tudo, é preciso dizer que ninguém deveria fumar, considerando que as substâncias existentes no cigarro produzem diversas doenças já bem conhecidas, inclusive os riscos de algumas delas constam dos maços de cigarro como advertência aos consumidores.

No entanto, sua pergunta traz uma dúvida mais ampla e que merece a nossa atenção. Durante muitos anos suspeitou-se que as pessoas com NF apresentariam algum tipo de doença pulmonar relacionado com as mutações genéticas específicas das neurofibromatoses.

Houve quem afirmasse que cistos pulmonares, câncer de pulmão, pneumonia (intersticial) e fibrose pulmonar difusa seriam complicações mais frequentes da neurofibromatose do tipo 1, apesar desta última geralmente não apresentar sintomas (VER AQUI). No entanto, a maioria destes estudos foi feita com poucas pessoas, entre as quais havia cerca de 30% de fumantes (VER AQUI).

Contrariando esta suspeita, o maior estudo já realizado sobre as doenças pulmonares em pessoas (156) com NF1, e publicado na revista científica CHEST em 2005, não encontrou problemas pulmonares específicos de quem possui a NF1, apenas aqueles geralmente relacionados com o uso crônico de cigarros (VER AQUI).

Nossa impressão clínica no atendimento de cerca de 900 famílias com NF, cadastradas no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, é de que o número de fumantes é menor e os problemas pulmonares são menos frequentes nas pessoas com NF1 do que na população em geral, embora tenhamos encontrado menor força da musculatura ventilatória e da função pulmonar em geral, como parte da redução de sua capacidade aeróbica (Tese de Doutorado da Dra. Juliana Ferreira de Souza, considerada a melhor tese da Faculdade de Medicina da UFMG em 2013: VER AQUI).

Por outro lado, há estudos mostrando que as células que possuem uma via metabólica alterada chamada RAS, como na NF1 e outras doenças, apresentam maior vulnerabilidade ao benzeno, uma substância cancerígena presente em grande quantidade no cigarro (VER AQUI).

Além disso, sabemos que a leucemia mieloide juvenil é rara na população em geral (cerca de 1 em cada milhão de crianças), mas as crianças com NF1 apresentam uma chance muito maior deste tipo de leucemia (cerca de 1 em cada 2 mil crianças com NF1). Um estudo mostrou que crianças com NF1 que têm um ou mais pais fumantes aumentam ainda mais seu risco de leucemia (VER AQUI).

Não consegui informações científicas sobre os efeitos do uso de cigarros nas pessoas com NF2 e Schwannomatose.

Em conclusão, se o cigarro já faz mal à saúde de quem não tem NF, o bom senso nos faz suspeitar que talvez seja ainda mais arriscado fumar quando há mutações genéticas no organismo das pessoas com NF que facilitam a chance da formação de tumores.

Em resumo, quem tem NF tem o dobro de razões para não fumar.