“Encontrei o seu blog por meio de indicações em um grupo de neurofibromatose no Facebook. O meu noivo é portador da NF1, faz acompanhamento frequente por meio de exames e consultas de rotina. Além disso, faz uso contínuo de medicamentos muito fortes e que não fazem o efeito esperado… Vejo que o tratamento que ele realiza não é tão eficaz e interfere muito na rotina dele, o prejudicando, mais do que ajudando. Gostaria de saber se existe algum tratamento alternativo para neurofibromatose? Eu não concordo com os remédios que ele usa por não proporcionar melhoras e também porque, cada vez que ele volta de uma consulta, vem com uma receita de remédios diferente”. NG, de local não identificado.

Cara N, você trouxe questões muito importantes, mas também bastante complexas. Vou tentar responder aos poucos, para nos entendermos bem.

De início, quero abordar uma de suas perguntas, aquela sobre se o “tratamento” que ele tem realizado (exames e consultas, além dos medicamentos) realmente ajuda ou acaba atrapalhando a vida do seu noivo.

Coincidentemente, esta é uma dúvida que faz parte de outra mais ampla, que venho discutindo com o Rogério Lima, fundador da Associação Maria Vitória de Doenças Raras e que está realizando seu doutorado em Coimbra. Será que o diagnóstico precoce da NF favorece a uma vida de menores oportunidades por causa do estigma da doença? Será que a partir do momento do diagnóstico nós passamos a tratar a criança de forma especial, o que faz com que, ao longo do tempo, ela se sinta diferente, limitada, doente ou menos incapaz? Será que os exames periódicos de seu noivo ajudam ou atrapalham a sua vida?

Rogério tem levantado esta dúvida porque na sua pesquisa ele está entrevistando pessoas e famílias com NF1 e vem tendo uma impressão inicial de que as pessoas diagnosticadas mais tarde parecem mais capazes e autônomas do que aquelas diagnosticadas mais cedo. Como se o diagnóstico da NF condicionasse a pessoa a uma vida mais limitada a partir da sua realização.

Tenho argumentado com ele que esta impressão de que o diagnóstico da NF criaria um “destino” diferente para a pessoa, de fato, pode acontecer e, inclusive, comentei sobre isto numa resposta anterior sobre se os atestados médicos para a escola ajudam ou prejudicam as crianças (CLIQUE AQUI).

No entanto, como em toda pesquisa verdadeiramente científica, precisamos ter cautela com as primeiras impressões e submetê-las à prova dos números e aos testes da estatística. Somente então, depois de afastados os desvios causados pela nossa subjetividade natural, os dados poderão nos iluminar a realidade. Por exemplo, as condições sociais e econômicas das famílias que tiveram o diagnóstico tardio são semelhantes às condições de vida, ao acesso os equipamentos de saúde e à atenção médica das famílias que tiveram o diagnóstico precoce?

Outro exemplo, é preciso testar a hipótese (que me parece provável) de que as pessoas com diagnóstico de NF mais tardio seriam aquelas com formas menos graves da doença e, consequentemente, podem levar uma vida mais capaz e com menos limitações. Isto parece estar bem estabelecido na NF do tipo 2, na qual as formas mais graves se manifestam precocemente (ver a história de MFO no blog de sexta feira passada). Isto seria verdadeiro também para a NF1?

Por outro lado, concordo com o Rogério que a realização do diagnóstico de NF é um marco importante na vida de uma pessoa, pois este momento seguramente deverá modificar sua trajetória de vida. Sabendo-se com NF, uma pessoa tomará conhecimento das probabilidades da evolução de sua doença, das implicações quanto ao planejamento familiar e precisará adotar as novas condutas exigidas pelo acompanhamento da doença. Tudo isto deverá criar novas expectativas de vida, ou seja, um novo futuro. Assim, em certa medida, um novo “destino” será definido a partir daquele instante.

As diferenças fundamentais que podem ocorrer neste momento crucial do diagnóstico são as cores com as quais pintamos o novo futuro: elas podem ser excessivamente sombrias e incapacitantes, ou podem ser falsamente douradas e enganadoras, ou podem ser realistas e úteis para o desenvolvimento do potencial de vida daquela pessoa.

Certamente cabe aos profissionais da saúde uma grande responsabilidade neste momento, pois com suas informações “científicas” eles participarão da construção de uma representação social da doença para aquela família. No entanto, considerando que as NF são doenças raras, é muito grande a chance de que as informações iniciais fornecidas pelos profissionais da saúde não sejam realistas e sim otimistas demais ou pessimistas demais.

Portanto, a realidade de pertencermos ao grande grupo das doenças raras nos força a criar mecanismos compensadores para esta falta de conhecimento dos profissionais da saúde. Nosso caminho, então, é a criação de associações de pessoas com doenças raras para o apoio mútuo, para o compartilhamento de informações, para o nosso “empoderamento” do próprio corpo, da própria saúde, assumindo-nos enquanto pessoas e cidadãos.

Amanhã retomo as outras questões trazidas pela NG sobre seu noivo com NF1.

Para finalizar esta semana, na qual abordamos alguns aspectos relacionados à Neurofibromatose do tipo 2, vou relatar a história de uma pessoa que vem sendo acompanhada no Hospital das Clínicas há vários anos, e que é bastante ilustrativa das dificuldades que enfrentamos para oferecer atendimento adequado às pessoas com NF2. São dificuldades técnicas (médicas), sociais (nível de informação e cooperação familiar), institucionais (baixo acesso aos equipamentos de saúde) e políticas (redução dos recursos públicos investidos em saúde).

Em 2009, o menino MFO de 7 anos de idade foi atendido pela oftalmologia do Hospital das Clínicas por causa de um estrabismo e submetido a uma cirurgia. Naquela época, não foi encontrada uma causa para o seu estrabismo e o grupo que o atendeu publicou um artigo sobre o caso na revista Arquivos Brasileiros de Oftalmologia (CLIQUE AQUI ).

MFO passou os 7 anos seguintes clinicamente estável, sem outros sintomas, mas aos 14 anos apresentou paralisia a mão esquerda e tumores cutâneos. Em seguida, começou a perder a audição e a ressonância magnética mostrou que ele tinha schwannomas nos nervos vestibulares de ambos os lados do cérebro. Diante deste quadro, MFO foi encaminhado aos 17 anos ao nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses, quando realizamos o diagnóstico clínico de NF2.

Embora a NF2 seja uma doença que se manifesta principalmente na vida adulta (ver posts anteriores), ela é genética e, portanto, está presente na infância e pode gerar sintomas como aqueles apresentados pelo MFO. No entanto, o seu diagnóstico nem sempre é fácil, entre outras causas, pela raridade da doença (1 em cada 20 mil pessoas). Além disso, os casos com sinais e sintomas mais precoces (oculares, como o estrabismo e motores, como a paralisia da mão esquerda do MFO) são geralmente mais graves do que aqueles com sintomas iniciados apenas na vida adulta (surdez, zumbido).

Quando foi examinado pela primeira vez em nosso Centro de Referência, MFO apresentava sinais de compressão de tronco cerebral por causa do crescimento do schwannoma vestibular direito (taquicardia, instabilidade da pressão arterial). Indicamos a cirurgia imediatamente e ele foi operado no Hospital das Clínicas, sendo retirado parte do tumor, o que causou perda total da audição na direita, mas redução do seu risco de morte e recuperação de sua capacidade para a vida cotidiana.

Em seguida, foi realizada a reavaliação oftalmológica de MFO. Verificamos que ele tem baixa acuidade visual no olho esquerdo desde criança, usa óculos desde um ano de idade e vinha sendo acompanhado no setor de estrabismo desde 6 meses de idade, tendo feito três cirurgias para correção no olho esquerdo, a última cirurgia aos 7 anos de idade, quando foi operada também a sua pálpebra.

Por causa da paralisia facial direita, atualmente seu olho direito apresenta ceratite importante, que precisa ser tratada rigorosamente para que ele não perca a visão que lhe resta. Além disso, na Tomografia de Coerência Óptica apresenta um dos sinais típicos das formas mais graves da NF2, a chamada membrana epirretiniana na mácula do olho direito. Após o diagnóstico de NF2 e a reavaliação oftalmológica, comunicamos estas informações numa carta enviada para a mesma revista Arquivos Brasileiros de Oftalmologia (CLIQUE AQUI), esclarecendo o diagnóstico ainda desconhecido naquela publicação de 2009.

Em 2016, a equipe de cirurgia neurológica pediu nossa avaliação sobre MFO, que atualmente está com 19 anos de idade. Para isso, revimos todas as ressonâncias magnéticas do encéfalo e da coluna vertebral desde 2011, realizadas em doze datas diferentes, numa tentativa de obtermos uma visão de conjunto da sua evolução clínica.

Nossa primeira conclusão foi que, infelizmente, as ressonâncias magnéticas realizadas por profissionais diferentes, e com técnicas e aparelhos muito distintos, geraram relatórios muito diferentes entre si. Alguns trazem as medidas dos tumores e sua localização precisa, outros apenas citam a presença de lesões, algumas delas são percebidas num exame e noutros não. Assim, apesar do grande número de exames, não foi possível medirmos com segurança o crescimento tumoral de todas as lesões apresentadas pelo MFO.

Portanto, somente foi possível traçar um crescimento aproximado dos schwannomas vestibulares, embora as medidas estáveis possam corresponder à falta de relato numérico nos relatórios. No gráfico acima, percebemos o crescimento acelerado do schwannoma vestibular direito (azul), que foi parcialmente ressecado em 2014 pela equipe cirúrgica do HC. Enquanto isso, observa-se a estabilidade do schwannoma vestibular esquerdo (laranja).

Em relação aos demais tumores típicos da NF2, as ressonâncias apresentam diversos tumores intracerebrais, intramedulares, paravertebrais e no trajeto de nervos, que podem ser meningiomas, schwannomas e ependimomas. No entanto, dada às diferenças no formato dos relatórios, não é possível caracterizar de forma objetiva o seu provável tipo ou crescimento.

Diante disso, informamos à equipe cirúrgica de que a maioria dos tumores apresentados por MFO ou permanecem estáveis ou estão com crescimento discreto. Portanto, para todos os tumores, inclusive o schwannoma vestibular esquerdo restante, sugerimos que a conduta (cirúrgica ou não) deva ser decidida com base nos sintomas e sinais clínicos e não no tamanho dos tumores. No momento, MFO está estável, praticando atividades físicas regularmente e nossa maior preocupação imediata é sua córnea do olho direito.

Em conclusão, este caso ilustra as dificuldades próprias da doença (NF2 grave, precoce, com múltiplos tumores e de difícil diagnóstico), outras dificuldades decorrentes do nível sócio econômico da família (que possui baixa escolaridade e não adere perfeitamente aos tratamentos propostos), assim como os problemas decorrentes da grande precariedade e falta de padronização do atendimento médico nos serviços do Sistema Único de Saúde.

Cada centavo que é desviado do SUS, da educação e das pesquisas científicas torna-se uma dificuldade a mais na vida de MFO e de milhares de outros como ele.

Além disso, como lembra a Dra. Luíza Rodrigues, além disso, os recursos, mesmo se não fossem desviados, são menores do que deveriam ser e ainda há setores do atual governo que pretendem reduzir ainda mais o financiamento do SUS.

Até a semana que vem.


Ontem comentei aqui os resultados de um estudo com o bevacizumabe no tratamento experimental de schwannomas vestibulares com perda de audição, estudo este que foi realizado pelo grupo do Dr. Scott Plotkin, de Boston.

Mais importante do que o resultado com o bevacizumabe, (que ainda apresenta resultados positivos de 36% com 21% de efeitos colaterais), foi outra publicação também de 2016, feita pelo Dr. Plotkin em coautoria com a Dra. Jaishri Blakeley, sobre os avanços terapêuticos nos tumores associados com a NF1, NF2 e Schwannomatose (CLIQUE AQUI para ver o artigo na íntegra).

O artigo merece vários comentários, os quais farei oportunamente, mas hoje quero destacar apenas a informação que Blakeley e Plotkin trazem sobre como evolui a perda de audição e o aumento dos schwannomas nas pessoas com NF2.

Sabemos que existe grande variabilidade nas manifestações da NF2 de uma pessoa para outra, em função de possuírem a mutação do gene NF2 em todas as células (casos mais graves e precoces) ou em apenas algumas (mozaicismo, casos mais tardios e menos graves).

Além disso, existem variações na taxa de crescimento dos tumores e na perda da audição, inclusive entre o schwannoma do nervo direito em relação ao esquerdo, ou de um meningioma em relação a outro.

Para completar a variabilidade na NF2, não existe uma clara relação entre o tamanho do tumor e seu crescimento com a perda da audição.

Assim, tem sido investido um grande esforço científico para se saber qual é a evolução natural da NF2 para que possamos saber o momento exato de intervenção cirúrgica (ou, quem sabe, no futuro, medicamentosa). Para isso, foi criado um consórcio de pesquisadores com 540 pessoas com NF2 participando como voluntárias.

A primeira informação que este consórcio trouxe foi que o diagnóstico da NF2 geralmente é feito em torno dos 27 anos e ocorre uma demora de cerca de 7 anos entre os sintomas iniciais e o diagnóstico. Além disso, cerca de 30% das pessoas eram submetidas a uma cirurgia em torno de dois anos depois do diagnóstico.

Foi observada uma taxa média de crescimento anual dos schwannomas de 1 milímetro por ano (embora outro estudo tenha mostrado uma taxa de 1,8 mm/ano com tumores iniciais de 1,3 cm).

A taxa média de perda de audição foi de 5% ao ano (ver ilustração no começo desta página), utilizando-se o teste de reconhecimento de palavras. Enquanto isso, o crescimento médio dos tumores em relação ao seu tamanho inicial foi de 31% no primeiro ano e 79% no terceiro ano, ou seja, cerca de 25% ao ano. Mais uma vez, fica evidente que o crescimento do tumor não tem relação direta com a perda da audição.

A maioria dos tumores (88%) não necessitou de cirurgia nos primeiros 5 anos de acompanhamento e a maioria das pessoas com NF2 (66%) conservou sua audição enquanto foram observadas neste período. Desta forma, para uma parte das pessoas com NF2, a observação cuidadosa sem cirurgia pode ser uma conduta razoável.

No entanto, para a parte restante das pessoas com NF2, ocorreu uma progressão contínua dos schwannomas bilaterais levando à surdez, paralisia facial e outros déficits na função dos nervos cranianos.

Finalmente, de cada 100 pessoas com NF2 no início do consórcio 85 estavam vivas em 5 anos, 67 em 10 anos e 38em 20 anos. Portanto, Berkeley e Plotkin concluíram que a expectativa média de vida para as pessoas com NF2 é de 69 anos (com intervalo de confiança entre 58,9 e 79,0 anos), ou seja, há uma redução na expectativa média de vida para as pessoas com NF2 em relação à população em geral de mesmo nível sócio econômico.

Noutro dia comento as contribuições deste artigo de Berkeley e Plotkin sobre os meningiomas na NF2.

“Tenho NF do tipo 2, com um schwannoma no nervo vestibular dos dois lados e perda da audição de 30% no lado direito. Tenho muito medo de realizar a cirurgia. Ouvi falar de um remédio chamado Avastin. Há alguma novidade sobre isso? ”. FPPB, de Londrina, Paraná.

Caro F. Obrigado pela sua pergunta, porque ela abre a oportunidade de falar um pouco para as pessoas com NF2. Aliás, na semana passada recebi o gentil pedido de uma associação de pessoas com NF2 que residem na Argentina, chamada CLAN2 (CLIQUE AQUI para ver o endereço do grupo no Facebook), solicitando minha permissão para traduzirem para o espanhol os textos publicados aqui. Claro que concordei e disse que é uma grande satisfação saber que os comentários aqui publicados estão sendo úteis.

Respondendo à pergunta do FP, de Londrina, peço-lhe que leia também um texto sobre este mesmo assunto, o uso do Avastin ® (nome comercial do medicamento bevacizumabe) na NF2, que publiquei em 2 de outubro de 2015 (CLIQUE AQUI).

Desde aquele texto, o que posso acrescentar hoje são os resultados de mais um estudo com a droga na NF2, agora feito pelo grupo do Dr. Scott Plotkin, de Boston, recentemente publicado (maio de 2016) na revista Journal of Clinical Oncology (CLIQUE AQUI para ver o artigo completo).

Em resumo, os pesquisadores administraram bevacizumabe para 14 voluntários com NF2 e tumores no nervo vestibular na dose de 7,5 mg por quilograma de peso corporal a cada 3 semanas, durante um ano, e depois acompanharam estas pessoas por mais 6 meses após o término do tratamento.

O principal objetivo do estudo foi saber se o bevacizumabe seria capaz de melhorar a audição, a qual medida num teste para avaliar a capacidade de reconhecimento de palavras. Além disso, eles analisaram a tolerância ao medicamento, seus efeitos colaterais, o tamanho dos tumores na ressonância magnética, a durabilidade do efeito e algumas substâncias sanguíneas relacionadas ao crescimento de tumores.

O primeiro dado que me chamou a atenção no estudo foi que a variação da idade dos voluntários foi grande e assimétrica, ou seja, a mediana foi 30 anos, mas as idades variaram muito, de 14 a 79 anos. Os autores não esclareceram se esta pessoa de 79 anos tinha mesmo NF2 (ou se as outras pessoas acima de 30 anos) ou seria um caso de schwannoma esporádico.

Além disso, para entrar no estudo como voluntárias, as pessoas precisavam apresentar perda progressiva da audição. Novamente, o grupo era formado por pessoas em situações clínicas bem diferentes entre si: a mediana da redução do reconhecimento de palavras antes do tratamento com bevacizumabe foi de 60%, mas com uma variação entre 13% e 82%. Ou seja, havia pessoas com discreta perda auditiva e outras com grande perda auditiva. Além disso, não compreendi bem qual foi o tempo de acompanhamento prévio de cada voluntário para ser medida a “perda progressiva da audição”, um dos critérios adotados para entrada no estudo.

Ao final do tratamento, 5 (36%) dos 14 voluntários apresentavam melhora auditiva, a qual perdurou por 3 meses. Ou seja, o objetivo principal foi atingido em menos da metade das pessoas que receberam o bevacizumabe.

Além disso, 8 (57%) dos 14 indivíduos apresentaram melhora temporária da audição, um deles permaneceu estável, mas nenhum apresentou piora da audição ao longo de 1 ano e 6 meses de duração do estudo. Admitindo que antes do tratamento todos apresentavam perda progressiva da audição, a ausência de piora em 1 ano e meio sugere um resultado benéfico do bevacizumabe.

A redução do volume do tumor em pelo menos 20% do tamanho original foi observada em 6 (43%) dos 14 voluntários.

Três pessoas (21%) apresentaram efeitos colaterais importantes (Grau 3): hipertensão arterial (2) e púrpura trombocitopênica (1, uma complicação da coagulação sanguínea).

Alguns marcadores sanguíneos correlacionaram-se estatisticamente com os resultados do bevacizumabe sobre a audição e a redução do volume dos schwannomas vestibulares, sugerindo mecanismos de ação para o medicamento.

Em sua conclusão, os autores acham que os resultados que eles encontraram precisam ser confirmados em estudos ampliados, com maior número de pessoas, para que o medicamento seja sistematicamente recomendado na NF2.

Na minha opinião, sou obrigado a repetir que, infelizmente, o bevacizumabe ainda não é uma BOA opção de tratamento. Por enquanto, creio que devemos seguir o tratamento padrão (cirurgia quando necessária – ver post anteriores) e torcer para que outra alternativa melhor do que o bevacizumabe seja descoberta.

Amanhã volto a falar de outra descoberta importante do mesmo grupo de cientistas sobre como evoluem anualmente os schwannomas na NF2.

 

Nunca tinha pensado em comparar NF1 com obesidade. Sinto que a NF é mais grave do que a obesidade, tenho mais medo do que vai acontecer, mas não sei o porquê”. JPS, de Manaus.

Cara J, obrigado pelo seu comentário. No post de ontem falei sobre os diferentes níveis de gravidade da NF1 (mínimo, leve, moderado ou grave) e ao final perguntei o que nos parece mais grave, uma criança com NF1 ou uma criança com obesidade. Minha intenção foi despertar a percepção de que o significado do termo gravidade depende muito de fatores subjetivos e emocionais, sobre os quais nem sempre estamos conscientes de sua importância.

Ao trazer para o mesmo plano duas doenças (NF1 e obesidade infantil) com significados emocionais distintos, imaginei que diversas pessoas manifestariam surpresa diante desta comparação. Algumas, como a JPS de Manaus, argumentaram que “sentem” que são gravidades diferentes. Sim, de fato, são doenças distintas entre si, a começar do fato de que a NF1 ocorre em 1 em cada 3 mil pessoas e a obesidade infantil em torno de 20% das crianças atualmente.

No entanto, NF1 e obesidade infantil possuem algumas características em comum, as quais nos permitem aproximá-las para tentarmos compreender nossas emoções diante delas. Ambas não têm cura, embora tenham tratamentos que evitam ou diminuem as complicações. Ambas aumentam a chance de apresentar doenças vasculares. Ambas aumentam a chance de alguns tipos de câncer. Ambas causam discriminação social e ambas reduzem a expectativa média de vida.

É justamente a raridade da NF1, especialmente se comparada com a epidemia de obesidade infantil, é que pode explicar as diferenças emocionais na nossa aceitação (ou não) das duas doenças.

A psicóloga Alessandra Cerello realizou um estudo sobre a “representação social” da NF1, numa pesquisa realizada em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Alessandra estudou uma das características humanas que é a construção de significados sociais para os principais acontecimentos em nossa vida (para ver a dissertação de mestrado CLIQUE AQUI ).

Por exemplo, se falarmos as palavras câncer, pneumonia ou gripe, quase todas as pessoas trazem à sua consciência, automaticamente, uma certa representação mental do que se trata. Esta representação social da doença contém desde informações objetivas até sentimentos os mais diversos, incluindo aspectos morais, religiosos e históricos e individuais.

Neste sentido, diante de uma pessoa com obesidade infantil, a maioria das pessoas possui determinados conceitos ou julgamentos que podem ser verdadeiros ou falsos, mas que fazem da obesidade algo que nos é familiar, com o qual podemos lidar sem medo. Por exemplo, apenas alguns conceitos mais comuns, alguém pode achar que:

1) A obesidade infantil não é doença (o que é falso – ver aqui o relatório da Organização Mundial da Saúde – CLIQUE AQUI )

2) A obesidade infantil é resultado do excesso de alimentação (o que é verdadeiro – ver cartilha obesidade aqui);

3) A obesidade infantil é falta de exercício (o que é falso – ver cartilha);

4) A obesidade é pouca força de vontade (o que é falso – ver cartilha);

5) A obesidade pode ser resolvida facilmente (o que é falso – ver ver estudo recente da agência de saúde pública do Canadá CLIQUE AQUI ).

Por outro lado, Alessandra Cerello mostrou que a raridade da NF1 vem naturalmente acompanhada de desconhecimento do que significa a doença. A maioria das pessoas leva algum tempo até conseguir pronunciar o nome “neu-ro-fi-bro-ma-to-se”, que, para complicar, ainda vem associada a outra denominação “do tipo 1”, indicando que mesmo que eu entendesse a primeira palavra ainda há mais mistério por trás do nome.

A falta de conhecimento pessoal (nunca ouvi falar, nunca encontrei outra pessoa com esta doença, nunca me explicaram) ou desconhecimento científico das equipes de saúde (que às vezes complicam ao invés de ajudar, como dizer que é a doença do Homem Elefante e mostrar fotos de casos muito graves) levam à falta de uma representação social adequada das neurofibromatoses (para ver o discurso que realizei no plenário da Câmara em Brasília CLIQUE AQUI).

Sem representação social para nos ajudar a lidar com as neurofibromatoses, as NF se tornam um território obscuro para o qual nossa lanterna pessoal ilumina apenas para trás, para aquilo que já conhecemos e nunca para diante, para o futuro. Especialmente quando somos informados que a doença é imprevisível e não se sabe o que poderá acontecer.

Então, diante do desconhecido a reação natural humana é o medo. O medo gera o preconceito, o distanciamento, a falta de empatia, o descaso e a discriminação. O medo também amplia a noção de gravidade: “não sei o que é, mas com este nome complicado deve ser alguma coisa muito grave” – disse-me uma mãe.

No entanto, em conclusão, diante de duas crianças, uma com NF1 e outra com obesidade, não é necessário saber qual delas possui a doença mais grave, pois ambas precisam de nossa atenção imediata, agora.

“Descobri hoje que meu filho de 1 ano e 6 meses tem neurofibromatose. Não tem nada que eu possa fazer em relação a alimentação dele para diminuir o problema? Creio que TUDO está ligado a alimentação”. R24, de local não identificado.

“Tenho muito medo do futuro, desde que soube que minha filha tem NF1. Como posso saber qual é o nível de gravidade da doença dela? ”MCRP, do Rio de Janeiro.

Caras R e MCRP. Obrigado pelas suas perguntas, porque suas questões estão relacionadas de alguma maneira e este tema da alimentação na NF1 interessa a muitas outras famílias. 


Além disso, suas dúvidas abrem uma oportunidade para discutirmos a definição do que significa a “gravidade” das doenças.

Inicialmente, preciso esclarecer que, por enquanto, não há nenhuma dieta conhecida de forma cientificamente testada que possa interferir no caminho das manifestações da NF1 numa determinada pessoa. Portanto, tente oferecer ao seu filho uma dieta comum que faça parte de sua cultura, ou seja, prefira as comidas que eram encontradas antes da atual epidemia das lanchonetes e das comidas fast-food.

Sabemos, por outro lado que os hábitos alimentares de muitas pessoas com NF1 podem ser diferentes das demais pessoas da família: uns apresentam aversão a frutas ou legumes, outros não toleram carnes, outros só comem determinados produtos, e assim por diante. Assim, seu filho poderá apresentar certa resistência para aceitar uma dieta saudável. Quem desejar saber mais sobre os hábitos alimentares das pessoas com NF1, veja os estudos dos nutricionistas Aline Stangherlin e Márcio de Souza: CLIQUE AQUI.

Já é bastante conhecido também que a NF1 se expressa de diferentes maneiras em pessoas diferentes, por exemplo, entre irmãos, ainda que eles tenham herdado a mesma mutação do gene NF1 de um de seus pais. Assim, numa família, na qual geralmente 50% dos filhos (ou filhas) apresentam a NF1 como um dos pais, com a mesma dieta e a mesma mutação aquelas pessoas que herdaram a NF1 manifestarão a doença de forma muito distinta entre si: alguns terão mais dificuldades de aprendizado, outros terão mais neurofibromas cutâneos, um terá nascido com um neurofibroma plexiforme, outro com um glioma óptico, e outros, apresentarão a NF1 de maneira tão benigna que somente um especialista pode identificar os seus sinais.

Por isso, costumamos separar a gravidade da NF1 de acordo com as repercussões da doença sobre a vida da pessoa acometida. Gravidade MÍNIMA é aquela na qual a doença praticamente não produz sinais ou sintomas importantes e a pessoa leva uma vida como as demais sem a doença. Gravidade LEVE é aquela que alguns sinais ou sintomas são percebidos, mas ainda assim a pessoa com NF1 consegue acompanhar as atividades das demais pessoas de sua geração. Gravidade MODERADA é quando os sinais e sintomas já dificultam a inserção social da pessoa com NF1. E, finalmente, o nível GRAVE da NF1 acontece quando sinais e sintomas causam restrições à vida da pessoa acometida, de tal forma que ela se torna portadora de necessidades especiais.

Geralmente os níveis de gravidade MODERADA e especialmente GRAVE é que exigem tratamentos contínuos e causam uma redução de cerca de 10 a 15 anos na expectativa média de vida nas pessoas com NF1.

No entanto, ao observarmos uma criança com NF1, independentemente do nível de gravidade atual, sabemos apenas que ela possui uma doença genética que deverá progredir ao longo da vida: não sabemos qual será a velocidade desta progressão. 


Ela pode estar no nível MÍNIMO e levar 30 anos para passar ao LEVE ou ao MODERADO. Ou pode apresentar um neurofibroma plexiforme em crescimento no pescoço dentro de 3 anos e requerer cirurgia complexa, passando rapidamente para o nível GRAVE.

Não sabemos como a doença irá evoluir e este é um dos maiores sofrimentos para as pessoas com NF1 e suas famílias.

No entanto, a insegurança quanto ao futuro das crianças não é uma preocupação exclusiva da NF1. Por exemplo, neste momento, há outra doença que está afetando as crianças e aumentando assustadoramente (quase 20% das crianças neste momento, em várias partes do mundo): a obesidade. 


A obesidade é uma doença praticamente incurável, que irá progredir para diversas complicações ao longo dos anos, reduzirá a expectativa de vida da pessoa e, no mínimo, dificultará sua inserção social, seu bem-estar e sua felicidade (ver aqui cartilha sobre obesidade infantil CLIQUE AQUI ).

O que será mais grave? Uma criança com NF1 ou uma criança obesa?

Nora fala
Tradução Luiz Oswaldo C Rodrigues
Maio 2016


Você já passou por um hidrante ou caixa de correio e imaginou que eles falaram com você? Quando isto começou a acontecer comigo achei que estava maluca. Achei que estava maluca, mas desde os seis anos não sei exatamente o que maluco significa. Mas estou com treze anos agora e sei o que significa ser maluco e que eu não era maluca na época – ou agora, de qualquer maneira. Mas você pode me achar um tanto estranha. As coisas conversam comigo.

Na maioria das vezes elas são pequenas, como uma mosca ou um grão de areia. A maior de todas foi a ponte Smithville – onde passam e passam e passam pedestres, carros, caminhões e outros veículos. E algumas vezes, como uma mosca, que fica viva, com uma boca e outras partes do corpo. E, uau, algumas vezes as coisas se tornam muito reais, partes das coisas ou do meu corpo. Isto acontece tantas vezes que eu tenho que dar nomes às coisas para poder acompanha-las. Como a Mosca Flora, ou Caixa de Correio Miguel ou Herman Hidrante. Meus pais – sempre acharam que isto é divertido ou uma brincadeira – e dão alguns nomes também. Principalmente para coisas ao redor da casa ou minhas coisas preferidas ou mesmo partes de mim. Por exemplo, Torradeira Toby, Relógio Wanda ou Ombro Suzana.

Estou falando sobre isso porque agora as coisas se compicaram um pouco mais. Quando eu estava no segundo grau, meu professor achou que eu não ia tão bem quanto podia, especialmente em aritmética. Então, eu fiz uns testes e tive que ir ver uma médica. Mas ao invés de examinar meu cérebro, a doutora ficou interessada numas quinze manchas na minha pele, parecidas com café misturado com bastante leite. Além disso, ela disse que eu era meio baixinha para a minha idade e que o número do meu chapéu era bem grande. Eu já sabia disso, porque meu boné de beisebol era tamanho sete e meio. Naquele dia, ela disse que eu tinha uma doença, algo como requinrause ou coisa assim, mas ela não sabia muito a respeito daquilo. A médica disse que era para a gente esperar e ver.

Aquela doutora se mudou e a gente esqueceu as manchas e as coisas, até que começaram as minhas menstruações. E então, voltei a outro doutor, mas desta vez ele achava que meu eu era uma garota com problema genético por causa da tal requinrause. O sujeito, Dr. Wiley, ficou todo interessado e falou um bocado. A primeira coisa que ele fez foi dar um nome para o tal do meu requinrause, NF1, e em seguida fez um longo exame em mim. Foi aí que ele encontrou uma parte da pele da barriga, perto das minhas partes íntimas. Parecia uma das manchas café com leite, mas era maior e mais alaranjada, com alguns pelos curtos nas bordas e um pouco irregular. Eu já havia notado esta diferença, mas achei que fazia parte da minha adolescência que estava começando. Ela até já havia falado comigo diversas vezes, mas eu não cheguei a dar um nome para ela.

O doutor geneticista foi quem me deu um nome para ela: Nora Fibroma. Eu estava certa de que Nora e eu nos tornaríamos amigas especiais. Eu sabia que ela seria parte importante na minha vida, como disse o Dr. Wiley, inclusive. Em seguida, ele providenciou uma ressonância magnética para ver como Nora estava dentro de mim. Depois, uma enfermeira me levou para uma sala de espera, enquanto ele discutia alguns detalhes com meus pais. Na sala de espera, eu queria que Nora conversasse comigo para que a gente pudesse se apresentar formalmente. Mas tudo o que Nora fez foi dar risadinhas.

Cerca de três semanas depois, numa Sexta Especial, fomos fazer as imagens da ressonância magnética. Apesar de eles me colocarem para dormir no equipamento de ressonância, Nora tinha um monte de coisas para dizer e eu podia ouvir claramente o que ela dizia, apesar do restante dos sons estarem totalmente bloqueados. O principal do que ela disse foi que ela coçava e que algumas partes coçavam mais do que outras. Mas, especialmente, ela estava muito impressionada como ela era grande. Não enorme, mas maior do que o esperado para a meu tamanho. Então, nós duas dormimos. Quando acordamos, o Dr. Wiley confirmou as preocupações de Nora quanto ao seu tamanho e que nós deveríamos repetir os testes um ano depois. Dr. Wiley era um cara legal, mas havia um tom diferente na sua voz, especialmente quando se referiu a Nora por diversas vezes como “tumor”. Ele me deu um pirulito e disse: “Não se preocupe! Vamos esperar e ver.”


Desde aquele momento, Nora e eu desenvolvemos uma amizade especial. Não apenas amigas, mas companheiras de verdade. O restante ia bem. A escola estava OK, apesar de eu nunca ser muito boa em esportes e aprender o tal do piano foi um verdadeiro sufoco. Enquanto isso, Nora me dizia que estava crescendo, talvez um pouco mais rapidamente do que o resto de mim. Ela também avisava que, no geral, ela estava macia e confortável, mais ou menos da mesma forma de sempre. Em paz, eram suas palavras.

Então, cerca de dois anos depois da primeira ressonância magnética, um domingo, Nora me acordou para dizer que alguma coisa tinha acontecido. Alguma coisa, numa parte muito pequena dela, havia mudado muito profundamente, próxima à linha do biquíni. Quando amanheceu, as coisas pareciam ter se acalmado. Mas, nas duas semanas seguintes ou mais, o desconforto de Nora parecia maior e pior. Ainda pequeno, mas, ah, bem diferente. Isso era totalmente novo para mim. Nenhuma das outras mensagens que que eu já havia recebido de outros objetos ou de Nora eram como esta sensação. Minha mãe tentou me tranquilizar sugerindo que tudo era parte dos meus ciclos menstruais, especialmente porque eles eram muito irregulares. Eu sentia algo na minha barriga sob a mancha café de Nora. Mais nada.

Nora continuou reclamando e era a única coisa que ela vivia falando. Coitada da Nora. Eu gostaria de poder fazer algo para ajudar.


 Mas deixamos as coisas correrem. Dois dias depois do feriado de 4 de julho, assim que acordei de um sono agitado, Nora insistiu que havia algo de errado e eu pude sentir “aquilo” no fundo da barriga novamente e eu tinha vontade de apertar com força. Sonolenta, pressionei meus dedos profundamente alguns centímetros perto do meu quadril direito. De repente, acordei completamente quando meus dedos encontraram um caroço que era meio macio quando apertado com força. Chamei minha mãe. Ela sentiu o caroço também. Dois dias depois, o Dr. Wiley também. A sua expressão preocupada no rosto chamou minha atenção e ele disse algumas palavras, três das quais foram “biópsia” e PET scan. 


No dia seguinte fui submetida à Tomografia com Emissão de Pósitrons (o tal PET scan) e à tal biópsia. Mais tarde, naquele mesmo dia, primeiro nos disseram que o PET havia descoberto algumas coisas anormais, geralmente associadas com Nora Fibromas atípicas. Depois, que receberíamos o resultado da biópsia em uma semana ou duas. Dez dias mais tarde, ainda com Nora muito infeliz com a espetada da agulha da biópsia, disseram que o caroço era potencialmente um estágio precoce de câncer e que os estudos de genética haviam mostrado que junto com a mutação NF1, que eu havia nascido com ela, havia ocorrido outra mutação num outro gene que antes era normal. Era o momento para a cirurgia.

Na cirurgia, a maior parte, mas não toda, da Nora, foi removida. Viram que não havia câncer, mas o caroço ainda foi considerado uma Nora Fibroma atípica. Os médicos, incluindo o Dr. Wiley, estavam satisfeitos. Nora, não. Depois, ela disse que havia superado a dor da cirurgia, mas, mais importante, ela continuava preocupada porque o que havia restado dela ainda causava a mesma sensação daquela Sexta Especial dois anos antes.

Nos seis meses seguintes, Nora não se recuperou e as coisas pioraram novamente e todos os exames foram repetidos. No entanto, desta vez o PET foi positivo no local onde Nora havia passado todo o tempo e também em pelo menos doze outros lugares. Foi impressionante ver Nora fazer piada com isso: “Ainda sou uma Nora com treze endereços, ou eu tenho doze irmãos e irmãs?”


Estou escrevendo isto agora para alertar outros como eu e Nora que não podemos continuar naquela maneira dos médicos de “esperar e ver”. Tínhamos que fazer algo mais cedo, assim que Nora e eu notamos as primeiras diferenças. Precisamos entender que o que aconteceu com Nora vem acontecendo com outras Noras. Nós temos que prevenir aquilo tudo que trouxe Nora e eu para uma nova e terrível situação. Começamos com um problema e então aconteceu o segundo. A gente não devia deixar isto acontecer.

Por enquanto, Nora e eu estamos nos virando. Já aguentamos um bocado, mas esperamos que a nossa falta desperte mais atenção para o que vem antes do que para o que acontece depois – trocar o “esperar e ver” por “vamos agir agora”.

Eu e Nora.



Veja abaixo o texto original em inglês.

NORA FIBROMA TELLS IT STRAIGHT

Did you ever wander by a fire hydrant or a mail box and wonder what it just said to you? When it first started happening to me I thought I was whacko. I mean I thought that I thought I was whacko, but since I was only six years old I was not really sure what whacko meant. But, I’m 13 now and I know what whacko is and that I wasn’t whacko then – or now for that matter. But I am kinda what you might call weird. Things talk to me.

Most of the time they’re small, like a fly or a grain of sand. The biggest one was the Smithville Street Bridge – it would go on and on and on about the pedestrians and cars and busses and trucks and trailers. And sometimes, like the fly, they’re actually alive and with a mouth and other body parts. And, wow, sometimes they get realty personal about certain body parts – theirs or mine. It happens so often that I have to give them names to try to keep track of ‘em. Like Flora Fly or Michael Mailbox or Herman Hydrant. My parents – who have always thought this is funny or a game – do some naming too. Mainly for things around the house or my jewelry or even parts of me. For example, Toby Toaster, Wanda Watch or Susan Shoulder.

I’m telling y’all this now because it’s gotten kinda serious on several levels. When I was in the second grade my teacher thought I was not doing as good as I should, especially in arithmetic. So, I took some tests and then hadda see a doctor. But, instead of my brain, the Doctor got all interested in about 15 or so places on my skin that looked like coffee with lots o’ milk in it. Plus, she said that although I was short for my age and that my hat size was too big. I already knew that ‘cause my Pirates’ baseball cap was a size 7½ (Cathy Cap). At that time she said that I had a disease that was some kinda wreck, but she didn’t know that much about it. She said that we’d just wait and see.

That lady doctor moved away and we mostly forgot about the spots and stuff until just when I started to get my periods. So, back to another doctor, but this time he was supposed to be a genetics guy because of this wreck thing. The guy – Dr. Wiley – turned out to be very interesting and talked a lot. The first thing he did was give my wreck disease a new name: NF1 and he did a real long examination. That’s when he found a place on the skin on my lower tummy, going down towards my private parts. It kinda looked like one o’ them coffee spots, but it was larger than the other ones and seemed more orangey and had some short hairs at the edges and was kinda lumpy. I had noticed it before, but just thought it was part of my becoming ladylike. It had even talked to me several times, but I’d hesitated to give it a name.

The genetics doctor named her for me – Nora Fibroma. I was sure Nora and I would become special friends. I knew she would be an important part of my life. Dr. Wiley even said so. The first thing we did was arrange to see what it looked like inside of me using magnetic reasoning. After that, he had the nurse take me out into the waiting room. He said they just had to discuss some boring details with my parents. In the waiting room I’d hoped Nora would talk with me now that we’d finally been formally introduced. All Nora did was giggle.

About three weeks later – on Good Friday – we had the magnetic reasoning images done. Even though they put me to sleep in the magnet machine, Nora had a lot to say and I could hear her clearly with everything else blocked out. Mainly she said it tickled and that some parts tickled more than others. But, mostly she was impressed by how big she was. Not huge, but bigger than she expected for my size. Then we both fell sound asleep. When I woke up, Dr. Wiley confirmed Nora’s concerns about size and that we would have to test again in a year or so. Dr. Wiley was very nice, but now there was an edge to his voice, especially the several times when he referred to Nora as a “tumor.” He gave me a lollipop and said “Not to worry! Let’s wait and see.” 


From that time on, Nora and I developed a very special relationship. Not just friends, but buddies. And otherwise, things were good. School was okay, though I never was very good at sports and learning to play the piano was a real chore. Along the way, Nora could communicate that she was growing, perhaps a bit faster than the rest of me. She could also share that mostly everything was smooth and comfortable, more or less throughout her substance. “Peaceful” was her word.

Then almost two years to the day since the first MRI – Easter Sunday to be exact – Nora woke me to tell me that something had just happened. Something very localized in one of her parts had changed, deep inside, near my dew drop. As the morning wore on, things seemed to have quieted down. But, over the next two weeks or so the disturbing sensation seemed to be getting bigger and worser. Still small, but, oh so different. This was all new to me. None of the other “messages” I’d received from other objects or from Nora herself were like this. Mom tried to tone things down by suggesting this situation was merely part of one of my menstrual cycles, especially since they were so irregular. I felt my tummy over Nora’s coffee spot. I didn’t feel anything different.

Nora kept complaining and that’s about the only thing she had to share. Poor Nora. I wanted to do something to help. 

But, we just let things ride. Two days after the Fourth of July, just as I was waking from a fitful sleep, Nora insisted that something was wrong and that I should feel “down there” again and that I should “push hard.” Sleepily, I reached down and pressed the fingers of my right hand a couple of inches in and down from the bone of my right pelvis. Suddenly, I was fully awake as my fingertips found a quarter-sized lump that was kinda tender if I pushed real hard. I called my Mom. She felt it, too. Two days later, so did Dr. Wiley. The look on his face said more than his words, three of which were “biopsy” and “PET scan.”

The next day I went through the Positron Emission Tomography (PET scan) and the biopsy. Later that day we were told first, that the PET scan revealed abnormal findings usually associated with an “atypical” Nora Fibroma, and second, that we would have the full results of the biopsy in a week or so. Ten days later, with Nora still unhappy about the needle jab, we were told that the lump was a potentially early stage of cancer and that the genetic studies showed both the NF1 mutation I’d been born with and yet another, second mutation in the previously normal gene. It was time for surgery.

At surgery, most, but not all, of Nora was removed. No actual cancer was present, but the lump was indeed the “atypical Nora Fibroma.” The doctors, including Dr. Wiley, were pleased. Nora was not. She said that she’d get over the surgery pain, but, more importantly, she had this niggling concern that what was left of her still felt like what woke us up on Good Friday two years ago.

The following six months, Nora never let up and things worsened again and the procedures were repeated. However, this time the PET scan was positive where Nora had spent most of her time and in at least twelve other locations. It was amazing that Nora could joke about it. “Am I still one Nora with thirteen addresses or do I have twelve brothers and sisters?” I am writing this now to emphasize to others like me and Nora that we are still too long in that “wait and see” doctor’s approach. We need to do things sooner – like when Nora and I first noticed the differences. We need to keep that thing that happened in Nora from ever happening to other Noras. We need to prevent that one thing that brought her and me into a terrible new realm. It was like we started out with one thing and then this second thing happened. They shouldn’t have let it happen. For now, Nora and I have decided for us. We’ve had enough, but hopefully our absences will kick-start a more intense focus on the before than on the after – less on “let’s wait and see” and “this is all we’ve got.”

Me and Nora Fibroma


“Vi neste blog quando o senhor fala sobre os cuidados para não proteger demais uma pessoa com Neurofibromatose. Minha filha tem muitas dificuldades e, por isto, fico a me perguntar como é esta superproteção. ” NJS, de local não identificado.

Cara N, obrigado por esta pergunta, que pode nos ajudar a completar as informações dos últimos dias sobre dificuldades de aprendizado na NF1 e o papel dos pais e das escolas. Mais uma vez, esclareço que não sou especialista em desenvolvimento infantil ou pedagogia e gostaria muito que os profissionais destas áreas nos ajudassem com seus comentários e sugestões.

Creio que não há uma resposta única para todas as famílias, porque as dificuldades de aprendizado e os diferentes comportamentos exibidos pelas crianças com NF1 variam tremendamente de uma para outra. Temos desde aquelas que são incapazes de aprender as funções básicas do cotidiano até aquelas que desenvolvem atividades complexas em profissões variadas.

Por exemplo, lembro-me de um querido menino o VR, que se tornou rapaz ao longo dos anos durante os quais ele frequentou a Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses (AMANF). Seu pai costumava dizer, em parte lamentando, em parte aceitando com acolhimento amoroso, que o V não era capaz de atravessar a rua sozinho e comprar uma caixa de fósforo.

Por outro lado, recordo-me de DD, outro colega de atividades na AMANF, diligentemente ativo em sua profissão como administrador dos recursos de saúde de um grande município mineiro, com vida social ampla, namorada firme e boa situação financeira. Não fosse seu desejo não realizado de se tornar advogado, apesar das diversas tentativas, talvez nenhuma dificuldade de aprendizado pudesse ser percebida nele.

Portanto, imaginemos os dois casos na sua infância: é claro que VR precisou de muito mais atenção e cuidados do que DD. Desde evitarmos riscos de acidentes domésticos e provimento de escolas especiais, no caso do VR, até apoio financeiro e psicológico para DD continuar tentando seu ingresso numa faculdade.

No entanto, tanto nos casos de VR e DD assim como nos milhares de outros casos intermediários, creio que os sentimentos de culpa e de pena da pessoa com NF1 podem atrapalhar a relação entre pais e filhos e desencadear a superproteção. Um dos sinais da culpa dos pais pode ser aquele choro escondido ou uma atitude de pena da criança pode se revelar no afastamento da criança do convívio com os outros, com a desculpa de que é para evitar que ela sofra.

A culpa pode se originar em pensamentos íntimos de que alguma coisa fizemos de errado (alimentos, drogas, álcool, cigarro, condutas morais, etc.) para que nossa criança nascesse com NF1, especialmente nos casos de mutação nova na família, apesar da ciência mostrar que nada que possamos ter feito iria alterar a casualidade da mutação.

A culpa também pode vir do arrependimento de ser um pai ou mãe com NF1 e ter passado a mutação adiante para um filho ou filha, apesar da maioria das pessoas desconhecer a possibilidade de transmissão da doença quando se tornam pais. 

Mesmo aqueles pais com NF1, que desconfiam que há uma certa possibilidade de transmitir a NF1 por herança (às vezes por terem também herdado de um de seus pais), geralmente não sabem exatamente como isto acontece.

Finalmente, há o sentimento de culpa por nós pais (ou mães) pelos momentos de raiva e impaciência com nossos filhos doentes, o que nos gera grande remorso e atitudes compensatórias, na tentativa de reparação que, em geral, ultrapassam as necessidades da criança e se tornam superproteção.

O sentimento de pena faz com que nosso julgamento de que a criança com NF1 é e será uma pessoa incapaz de um modo geral e assim passamos a fazer por ela aquilo que ela poderia fazer sozinha: vestir a roupa, dar o alimento na boca, responder as perguntas por ela, justificar suas respostas erradas, antecipar seu possível desejo e por aí em diante.

Acho que já comentei este fato neste blog, mas fiquei muito impressionado quando certo dia no consultório uma mãe tirou um lenço da bolsa e corrigiu o batom de sua filha com NF1 enquanto continuava falando comigo, sem pedir licença à filha para aquele gesto totalmente desnecessário. A mãe tinha 55 anos e a filha 35, e a filha é costureira, alfabetizada, casada e com um filho também com NF1, de quem cuida normalmente.

Para não adiarmos mais a minha conclusão, creio que só há uma pessoa capaz de saber se você está ou não protegendo demais sua filha: ela mesma.

Pergunte a ela. Ela sabe a resposta.


Nos últimos dias, a partir do relato de RK, de Santa Catarina, sobre alguns comportamentos do seu filho, tenho falado sobre o que acredito que deveria ser o papel da educação (oferecida pela família e pela escola): criar oportunidade para o desenvolvimento do potencial de cada pessoa usufruir uma vida feliz.

Comentei que a criatividade é ferramenta fundamental para enfrentarmos as novidades de cada dia, já que nada podemos afirmar com certeza sobre como será o amanhã. Vimos que o desenvolvimento da criatividade da criança necessita de liberdade de escolha, de atenção e presença, de estímulo da curiosidade e da autonomia e de acolhimento afetivo. Mas o mundo em que vivemos permite este ambiente adequado ao desenvolvimento da criatividade?

Mesmo sem a NF1, a maioria das crianças vem sendo condicionada numa vida de restrições progressivas, mesmo aquelas que dispõem de recursos financeiros. Estão progressivamente confinadas em ambientes fechados, limitadas à distração permanente pelos meios eletrônicos e impedidas de explorar o mundo criativamente por causa da estrutura urbana violenta e insegura em que vivemos.

Entre os resultados deste modo de vida inadequado, encontramos o aumento das alterações de comportamento, como os chamados transtornos de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e do preocupante uso de medicamentos psiquiátricos em crianças, como nos mostra o pediatra Daniel Becker (VER AQUI uma de suas excelentes palestras).

Numa cartilha produzida pela Sociedade Mineira de Pediatria (encampada e divulgada também pela Sociedade Brasileira de Pediatria) resumimos as grandes dificuldades que todas as crianças enfrentam para viverem uma vida saudável e sem obesidade (ver a cartilha AQUI ).

Então, se para as crianças sem NF1 já está difícil viver com criatividade, liberdade, atenção, estímulo e acolhimento, podemos imaginar que o problema específico do desenvolvimento neurológico modificado pela NF1 talvez dificulte ainda mais a socialização das crianças acometidas pela doença.

Acreditamos (o Dr. Vincent Riccardi e nós do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais) que a principal alteração comportamental das pessoas com NF1 seja uma redução, em maior ou menor grau, da sua capacidade de perceber indicadores sociais e ambientais. Ou seja, a NF1 provocaria uma dificuldade na percepção global sobre todos os eventos que estão acontecendo ao redor (ver um post anterior em que entrei em detalhes sobre esta questão AQUI ).

Assim, se para uma criança sem NF1 a sociedade urbana e competitiva atual já dificulta a sua socialização, podemos antecipar que o desenvolvimento social da criança com NF1 deverá ser pior. Mesmo que as crianças com NF1 não possuam quaisquer deformidades visíveis, o que poderia segregá-las como “diferentes”, as dificuldades cognitivas que são muito comuns na NF1 por si já atrapalham a integração social das crianças afetadas pela neurofibromatose do tipo 1. Por exemplo, as alterações da voz e da fala, os movimentos corporais mais lentos, a desordem do processamento auditivo, a timidez e o medo aumentam a distância dos colegas de idade, o que acaba por gerar discriminação social, a qual, num círculo vicioso, agrava o isolamento e as dificuldades cognitivas da criança.

Certamente, não é uma tarefa fácil criar novas condições sociais para que as crianças, com ou sem NF1, desenvolvam seu potencial humano de felicidade, vivendo em liberdade, aumentando sua criatividade, sendo devidamente estimuladas e acolhidas pelas famílias, pela escola e pela sociedade. Mudar nossas ideias atuais de educação, significa mudarmos a sociedade que desejamos no futuro.

No entanto, podemos, de imediato, especialmente para as crianças com NF1, recusar a ditadura da competição como método, recusar a divisão das pessoas em “normais” e “doentes”, recusar a medicalização da vida e a distração eletrônica como controle da insatisfação social, recusar o modo fast-food na educação e na alimentação e recusar o ideal de sucesso econômico individual como o único objetivo da vida.

Em seu lugar, podemos tentar promover a cooperação como método, a inclusão das diferenças pessoais como norma, a mudança dos hábitos de vida no lugar dos medicamentos, do fast-food e da educação castradora da criatividade, e transformarmos a felicidade de todos no único objetivo da vida.

Podemos começar hoje, RK, com seu filho com NF1, aceitando seus comportamentos aparentemente diferentes da média como manifestação de desejos legítimos e confiando que ele será capaz de, no seu devido tempo, com sua criatividade, inventar a própria felicidade, aquela que for possível no mundo em que vivemos.

Hoje continuo a conversar sobre algumas ideias de como imagino que podemos conviver com crianças com comportamentos diferentes causados pela NF1. 

Ontem falei sobre a ideia de que a única ferramenta que dispomos para enfrentar o futuro é a criatividade. Isto me parece verdade desde o nível da genética, onde as mutações novas podem ser a solução diante das mudanças do ambiente, até o nível das complexas relações sociais que nós, seres humanos desenvolvemos, onde comportamentos diferentes podem ser a saída para dificuldades nos relacionamentos. Isto me parece verdade para crianças com e sem NF1.

Para mim, o desenvolvimento da criatividade depende de quatro condições importantes: primeiro, liberdade para ousar, para experimentar, para errar, para fazer diferente, para não fazer agora e fazer quando quiser, para fazer e desmanchar, para fazer pela metade e parar, para fazer e esconder, para fazer copiando, para fazer inventando.

Liberdade, enfim, para a criança fazer o que deseja dentro dos limites de sua segurança física, limites, os quais, aliás, ela descobre muito rapidamente se for permitido a ela descobri-los aos poucos.

Segundo, precisamos prestar atenção ao que a criança está fazendo, mesmo que não estejamos participando diretamente. Quando a criança nos chama para brincar, ela não espera que sejamos a parte ativa e racional na brincadeira, mas que sigamos a sua trilha da imaginação, por mais absurda que possa parecer para o olhar adulto. Muitas vezes a criança quer apenas que estejamos ali, ao seu lado, olhando para ela enquanto ela brinca (e não vale checar o celular, porque ela percebe que você não está mais COM ela). 


Terceiro, podemos estimular a criatividade se permitirmos que nossa própria curiosidade brote durante a brincadeira e, embalados na fantasia inicial da criança, deixarmos a nossa própria imaginação sugerir novas alternativas na brincadeira, sem medo de parecermos tolos e infantis. O que a criança deseja é exatamente que sejamos infantis como ela, especialmente porque para ela não existe diferença entre brincar e viver.

Minha neta Rosa, de 3 anos, gosta de brincar que eu sou o marido e ela é a marida. Por que eu deveria corrigi-la com as palavras esposa ou mulher, se ela não percebe ainda a diferença? Não começaria nesta minha “lição” uma reafirmação das diferenças (especialmente de direitos) entre homens e mulheres, que ela, certamente, já está descobrindo cotidianamente que, infelizmente, existem? Se deixarmos que ela, pela sua própria maneira (perguntando), vá compreendendo, na medida de sua capacidade, a existência do machismo dominante, quem sabe suas conclusões futuras venham a trazer uma maneira nova de enfrentarmos a desigualdade social entre homens e mulheres?

O acolhimento, acredito, é aceitar a criança como ela é, sem julgamentos morais ou éticos, sem lições de moral, como se da nossa palavra dependesse o caráter futuro daquela pessoa. A complexidade da personalidade de uma pessoa depende de fatores muito complexos, que vão desde as características genéticas, à situação familiar, aos exemplos da comunidade, às oportunidades sociais e econômicas e a todo um espírito de época, numa mistura orgânica para a qual não existe receita pronta.

Ignorando esta complexidade, nossa tendência é corrigir moralmente a fantasia da criança, sem tentar entender os significados das palavras para ela. Uma vez, a Ana, minha filha mais velha, na época com 3 anos, perguntou-me sobre um bichinho caído no chão. Respondi que era um besourinho morto. Thalma, sua mãe que estava por perto, querendo evitar o assunto “morte”, disse: Não, filhinha, ele está dormindo! Ana olhou para mim e indagou: Ele está dormindo? Constrangido, concordei sem convicção. Ana completou: Então, vamos matar ele?

O que sabemos nós sobre o significado para uma criança de 3 anos de “estar morto”? Qual seria o tamanho daquele besourinho em sua mente? Qual a diferença entre morrer e dormir? Qual é o sentimento desencadeado pelo poder de matar um pequeno animal terrivelmente ameaçador? Por que podemos matar o mosquito ou a galinha para comer e o besourinho, não?

Então, liberdade, atenção, estímulo e acolhimento são para mim os fundamentos da criatividade, a ferramenta essencial para uma pessoa conseguir a carteira de habilitação para o futuro.

E como fica a criatividade nas crianças com NF1? Como devemos nos comportar quando uma criança se apega a determinados comportamentos que fogem ao padrão geral considerado “normal”? Amanhã volto a falar sobre como imagino que podemos tentar ver o mundo com os olhos das crianças.

A propósito, hoje usei para ilustrar este post um desenho que meu neto de 3 anos, o Antônio, me deu de presente. Você viu os olhos brilhantes do peixe? E as escamas verdes com as nadadeiras fazendo Tziiiz? E o rabo cinza se mexendo? E a água azul da praia de Recife?

Pois ele viu.