Tenho uma filha com 8 anos, que, de acordo com dois pediatras, tem neurofibromatose. Nós residíamos numa cidade do interior de São Paulo e desde o nascimento dela notamos algumas manchas que considerávamos ser de nascença, pois o pai também tem algumas “pintas”. O pediatra que a acompanhava nunca mencionou nada a respeito. 

Quando mudamos para Patos de Minas/MG, no primeiro atendimento médico pediátrico para tratar uma dor de garganta, fui informada que as tais manchas eram neurofibromatose. Não recebemos muita informação, apenas que deveríamos acompanhar caso houvesse alguma alteração ou aumento no número de manchas. E como todos fazem, fomos ao Google e ficamos assustados. E saber que não tem cura foi complicado. Sou maquiadora profissional e num dia de trabalho conheci uma moça com uma irmã portadora. Foi ela que falou sobre a associação. Esperança de saber se realmente tal diagnóstico está correto. 

Diante disso, gostaria de saber como funciona o atendimento, pois moramos em outra cidade, para caso seja positivo, possamos fazer o acompanhamento correto. Segue anexo com fotos (duas das manchas). Grata desde já, aguardo retorno.
Cara LC, obrigado pela sua pergunta.  A presença de 6 ou mais manchas café com leite, maiores do que meio centímetro de diâmetro, abaixo dos 12 anos, é um sinal bastante sugestivo (95% de chance) de ser NF1. No entanto, é necessário pelo menos mais um (de preferência mais dois) dos sete critérios apresentados no Quadro abaixo para o diagnóstico de segurança de NF1.

Critério diagnóstico
Descrição do sinal (entre parênteses a frequência observada na NF1)
A
Manchas café com leite (manchas de cor homogênea, geralmente ovoides e planas)
Seis ou mais, maiores do que meio centímetro no maior diâmetro antes da puberdade ou maior do que um centímetro após a puberdade (95%)
B
Sardas debaixo das axilas ou na região inguinal (falsas efélides)
Duas ou mais sardas (pequenas manchas, como se fossem manchas café com leite pequenas) (87%)
C
Neurofibromas (tumores que se apresentam parecendo carocinhos, nódulos e verrugas)
Dois ou mais neurofibromas, de qualquer tipo (cutâneos, subcutâneos ou espinhais) (40 – 60%)
Um neurofibroma plexiforme (35 – 60%)
D
Glioma óptico
Tumor benigno do nervo óptico ou das vias ópticas (astrocitoma) diagnosticado pela ressonância nuclear magnética (15-20%)
E
Nódulos de Lisch
Dois ou mais nódulos na íris diagnosticados por oftalmologista (78%)
F
Displasia óssea
Deformidades típicas dos ossos do crânio (asa do esfenóide) e dos ossos longos (geralmente uma das tíbias) que são quase que exclusivamente encontradas na NF1 (5%)
G
História familiar de NF1
Um parente de primeiro grau (pais, irmãos ou filhos) com diagnóstico confirmado de NF1 pelos critérios acima (50%)

Observando a foto que nos enviou (acima), ela apresenta uma mancha na pele que não se encaixa exatamente nas manchas café com leite que são típicas da neurofibromatose do tipo 1, mas podem ser encontradas em pessoas sadias e em doutras doenças. Ver, para comparação, as manchas que reproduzo abaixo.




Sinais cutâneos (setas brancas) – A) Mancha café com leite; B) Sardas axilares (ou efélides); C) Neurofibromas; D) Manchas cutâneas (nevo epidérmico) que podem ser confundidas com manchas café com leite.

Para maior segurança de sua família, é importante que um (a) médico (a) com experiência em neurofibromatoses examine pessoalmente toda a sua família para que o diagnóstico seja confirmado e as possíveis complicações sejam avaliadas. Estamos ao seu dispor em Belo Horizonte no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (31) 3409 9560 (ligar numa quarta de 8 às 11 h para agendar).
Tenho recebido perguntas de alguns pais de crianças com NF1 e problemas de comportamento, para as quais foram receitados medicamentos psiquiátricos, como ansiolíticos, antidepressivos e medicamentos para transtorno bipolar. Os pais desejam saber se estes medicamentos são úteis para as pessoas com NF1.



Inicialmente, é preciso ficar claro que as pessoas com NF1 também estão sujeitas a problemas psiquiátricos e neurológicos independentes da NF1 e que elas podem necessitar de tratamento específico para estas outras doenças.
Devo lembrar também que não existem ainda quaisquer medicamentos comprovados que sejam específicos para os problemas da NF1, sejam os neurofibromas, os gliomas, os plexiformes, as displasias, as dificuldades de aprendizado e os problemas de comportamento. Dois medicamentos utilizados para outras finalidades, Lovastatina e Cetotifeno, têm sido submetidos a estudos para sabermos se eles têm ou não efeitos específicos na NF1, mas ainda não existe um consenso sobre isto.
No entanto, algumas cautelas podem ser recomendadas aos profissionais da saúde no diagnóstico dos problemas de comportamento das crianças com NF1. Sabemos que algumas características de comportamento, como retraimento social, agressividade, falta de flexibilidade nas condutas, timidez e outras, são comuns entre as crianças com NF1 e estes comportamentos podem confundir o diagnóstico com outras doenças psiquiátricas.
Por exemplo, entre as crianças com NF1, cerca de 30% delas apresentam sinais e sintomas compatíveis com o diagnóstico de autismo e outras 30% apresentam quadros próximos ao autismo, segundo o grupo da Dra. Susan Huson (Ver artigo aqui), que torna mais difícil o diagnóstico diferencial entre a NF1 e as doenças psiquiátricas.
Também do ponto de vista neurológico, entre as pessoas com NF1, há maior incidência de distúrbios do sono, dor de cabeça crônica, epilepsia, Doença de Parkinson e Esclerose Múltipla (Ver artigo aqui). Estes problemas neurológicos podem necessitar de medicação específica e serem confundidos com sintomas da própria NF1 ou com doenças psiquiátricas.

Em conclusão, é possível que medicamentos usados para outras doenças (neurológicas e psiquiátricas) sejam necessários para pessoas com NF1. No entanto, um cuidado maior deve ser tomado pelos profissionais da saúde na hora do diagnóstico: é preciso distinguir sinais e sintomas próprios da NF1 (e para os quais ainda não temos medicamentos) de outros problemas de saúde para os quais há medicamentos disponíveis. 

Neste último sábado de maio, participei de mais uma das reuniões mensais da Associação Mineira de Apoio às pessoas com Neurofibromatoses (AMANF), que acontecem há cerca de 13 anos de forma regular. 

Entre os diversos temas interessantes que discutimos, um deles parece importante comentar aqui: se devemos ou não informar às pessoas com as quais convivemos que temos uma das formas de neurofibromatose. É claro que cada pessoa tem suas razões para comentar ou não com os outros sobre sua doença, então, vou apresentar a minha opinião.


Inicialmente, é preciso saber se a doença é evidente para as demais pessoas. Uma doença pode ou não ser percebida de imediato por causa de sinais aparentes (como as manchas café com leite, os neurofibromas, ou uma deformidade) ou por causa de alterações na interação social, como dificuldade cognitiva (tipo de fala, capacidade de perceber o ambiente) ou alteração comportamental (timidez, inquietude, isolamento).

Por exemplo, na neurofibromatose do tipo 1, desde a infância alguns sinais e comportamentos são visíveis para a família, colegas e professores. Ao contrário, na neurofibromatose do tipo 2 os sinais e sintomas geralmente aparecem depois da adolescência e na Schwannomatose depois dos 30 anos de idade.

Na minha opinião, especialmente como pai de uma pessoa com NF1, creio que quando a doença não é visível de imediato não haveria benefício em tornar pública a sua existência, a não ser quando alguma limitação (auditiva ou visual, por exemplo, na NF2) se tornasse evidente. 

Por outro lado, na NF1, os sinais e sintomas geralmente já são facilmente percebidos em metade das crianças desde a sua infância e, numa parte delas são tão evidentes que não podem ser ignorados (como uma assimetria facial causada por um neurofibroma plexiforme sobre uma das pálpebras, por exemplo).
Assim, creio que quando a neurofibromatose for evidente, seria útil falarmos sobre a doença com aquelas pessoas que convivem diretamente e cuidam da criança.

Por quê? Primeiro, porque tenho a impressão de que quando as pessoas tomam conhecimento do que se trata um determinado problema (uma mancha cutânea, um neurofibroma, um comportamento diferente, timidez, dificuldade de aprendizado, por exemplo), elas podem afastar o seu medo e o seu preconceito.
É humano e natural que tenhamos medo do desconhecido, e por isso reagimos ao nosso próprio medo com a zombaria, a discriminação, a piada, o preconceito e a discriminação da diferença. 

No entanto, nos sentimos mais tranquilos quando somos informados de que aquele problema não é contagioso, de que não vai crescer duma hora para outra, de que aquilo pode doer ou não, de que já está sendo acompanhado por profissionais da saúde e que faz parte de outros problemas ligados à neurofibromatose.

Ao serem informadas sobre o problema de saúde da criança, as pessoas sentem que mereceram a confiança da pessoa doente ou de sua família e elas têm a chance de manifestarem sua simpatia e seu acolhimento. Como meu neto Francisco, que ao saber que sua tia Maria Helena era a única em toda a família com as manchas café com leite, disse: – Não se preocupe, tia Bebé, quando eu crescer vou ter neurofibromatose com você.

Além disso, é fundamental que as pessoas envolvidas nos cuidados da criança com NF1 (professores, familiares) saibam de sua doença para ajudarem-na a enfrentar as dificuldades relacionadas com a doença, oferecendo os suportes especiais para que ela possa atingir seu potencial humano (como mais tempo para fazer o para casa, local especial na sala de aula para não ser distraída, dicas de atenção durante uma prova, posição especial nos esportes, etc.).

No entanto, sei o quanto é difícil dizermos a outra pessoa que um parente nosso, especialmente um filho ou filha, tem uma doença genética. Muitas famílias fazem verdadeiro voto de silêncio em torno de uma doença genética num de seus membros, e esta negação da doença acaba por aumentar um certo sentimento de vergonha, como se houvesse algum tipo de culpa por parte dos pais. Se não se pode falar de um assunto é porque ele deve ser motivo de vergonha, e assim, com nosso silêncio, acabamos reforçando o preconceito.

Como as doenças genéticas são mesmo de difícil compreensão (até mesmo pelos profissionais da saúde), temos medo de expor nossa criança e não sermos compreendidos, de que nossos outros filhos sejam prejudicados em seus relacionamentos, enfim, temos receio de que oportunidades sejam perdidas pela nossa família pelo preconceito social.

Apesar disso, ainda acredito que o melhor caminho é vencermos a barreira do silêncio e revelarmos a doença para quem convive com nossa criança.

Mas, se vamos falar sobre a neurofibromatose, o quanto explicar sobre a doença de cada vez? Aos professores, demais parentes e cuidadores, devemos fornecer informações básicas e úteis, que possam fazer diferença no cuidado, de forma positiva, evitando transformar nossa criança numa vítima.

E para colegas e amigos das crianças com neurofibromatose? Este é um ponto muito importante. Primeiro, penso que devemos informar a própria criança sobre sua doença, na medida em que ela for perguntando e tendo idade para compreender as respostas. Para isto criamos a cartilha “As manchinhas da Mariana”, gratuita e disponível na página da AMANF. Nossa experiência nestes vários anos com a cartilha é que ela é útil para os pais conversarem com a criança e com os professores e colegas.

Para concluir, a nossa presidente atual da AMANF, Maria Danúzia Ribas, tem utilizado uma saída muito interessante: ela pede à própria filha que explique, quando possível, é claro, a sua doença para colegas e amigos. Creio que isto é uma boa ideia.

Agradeço a uma colega oncologista (Dra. Fernanda Tibúrcio do HC-UFMG) que nos apresentou uma adolescente com Neurofibromatose do Tipo 1, cujo principal problema parece ser um grande neurofibroma plexiforme (NP) na região pélvica, aparentemente envolvido em crises de cólicas abdominais atribuídas à compressão do tumor sobre as alças intestinais. 

Se considerarmos que os problemas comportamentais e cognitivos estão relacionados entre si e que são a principal queixa das pessoas com NF1, especialmente na infância, compreendemos porque estes transtornos são um dos principais alvos das pesquisas que buscam tratamentos, especialmente a busca de remédios,para a Neurofibromatose do Tipo 1.


A partir de 2005, tomamos conhecimento de alguns resultados iniciais de pesquisas com a Lovastatina em camundongos. Foram estudados camundongos geneticamente modificados para apresentarem a NF1 e eles também apresentam dificuldades de aprendizado, as quais podem ser comparadas às dificuldades das pessoas com NF1. 

Observou-se que o tratamento com a Lovastatina corrigia as dificuldades de aprendizado dos camundongos e por isso este medicamento começou a ser testado também em seres humanos. Os resultados destas pesquisas em crianças com NF1 ainda não são conclusivos, pois alguns encontraram melhora da memória verbal e não verbal nas crianças estudadas, assim como em outras habilidades cognitivas, mas outros pesquisadores não encontraram os mesmos efeitos.

No momento, creio que dispomos de informação suficiente para experimentarmos cuidadosamente a Lovastatina em algumas pessoas com NF1 e com dificuldades de aprendizado que estejam limitando sua competência social. Para informações mais detalhadas sobre a Lovastatina na NF1, veja a página ao lado dedicada especialmente a este assunto.

Ritalina e NF1.

A ritalina (ou metilfenidato) é outro medicamento que tem sido estudado em crianças com NF1 e dificuldade de atenção e hiperatividade. Cerca de metade das crianças com NF1 apresenta um quadro semelhante ao Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), que me parece mais dificuldade de atenção do que hiperatividade. As crianças com NF1 + TDAH têm resultados piores do que aquelas com NF1 sem TDAH e apresentam mais chance de problemas comportamentais. Assim, seria importante obtermos um medicamento que pudesse melhorar os sintomas de semelhantes ao TDAH na NF1.


Alguns resultados de pesquisas na Alemanha (Mautner e colaboradores em 2002 e 2013 – ver artigo completo aqui) e na França (Lion-François em 2014 – ver artigo completo aqui) têm mostrado que a ritalina usada cuidadosamente melhorou os testes cognitivos, assim como o nível de atenção e os problemas de comportamento das crianças com TDAH e NF1. Assim, creio que a ritalina pode ser experimentada de forma criteriosa em crianças com NF1 que apresentem dificuldades de atenção, hiperatividade e problemas comportamentais.





Além dos problemas cognitivos, sobre os quais falamos ontem, algumas dificuldades psicológicas são comuns entre as pessoas com NF1. Elas são obrigadas a enfrentar o fato de que possuem uma doença que é: 

1) Genética – o que traz muitas vezes conflitos de culpa, medo de transmissão para os filhos e netos, preconceitos sociais; 

2) Crônica – os achados e complicações da NF1 estão presentes desde o nascimento e podem ocorrer ao longo da vida; 

3) Incurável – apesar de diversos tratamentos poderem melhorar a qualidade de vida das pessoas com NF1, não existe qualquer tratamento cirúrgico ou medicamentoso que possa acabar com a doença de uma vez; 

4) Variável de uma pessoa para outra – como a NF1 se manifesta de forma completamente diferente de uma pessoa para outra, torna-se difícil conhecermos a evolução natural da doença; 

5) Imprevisível – é muito difícil saber o que vai acontecer com determinada pessoa num dado momento; 

6) Sem representação social – ou seja, a sociedade desconhece a doença, as suas causas, o significado do seu nome, as suas consequências e assim não sabemos o que sentir diante de uma pessoa com NF1; 

7) Que pode causar discriminação social – seja pela aparência dos neurofibromas e outras lesões, seja pelas dificuldades de aprendizado, ou pelos problemas cognitivos e comportamentais, as pessoas com NF1 têm muitas chances de serem incompreendidas e sofrerem discriminação na comunidade em que vivem.


Por tudo isso, as pessoas com NF1 apresentam maior número de casos de ansiedade, medo, baixa autoestima e falta de sucesso profissional, o que afeta também a sua família. Uma ampla faixa de sintomas psicossociais pode estar presente nas crianças e adolescentes com NF1, como imaturidade emocional, incompetência social, timidez excessiva, limitações para entrar no mercado de trabalho e dificuldades para desenvolver relações amorosas. 

Apesar de tudo isto, surpreendentemente, as próprias pessoas com NF1 se avaliam de forma mais positiva do que seus pais e professores, o que aumenta a nossa preocupação em não superprotegê-las, mas, ao contrário, tentarmos garantir a realização do potencial humano de cada uma delas.

As intervenções profissionais direcionadas aos aspectos psicossociais das pessoas com NF1 devem ser baseadas em quatro aspectos:

1) Facilitar o acesso e a transferência de informação sobre a NF1 entre os profissionais que cuidam da pessoa com NF1 (professores, profissionais da saúde) e a família, acompanhando de que maneira ela compreende e adota as informações disponíveis;

2) Ajudar o desenvolvimento de estratégias para a pessoa com NF1 lidar com problemas, relacionados ou não à NF1, estimulando os sentimentos positivos e a aceitação da doença;

3) Auxiliar o desenvolvimento de um plano de vida profissional e afetivo para a pessoa com NF1 e fornecer aconselhamento genético;

4) Mediar as relações entre a pessoa com NF1 e sua família com as instituições de saúde (públicos ou planos de saúde, seguridade social).

É importante lembrar que o suporte a ser oferecido às pessoas com NF1 envolve tanto os aspectos de saúde quanto problemas sociais e econômicos.

Amanhã continuamos falando de tratamento para os problemas de aprendizado e comportamentais. 
Continuando minha resposta para a mãe GC, de Fortaleza, que tem um filho com NF1 e problemas de comportamento e aprendizado. Lembro que entre os problemas cognitivos, as dificuldades de comunicação são comuns nas pessoas com NF1. 
 
 
Por causa da dificuldade de coordenação motora, as pessoas com NF1 podem apresentar um ou mais dos seguintes problemas fonoaudiológico:
 
1)     Desordem do processamento auditivo (ouvem bem, mas entendem mal)
Clique aqui para ver a descrição do problema

2)     Dificuldade na produção de alguns sons
3)     Gagueira
4)     Fala acelerada
5)     Redução da qualidade da voz (voz anasalada, rouquidão, aspereza, volume alterado, rangidos, fraqueza)

6)     Dificuldade de respiração durante a fala.

Um estudo sobre problemas fonoaudiológicos na NF1 foi realizado no CRNF pela fonoaudióloga Carla Menezes da Silva, orientada pelo professor Nilton Alves de Rezende, e acabou de ser publicado. Ela descobriu que muitas pessoas com NF1 apresentam dificuldades de articulação dos músculos da boca e da face, que prejudicam sua capacidade de respirar, mastigar, engolir e falar. Esta redução da força muscular na face mostrou-se relacionada com a redução de força muscular geral que nós temos observado em pessoas com NF1. 
 

Até agora, não temos ainda evidências seguras de que estes problemas possam ser diminuídos com quaisquer tratamentos, sejam eles tratamentos fonoaudiológicos ou medicamentosos.

 
No entanto, recentemente, no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses, a fonoaudióloga Pollyanna Barros Batista comparou o efeito de 8 semanas de treinamento auditivo em crianças com NF1 e desordem do processamento auditivo. O treinamento consistiu em simular (durante uma hora 3 vezes por semana) o ambiente sonoro das aulas, com ruídos e falas dos colegas, com mudanças na direção do som e das palavras que deveriam ser compreendidas, além do uso de música e outros recursos. O objetivo era treinar as crianças a compreenderem melhor o que ouviam, apesar de ruídos no ambiente.
 
A Pollyanna comparou 21 crianças com NF1 que receberam o treinamento com outras 9 que não receberam o treinamento. Para comparar com pessoas sem NF1, a fonoaudióloga aplicou o mesmo treinamento auditivo em outro grupo de 10 crianças sadias da mesma idade e sexo. A nossa conclusão está sendo apresentada num congresso sobre NF, em Monterrey nos Estados Unidos, agora em junho de 2015.
 
Podemos dizer que o treinamento auditivo melhorou alguns dos testes realizados nas crianças, mesmo depois de 4 semanas de interrompido o treinamento. Este deve ser um dos primeiros estudos no mundo a demonstrar que o treinamento auditivo pode melhorar a desordem do processamento especificamente em crianças com NF1. Esperamos que este estudo pioneiro seja ampliado e confirmado por outros pesquisadores e que tratamentos auditivos mais prolongados possam trazer mais benefícios. Nossa esperança é que a melhora no processamento auditivo traga melhoras na linguagem das crianças com NF1 e no seu aprendizado em geral.
 
Veja algumas informações muito importantes sobre desordem do processamento auditivo no BLOG da fonoaudióloga Pollyanna Barros Batista CLIQUE AQUI
Amanhã, retomo outras possibilidades de tratamento das dificuldades de comportamento e aprendizado nas crianças com NF1.

Continuando a resposta para a mãe GC, de Fortaleza, sobre as dificuldades cognitivas e de comportamento de seu filho com NF1.

O primeiro cuidado que desejo sugerir para todas as famílias de crianças com NF1 é que elas recebam uma atenção especial para o seu desenvolvimento social, seu crescimento afetivo e seu aprendizado.

Por atenção especial quero dizer que a família e a escola devem se informar sobre a doença e suas características e conversar francamente sobre a NF1, pois o conhecimento ajuda a enfrentar os problemas, mesmo quando eles não têm solução.

Neste sentido, deve-se informar com cuidado e delicadeza os colegas e amigos as dificuldades próprias das crianças com NF1 para que seja criada uma comunidade de acolhimento e compreensão.

Criar condições especiais para o aprendizado significa dar mais tempo para as crianças com NF1 realizarem suas tarefas, sejam os deveres de casa, sejam as provas, sejam as respostas verbais e participações coletivas.

A família e a escola devem conseguir espaços e permitir o tempo apropriado para o aprendizado motor, como nas atividades lúdicas, na música, na dança e nos esportes, por exemplo.

Pais e professores devem ter mais paciência com a desordem do processamento auditivo, que provavelmente todas as crianças com NF1 apresentam, cuidando para pronunciarem as palavras com clareza, pois elas podem ser compreendidas de forma errada.

Criar condições especiais significa compreender a dificuldade de socialização das crianças com NF1, sua baixa tolerância à frustração e à mudança de regras, sua dificuldade para compreender as ironias e brincadeiras dos colegas.

Assim, o grande desafio é oferecer condições especiais em alguns momentos e, ao mesmo tempo, não tratar a criança com NF1 como incapaz por causa de sua doença. Ou seja, acolher, compreender, mas não superproteger. Descobrir onde a criança é capaz de conduzir sozinha a sua vida e onde ela precisa de ajuda.

É fácil? Não. É muito difícil este trabalho, tanto para a família quanto para a escola, mas não temos alternativa a não ser tentarmos.

Amanhã, volto a falar de dificuldades de comportamento e medicamentos que estão sendo estudados para estes problemas.
Continuação da resposta à GC, de Fortaleza, sobre problemas de aprendizado e comportamentais de seu filho com NF1. Primeiro, é preciso separar estas duas complicações: uma pessoa com NF1 pode ter dificuldades de aprendizado sem problemas comportamentais, ou pode ter problemas comportamentais sem dificuldades de aprendizado, pode ter as duas complicações ou não ter nenhuma delas.
Para começar, vamos falar sobre os problemas de aprendizado.
A maioria das pessoas com NF1 leva uma vida normal, mas os chamados problemas cognitivos, entre eles as dificuldades de aprendizado, são a queixa mais comum na NF1. Cerca de 80% das crianças com NF1 apresentam problemas cognitivos em mais de um domínio, como 1) redução das habilidades de visão e orientação espacial, 2) menor velocidade de compreensão de ideias, conceitos e problemas, 3) pouca coordenação motora para esportes e dança, 4) linguagem reduzida e 5) diminuição da função executiva (que é a capacidade de imaginar, planejar e coordenar diversas tarefas para executar funções). Estes problemas aparecem na infância e provavelmente continuam por toda a vida.

É importante lembrar que a fonoaudióloga Pollyanna Barros Batista realizou uma pesquisa em nosso Centro de Referência e descobriu que todas as pessoas com NF1 que ela examinou têm diferentes graus de um problema chamado desordem do processamento auditivo. Isto quer dizer que a pessoa escuta normalmente, mas compreende mal o que escutou. Por exemplo, a professora diz: “a vaca foi para o brejo”, a criança com NF1 pode entender “a faca foi com o queijo”, o que pode se constituir numa grande dificuldade de acompanhamento do que é ensinado de forma verbal.
Apesar de todas estas dificuldades cognitivas, as pessoas com NF1 em geral apresentam inteligência no limite mínimo da faixa normal, embora uma pequena percentagem (6-7%) seja incapaz de uma vida autônoma por causa de sua deficiência intelectual.
Os problemas de comportamento.
Embora os problemas de comportamento sejam independentes das dificuldades cognitivas, estas duas complicações da NF1 estão relacionadas entre si: quanto maior a dificuldade cognitiva, maior o problema comportamental e vice-versa.
Os problemas de comportamento na NF1 podem ser: 1) dificuldades de sono (para começar a dormir, acordar frequente, dormir pouco e sonolência fora de hora), 2) diminuição da capacidade de socialização (vida retraída com poucos amigos, amizade apenas com crianças menores), 3) pouca capacidade de perceber as circunstâncias sociais (dificuldade para entender quando alguém está sendo irônico, as dicas das pessoas, entender piadas e metáforas), 4) baixa autoestima em decorrência do isolamento social e discriminação pelos colegas. Este conjunto de dificuldades pode contribuir e ser agravado para que algumas crianças com NF1 apresentem comportamentos semelhantes aos autistas.
Cerca de metade das crianças com NF1 apresentam em algum grau um tipo de de comportamento semelhante ao descrito como “Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade” (conhecido como TDAH).
Considero que os problemas cognitivos e comportamentais são a maior causa de redução da qualidade de vida das pessoas com NF1.
Amanhã continuarei trazendo informações sobre os tratamentos disponíveis para as dificuldades de aprendizado e comportamentais na NF1.
Boa noite, tudo bom? Conheci seu blog hoje e resolvi entrar em contato. Meu filho tem 13 anos, foi diagnosticado com NF1 aos 2 anos, quando começou a aparecer as manchas café com leite. Depois vieram as sardinhas nas axilas e virilhas, neurofibromas subcutâneos, e dentro dos ossos (fêmur), está crescendo um cisto. Os neurofibromas são de características bem diferentes, tem uns com aspecto de sinal de carne, outros que lembram várias verrugas pequenas, outros com cabelos. Já foram retirados 3 deles, na testa, nariz e cabeça, isso porque ele estava mexendo até sangrar, porque também tem diagnóstico de transtorno de atenção e hiperatividade (TDAH), e agora Transtorno de Conduta. Ultimamente surgiram uns que parecem com picada de mosquito, e ele tem reclamado que está coçando muito. Anualmente fazemos as consultas de rotina, mas aqui em Fortaleza não dispomos de suporte. Devido aos problemas comportamentais e de aprendizado, ele toma Aristab, Paroxetina, Hemifumarato de quetiapina e Oleptal. Gostaria de saber se é comum essas coceiras. O que fazer? Tenho interesse de marcar uma consulta onde possa esclarecer todas as dúvidas. Seguem algumas imagens de meu filho. Desde já obrigada. GC, de Fortaleza, CE.
Cara GC.
Obrigado pela sua confiança em apresentar algumas complicações da NF1 em seu filho, que me parecem ser o aparecimento dos neurofibromas, o cisto ósseo, as alterações no comportamento, as coceiras e a dificuldade em apoio especializado. Como não posso dar informações específicas sobre seu filho sem antes examiná-lo pessoalmente ou sem o relatório de um (a) médico (a), responderei de uma forma que possa ser útil a você e outras famílias.
Começo por onde você receber atenção especializada. Infelizmente, devido ao fato das neurofibromatoses serem doenças raras (apenas cerca de 80 mil brasileiros em 200 milhões), ainda não dispomos de centros de referência suficientes para atendimento público. Veja na página ao lado alguns endereços e contatos no Brasil atualmente.
Por causa do pequeno número de centros especializados em neurofibromatoses, temos sugerido que as pessoas que vivem em cidades sem estes recursos, como você, que procurem os serviços de saúde de sua cidade e se mobilizem para que as autoridades cumpram a portaria do Ministério da Saúde, garantindo o pleno atendimento das pessoas com doenças raras.  Veja na página ao lado as leis já existentes sobre isto.
Além disso, as pessoas sem recursos locais especializados podem pedir à médica ou ao médico responsável, como no caso de seu filho, que me envie um relatório para que possamos conversar sobre algumas sugestões que eu teria a fazer ao (à) colega.
A primeira delas seria sobre as coceiras, que é uma queixa muito comum, especialmente quando a pessoa com NF1 sua ou sente calor. Nós sugerimos que peça ao (à) seu (sua) médico (a) que avalie se você não tem contraindicações para o medicamento chamado CETOTIFENO. Este medicamento é um agente que inibe a liberação de histamina pelos mastócitos (um tipo de célula abundante nos neurofibromas) que foi lançado no Brasil há muitos anos para o tratamento da asma. Por que preferimos este medicamento para tirar a coceira e não outro anti-histamínico qualquer?
Porque o pioneiro do tratamento das neurofibromatoses, o médico norte-americano Vincent M. Riccardi, realizou alguns estudos clínicos que o convenceram de que, além de tratar a coceira, o CETOTIFENO seria capaz de evitar o crescimento dos neurofibromas, se for usado desde cedo e de forma contínua. Nós ainda não temos provas ou certeza de que o CETOTIFENO produza este efeito tão desejado por todos, que seria o de evitar o crescimento dos neurofibromas. De qualquer forma, quando a coceira é um sintoma importante, como no caso do seu filho, preferimos o CETOTIFENO, porque, quem sabe estaremos pescando dois peixes com apenas um anzol?

Para não ficarmos com muita informação de uma só vez, no post de amanhã, responderei à questão dos problemas de comportamento de seu filho.