Continuando minha resposta para a PNP, de Botelhos, MG, apresento a seguir as condutas para cada tipo de neurofibroma, as quais vou traduzir do inglês para o português e adaptar parte de um artigo que nós publicamos em 2015 (clique aqui para ver o artigo completo) e que trata desta questão de forma bastante objetiva.
A primeira conduta para todos os neurofibromas é a sua avaliação médica anual, especialmente para os neurofibromas subcutâneos maiores, os espinhais e os plexiformes.
Os neurofibromas cutâneos e subcutâneos, que geralmente surgem justamente no final da infância e começo da adolescência, podem afetar a aparência e a autoestima das pessoas, além de algumas vezes prejudicar suas atividades da vida diária, dependendo do seu número, tamanho e localização.
A cirurgia com o uso de bisturi (corte ao redor do tumor e depois a sutura) é o tratamento recomendado para eles, podendo ser retirados um ou mais de cada vez, sob efeito da anestesia local.
A margem de segurança nos cutâneos (ver figura) pode ser mínima porque estes neurofibromas são sempre benignos, reduzindo assim o tamanho da cicatriz. Considerando que a possibilidade de transformação maligna nos subcutâneos é pequena mas existe, especialmente naqueles de maior tamanho, a margem de segurança pode ser um pouco maior para garantir que seja retirado todo o neurofibroma.
As técnicas mais superficiais (laser e “shaving”) correm o risco de remover apenas a parte externa do neurofibroma cutâneo e ele continuar a crescer no mesmo lugar. É preciso lembrar que, por coincidência, outro neurofibroma que ainda não era visível no momento da cirurgia pode vir a crescer no futuro nas bordas da cicatriz, dando a impressão de que aquele primeiro não fora retirado de forma correta.
Os neurofibromas espinhais podem se desenvolver em qualquer um dos níveis da coluna vertebral e seu crescimento pode eventualmente causar compressão de nervos e da medula, resultando em problemas neurológicos (perda de sensibilidade, redução da força, dor, formigamentos, etc.). Como os espinhais apresentam risco de transformação maligna, quando se tornam sintomáticos precisam de tratamento cirúrgico, quando possível.
Os neurofibromas plexiformes podem crescer junto com a pessoa sem causar grandes problemas, mas podem também causar compressões de nervos ou de outros órgãos, com repercussões sobre a saúde. Além disso, podem causar deformidades corporais, especialmente quando localizados na face, que geram enorme sofrimento físico, psicológico e social para a pessoa com NF1 e sua família.
Como eles apresentam o risco de transformação maligna (entre 10 e até 50%, segundo alguns pesquisadores), eles devem ser retirados sempre que possível, especialmente quando se tornam sintomáticos (dor ou perda da função) e mudam de aspecto (crescendo rapidamente e ficando com a consistência mais dura). Diante de qualquer suspeita neste sentido, o tumor deve ser imediatamente investigado com estudos de imagem (ressonância magnética e tomografia computadorizada com emissão de pósitrons) e de laboratório (biópsias, marcadores tumorais) disponíveis.
No entanto, infelizmente não se consegue a retirada completa de todo o neurofibroma plexiforme, restando uma pequena parte que, no futuro, pode voltar a crescer. Por isso, algumas vezes são necessárias novas cirurgias sobre o mesmo tumor.
É preciso lembrar que os plexiformes são tumores com muitas artérias e veias, o que pode causar sangramento importante durante a cirurgia, o que pode se tornar um risco maior especialmente quando realizadas na face, cabeça e pescoço.
Outro aspecto especial, as cicatrizes resultantes da retirada dos plexiformes geralmente são muito visíveis. Aliás, na NF1 encontramos geralmente um tipo de cicatrização especial: as cicatrizes não se transformam numa linha fina e mais clara com o tempo e nunca observei um caso de queloide (aquelas cicatrizes mais grossas e duras) em pessoas com NF1.
Amanhã falarei do que devemos fazer se ocorrer a transformação maligna do neurofibroma plexiforme.


Onde posso tirar os nódulos de neurofibromatose com laser? É com anestesia geral? Obrigada. PNP, de Botelhos, MG.




Cara P, obrigado por trazer estas questões. De fato, muitas pessoas perguntam qual é a melhor maneira de retirarem os seus neurofibromas, os quais são encontrados em maior ou menor quantidade em 99% das pessoas com neurofibromatose do tipo 1.
Para responder sua pergunta, precisamos lembrar que os neurofibromas são tumores benignos e que podem ser de quatro tipos: cutâneos, subcutâneos, espinhais e plexiformes.
Os cutâneos são os neurofibromas que surgem da pele para fora (ver o número 1 na figura) e formam tumores arredondados, geralmente pequenos, macios, lisos, indolores e com a coloração mais rosada do que a pele ao redor.
Os subcutâneos são aqueles que aparecem debaixo da pele, formando ondulações macias e geralmente indolores, de tamanho variável, sem alteração da coloração da pele ao redor (ver número 1 na figura). 
Outros aparecem como depressões ou falhas na consistência da pele (ver tipo 2), como se faltasse um pouco de tecido no subcutâneo. 
Outros ainda aparecem como nódulos firmes, de forma oval, de tamanho variável e alguns podem ser dolorosos espontaneamente ou ao toque (ver tipo 3 na figura).
Os espinhais são os neurofibromas que surgem nas raízes nervosas próximas à coluna vertebral e geralmente são descobertos nos exames de imagem, como ressonâncias ou tomografias. Geralmente são em número e tamanho variáveis, podendo ou não comprimir as estruturas vizinhas (ver na figura) e causar ou não sintomas (dor, alteração da sensibilidade e da função nervosa).
Os neurofibromas plexiformessão aqueles que se desenvolvem envolvendo a pele e as estruturas corporais debaixo da pele onde eles se localizam (ver na figura). Geralmente a pele sobre os plexiformes se apresenta com coloração mais escura, de consistência um pouco mais firme ou com pelos mais abundantes e mais grossos. Em geral, os plexiformes são macios e indolores, ou a palpação causa apenas uma sensação de desconforto. São em número e tamanhos variados e quando os palpamos tempos a sensação de que formam novelos de barbante emaranhados sob a pele.

Os plexiformes (e talvez os espinhais) são congênitos, ou seja, estão presentes ao nascimento e podem se tornar malignos (10 a 20%) ao longo da vida, especialmente os grandes e profundos. 

O número de neurofibromas plexiformes de uma pessoa está definido ao nascer, ou seja, não surgem novos ao longo da vida, apenas aqueles existentes ao nascimento é que crescerão ou não a partir daí.

Os cutâneos e os subcutâneos surgem geralmente a partir da puberdade. O crescimento de todos os neurofibromas é imprevisível ao longo da vida. Cada um deles necessita de condutas diferentes, sobre as quais falarei amanhã.
A dúvida de hoje é sobre o uso de anticoncepcional. Estava lendo um pouco sobre o assunto e observei que talvez tenha alguma relação com um maior o crescimento e desenvolvimento dos neurofibromas. No momento nunca fiz e nem faço uso de anticoncepcional, por medo desta possibilidade, porém no momento estava pensando em usar! Gostaria de saber o que o senhor me aconselharia a fazer este uso? B, da Bahia.

Cara B, obrigado pela sua pergunta, que deve interessar a muitas pessoas com neurofibromatoses. Infelizmente, vou responder hoje apenas sobre NF1 e não sobre NF2 nem schwannomatose, porque ainda não disponho de informações científicas sobre anticoncepcionais hormonais nestas duas últimas doenças.

Durante algum tempo suspeitou-se que os hormônios usados como anticoncepcionais orais pudessem aumentar o número e o tamanho dos neurofibromas. Esta suspeita parecia lógica porque sabemos que durante a puberdade (e depois durante e a gravidez e menopausa nas mulheres) os neurofibromas aparecem e crescem.

Assim, parecia que era um efeito ligado aos hormônios, especialmente os sexuais (estrógeno, progesterona, testosterona), mas temos que lembrar que outros hormônios também estão ativos naquelas fases da vida (hormônio do crescimento, hormônios hipofisários).

Um grupo de pesquisadores brasileiros, liderados pela grande pesquisadora Dra. Karin Soares Gonçalves Cunha, que trabalha na Universidade Federal Fluminense, tem estudado bastante as relações entre os neurofibromas e determinados hormônios. Em seu excelente livro “Advances in neurofibromatosis research”, escrito em parceria com o pioneiro das neurofibromatoses no Brasil, o Dr. Mauro Geller, e publicado nos Estados Unidos em 2012, a Dra. Karin descreve diversos estudos realizados com algumas células retiradas de neurofibromas e cultivadas em laboratório.

Os estudos em células de laboratório mostraram que os neurofibromas parecem responder a diversos hormônios (por exemplo, estrógeno, progesterona e hormônio do crescimento), mas a Dra. Karin diz que há um número muito limitado de estudos em seres humanos para que possamos tirar uma conclusão segura sobre os efeitos dos anticoncepcionais orais no crescimento dos neurofibromas.
Talvez o principal estudo realizado até agora, envolvendo mulheres com NF1 em uso de hormônios, seja aquele publicado pelo grupo do Dr. Victor-Felix Mautner, da Alemanha (clique aqui para ver o artigo completo). Analisando questionários aplicados a 59 mulheres que estavam usando anticoncepcionais hormonais, os autores concluíram que não houve correlação entre o crescimento dos neurofibromas e o uso dos hormônios.

Segundo a Dra. Karin, a baixa dosagem dos hormônios nas pílulas poderia explicar a ausência de efeito sobre os neurofibromas, porque entre todas as voluntárias do estudo do Mautner duas delas que usavam grandes doses de progesterona (a chamada pílula do dia seguinte) relataram aumento dos neurofibromas.

No entanto, como os próprios cientistas comentaram, o questionário usado naquela pesquisa avaliou a percepção subjetiva das mulheres com NF1 e eles não realizaram uma medida objetiva do tamanho dos neurofibromas antes e depois do uso dos anticoncepcionais. Aliás, já comentei aqui que esta medida objetiva do crescimento dos tumores nas neurofibromatoses é um grande desafio para os pesquisadores de todo o mundo, porque eles crescem de forma imprevisível.

Portanto, a principal informação de que dispomos no momento é um artigo científico publicado em 2005, realizado com apenas 59 mulheres e que não mostrou relação entre uso de pílulas anticoncepcionais e crescimento dos neurofibromas. Assim, parece-me que precisamos de mais informações científicas, em novos estudos com um maior número de mulheres com NF1, para termos mais segurança para dizer que não há realmente nenhum efeito das pílulas anticoncepcionais sobre o crescimento dos neurofibromas.

Enquanto isso, temos seguido a conduta do grupo da Dra. Rosalie Ferner, de Manchester, na Inglaterra, talvez a equipe com maior experiência em condutas em saúde pública relacionadas com as neurofibromatoses. Eles dizem que não há relação entre anticoncepcionais hormonais e crescimento de neurofibromas, mas, se a pessoa com NF1 estiver preocupada com esta possibilidade, ela deve procurar outros métodos alternativos.

Considerando que a camisinha (masculina e feminina) é um método anticoncepcional que traz a vantagem da prevenção de doenças sexualmente transmitidas, ela pode ser mais útil e segura em determinadas situações de vida (parceiros instáveis, por exemplo) para quem tem NF1.


Quais são os aspectos que devem ser observados no atendimento psicoterápico ou psicanalítico a pacientes e familiares com NF (pensando aqui na relação familiar, na superproteção ou no diagnóstico de dificuldades de aprendizagem, por exemplo)? AB, de Belo Horizonte, MG.
Cara A, obrigado por tocar neste assunto, o qual frequentemente vem à tona nos meus contatos com as pessoas com NF1 e seus familiares.
Primeiramente, preciso lembrar que não tenho conhecimentos técnicos de psicologia e nem de psicanálise, das quais fui apenas beneficiário ao me submeter à psicanálise para enfrentar minha ansiedade e angústia existencial durante alguns anos.
Por outro lado, tenho acompanhado os trabalhos cuidadosos das psicólogas Ingrid Faria Gianordoli-Nascimento, Alessandra Cerello, Danielle de Souza Costa e Aline Hellen Moreira, assim como dos (das) estudantes de psicologia que participaram de projetos de atendimento a pessoas com NF1 no nosso Centro de Referência.
Além disso, como pai da Maria Helena, tenho vivido a experiência familiar de mais de 35 anos envolvido nas dimensões psicológicas da minha família com a NF1.
Assim, é dentro destas condições pessoais que tentarei responder à sua pergunta sobre tratamento psicológico e psicanalítico para pessoas com NF1.
Começo comentando o desenho acima, que me foi enviado como ilustração de um bilhete carinhoso escrito nesta semana por duas irmãs gêmeas univitelinas com NF1, as quais eu acompanho clinicamente há vários anos no Centro de Referência. Sabendo que elas estão com cerca de 18 anos, o desenho parece revelar um olhar bem mais jovem sobre o mundo, uma simplificação que precede a adolescência, numa distribuição esquemática e sem conflitos da ordem das coisas, o que traduz bem o estado de humor que percebo nas duas irmãs.
Tenho a impressão de que esta maneira de ver o mundo é comum entre muitas pessoas com NF1, antes ou mesmo depois da adolescência, associada ao menor desenvolvimento da expressão verbal, à timidez, ao retraimento e algumas vezes aos problemas de comportamento que já comentamos aqui.
Também percebo nas pessoas com NF1 mais sentimento de insegurança e medo do ambiente, do outro, da vida e do futuro, do que ansiedade ou angústia. Encontro nelas mais os conflitos com seus familiares geralmente decorrentes de incompreensão e impaciência, levando à irritação e raiva, do que sentimentos complexos envolvendo sexualidade, relações amorosas, solidão ou culpa.
Considero que há dificuldade de expressão verbal nas pessoas com NF1, a qual parece-me decorrente da imaturidade do sistema nervoso central, que leva à desordem do processamento auditivo, por exemplo, que praticamente todas elas apresentam (ver neste blog sobre isto).
Estas limitações da articulação da fala, da palavra e da linguagem nas pessoas com NF1 podem trazer dificuldades para as abordagens por meio da psicoterapia e da psicanálise, as quais requerem muito o uso da palavra, se não estou enganado.
Por outro lado, creio que nós, os pais das pessoas com NF1, precisamos muito mais de apoio e suporte psicoterápico do que nossos filhos e filhas, para lidarmos com os sentimentos frequentemente ocultos de raiva e decepção diante da doença, os quais podem corroer nosso amor pela culpa e aflorar na forma de superproteção.
Precisamos de ajuda para amadurecermos juntos com nossas crianças, transformando nossas angústias improdutivas em responsabilidade construtiva para com nossos filhos e filhas com NF1.

Bom final de semana.
Meu filho de 9 anos tem grande dificuldade de aprendizado e um geneticista suspeitou de NF1 ou Síndrome de Noonan? O que é isto? MRS, de Governador Valadares, MG.







Caro M, sua pergunta é importante porque cerca de 10 a 13% das pessoas com NF1 apresentam características parecidas com a chamada Síndrome de Noonan, outra doença genética que é tão comum quanto a NF1, mas resultante de defeitos genéticos complexos, algumas vezes localizados no cromossomo 12, mas envolvendo outros genes (ver aqui artigo técnico sobre os genes).

As principais características em comum entre as duas doenças são manchas café com leite, baixa estatura, baixo tônus muscular, dificuldades de aprendizado e alterações (deformidades) ósseas no tórax (geralmente um afundamento da parte central, chamado de pectus excavatum) e estenose da válvula pulmonar no coração.
Especialmente os casos mais graves da NF1, chamados de deleção e já apresentados neste blog, podem apresentar alterações faciais que lembram a Síndrome de Noonan.
E quais são estas alterações faciais da Síndrome de Noonan?
Na Noonan, os olhos são bem separados entre si (chamamos de hipertelorismo) e as pálpebras ficam um pouco caídas (chamamos de ptose palpebral). Além disso, as orelhas são um pouco mais baixas dos que nas pessoas sem a doença e também um pouco rodadas para trás. O pescoço também é um pouco mais alargado do que nas demais pessoas (ver figura).
Nas crianças com Noonan, os problemas cardíacos congênitos são mais comuns: 20 a 50% apresentam um estreitamento da artéria pulmonar (chamado de “estenose pulmonar congênita”) ou 20 a 30% apresentam alteração na formação dos tecidos do coração, que ficam maiores do que deveriam, chamada cardiomiopatia hipertrófica.
Finalmente, nos meninos com Noonan, os testículos podem estar escondidos (chamamos de criptorquidia).
No entanto, na Noonan não aparecem neurofibromas (cutâneos nem plexiformes), nem Nódulos de Lisch, nem glioma óptico e nem as displasias ósseas típicas (da tíbia e/ou da asa menor do esfenoide).
Para mais informações técnicas, ver o artigo da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatoses (ver aqui o artigo técnico sobre o diagnóstico diferencial com NF1).
Como posso saber mais sobre a NF2, já que seus posts só falam sobre NF1. Tenho muitas dúvidas sobre o futuro. AH de Canoas, RGS.





Cara AH, de fato você tem razão em perceber que a maioria das respostas do meu blog são sobre NF1, porque a NF1 é 8 vezes mais comum que a NF2, o que faz com que, naturalmente, tenhamos mais perguntas sobre NF1.

Sabendo que a prevalência de NF2 na população é de 1 pessoa com NF2 para cada 25 mil pessoas sem a doença, deveríamos ter no nosso Centro de Referência entre as cerca de 800 famílias atendidas pelo menos 100 pessoas com NF2. No entanto, temos apenas 16, ou seja, somos menos procurados pelas pessoas com NF2 ou menos indicados pelos colegas médicos.

Tenho a impressão de que isto acontece porque a maioria dos diagnósticos iniciais da NF2 são feitos diretamente por neurologistas (ou otorrinolaringologistas que encaminham as pessoas aos neurocirurgiões), os quais costumam adotar condutas mais cirúrgicas do que clínicas, o que torna o acompanhamento da NF2 mais restrito aos neurologistas.

No entanto, lamentamos que isto esteja acontecendo, porque que a complexidade da evolução da NF2 precisa muito mais de acompanhamento clínico do que cirúrgico (clique aqui para ver guia de manejo clínico de 2015 publicado na revista Arquivos de Neuropsiquiatria).

Você tem razão também em ficar apreensiva quanto ao futuro, porque embora a NF2 geralmente seja de lenta evolução, esta evolução é imprevisível. Por exemplo, o tempo para um tumor (um schwannoma vestibular, por exemplo) dobrar de tamanho tem sido calculado entre 0,3 e 70 anos, segundo o excelente livro editado pelos médicos Mauro Geller e Aguinaldo Bonalumi Filho, “Neurofibromatose – Clínica, genética e terapêutica” publicado pela Guanabara Koogan no Rio de Janeiro, em 2004.

No entanto, apesar da imprevisibilidade e da ausência de cura definitiva para a NF2, há tratamentos e condutas que podem melhorar qualidade de vida. A expectativa de vida das pessoas com NF2 foi calculada em cerca de 62 anos, mas esta idade foi calculada há mais de uma década com dados antigos e os recursos terapêuticos atuais devem ter melhorado esta expectativa.
Assim, tentarei apresentar abaixo algumas orientações básicas para alguém com o diagnóstico de NF2.
É importante ser avaliado regularmente por médicos (as) com experiência em NF2, porque eles sabem que na NF2 não se deve retirar um tumor apenas porque ele está lá, mas quando existem determinadas razões clínicas para isto (ver guia de condutas da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatoses aqui).

É essencial saber se outras pessoas na família também têm NF2. Identificar quem é portador na família pode ser uma tarefa difícil porque algumas pessoas têm sentimentos de raiva ou vergonha por terem uma desordem genética e outras podem ter sinais pouco evidentes da doença.
Apesar desta dificuldade familiar, existem boas razões para saber se alguém mais na família tem NF2, porque todos podem usar estas informações para fazer um planejamento da saúde familiar.
A aceitação de que alguém na família tem NF2 pode levar algum tempo e é importante entender isto. Muitas outras famílias passam por problemas similares e assim os grupos de apoio podem ser uma boa fonte de ajuda. Já existem grupos de suporte em alguns estados brasileiros, como a AMANF em Minas Gerais. Eles são formados por pais ou portadores com o objetivo de oferecer apoio, conselhos e informações para enfrentar as neurofibromatoses.
No entanto, nestas associações de apoio, percebemos que as pessoas com NF1 e NF2 possuem problemas muito diferentes e por isso tenho sugerido que as reuniões sejam separadas para que as demandas de cada grupo sejam melhor discutidas.
As pessoas com NF2 precisam de exames médicos regulares para verificar o estado geral de saúde e acompanhar o crescimento dos tumores, a audição, o equilíbrio e avaliar se surgiram novos problemas. Quaisquer mudanças devem ser notificadas imediatamente ao médico, mesmo antes do prazo para o retorno anual.
Exames de ressonância magnética do cérebro devem ser pedidos por médicos experientes com a NF2 e podem ser necessários no acompanhamento.
A NF2 pode afetar sua audição nos dois lados, por isso você deve estar aberto para todos os meios de comunicação. A leitura dos lábios é uma alternativa interessante para as pessoas com NF2. A linguagem de sinais também abre muitas oportunidades para os deficientes auditivos. Estas condutas são mais úteis quando toda a família aprende os sinais.
As pessoas com NF2 podem precisar de cirurgias complicadas em mais de uma ocasião. Pelo fato de algumas cirurgias poderem levar a deficiências permanentes, como perda de audição, a programação de cirurgias deve ser considerada cuidadosamente. As cirurgias devem ser realizadas por profissionais com experiência em NF2, pois podem levar a complicações.
Em alguns casos, a cirurgia deve ser adiada, pois alguns tumores podem mostrar um crescimento muito pequeno através dos anos e podem ser observados cuidadosamente.
Terapeutas treinados, fonoaudiólogos e oftalmologistas são essenciais no processo de acompanhamento e reabilitação.

Finalmente, é preciso evitar qualquer tratamento não reconhecido pela medicina científica. 
Minha filha K. hoje com 5 anos está com suspeita de ter a NF, pelo que ando me informando seria a tipo1. Por enquanto, tem manchas pelo corpo todo e algumas são grandes, tem falta de Vitamina D, está no mínimo do peso e do comprimento é uma criança totalmente saudável, esperta, hiperativa. Mas tenho medo do futuro pois as informações que temos são muito assustadoras. Gostaria de saber se ela pode acontecer de ter somente essas manchinhas e ser magra e baixinha sem ter aqueles outros sintomas da doença? E teria alguma coisa que ela possa tomar para crescer e engordar? JR de Santa Catarina.

Cara JR, você tocou em diversos assuntos que preocupam muitas famílias: o futuro das crianças e seu desenvolvimento corporal.

Comentei recentemente que uma das maneiras de enfrentarmos nossas angústias sobre o futuro das nossas crianças é procurar viver o presente da melhor forma possível, buscando a felicidade delas hoje, de forma a tornar o amanhã melhor ainda.

Quanto ao desenvolvimento corporal, de fato, as crianças com NF1 geralmente apresentam baixa estatura e baixo peso, o que comentei neste blog recentemente ao falarmos sobre o uso de hormônio do crescimento (clique aqui).

Lembro então que, por enquanto, não há nenhum medicamento ou dieta conhecida e comprovados cientificamente que possam modificar estas características das crianças com NF1, seja seu peso, sua estatura e a chance de desenvolverem os neurofibromas cutâneos (85%) a partir da adolescência.

Também já temos conversado aqui sobre as dificuldades motoras, que são fundamentais para a as habilidades esportivas, atrapalham a socialização das crianças das crianças com NF1, pois geralmente elas têm baixo desempenho nos jogos, nos esportes e nas brincadeiras que dependam da força muscular, agilidade e rapidez de movimentos.

Por causa disso, os (as) colegas preferem outras crianças mais ágeis e habilidosas para brincar, gerando discriminação e isolamento. Principalmente nos esportes, que são praticados para se estimular o espírito da competição, onde ganhar, infelizmente, se torna mais importante do que brincar. Tristemente constatamos que aqueles que são menos habilidosos costumam ficar de fora.

Tomando estas duas questões em conjunto, a pergunta que fazemos é: então insistir com as crianças com NF1 na prática de esportes poderia ser útil para o seu desenvolvimento corporal e social?
Por enquanto, sabemos que a força muscular e a capacidade aeróbica das pessoas com NF1 está diminuída (clique aqui), o que, provavelmente reduz, em termos gerais, sua chance de serem bons atletas. 

No entanto, ainda são poucos os estudos envolvendo treinamentos físicos especiais para pessoas com NF1 (ver o projeto de pós-doutorado da Dra. Juliana F de Souza neste blog clicando aqui) e no futuro saberemos se elas aumentam sua capacidade física de forma semelhante às demais crianças.

Por enquanto, minha sugestão é que devemos descobrir as atividades físicas que dão prazer às crianças com NF1 e que permitam a elas brincarem com crianças mais novas do que elas mesmas, porque as mais novas não percebem os atrasos cognitivos e motores das crianças com NF1.

Mais do que competir, ganhar ou ficar com o corpo forte, o mais importante é ser feliz no encontro com outras crianças, criando laços sociais e amorosos.

PS:  você mencionou que sua filha tem baixa de vitamina D. Então, recomendo para ela uma dieta adequada, atividades físicas realizadas no sol e/ou banhos de sol diariamente (clique aqui) e se ainda assim as novas dosagens de Vitamina D no plasma continuarem baixas, consulte o pediatra sobre a necessidade de suplementação de Vitamina D (clique aqui).
Na última reunião da Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses (AMANF) um casal trouxe a questão se a fé religiosa poderia afetar o desenvolvimento da doença.



Sabemos que boa parte da população brasileira tem algum tipo de fé religiosa e a maioria é formada por cristãos (católicos, protestantes, evangélicos e espíritas), portanto, esta é uma pergunta importante e deve ser considerada. No entanto, é interessante notar que em mais de uma década de participação nestas reuniões mensais da AMANF é a primeira vez que me recordo deste tema ter sido colocado em discussão.
A possibilidade de a fé religiosa afetar a nossa saúde tem sido defendida por pessoas que acreditam que existe algo além da vida material. Por causa disso, alguns cientistas já tentaram estudar de forma objetiva se a fé, orações e procedimentos rituais religiosos poderiam mudar o curso das doenças. Os estudos científicos que pude ler até hoje não conseguiram demonstrar qualquer efeito físico (benéfico ou maléfico) sobre doenças objetivamente diagnosticadas como cânceres, por exemplo.
Por outro lado, não conheço qualquer estudo científico sobre os benefícios ou prejuízos da religiosidade de uma pessoa sobre a evolução natural da sua neurofibromatose, portanto, não posso responder com segurança sobre essa questão que nos interessa mais de perto.
Considerando as doenças em geral, sabe-se que ser diagnosticado com uma doença que ameaça a vida (como um câncer) causa grande estresse emocional e diminui a qualidade de vida. Há evidências de que o estresse excessivo leva a resultados piores no tratamento, por isso, reduzir o estresse mental é um dos objetivos dos tratamentos psicológicos e psiquiátricos. Algumas técnicas alternativas (yoga, meditação, etc.) também podem ser utilizadas. No entanto, uma revisão recente destas práticas alternativas para reduzir o estresse mental não incluiu as atividades religiosas entre elas (ver aqui artigo completo).

Por outro lado, considerando os problemas de comportamento (na NF1, especialmente), podemos indagar se a religiosidade teria algum papel nas doenças mentais. Outra revisão recente publicada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ver aqui o artigo completo) examinou os resultados de mais de 3 mil artigos científicos sobre as relações entre religiosidade e saúde mental. Os autores afirmam que há uma relação complexa entre religiosidade e saúde mental e que não podemos concluir de forma simplificada se a fé é “boa” ou “má”. Eles dizem que uma parte dos pacientes se beneficia enquanto outra parte piora em função sua religiosidade. Ou seja, a preocupações religiosas e espirituais podem tanto fazer parte do tratamento quanto do problema. Eles concluem que são necessários mais estudos científicos para se ter uma visão segura do assunto.
Em nosso Centro de Referência, parece-me que a maioria das pessoas com fé religiosa aceita como “vontade de Deus” o fato de possuírem uma das formas de neurofibromatose. Mesmo que não compreendam e/ou não questionem o motivo divino para terem “recebido” a doença, reagem positivamente na busca de melhor qualidade de vida, seguem os tratamentos necessários e não se culpam demasiadamente.
Outras pessoas com algum tipo de religiosidade percebem a doença como um castigo divino, perguntam-se o que fizeram de errado e acreditam que somente as orações e a fé poderão “resolver” o problema “quando Deus quiser”. Já ouvi, inclusive, a justificativa de que a neurofibromatose seria o resultado de erros em vidas passadas e a reencarnação com aquela doença seria uma forma de expiação do pecado original cometido.
Infelizmente, estas crenças fatalistas, deixando tudo “nas mãos de deus”, têm sido responsáveis por algumas famílias descuidarem do acompanhamento clínico de doença, às vezes perdendo-se o momento certo para fazer intervenções que poderiam modificar a qualidade ou mesmo salvar a vida da pessoa com neurofibromatose.
Como sou ateu, acredito na vida como uma grande maravilha da natureza, onde surgimos como seres humanos que precisam viver em sociedades, para os quais a solidariedade e o respeito ao próximo são fundamentais. Eu acredito que existe vida antes da mortee por isso deve ser vivida hoje, aproveitada para construir um amanhã melhor e respeitada sempre.
Penso, portanto, que os direitos de todos que devem ser garantidos, inclusive o direito de acreditar ou não em religião. Minha função no Centro de Referência e neste blog é apenas a de aconselhar e oferecer informações sobre as neurofibromatoses, e por isso respeito as escolhas de cada pessoa sobre o que deseja fazer com sua própria vida.
No entanto, especialmente quando se trata de crianças, as quais ainda não alcançaram a maturidade para escolher se querem ou não acreditar numa determinada religião, tenho a esperança de que a fé dos seus pais ajude a medicina a cuidar delas e não seja um obstáculo para sua felicidade.

Ainda sobre a felicidade de nossas crianças com NF1, lembrei-me de uma família que atendi no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses: a menina de 11 anos (a única com NF1), que vou chamar de Mariana, a mãe (profissional da saúde) e a avó (profissional da educação aposentada).
Notei que todas as perguntas que eu fazia à Mariana, ela olhava para a mãe e para a avó antes de responder. Este é um comportamento bastante comum entre as crianças com NF1 que tenho encontrado, revelando uma certa dependência psicológica para com os pais, ou seja, uma dificuldade em saber o que elas próprias desejam.
Também já observei que os pais (principalmente as mães) se apressam em retirar a roupa das crianças, mesmo daquelas que já podem fazer isto sozinhas, quando peço a elas para ficarem de cueca ou de calcinha para que eu possa pesá-las, ver sua estatura e fazer o exame físico. Geralmente, preciso explicar aos pais que a habilidade em retirar as roupas já faz parte do meu exame neurológico, e por isso preciso ver como a criança se organiza com as próprias roupas. Este comportamento também sinaliza uma certa superproteção comum entre os pais de crianças com NF1.
Outro indicativo da superproteção dos pais se revela nas constantes correções de postura (senta direito, fica bonitinha), de proibições (não mexe no carimbo do doutor, tira a mão daí, fica sentado, etc.), mesmo depois que eu digo que pode mexer, que pode subir na balança, que pode abrir a torneira da pia e brincar com a água. Outro dia, durante a consulta, uma mãe de cerca pouco mais de 60 anos corrigiu com a ponta dos dedos o batom de sua filha de (com NF1) sem pedir permissão à ela, como se a filha fosse ainda uma menina, apesar dela ser uma profissional de 40 anos bem sucedida.
Quando Mariana demorava um pouquinho para responder, a mãe ou a avó respondiam em seu lugar, usando a terceira pessoa: ela gosta disso, ela faz aquilo, ela sente aquilo outro. Diante desta interferência da família, Mariana dizia: – Não! Não é isso! E ficava com os olhos marejados de lágrimas. Praticamente em tudo elas pareciam discordar, inclusive sobre os próprios sentimentos da Mariana. Por exemplo, quando a mãe disse: – Ela morre de medo disso. Mariana retrucou: – Não, não tenho medo!
Ao longo da entrevista e do exame, fui notando que a Mariana se debruçava cada vez mais sobre a mesa em minha direção, se aproximando de mim e olhando-me nos olhos mais diretamente, apesar das primeiras interferências de sua mãe e sua avó para tentarem “corrigir sua postura”.
Num dado momento, comentei diretamente com a Mariana: parece que você não concorda em nada com sua mãe e sua avó. Ela, mais uma vez com os olhos marejados, disse: Elas exigem muito de mim!
Tenho a impressão de que esta é uma resposta chave para a questão da felicidade das crianças com NF1.
Se para as pessoas que não possuem NF1, a sociedade que criamos ao longo de séculos (capitalista, competitiva, elitista e desumana) já gera muita infelicidade e sofrimento, podemos imaginar o que deve ser  uma pessoa com NF1 viver nesta mesma sociedade, pois quem tem NF1 precisa de um pouco mais de tempo para aprender e realizar suas tarefas.
Lembro-me de minha esposa Thalma, andando com nossas duas filhas a caminho da escola. Ana, – a mais velha, ágil, esperta, correndo na frente, e a segunda, – Maria Helena, com NF1, mais lenta e distraída. Thalma dizia: – Espera, Ana… Vamos, Maria Helena!
E por que exigimos tanto de nossas crianças?
Porque preocupamo-nos com seu futuro, esperamos que sejam capazes de trabalhar, de serem independentes como adultos.
Mas como esperar que sejam adultos independentes, se não os deixamos tirar a própria roupas nem responder sobre seus próprios sentimentos, hoje, quando já são capazes de fazer isto sozinhos?
Porque queremos que sejam felizes no futuro.
Mas, as neurofibromatoses são doenças imprevisíveis, não sabemos o que nos espera com certeza. Além disso, com ou sem NF, quem sabe o que acontecerá no futuro?
Por isso, especialmente para quem tem NF, não existe felicidade no futuro: a felicidade é no presente, é hoje. Fazer o que for possível para ser feliz agora, dentro das possibilidades de cada um e de cada dia.
E que a felicidade de hoje nos ajude a construir um mundo melhor para todos no amanhã.

Bom final de semana.

Cara VC, separei esta parte da sua pergunta, por achar que ela é fundamental.
A felicidade é um estado de humor determinado por muitos fatores diferentes em cada uma das pessoas. Apesar da felicidade ser individual, creio que uma parte dela vem da nossa maior ou menor adaptação ao nosso próprio meio social.
Para compreendermos um pouco as dificuldades de adaptação social de nossos filhos e filhas com neurofibromatose do tipo 1, vou reproduzir as conclusões de uma tese de doutoramento da pesquisadora C. Dilts, recentemente apresentada na Universidade de Utah, nos Estados Unidos, que foi comentada pelo doutor David Viskochil num artigo de 2013 (ver aqui artigo completo). Dr Viskochil já esteve aqui no Brasil conosco, no Simpósio que realizamos em 2009.
Segundo ele, a adaptação social das crianças com NF1 pode ser influenciada pelos déficits cognitivos, pelas dificuldades de aprendizado, pela desatenção e hiperatividade, além de alguns comportamentos semelhantes aos autistas (já comentados aqui).
A Dra. Dilts observou que entre os déficits cognitivos, as habilidades motoras das crianças com NF1 (pouca força, menor agilidade, baixa habilidade para esportes e brincadeiras físicas, etc.) influenciam os seus comportamentos adaptativos e isto é foi o problema cognitivo mais frequente.
Ela também verificou que o molestamento das crianças com NF1 por parte dos colegas foi o problema social mais comum. Em segundo lugar veio o comportamento mais infantil das pessoas com NF1.
Finalmente, ela observou que a aceitação de uma pessoa adolescente com NF1 por parte das demais crianças é prejudicada pela menor maturidade das crianças com NF1 proporcionalmente à sua idade.
Considerando estas observações, com as quais eu concordo a partir da experiência clínica no nosso Centro de Referência, temos orientado as famílias a estimularem (ou aceitarem) a convivência das crianças e adolescentes com NF1 com grupos de idade um pouco mais jovens (variando em cada caso), onde elas serão mais aceitas em função da sua própria imaturidade causada pela doença, pois terão interesses parecidos com as crianças mais novas.

Talvez seja um dos passos possíveis para tentarmos ajudar nossas crianças com  NF1 a serem mais felizes.