Hoje trazemos as impressões sobre o congresso enviadas pelo Professor Marcio Leandro Ribeiro de Souza, Nutricionista, Doutor e Mestre em Saúde do Adulto pela Faculdade de Medicina da UFMG.

A Joint Global Neurofibromatosis Conference, conferência mundial sobre as neurofibromatoses, que aconteceu em novembro de 2018 em Paris, foi o maior evento realizado com pesquisadores sobre a doença. Já tive oportunidade de participar em anos anteriores nos Estados Unidos, mas essa foi diferente, com mais participantes e mais trabalhos científicos apresentados.

Como nutricionista, eu fiquei ainda mais feliz em ver que cada vez mais outras áreas da saúde, além da Medicina, também se destacam no evento, como Fonoaudiologia, Odontologia, Psicologia e, claro, a Nutrição.
Os aspectos nutricionais começaram a ser estudados aqui no Brasil em 2011-2012 por nosso grupo de pesquisa e hoje percebemos que é uma área que passou a receber a atenção de outros pesquisadores. Pude ver trabalho científico testando nutrientes ou alterações dietéticas na doença. Ainda são trabalhos em modelo animal, mas que reforçam que a Nutrição é uma área a ser melhor explorada nas neurofibromatoses, especialmente a NF1, que é a doença que estudei em meu mestrado e doutorado.
Essa conferência teve uma importância ainda maior para mim, pois pude apresentar os resultados finais do meu doutorado. Levei dois trabalhos científicos.
Um deles verificava a associação entre consumo alimentar dos indivíduos com NF1 com as características ósseas, comumente alteradas na doença e também demonstradas na minha pesquisa de doutorado.
O outro trabalho avaliou a taxa metabólica de repouso na NF1 e sua associação com a composição corporal e força muscular. Essa taxa metabólica de repouso corresponde à energia que o nosso corpo gasta para manter as funções vitais, como respiração, circulação, entre outras.
Em nossa pesquisa, encontramos menor força muscular e menor massa magra apendicular na NF1 e, pensando nisso, esperava-se que a taxa metabólica de repouso fosse menor na doença. Porém o que encontramos foi o contrário: maior taxa metabólica de repouso em indivíduos com NF1. Os mecanismos dessa alteração precisam ser estudados daqui para frente.
Mas esse resultado aparentemente contraditório e intrigante chamou a atenção dos pesquisadores da doença de diferentes países, com os quais pude conversar durante a apresentação do trabalho. Além disso, esse trabalho foi selecionado como finalista para concorrer ao prêmio de Melhor Trabalho Clínico da conferência, o que torna esse evento ainda mais especial para mim. Fazer pesquisa no Brasil não é algo simples, pois temos algumas limitações financeiras, mas ter um trabalho brasileiro e de Nutrição dentre os melhores do congresso, é algo para se comemorar.
Foi uma ótima forma de fechar esse ciclo do doutorado. Em breve teremos os artigos científicos publicados sobre esses temas. Esse evento nos mostrou que estamos no caminho certo e que muitas pesquisas ainda precisam ser realizadas sobre Nutrição na Neurofibromatose. Ainda temos muitas dúvidas para serem respondidas.
Abraços a todos.

 

 

Profissionais do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas participaram do primeiro Congresso Mundial em Neurofibromatoses, realizado em Paris, de 2 a 6 de novembro de 2018.

Os seguintes temas foram apresentados:

  • Novo modelo para a compreensão da redução da força muscular nas pessoas com NF1 – palestra da Dra. Juliana Ferreira de Souza.
  • O que as pessoas procuram na internet sobre NF? – Análise de mais de 250 mil acessos na página da AMANF.
  • Correlações entre o metabolismo de repouso, a força muscular e a composição corporal em pessoas com NF1.
  • Novas correlações entre o sinal do segundo dedo dos pés e a deleção completa do gene NF1.
  • Apresentação de várias pessoas com NF1 e displasia da tíbia com sinal do segundo dedo no membro afetado.
  • Poderia o treinamento musical melhorar as dificuldades cognitivas e sociais de adolescentes com NF1?
  • Apresentação de uma nova técnica cirúrgica para descompressão de neurofibromas cervicais em pessoas com NF1.
  • O gene NF1 nos primeiros seres humanos – análise de um fóssil Cro-Magnon com sinais de NF1.

Abaixo apresentamos os resumos.

Uma nova abordagem cirúrgica para múltiplos neurofibromas espinhais cervicais compressivos – Centro de Referência Ambulatorial de Neurofibromatose do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, rodrigues.loc@gmail.com   

Introdução: A neurofibromatose tipo 1 (NF1) é uma doença genética autossômica dominante com penetrância total e alguns indivíduos afetados apresentam neurofibromas nas raízes espinhais cervicais (NRE) com fraqueza progressiva dos membros e dor neuropática devido à mielopatia compressiva. O tratamento neurocirúrgico tradicional tem sido apenas uma excisão do tumor por dura-máter aberta, o que aumenta o risco de fístulas e requer novas cirurgias. Objetivo: Relatar dois casos de pacientes com NF1 com dor neuropática e tetraparesia causada por mielopatia secundária a NRE de múltiplos níveis. Eles foram tratados com uma nova abordagem com múltiplas excisões de CSN em apenas uma única cirurgia, sem abrir a dura-máter e evitando a invasão subaracnoide. Métodos: Dois adolescentes NF1 (ELL, 18 anos, sexo feminino e PIB, masculino, 15 anos) com incapacidade de deambulação (MF2/2) foram tratados com incisão posterior cervical mediana com laminectomia total (C1-C5), facetectomia subtotal bilateral realizada com broca de alta velocidade (C3-C6) sem visualização da artéria vertebral para expor todos os pontos das lesões. Por meio de microscopia, foram feitas incisões abertas cruzadas no centro posterior dos neurofibromas, com dissecção acentuada e separação fina do tumor da dura-máter e evitando danos aracnoides. Não usamos pinças tumorais tradicionais ou bisturi e as excisões foram feitas com aparelho de aspiração ultrassônica para quebrar tumores e evitar tração. A preservação da raiz motora anterior foi o objetivo principal, alcançado com múltiplos estímulos neurofisiológicos que orientaram o limite de excisão. O tempo médio de cirurgia foi de 4 horas para fazer 5 (ELL) e 7 (PIB) ressecções tumorais (totais ou parciais). Resultados: Ambos os pacientes alcançaram supressão total da dor, recuperando a locomoção e uma qualidade de vida quase normal. Não apresentavam fístulas, pseudomeningoceles ou infecção. Os exames de imagem de controle mostraram ausência de mielopatia compressiva. As principais desvantagens dessa nova abordagem cirúrgica foram maior tempo cirúrgico com maiores perdas sanguíneas, terapia de tratamento intensivo duradoura para recuperação e colar cervical ortopédico transitório até a artrodese para prevenir pseudoartrose. Outros casos poderiam ser submetidos a um pequeno número de excisão de neurofibromas espinhais para reduzir esses efeitos colaterais indesejáveis.  Conclusão: A presente nova técnica cirúrgica de abordagem exclusiva extra-aracnoide parece inovar o tratamento cirúrgico da mielopatia do neurofibroma compressivo e merece mais estudos. 

Palavras-chave: neurofibromatose, neurofibromas espinhais, cirurgia da coluna, tumores compressivos da coluna vertebral Conflito de interesse: nenhum. Financiamento da Universidade Federal de Minas Gerais e CNPq  

Original em inglês

A new surgical approach to multiple compressive cervical spinal neurofibromas

Morato EG, Rezende NA, Rodrigues LOC. Neurofibromatosis Outpatient Reference Center of Clinics Hospital of the Federal University of Minas Gerais, Brazil, rodrigues.loc@gmail.com

Background: Neurofibromatosis type 1 (NF1) is a genetic autosomal dominant disease with full penetrance and some affected individuals present cervical spinal neurofibromas (CSN) with progressive limb weakness and neuropathic pain due to compressive myelopathy. Traditional neurosurgical treatment has been just one tumor excision via opened dura mater, which increases fistulae risk and requires further surgeries. Purpose: To report two cases of NF1 patients with neuropathic pain and tetra paresis caused by myelopathy secondary to multiple level CSN. They were treated using a new approach with multiple CSN excisions in just one-time surgery, without opening dura mater and avoiding subarachnoid invasion. Methods: Two NF1 teenagers (ELL, 18 y, female and PIB, male, 15 y) with inability to walk (MF2/2) were treated with median cervical large posterior incision with total laminectomy (C1-C5), bilateral subtotal facetectomy performed with high speed drill (C3-C6) without vertebral artery visualization to exposed all lesions spots. Using microscopy, cross open incisions were made in the posterior center of neurofibromas, with sharp dissection and fine separation of the tumor from the dura and avoiding arachnoid damage. We did not use traditional tumor forceps or scalpel and the excisions were done using ultrasound aspiration device to break tumors and avoid traction. The preservation of the anterior motor root was the main objective, achieved with multiple neurophysiological stimuli that guided the limit of excision. The mean surgery time was 4 hours to do 5 (ELL) and 7 (PIB) tumor resections (total or partial). Results: Both patients achieved total pain suppression, recovering locomotion and a near normal quality of life. They did not present fistulae, pseudo meningoceles or infection. The control imaging studies showed absence of compressive myelopathy. The main handicaps of this new surgical approach were longer surgical time with higher blood losses, lasting intensive treatment therapy for recovery and transient orthopedic cervical collar until arthrodesis to prevent pseudo arthrosis. Further cases could be submitted to a small number of spinal neurofibromas excision to reduce these undesirable side effects.  Conclusion: The present new surgical technique of exclusive extra-arachnoid approach seems to innovate the surgical treatment of compressive neurofibroma myelopathy and deserve further studies.

 

Figure 1 – Diagram of the classical and the new surgical approach to treat cervical compressive neurofibromas myelopathy. Left: opening dura mater and one tumor excision per surgery; Right: multiple neurofibroma excisions preserving dura mater and arachnoid.   

Key words: neurofibromatosis, spinal neurofibromas, spine surgery, compressive spinal tumors

Conflict of interest: none.

Funding by Federal University of Minas Gerais and CNPq

 

 

Convidamos a endocrinologista Dra. Sara Castro Oliveira para nos explicar como acontece o crescimento nas crianças e adolescentes com neurofibromatose do tipo 1. Dra. Sara está iniciando o seu mestrado em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Vejamos o que ela disse. Sua pesquisa será estudar o crescimento ou redução dos neurofibromas cutâneos com o uso de alguns medicamentos.

O crescimento corporal é um processo complexo e influenciado por diversos fatores que interagem não apenas para determinar a estatura final alcançada (que chamamos geralmente de altura), mas também o ritmo e o momento do crescimento. Muitas pesquisas tentam desvendar as complexidades hormonais e genéticas que explicam o crescimento normal e aqueles fora dos padrões.

Crianças com NF1 frequentemente apresentam alterações do crescimento e é importante ressaltar que nem sempre é possível identificar a causa deste crescimento inadequado na NF1.

Em certos casos algumas causas parecem estar envolvidas com o menor crescimento na NF1: deficiência de hormônio do crescimento (GH), tumores cerebrais, cirurgia ou radioterapia para tais tumores, escoliose, outros problemas esqueléticos que podem interferir com o desenvolvimento normal dos ossos e uso de algumas medicações como metilfenidato para déficit de atenção.

Por exemplo, um estudo com 89 pacientes com NF1 mostrou que 25% dos pacientes tinha estatura abaixo do esperado apesar de todos os exames serem normais. Esse fato sugere que existe um retardo do crescimento que está associado a doença em si, e para o qual até o momento não existe explicação.

Cerca 15% das crianças com NF1 apresentam tumores chamados de gliomas, que envolvem as vias ópticas e podem acometer a uma região do cérebro chamada hipotálamo. Esses tumores não são específicos da NF1, mas nas pessoas com NF1 apresentam um comportamento benigno e não progressivo. Na maioria das vezes, são assintomáticos e não requerem intervenção.

Em algumas pessoas com NF1, os gliomas são acompanhados de alterações hormonais que interferem com o crescimento reduzindo-o (deficiência do GH) ocasionando baixa estatura, ou acelerando-o (excesso de GH e puberdade precoce central).

Vejamos cada uma dessas alterações com mais detalhes:

 

Deficiência de GH

 

A deficiência de hormônio do crescimento é mais comum em indivíduos com NF1 em relação a população geral, embora não se saiba a incidência exata. A causa da deficiência também não é clara, mas parece estar relacionada a presença de tumores intracranianos, embora haja também casos de deficiência sem a coexistência de tumores. A deficiência desse hormônio pode levar a um grande atraso no crescimento.

É possível repor o GH, mas há uma grande preocupação de que a reposição do GH nas crianças com NF1 possa aumentar adicionalmente o risco de crescimento de tumores. Dados de acompanhamento de 102 crianças com NF1 e deficiência de GH que receberam tratamento mostrou alguma resposta em relação ao crescimento, mas menor do que a resposta que ocorre em crianças com deficiência de GH sem NF1.

Após cerca de dois anos de tratamento, 5 desses 102 pacientes tratados apresentaram reaparecimento de um tumor cerebral existente previamente ou desenvolveram um segundo tumor, taxa considerada similar a pacientes com NF1 que não foram tratados com GH. Apesar desses dados tranquilizadores em relação ao aparecimento de tumores, ainda precisamos de estudos de melhor qualidade sobre a eficácia e a segurança da reposição de GH em pacientes com NF1. Até o momento, a reposição desse hormônio é recomendada apenas em situações de pesquisa clínica (VER AQUI).

 

Excesso de GH

 

Embora muito mais raro, o excesso de GH ou gigantismo também pode ocorrer em pessoas com NF1. Essa produção excessiva de GH na NF1 está associada ao glioma de vias ópticas, é uma condição pouquíssimo frequente e pode trazer várias consequências como estatura acima do esperado, ganho excessivo de peso, hipertensão e alterações de glicose.

Desconfiamos da sua ocorrência quando observamos crescimento acima do esperado para a idade e padrão familiar. Diante da suspeita, exames de laboratórios, como a dosagem de IGF1 (substância produzida pelo fígado sob a ação do GH) e do GH após ingestão de um açúcar chamado dextrosol podem confirmar o diagnóstico.

Não sabemos exatamente o que leva à produção excessiva do GH em pessoas com glioma de vias ópticas na NF1. Sabemos apenas que a produção de GH não é feita pelo tumor em si. A suspeita principal é que o tumor, de alguma maneira, interfira com a regulação a parte do cérebro chamada hipotálamo e da glândula hipófise e essa passa, consequentemente, a secretar excesso de GH.

Uma das principais preocupações com o excesso de GH em pessoas com NF1 é o risco aumentado de tumores benignos e malignos. Acredita-se que a produção excessiva de GH possa aumentar ainda mais esse risco, contribuindo inclusive para o crescimento do próprio glioma. Dessa forma, apesar não sabermos ainda o tratamento ideal para esses casos, a recomendação é usar medicações para reduzir a secreção de GH. O tempo de tratamento deve ser individualizado para cada paciente, pois muitos apresentam melhora do quadro de gigantismo com o passar do tempo (VER AQUI).

 

Puberdade precoce central

 

Outra condição relacionada à NF1 que pode levar a alteração do crescimento e da estatura final é a puberdade precoce central. Ela é a disfunção hormonal mais comum na NF1 em crianças, com prevalência em torno de 3%. Geralmente está associada a glioma de vias ópticas.

As mudanças mais visíveis durante a puberdade são o aumento da velocidade de crescimento e o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, como aumento de mamas em meninas e aumento dos testículos em meninos. Quando essas alterações ocorrem antes de 8 anos nas meninas e antes dos 9 anos nos meninos, devemos ficar atentos para a possibilidade de puberdade precoce. Exames para avaliação dos hormônios da puberdade e do grau de maturação dos ossos da mão e punho auxiliam no diagnóstico.

Apesar de crescerem muito inicialmente, as crianças com puberdade precoce tendem a ser mais baixas quando adultas. Isso porque os hormônios sexuais levam a uma rápida maturação dos ossos e a criança interrompe o crescimento. Dessa forma, o diagnóstico e o tratamento devem ser feitos o mais rápido possível para que seja eficaz e evite a baixa estatura (VER AQUI ).

 

Conclusão

Podemos concluir que acompanhar o crescimento e o desenvolvimento da criança com NF1 é muito importante porque algumas das condições que resultam em alterações da estatura trazem repercussões sobre a saúde e podem ser tratadas.