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Avaliação Técnica e Científica do estudo que motivou a aprovação da droga Mirdametinibe para tratamento de neurofibromas plexiformes sintomáticos inoperáveis nos Estados Unidos

 

Realizada pela Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues a pedido do CRNF e da AMANF

 

Destinada a fornecer informações a profissionais da saúde, ao Sistema Único de Saúde, aos órgãos públicos reguladores (ANVISA e CONITEC) e planos de Saúde Suplementar.

 

Avaliação Técnica do Ensaio Clínico chamado ReNeu: A Pivotal, Phase IIb Trial of Mirdametinib in Adults and Children With Symptomatic Neurofibromatosis Type 1-Associated Plexiform Neurofibroma (ver aqui o artigo completo – em inglês)

 

Qualidade da evidência: muito baixa, de acordo com os critérios do GRADE (estudo de fase 2b, multicêntrico, não randomizado, de braço único, aberto, desfecho primário substituto, financiado pelos fabricantes do mirdametinibe).

Incluiu 2 coortes: 1 de crianças e 1 de adultos, com NF1 e com PN inoperável, radiologicamente mensurável, causando morbidade significativa.

Não há definição formal de “morbidade significativa” na descrição do método; infere-se, pela introdução, que seja: dor, deslocamento/compressão de órgãos, comprometimento da função física e desfiguração (sem definição formal) e deterioração da qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) de pacientes e cuidadores.

O desfecho primário foi a taxa de resposta objetiva confirmada (ORR), definida como a proporção de pacientes com uma redução ≥20% na ressonância magnética (RM) do volume do PN alvo, da linha de base ao ciclo 24 (fase de tratamento), avaliada por revisão central independente cega em ≥2 exames consecutivos dentro de 2-6 meses. 

Os desfechos secundários de eficácia incluíram duração da resposta (DoR) e mudança da linha de base ao ciclo 13, pré-especificado, para desfecho relatado pelo paciente (PRO) ou medidas de desfecho relatadas por procuração dos pais de pior gravidade da dor do tumor (Escala de Avaliação Numérica-11 [NRS-11]), interferência da dor (Índice de Interferência da Dor [PII]), e HRQOL (Inventário Pediátrico de Qualidade de Vida, versão 4.0 [PedsQL 4.0]).

 

As coortes incluíram pacientes muito heterogêneos, com PNs de volumes muito pequenos até muito grandes:

    • Coorte de crianças (2 a 17 anos, mas mediana de 10 anos) com 56 participantes, com PNs variando de 5 a 3.630 mL. 
      • O volume mediano foi de 99 mL, o que significa que metade dos pacientes na coorte das crianças tinha tumores de menos de 99 mL e metade tinha tumores de mais de 99 mL. 
      • Destes, 62% eram considerados progressivos e 38% não progressivos.
      • 70% tinham dor, 50% desfiguração ou deformidade maior (sem definição destas variáveis), 27% tinham disfunção motora e 12% tinham disfunção de via aérea.
  • 6 destas 56 crianças já tinham recebido inibidor de MEK antes
    • Coorte de adultos (18 a 69 anos, mas mediana de 34 anos) com 58 participantes, com PNs variando de 1 a 3.457 mL.
      • O volume mediano foi de 196 mL. Destes, 53% eram considerados progressivos e 47% não progressivos.
      • 90% tinham dor, 52% desfiguração ou deformidade maior (sem definição destas variáveis), 40% tinham disfunção motora e 5% tinham disfunção de via aérea.
  • 4 dos 58 participantes já tinham recebido inibidores de MEK.

O uso prévio de outro iMEK foi proibido depois de uma modificação do protocolo, durante a execução do estudo.

O ensaio compreendeu uma fase de tratamento de 24 ciclos, uma fase de tratamento opcional de acompanhamento de longo prazo (LTFU) e um período de acompanhamento de segurança de 30 dias após a descontinuação do tratamento. 

Os pacientes podiam continuar recebendo mirdametinibe até que qualquer um dos seguintes ocorresse: progressão da doença radiográfica confirmada centralmente, eventos adversos intoleráveis ​​(EAs), incapacidade de aderir ao protocolo ou descontinuação determinada pelo paciente ou pelo investigador.

 

Desfechos em adultos:

  • ORR: 41% dos adultos teve resposta objetiva (> ou = a 20% de redução do volume do PN alvo após 24 ciclos); E mais 2 adultos (3,4%) tiveram resposta objetiva na fase LTFU (nos ciclos 28 e 32). E 75% dos pacientes que tiveram resposta, ou seja, 18 pacientes, tiveram duração de pelo menos 12 meses de resposta. O tempo mediano para atingir a resposta foi de cerca de 7,8 meses. 
    • A mediana de tempo em tratamento foi de 21,8 meses (variando de 0,4 a 45,6) e a mediana de duração da resposta ainda não havia sido alcançada;
    • A melhor porcentagem mediana de redução no volume foi de –41% (intervalo, –90 a +13); 62% dos adultos (ou seja, 15 de 24) com uma resposta objetiva confirmada atingiram uma redução máxima da linha de base de >50% (ou seja, 26% dos adultos tiveram uma redução de >50% dos seus tumores).
    • 84% dos adultos que concluíram a fase de tratamento optaram por ingressar na LTFU (o estudo não fala quantos concluíram a fase de tratamento; mas como 13 (22%) descontinuaram o tratamento por eventos adversos, esses 84% não podem ser mais que 38 pacientes, mesmo que somente 24 (41% de 58) tenham tido resposta objetiva.
    • Entre os adultos que puderam alcançar uma melhora clinicamente significativa (definida no Suplemento de Dados, Seção I https://ascopubs.org/action/downloadSupplement?doi=10.1200%2FJCO.24.01034&file=DS_JCO.24.01034.pdf):
      • 17 (29% de 58) alcançaram uma melhora clinicamente significativa em Escala de Avaliação Numérica-11 da dor; 
      • 13 (22% de 58) alcançaram uma melhora clinicamente significativa em interferência da dor (Índice de Interferência da Dor [PII]
      • 17 (29% de 58) alcançaram uma melhora clinicamente significativa em Inventário Pediátrico de Qualidade de Vida, versão 4.0 [PedsQL 4.0]
      • Ou seja, em termos de melhora clínica, cerca de ⅓ dos pacientes apresentou alguma melhora clínica (que foi ainda menor que os 41% que apresentaram redução de tamanho do tumor na ressonância).
      • É importante ressaltar que a avaliação de desfechos subjetivos em estudos abertos é significativamente enviesada, pois não pode ser balizada pelo efeito placebo.

Houve bastante toxicidade (98%), sendo que 16% foram de grau maior ou igual a 3. Os eventos adversos relacionados ao tratamento (TRAEs) relatados em ≥20% dos adultos foram dermatite acneiforme (78%), diarreia (48%), náusea (36%), vômito (28%) e fadiga (21%). Dezoito adultos (31%) experimentaram uma interrupção da dose, 10 (17%) foram submetidos à redução da dose e 13 (22%) descontinuaram o tratamento devido a EAs.

Portanto, a magnitude do benefício, no desfecho de taxa de resposta objetiva, segundo os critérios da ESMO (Form 3 Para estudos de braço único em “doenças órfãs” e para doenças com “alta necessidade não atendida” quando o resultado primário é PFS ou ORR https://www.esmo.org/content/download/117393/2059180/1/ESMO-MCBS-Version-1-1-Evaluation-Form-3.pdf), pode ser considerada grau 3 (ORR >20 e <60% e duração de mais de 9 meses), que é moderada. Porém, vale lembrar que essa escala foi desenvolvida para avaliar pacientes com câncer (ou seja, tumores malignos) e pode, portanto, superestimar o benefício no tratamento de neurofibromas plexiformes de histologia benigna, que é uma doença crônica.

 

Em crianças, os resultados foram semelhantes:

  • Vinte e nove crianças (52%; IC 95%, 38 a 65) alcançaram uma resposta objetiva confirmada pelo BICR durante a fase de tratamento
  • Uma criança adicional obteve uma resposta confirmada (início ocorreu no ciclo 32) no LTFU.
  • 22 (76%) respostas objetivas confirmadas permaneceram duráveis, tendo atingido ou excedido 12 meses em resposta.
  • A duração mediana do tratamento foi de 22,0 meses (variação de 1,6-40,0)
  • A melhor variação percentual mediana no volume do PN alvo foi de –42% (intervalo, –91 a +48).
  • 15 crianças (27% das 56 crianças) com uma resposta objetiva confirmada atingiram uma redução máxima da linha de base de >50%.
  • No ciclo 13, uma melhora clinicamente significativa em relação à linha de base foi alcançada em 8 crianças (14,3% de 56) para NRS-11, 5 (9%) para PII relatado pelo paciente, 6 (11% de 56) para PII relatado pelos pais, 13 (23% de 56) para PedsQL Total Score relatado pelo paciente e 15 (27% de 56) para PedsQL Total Score relatado pelos pais (Suplemento de Dados, Fig S5).
    • Ou seja, em termos de melhora clínica, assim como para os adultos, menos de ⅓ dos pacientes apresentou alguma melhora clínica (que foi ainda menor que os 41% que apresentaram redução de tamanho do tumor na ressonância).
    • É importante ressaltar que a avaliação de desfechos subjetivos em estudos abertos é significativamente enviesada, pois não pode ser balizada pelo efeito placebo.
  • O tratamento foi bastante tóxico; 95% tiveram evento adverso, sendo que TRAEs ocorrendo em ≥20% das crianças foram dermatite acneiforme (43%), diarreia (38%), paroníquia (30%), náusea (21%), fração de ejeção diminuída (20%) e aumento da CPK (20%). Dezessete crianças (30%) tiveram uma interrupção da dose, sete (12%) foram submetidas a uma redução da dose e cinco (9%) descontinuaram o tratamento devido a eventos adversos.
  • 85% das crianças que completaram a fase de tratamento escolheram entrar na LTFU (também não fala quantas completaram a fase de tratamento), mas 5 interromperam o tratamento devido a eventos adversos, então, não mais que 43 crianças passaram pra LTFU, mesmo que somente 29 delas tenham tido redução do tumor e no máximo 15 delas tenha tido melhora clínica.

 

A magnitude do benefício para as crianças, no desfecho da taxa de resposta objetiva, segundo os critérios da ESMO também pode ser considerada grau 3 (ORR >20 e <60% e duração de mais de 9 meses), que é moderada. Porém, vale lembrar que essa escala foi desenvolvida para avaliar pacientes com câncer (ou seja, tumores malignos) e pode, portanto, superestimar o benefício no tratamento de neurofibromas plexiformes de histologia benigna, que é uma doença crônica.

A comparação indireta da coorte de crianças que recebeu mirdametinibe com uma coorte histórica (ajustada para diversas variáveis) revelou a curva de tempo para evento (Kaplan-Meier) abaixo:

Essas curvas apresentam taxas de censura muito diferentes entre os grupos e, portanto, é uma análise ainda imatura para o grupo mirdametinibe (nem a mediana foi atingida ainda neste grupo). Portanto, é uma comparação espúria, até que a coorte do mirdanetinibe tenha um tempo maior de acompanhamento e menos censuras.

Pontos importantes:

  • Não houve correlação da magnitude da resposta com o volume do PN;
  • Não houve correlação da melhora clínica com a redução do volume do PN;
  • Aparentemente a maioria dos pacientes, incluindo aqueles que mantiveram a resposta, ainda estão em uso da medicação;
  • O estudo não foi projetado para avaliar a durabilidade da resposta fora do tratamento ou os benefícios clínicos sustentados após a suspensão do tratamento;
  • A duração ideal do tratamento não foi avaliada no ensaio clínico;
  • Assim como com outros inibidores de MEK, os potenciais efeitos colaterais de longo prazo ou de surgimento tardio e o benefício potencial da terapia de longo prazo ainda não foram demonstrados, especialmente em crianças.

 

Em resumo:

É uma droga com o potencial de reduzir (em cerca de 40% a 50%) o volume dos plexiformes em cerca de 1 a cada 2 ou 3 pessoas, mas não são necessariamente os maiores plexiformes que têm mais chance de reduzir. Também pode produzir alguns benefícios clínicos em 1 em cada 3 a 4 pessoas (não necessariamente as mesmas que tiveram a redução do tumor). Esses efeitos parecem levar cerca de 8 meses para aparecer, cerca de 13 meses para atingir o pico e mantêm-se estáveis, na maioria das pessoas, enquanto tomam o medicamento. Porém, o medicamento é bastante tóxico, causando efeitos colaterais em quase todas as pessoas, efeitos que afetam o cotidiano e o bem-estar das pessoas, como dermatite acneiforme, diarreia, náusea, vômito e fadiga. Como os neurofibromas plexiformes são crônicos, e o remédio não oferece cura, pode ser que a pessoa tenha que tomar esse medicamento de forma contínua para manter os efeitos, pois não se sabe se os efeitos perduram quando a pessoa para de tomar. Porém, não se sabe ainda como o uso, por mais de 2 anos, desse medicamento pode afetar a saúde das pessoas e o crescimento e desenvolvimento das crianças. Além disso, o medicamento é muito caro e provavelmente não será custo-efetivo para os sistemas de saúde no mundo todo, inclusive para o nosso SUS e a nossa Saúde Suplementar.

 

 

Uma pessoa com neurofibromatose do tipo 2 (NF2), que foi atendida por nós no CRNF, enviou-nos um estudo científico publicado recentemente (clique aqui para ver o artigo em inglês) (2021), que sugere que o medicamento Losartana (usado habitualmente no tratamento da hipertensão arterial) poderia reduzir a perda de audição causada pelos tumores (schwannomas vestibulares) que surgem na NF2.

Em resumo, as informações do artigo foram:

  • os schwannomas apresentam fibrose no interior do tumor e esta fibrose está relacionada com a baixa da audição;
  • a fibrose reduziria a circulação do sangue, que poderia ser a causa da redução da audição;
  • a losartana poderia reduzir a fibrose, melhorando a audição;
  • usando camundongos com a NF2, observaram que a losartana, de fato, reduziu a fibrose e preveniu a perda auditiva;
  • relataram também um estudo retrospectivo no qual pessoas com schwannomas vestibulares usando losartana (para tratar sua pressão alta) mostraram melhor função auditiva do que os demais sem losartana;
  • então concluíram que o estudo fornece a justificativa e os dados críticos para um ensaio clínico prospectivo de losartan em pacientes com schwannomas vestibulares.

Diante disso, pedimos à Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues, médica clínica e especialista em avaliação de novas tecnologias em saúde, que analisasse o estudo científico. Agradecemos a pronta resposta da Dra. Luíza e a publicamos abaixo.

“A pesquisa realizada por Wu e colaboradores é um estudo pré-clínico, com modelo animal, portanto, do ponto de vista da análise crítica em Medicina Baseada em Evidências é uma evidência científica de muito baixa qualidade, no que diz respeito à sua utilidade na tomada de decisão na clínica para seres humanos.

Do ponto de vista metodológico, parece um estudo bem-feito. A plausibilidade biológica, ou seja, a justificativa do estudo pareceu sólida, mas, por não ser exatamente a minha área, posso estar enganada. Os animais foram randomizados (cerca de 8 animais em cada grupo), es examinadores eram cegues quanto à intervenção, os experimentos foram repetidos 3 vezes. Então, parece um bom estudo pré-clínico.

No entanto, não ficou claro qual a dose da losartana seria equivalente para produzir o mesmo efeito em seres humanes e se o seu uso seria sistêmico.

Do ponto de vista de aplicação dos resultados a seres humanes temos as seguintes dúvidas:

  • Qual a dose necessária em humanos para produzir o mesmo efeito?
  • Em pacientes não hipertensos, os efeitos colaterais seriam toleráveis? Qual seria a duração do efeito em humanos, se houver?
  • Seria usada somente como prevenção ou também para retardar perdas já instaladas?
  • A losartana é um medicamento de baixo custo, mas os autores do estudo insinuam que possa ser usada com outro medicamento, o bevacizumabe (anticorpo monoclonal) de alto custo, e que não teve efeito bom no tratamento dos tumores vestibulares na NF2.
  • Como o bevacizumabe causa hipertensão, poderia ser um pretexto para tentar recuperar o uso do bevacizumabe junto com a losartana (é sugerido no estudo que losartana possa ter efeito sinérgico tanto com o bevacizumabe quanto com a radioterapia).
  • No entanto, é bom lembrar que os consensos internacionais não indicam radioterapia nas pessoas com NF2!

Em conclusão, como recomendação possível, diante desse estudo, sugiro que:

  • A losartana seja indicada para pacientes com NF2 que TAMBÉM precisam de anti-hipertensivos por qualquer outra causa – não vejo impedimentos de que a primeira linha de tratamento desses pacientes seja a losartana.
  • Para outros pacientes com NF2, mas sem indicação primária para a losartana, é muito cedo pra indicarmos a losartana para tratar ou prevenir perda auditiva relacionada aos schwannomas vestibulares.

Belo Horizonte, 10 de março de 2023

Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues

 

Observação: 

O Dr. Jorge Sette, cardiologista, também leu o artigo acima e acrescentou que, na sua impressão, observando o seu uso em certas doenças cardíacas, a Losartana não seria tão eficiente para reduzir a fibrose em seres humanos quanto aparentou ser nos camundongos utilizados na pesquisa.