A partir de hoje veremos os relatos muito interessantes da Dra. Juliana Ferreira de Souza sobre o que aconteceu no principal congresso sobre neurofibromatoses nos Estados Unidos, do qual ela participou juntamente com o Dr. Nilton Alves de Rezende.

Sobre cada tema, veremos as notas sobre a nova informação apresentada pelos palestrantes e entre aspas (e em azul) os comentários da Dra. Juliana.

Em nome de todos os leitores deste blog, agradeço imensamente o excelente trabalho realizado pela Dra. Juliana.

Desejo boa leitura para todas as pessoas que nos acompanham.

Lor

Parte 1 – Sábado (18/6/16)
Simpósio Satélite Educacional

Tema 1 – Câncer de mama na NF1 (Dr. Douglas Steward e Dr. Gareth Evans)

Nota 1 – Após os 30 anos de idade o risco de desenvolver câncer de mama é 4 vezes maior entre as mulheres com NF1;

“Diante disso, o rastreamento de todas as mulheres com NF1 para o câncer de mama estaria indicado a partir dos 30 anos e não a partir dos 50 anos como nas mulheres não acometidas pela doença. ” 



Nota 2 – Ainda não estão disponíveis informações sobre os tipos histológicos mais comumente diagnosticados em mulheres com NF1 e tampouco as estatísticas sobre a evolução após diagnóstico e tratamento;

“Tive a impressão que o mapeamento dos tipos histológicos mais frequentes e a verificação do comportamento destes tumores (incluindo resposta ao tratamento habitual utilizado) nas mulheres com NF1, é o maior interesse dos pesquisadores no momento. Questiona-se até que ponto o microambiente no entorno destas células tumorais influenciaria na diferenciação destes tumores e no prognóstico (no caso das mulheres com NF1). ” 



Nota 3 – A Ressonância Magnética (RNM) foi mencionada repetidamente como o exame ideal para este rastreamento e foi ressaltada sua vantagem por não expor as mulheres com NF1 à radiação;

“Como não sei ao certo os critérios utilizados atualmente por mastologistas e oncologistas para a indicação da RNM no diagnóstico e acompanhamento do câncer de mama, a indicação da RNM no câncer de mama na NF1 (aqui mencionado) pode ser conduta já adotada para a população em geral. ”

Tema 2 – Vasculopatia (um grupo de doenças do sistema vascular), Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e Feocromocitoma (um tumor produtor de adrenalina) na NF1 (Dr. Kaleb Yohai)

Nota 1 – O acometimento vascular é mais frequente na NF1 (em vasos de qualquer calibre). O risco de Acidente Vascular Encefálico (AVE) está aumentado na NF1 (principalmente o AVE hemorrágico). O risco de acometimento vascular também é maior na gestante com NF1 quando comparado ao risco na gestante não acometida pela doença.

“Quanto às vasculopatias, não me recordo de qualquer recomendação de conduta clínica diferente das já adotadas. ”

Nota 2 – Para o diagnóstico de feocromocitoma na NF1 foram mencionados: medição dos níveis plasmáticos de metanefrinas (4 vezes acima dos limites superiores de normalidade são observados em 80% dos indivíduos); a utilidade da dosagem de metanefrinas na urina para confirmação ou exclusão dos casos com níveis baixos ou moderados de metanefrinas plasmáticas; o uso de exames de imagem para a localização do tumor, como tomografia computadorizada (TC) ou RNM com contraste, cintilografia ou PET-CT.

“ Um bom fluxograma para o diagnóstico foi apresentado. Não tenho certeza se difere em algo do fluxograma padrão para diagnóstico de feocromocitoma (independente da NF1). Acredito que não. ”

Nota 3 – Quanto à HAS foi ressaltada a importância da monitorização ambulatorial da pressão arterial (assim como o emprego do MAPA ou aferições subsequentes de PA no domicílio), como método mais adequado para o diagnóstico e acompanhamento, quando comparado à aferição isolada da PA em consulta médica. Um fluxograma diagnóstico foi apresentado ressaltando a importância de se investigar a hipertensão secundária (renovascular nos < 30 anos e feocromocitoma nos > 30 anos).

“Chamou a atenção a valorização do MAPA (medida da pressão monitorizada durante 24 horas) como instrumento diagnóstico e de acompanhamento. Me pareceu que eles o utilizam com mais frequência do que temos o costume de fazer no Brasil.”

Continuamos amanhã.

Acompanhando o recesso do nosso ambulatório no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, descansarei durante a primeira quinzena de julho. 

Até breve.

 “Todos os neurofibromas têm o famoso aspecto de “botão” (afunda quando apalpado) ou podem ter a aparência e consistência de uma “picada de inseto” ou espinha interna? Qualquer dermatologista pode diferenciar um neurofibroma de outros sinais cutâneos através do dermatoscópio ou apenas profissionais experientes em Neurofibromatose? Desculpe tantos questionamentos, mas participo de um grupo de neurofibromatose no Facebook e muitos participantes não têm certeza se alguns sinais da pele são mesmo novos neurofibromas ou apenas sinais normais da pele”. JF, de local não identificado.


Caro J, obrigado pela sua pergunta interessante e provavelmente do interesse de várias pessoas, o que me fez interromper temporariamente a revisão do mês. 


Sim, espero que todos os dermatologistas possam identificar um neurofibroma a olho nu ou com o auxílio de um dermatoscópio. Também concordo com você que a maioria dos neurofibromas cutâneos parece afundar quando são comprimidos e lembram às vezes uma picada de inseto.

Também percebo que muitas pessoas, inclusive médicos, têm dificuldade de distinguir os neurofibromas cutâneos e subcutâneos de outras lesões de pele. Em parte, é porque os neurofibromas se apresentam de formas muito variadas entre as pessoas com NF1 e até na mesma pessoa. Por isso, vou tentar esclarecer um pouco esta questão.

Veja na figura acima que os neurofibromas mais comuns são os cutâneos (números 1, 2 e 3) e os subcutâneos (número 4). Não falarei dos neurofibromas plexiformes hoje.

Os neurofibromas cutâneos do tipo 1 são pedunculados, ou seja, possuem uma base mais fina, como se fossem um pequeno arbusto. Os neurofibromas do tipo 2 são elevações na pele como se fossem pequenos montes, ou metades de grãos de feijão, ou picadas de insetos. Os neurofibromas do tipo 3 são planos e parecem uma falha na consistência da pele, como uma cicatriz sem as marcas dos pontos. Os neurofibromas do tipo 4 são localizados debaixo da pele e geralmente seguem o trajeto de um nervo.

Algumas regras comuns para identificarmos os neurofibromas:

Em geral, os neurofibromas cutâneos (1, 2 e 3) não são dolorosos. Os subcutâneos (4) podem ser dolorosos ocasionalmente, quando comprimidos, ou mesmo espontaneamente.

Em geral, os neurofibromas cutâneos (2, 2 e 3) são macios. Os subcutâneos (tipo 4) geralmente são mais firmes, parecendo um grão de arroz, ou feijão ou mesmo um pouco maiores.

Em geral, a pele na superfície dos neurofibromas cutâneos do tipo 1 e 2 é lisa e com a cor um pouco diferente da pele ao lado, ou rosados ou mais escuros. Os neurofibromas cutâneos planos ou “embutidos” (3) apresentam a pele lisa e ligeiramente diferente e quando os palpamos temos a impressão de que falta um pouco de tecido subcutâneo naquela região. A pele sobre os neurofibromas do tipo 4 geralmente não apresenta qualquer diferença da pele ao redor.

Em geral, quando movemos os neurofibromas cutâneos (1, 2 e 3) a pele se move junto com eles. Quando movemos a pele sobre o neurofibroma subcutâneo (4) a pele se move independentemente do neurofibroma.

A seguir, alguns exemplos de neurofibromas cutâneos e subcutâneos.


Ao lado, neurofibromas cutâneos do tipo 1 e tipo 2.













Ao lado, uma pessoa com três critérios para NF1: manchas café com leite, efélides axilares e neurofibroma cutâneo tipo 3.









Ao lado, neurofibromas cutâneos tipo 1 e 3 e um subcutâneo do tipo 4.








Ao lado, neurofibromas cutâneos (1) e subcutâneos (4).





Ao lado, vários neurofibromas subcutâneos (tipo 4) ao longo do trajeto dos nervos intercostais.
Estas figuras servem apenas como orientação geral. 
A certeza do diagnóstico depende do exame pessoal de um (a) médico (a) dermatologista ou com experiência em neurofibromatoses.
Até a próxima semana.

Continuo os comentários sobre a revisão publicada por Blakeley e Plotkin em maio de 2016.

Os autores começam definindo a neurofibromatose do tipo 2 (NF2) como sendo mais rara do que a NF1, pois acontece em cerca de uma em cada 25 mil a 33 mil pessoas. Esta variação na incidência da NF2 se deve às diferenças entre as maneiras como os estudos foram realizados. Da mesma forma que a NF1, a NF2 está associada a tumores múltiplos no sistema nervoso central e nos nervos periféricos que crescem ao longo do tempo causando problemas.

Os tumores mais comuns na NF2 são os schwannomas e os meningiomas. Os schwannomas podem ocorrer em qualquer nervo dentro ou fora do crânio, no entanto a principal característica da NF2 é a presença de schwannomas em ambos os nervos vestibulares (que levam informações posturais da orelha média para o cérebro).

Os schwannomas vestibulares bilaterais (SVB) são a principal causa de morbidade, ou seja, problemas de saúde e qualidade de vida, nas pessoas com NF2, pois levam à redução da audição até a surdez total, zumbido constante, desequilíbrio, paralisia facial e possível compressão do tronco cerebral. Esta última complicação é uma situação de urgência, pois pode resultar em morte.

Um schwannoma isolado no nervo vestibular pode ocorrer em pessoas sem NF2, geralmente mais velhas, e seu tratamento é a ressecção cirúrgica ou a radiocirurgia, especialmente para tumores menores do que 3 cm. Esta abordagem para os schwannomas isolados (sem NF2) costuma ser sugerida pelos neurologistas para o tratamento das pessoas com NF2, mas esta conduta cada vez parece a menos adequada para as pessoas com NF2.

Primeiro, porque as sequelas decorrentes do tratamento cirúrgico de múltiplos tumores na NF2 leva à maior perda de qualidade de vida, como surdez imediata, paralisia facial, dificuldade para engolir. Além disso, a radioterapia associada ao tratamento parece menos eficaz na NF2 e com maior risco de efeitos indesejáveis.

Por exemplo, O acompanhamento em longo prazo de pacientes com NF2 tratados com radioterapia para os SVB mostra que há uma chance de apenas 50% de controle do tamanho do tumor em 8 anos e de 40% de preservação da audição em 3 anos. Além disso, a radioterapia apresenta um risco de transformação maligna de outros tumores nas pessoas com NF2.

Há uma grande variabilidade nas manifestações clínicas e na gravidade da doença entre diferentes pessoas com NF2. Sabe-se que aquelas pessoas com sinais e sintomas mais precoces (na infância e começo da adolescência) apresentam prognóstico pior do que aquelas com manifestações mais tardias na vida adulta. Por outro lado, sabemos também que são menos graves as formas da NF2 em mosaico, ou seja, aquelas nas quais apenas algumas partes do corpo apresenta a mutação do gene NF2. Nas pessoas com as formas em mosaico encontramos menos tumores, sintomas mais moderados e um prognóstico geral melhor.

Seja na forma completa da NF2, seja na forma em mosaico, também existe grande variação na taxa de crescimento de cada tumor individualmente, por exemplo, é comum encontrarmos o schwannoma da orelha esquerda crescendo em ritmo diferente do schwannoma da orelha direita. Além disso, não há uma associação evidente entre o tamanho do tumor e a redução da audição.

Por tudo isto que foi dito acima, há um grande esforço científico para a compreensão da história natural da NF2, ou seja, qual é o ritmo médio dos acontecimentos, para que se possa definir o melhor momento para a intervenção terapêutica e para os critérios que devem ser adotados nas pesquisas em laboratório em busca de medicamentos eficazes. Para isso, um consórcio entre diversos centros de atendimento e pesquisa em NF2 foi reunido nos anos anteriores, construindo uma base de dados com 540 pessoas com NF2.

Uma das informações já obtidas no consórcio foi a de que a idade (média) em que é feito o diagnóstico da NF2 é em torno dos 27 anos, que ocorre uma demora de 7 anos entre os primeiros sintomas e o diagnóstico definitivo e que cerca de 30% das pessoas soreram uma cirurgia dentro de 2 anos depois do diagnóstico.

Também aprendemos que em termos médios, a taxa de crescimento anual dos schwannomas é entre 1 e 1,8 milímetros por ano, enquanto o declínio da audição é de cerca de 5% ao ano a partir do diagnóstico. Considerando-se que a progressão de um schwannoma pode ser definida quando ocorrer aumento de 20% do seu volume anterior, os dados do consórcio mostraram que em termos médios a progressão foi de 31% em um ano e 79% em três anos, enquanto a audição reduziu em 16% no mesmo período, confirmando a pouca relação entre tamanho do tumor e perda auditiva.

O estudo multicêntrico mostrou também que a maioria dos tumores (88%) não requereu qualquer cirurgia e a maioria (66%) das pessoas com NF2 mantiveram a audição de ambos os lados durante 5 anos depois do diagnóstico. Desta forma, para a maioria das pessoas com NF2, a observação clínica cuidadosa e periódica parece ser suficiente e razoável.

No entanto, para uma parte das pessoas com NF2, a doença se manifesta com crescimento progressivo dos schwannomas vestibulares bilaterais, o que acaba levando à surdez, podendo ocorrer perda da função de outros nervos cranianos, como o facial. Há estudos procurando identificar marcadores de gravidade e voltarei à eles brevemente.

Em termos gerais, apresar desta variabilidade de manifestações na NF2, as estatísticas mostram que as chances de uma pessoa com NF2 permanecer viva a partir do momento do diagnóstico são: de 85% em 5 anos, 67% em 10 anos e 38% em 20 anos. Isto resulta numa expectativa média de vida de 69 anos para as pessoas com NF2, ou seja, infelizmente, alguns anos a menos do que para a população como um todo.

Dentro de alguns dias retomarei os comentários sobre esta importante revisão recentemente publicada.

Continuo hoje os comentários sobre a REVISÃO DO MÊS escrita pelos médicos Jaishri Blakeley e Scott Plotkin, da Faculdade de Medicina de Harvard, que foi publicada na revista Neuro-Oncology de fevereiro de 2016. 



Vamos ver a Tabela que os autores elaboraram com os resultados de 21 estudos realizados ou em andamento em seres humanos com NF1, usando diferentes medicamentos para o tratamento dos neurofibromas plexiformes.

Cerca de metade dos estudos analisados utilizou drogas inibidoras da via RAS (ver posts anteriores) e metade tentou modificar o ambiente celular (ver posta de ontem) das células tumorais do neurofibroma plexiforme.

Para entendermos a Tabela, Droga indica o nome do medicamento. Fase 1 indica estudos destinados a verificar a toxicidade e a tolerância ao medicamento num grupo restrito de pessoas. Fase 2, indica aqueles estudos também restritos a um grupo pequeno de pessoas, mas buscando-se ver efeitos sobre sinais e sintomas da doença. Idade, corresponde à variação na idade das pessoas que se submeteram ao estudo voluntariamente. Objetivo, corresponde ao resultado que seria considerado satisfatório. Resultado, corresponde ao que aconteceu afinal. 


Na Tabela original existe também a coluna “Alvo”, que representa o mecanismo principal de ação da droga, mas creio fugiria aos objetivos deste blog.

OMS indica a taxa de resposta padronizada pela Organização Mundial de Saúde.

A primeira conclusão que podemos tirar da Tabela é de que a maioria dos estudos está em andamento, uma parte foi interrompida, e dispomos de poucos estudos concluídos (6, 7, 8 e 9), os quais nos apontam resultados pouco satisfatórios na redução dos tumores, exceto para a Fase 1 do estudo 9, cuja Fase 2 iniciou-se em 2015 (transformando-se no estudo 17). No entanto, os autores da revisão dizem “ocorreram alguns sinais iniciais de sucesso”.

Por outro lado, os autores comentam que mesmo aqueles estudos nos quais o medicamento não foi eficaz, houve aprendizado importante sobre como os plexiformes se comportam. Por exemplo, o estudo 2 (tipifarnibe) mostrou a taxa média de crescimento dos plexiformes sintomáticos em 12 meses. Outro estudo, com sirolimus (número 7), embora não tenha mostrado redução do tumor, aumentou o tempo para a progressão da doença em cerca de 15 meses.

Os longos períodos de observação, necessários para o acompanhamento do crescimento natural dos plexiformes nestes estudos, mostraram que não há praticamente remissão espontânea dos tumores e que os resultados impressionantes obtidos com alguns medicamentos usados em camundongos não se repetiram em seres humanos, obrigando os pesquisadores a mudarem o foco dos seus objetivos com o tratamento.

Em conclusão, Blakeley e Plotkin parecem animados com os diversos estudos em andamento, especialmente a continuação do 9 (selumetinibe), no qual todos os onze voluntários mostraram alguma redução do volume dos plexiformes.

Para todos nós, que trabalhamos com as pessoas com NF1 que apresentam neurofibromas plexiformes, é bom saber que existem estes vários estudos em andamento e que há uma procura por medicamentos para a redução dos tumores e seus sintomas. 


Esta busca encontrará o tesouro algum dia.

Continuo hoje os comentários sobre a REVISÃO DO MÊS escrita pelos médicos Jaishri Blakeley e Scott Plotkin, da Faculdade de Medicina de Harvard, que foi publicada na revista Neuro-Oncology de fevereiro de 2016.

Depois de apresentar os critérios diagnósticos, principais complicações e mecanismos genéticos da NF1, os autores comentam que a NF1 oferece uma oportunidade de compreendermos alguns aspectos da formação de tumores em geral, conhecimento este que pode ser útil para o tratamento de outras doenças mais comuns.

Creio que este deve ser um dos motivos que fazem com que alguns laboratórios farmacêuticos se interessem pelas NF, porque haveria a possibilidade de desenvolverem algum medicamento para um número maior de pessoas do que aquelas acometidas pelas NF, que são doenças mais raras.

Ou seja, há um interesse financeiro nestas pesquisas que vai além do cuidado com as pessoas com NF, porque desde o avanço do liberalismo econômico mundial a saúde, que era considerado um direito das pessoas, vem se convertendo cada vez mais num produto a ser comercializado de todas as formas possíveis.

Neste rumo estão os estudos com neurofibromas plexiformes, gliomas ópticos e tumores malignos da bainha do nervo periférico (TMBNP), os quais sugerem que deve haver um efeito do ambiente celular que envolve a célula que dá início ao tumor. Ou seja, uma célula que perdeu completamente sua capacidade de produzir a neurofibromina somente começará a se reproduzir descontroladamente (tumor) se as demais células ao seu redor forem também parcialmente deficientes de neurofibromina.

Assim, o medicamento IMATINIBE, por exemplo, apresenta um potencial uso na NF1 porque em alguns estudos ele diminuiu o tamanho dos neurofibromas plexiformes, em camundongos (geneticamente modificados para NF1) e num determinado grupo de pessoas com NF1, por que a droga foi capaz de inibir a atividade de determinadas etapas da atividade celular dos mastócitos e células de Schwann que estão envolvidas na formação do tumor. Da mesma forma, outra substância, um tipo de interferon, mostrou alguma eficácia em gliomas ópticos e em neurofibromas plexiformes em outros estudos.

Outro aspecto das NF que interessa a indústria farmacêutica é o conhecimento de como acontecem as etapas na formação dos tumores. Por exemplo, geralmente os gliomas ópticos apresentam um risco maior de produzirem sintomas na infância e depois se tornam silenciosos clinicamente. Também os plexiformes têm uma fase de crescimento aumentado na infância, mas crescem menos na vida adulta.

Então, se a incapacidade de produzir neurofibromina (perda do segundo alelo) já aconteceu numa célula, por exemplo, na vida intrauterina, por que o tumor cresce mais numas fases e menos em outras? Estudos pré-clínicos sugerem que estas fases de ritmo diferente de crescimento dos tumores podem estar relacionadas ao processo de envelhecimento das células, mas o seu mecanismo ainda não é conhecido.

Em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, a pesquisadora Cinthia Vila Nova Santana desenvolveu um estudo para testar uma parte desta hipótese (VER AQUI seus resultados).

Mesmo sem o conhecimento dos mecanismos de crescimento e da grande variedade de comportamento dos tumores na NF1, Blakeley e Plotkin concentraram sua revisão nas possibilidades terapêuticas atuais para os plexiformes. Eles selecionaram 21 estudos que experimentaram diferentes medicamentos em neurofibromas plexiformes depois de alguns resultados promissores obtidos em camundongos geneticamente modificados para NF1.

Amanhã comento as suas conclusões.


Curso de Capacitação em NF – quarta aula
No último sábado (25/6/16) demos mais um passo para a capacitação de familiares e profissionais da saúde no cuidado de pessoas com NF. 


Assistimos uma excelente aula da fonoaudióloga Pollyanna Barros Batista sobre desordem do processamento auditivo, a complicação mais frequente nas pessoas com NF1.

Pollyanna é Mestre e Doutora em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. As pesquisas que desenvolveu em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG envolveram a descrição original das características da desordem do processamento auditivo (DPA) em pessoas com NF1 e depois um ensaio clínico no qual testou a possibilidade do tratamento fonoaudiológico melhorar a DPA.

Pollyanna possui um blog no qual ela presta informações úteis sobre fonoaudiologia e em especial para pessoas com NF. Recomendo uma visita ao blog da Pollyanna: CLIQUE AQUI .


Barraca da NF no Arraiá da Rede Sarah
A Rede Sarah de Hospitais promove neste sábado sua tradicional festa junina e novamente abriu espaço para a Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses (AMANF). 


Haverá uma barraca de cachorro-quente (saborosos, como sempre), coordenada pela presidente da AMANF Maria Danúzia Silva Ribas, na qual haverá também informações sobre as neurofibromatoses. 
Este trabalho de divulgação vem sendo feito há alguns anos com grande sucesso, pois centenas de pessoas tomam contato com as neurofibromatoses e ficam sabendo um pouco sobre as doenças raras. Infelizmente, os ingressos já estão esgotados para o público externo, mas quero registrar nosso agradecimento por este trabalho alegre que a Danuzia e o Hamilton vêm realizando com tanto carinho.

Metas para a AMANF

Na foto ao lado, a penúltima reunião da AMANF, durante a qual homenageamos nosso fundador André Bueno Belo e o associado Dalbo Diaquinis, ambos falecidos recentemente.

Em agosto de 2016, encerra-se o mandato de dois anos da atual gestão sob a presidência da Maria Danúzia Silva Ribas, da qual fazem parte Hamilton Ribas Andrade e Silva, Leonardo Soares Vasconcelos, José Ladislau de Resende, Maria do Socorro Gomes da Silva, Letícia Aparecida Miguel Santos, Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues e Nilton Alves de Rezende.

Na última reunião mensal foi aberto o processo de sucessão e esperamos que uma nova gestão possa avançar em nossos projetos.

Do meu ponto de vista, temos crescido como organização de apoio nestes 14 anos de existência, mas temos ainda grandes desafios para o futuro, entre eles, o mais importante será consolidar uma forma de comunicação regular (jornalzinho, cartas e e-mails) entre as mais de mil famílias que já estiveram presentes em nosso Centro de Referência do HC e nas reuniões mensais da AMANF.

Além disso, precisamos manter e aprimorar o Curso de Capacitação que se iniciou este ano, levando o curso para outras regiões do Brasil, para ajudarmos a fundar novas Associações de Apoio.

Também devemos aumentar nossa participação no Sistema Único de Saúde e batalhar pela implantação real dos Centros de Referência em Doenças Raras.

Precisamos continuar a divulgar informações sobre as neurofibromatoses, melhorando nossa página eletrônica, aprimorando o blog e imprimindo e distribuindo a nova edição da cartilha “As Manchinhas da Mariana”.

São várias tarefas importantes e precisamos de braços dispostos a levar adiante estas lutas.

Venha participar conosco.

Amanhã continuo a Revisão do Mês.

Continuo hoje a REVISÃO DO MÊS escrita pelos médicos Jaishri Blakeley e Scott Plotkin, da Faculdade de Medicina de Harvard, e foi publicada na revista Neuro-Oncology de fevereiro de 2016. 


Apresentarei as informações dos autores sobre os aspectos genéticos da NF1 da forma mais simples que eu puder para ser legível para as pessoas sem formação na área biológica. No entanto, este blog também é lido por profissionais da saúde (como medicina, enfermagem, psicologia, biologia e outras), portanto, preciso tocar neste assunto para tentar ser útil a estas pessoas também.

Como a figura acima mostra, a NF1 resulta de uma mutação num gene (17q11.2), que codifica uma proteína (a neurofibromina), cuja função é controlar a atividade de uma outra proteína (guanosina trifosfatase, ou GTP), a qual, por sua vez, ativa um outro gene chamado Ras. O gene Ras controla a atividade celular, regulando a proliferação, diferenciação, transformação e morte das células.

Um pouco complicado, não? Mas é assim mesmo.

A mutação do gene NF1 é uma das mais comuns na espécie humana e já foram identificadas mais de 500 mutações diferentes e a maioria delas resulta em incapacidade de produção ou defeito na neurofibromina. Assim, ela não consegue impedir a ação da GTP sobre a Ras, a qual dispara a atividade celular. O resultado é o crescimento das células de forma desordenada, ou seja, a formação de tumores.

Esta mutação pode ocorrer “de novo”, ou seja, espontaneamente durante a formação do espermatozoide ou do óvulo, sem qualquer causa conhecida até o momento, ou seja, totalmente por acaso. Basta a mutação em um dos alelos (a metade de cada cromossomo) para que uma pessoa nascida com a mutação passe adiante o gene com o problema, de forma dominante, ou seja, basta que um dos pais tenha a mutação para que metade dos filhos possam herdar a NF1.

A neurofibromina é necessária para o desenvolvimento de todos os tecidos corporais, como os músculos, ossos, coração, pulmão, etc., mas é especialmente importante no cérebro, na medula espinhal, nos nervos e na pele, motivo pelo qual a doença se manifesta mais frequentemente nestes órgãos. Apesar da mutação estar presente em todas as células do organismo, para haver o aparecimento de tumores é necessário que uma determinada célula perca também o segundo alelo, ou seja, não há nenhuma formação de neurofibromina naquela célula.

O crescimento celular aumentado por causa da atividade do gene Ras leva à formação de tumores não apenas nas pessoas com NF1, mas as mutações no gene da neurofibromina também estão relacionadas a diversos tumores encontrados em pessoas sem NF1 (como glioblastoma, leucemia mielomonocítica juvenil, melanoma neurotrófico, tumor do estroma gástrico, feocromocitoma, adenocarcinoma primário pulmonar, câncer de mama e de ovário).

A participação do gene NF1 na origem destes outros tumores mais comuns na espécie humana faz com que haja um interesse dos pesquisadores em descobrir tratamentos para as consequências da mutação NF1 que possam ser úteis às outras doenças que afligem milhões de pessoas, além daquelas com NF1 propriamente dita.

Por exemplo, em estudos pré-clínicos (animais de laboratório e cultura de tecidos) alguns inibidores de uma das etapas do metabolismo celular (MEK), que são ativadas pelo gene Ras (como se fosse uma das chaves no final da figura), diminuíram o crescimento de neurofibromas plexiformes e de gliomas de baixo grau, assim como agiram em problemas ósseos e de formação do cérebro. Alguns destes estudos pré-clínicos deram origem a estudos em seres humanos que estão em andamento.

Portanto, segundo os autores, há razão para otimismo de que alguma terapia medicamentosa poderá surgir para o tratamento doa plexiformes, dos gliomas e de outras complicações da NF1.

Na próxima semana continuo esta revisão, comentando outras abordagens terapêuticas em andamento.

Estive ausente por dois dias por motivo de viagem. Obrigado pelo carinho das pessoas que se preocuparam comigo, pois não tive tempo de deixar duas postagens de reserva.

Continuo hoje a quarta parte da REVISÃO DO MÊS escrita pelos médicos Jaishri Blakeley e Scott Plotkin, da Faculdade de Medicina de Harvard, e foi publicada na revista Neuro-Oncology de fevereiro de 2016.

Já vimos o diagnóstico da NF1 e alguns conceitos sobre os neurofibromas, assim como sobre os gliomas ópticos. Hoje, continuo com as outras manifestações da NF1 sobre o sistema nervoso.

Além dos gliomas no sistema nervoso central, as pessoas com NF1 podem ser acometidas por diversos outros problemas não relacionados a tumores. O problema neurológico mais comum na NF1 são os déficits cognitivos, ou seja, dificuldades de aprendizado para a vida social, intelectual ou para atividades físicas.

Os déficits neurocognitivos nas pessoas com NF1 podem variar muito entre as pessoas, desde dificuldades moderadas para a localização espacial até comportamentos semelhantes aos encontrados em pessoas com autismo. As alterações mais comuns na NF1 são dificuldades de atenção e hiperatividade, déficits viso espaciais, dificuldade de compreensão e expressão da linguagem e dificuldades na função executiva (ou seja, como agir adequadamente, por exemplo, qual a sequência mais eficiente para retirar as peças de roupa, ou realizar uma tarefa cotidiana).

Os autores citam que 50% das pessoas com NF1 apresentam déficits cognitivos, no entanto, nossa impressão é que praticamente todas as pessoas com NF1 parecem ter dificuldades de processamento auditivo (ver AQUI a pesquisa realizada em nosso Centro de Referência), que afetam sua capacidade de compreender o sentido correto das palavras.

Entre os demais acometimentos das pessoas com NF1 que não são relacionados diretamente e tumores, os autores nos lembram as malformações ósseas, como as displasias da tíbia, as pseudoartrose, a displasia do osso facial chamado esfenoide (que pode levar a assimetrias importantes e deformidades faciais), e as escolioses. Além disso, numa proporção mais rara, há o risco de doenças vasculares das artérias renais (que pode ocasionar hipertensão arterial) e das artérias cerebrais (como a Síndrome de Moyamoya, que pode causar derrames cerebrais).

As pessoas com NF1 também apresentam um risco maior de tumores malignos fora do sistema nervoso central, como um certo tipo de tumor do estômago (GIST), câncer de mama antes dos 50 anos de idade, leucemia e tumores neuroendócrinos (como o feocromocitoma). No entanto, os autores chamam a atenção para um tipo de tumor: o glioblastoma.

Pessoas com NF1 apresentam um risco cinco vezes maior de apresentarem um GBM do que a população em geral. No entanto, até o momento, as informações científicas mostram que o comportamento destes tumores nas pessoas com NF1 ainda não está bem conhecido. Há relatos de que os GBM nas NF1 seriam menos graves do que nas pessoas sem NF1, mas que o responderiam menos ao tratamento convencional, e há estudos com alguns relatos de resultados favoráveis com o bevacizumabe. Há um esforço internacional para se compreender os mecanismos genéticos destes tumores para que possamos tratá-los de forma mais eficiente.

Os autores reafirmam que a quantidade de manifestações diferentes da NF1 é vasta, variando de pessoas minimamente afetadas até aquelas que se tornam incapazes por múltiplos problemas que ameaçam a sua vida. Além disso, os riscos são variáveis de acordo com a idade da pessoa. Por exemplo, o risco de gliomas ópticos é maior na infância, mas o impacto dos neurofibromas é maior na vida adulta.

Os autores relembram que existe pouca relação entre o genótipo (a alteração no DNA) e o fenótipo (as manifestações clínicas) da doença, inclusive variando entre gêmeos idênticos. (Observação minha: concordo, mas não podemos perder de vista a possibilidade de identificarmos a deleção completa do gene, que apresenta um fenótipo mais grave e que, por isso, vale a pena investirmos na identificação do diagnóstico molecular em determinados casos).

Na conclusão desta parte da revisão, os autores dizem que a complexidade geral da NF1 exige que as pessoas com a doença sejam regularmente examinadas por especialistas em NF ao longo de sua vida, para garantir os tratamentos necessários e evitar os desnecessários. E que os mecanismos genéticos da NF1 devem ser mais estudados para que possamos encontrar tratamentos melhores no futuro.

Amanhã retomo esta parte da genética na NF1.

Continuo hoje a REVISÃO DO MÊS escrita pelos médicos Jaishri Blakeley e Scott Plotkin, da Faculdade de Medicina de Harvard, e foi publicada na revista Neuro-Oncology de fevereiro de 2016 (ver aqui link para o artigo completo em inglês). Ontem vimos o diagnóstico da NF1 e alguns conceitos sobre os neurofibromas. Hoje, resumo algumas das afirmações dos autores sobre os gliomas ópticos.

Gliomas ópticos

Os autores começam nos lembrando de que as pessoas com NF1 têm uma chance de 15 a 20% de apresentarem gliomas ópticos, ou seja, tumores formados pelas células da glia, as quais fazem parte da estrutura do sistema nervoso. Estes gliomas geralmente são mais benignos (chamados de baixo grau) e podem acometer qualquer parte das vias ópticas.

A grande maioria dos gliomas ópticos não apresenta quaisquer sintomas e podem inclusive regredir à medida que a pessoa com NF1 entra na puberdade ou alcança a vida adulta. Cerca de um terço dos gliomas ópticos nas pessoas com NF1 causam sintomas (por exemplo, redução da visão ou puberdade precoce), mas geralmente o fazem antes dos 8 anos de idade. Raros casos apresentam sintomas depois desta idade que venham a exigir algum tipo de tratamento.

Uma das maiores (e difíceis) tarefas dos especialistas em NF é garantir que as crianças com NF1 e gliomas ópticos sem sintomas NÃO SEJAM TRATADAS DESNECESSARIAMENTE.

No entanto, naqueles casos de gliomas progressivos, pode ocorrer redução da visão, projeção do olho para diante (proptose) ou disfunção dos controles hormonais do hipotálamo.

As pesquisas em andamento estão padronizando os métodos para se medir a progressão dos gliomas ópticos nas pessoas com NF1, tanto os tradicionais exames oftalmológicos quanto as novas tecnologias, como a Tomografia de Coerência Óptica (ver AQUI o recente trabalho da Dra. Vanessa Waisberg em nosso Centro de Referência do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais).

A Tomografia de Coerência Óptica (TCO) permite a medida objetiva do espessamento da camada de células neurais na retina, espessamento este que parece estar mais relacionado com a diminuição da visão do que o tamanho do tumor propriamente dito. Se esta impressão se confirmar, a TCO estará indicada em todas as crianças com NF1 no início da infância, numa tentativa de se saber precocemente quais apresentarão sintomas ou não.

Somente quando ocorre redução da visão ou evidência de envolvimento do hipotálamo (disfunção hormonal), a quimioterapia deve ser considerada uma opção de tratamento para os gliomas ópticos na NF1. Isto porque a quimioterapia resulta em estabilização do glioma com a preservação ou melhora da visão em 72% dos casos.

No entanto, a radioterapia não deve ser utilizada nas crianças com NF1, pois produz diversos efeitos colaterais graves, incluindo doença vascular cerebral (Síndrome Moyamoya) e cânceres secundários.

Naquele grupo de crianças com NF1 e glioma óptico que não respondem ao tratamento com a quimioterapia (28%), alguns estudos clínicos estão sendo realizados em alguns países com inibidores específicos de determinadas etapas do crescimento celular (inibidores mTOR e inibidores MEK). Os autores citam os códigos de alguns estudos em andamento e comentam relatos de possíveis benefícios do bevacizumabe em gliomas ópticos progressivos.

No entanto, acredito que é preciso aguardamos a conclusão final destes estudos para que possamos saber se os benefícios destes tratamentos são maiores do que os seus riscos para que possamos recomendá-los para as pessoas com NF1 e gliomas ópticos em crescimento e sintomáticos que não responderam à quimioterapia convencional.

Na próxima semana continuo a revisão, falando de outras manifestações da NF1.