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Dando continuidade à divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em novembro de 2024, apresentamos o cardiologista Jorge Sette, que tem nos auxiliado a compreender melhor os problemas cardiovasculares nas pessoas com NF1.

Agradecemos a sua participação com este texto bem fundamentado e atualizado.

Dr. Lor

 

 

Jorge Cavalcante Bezerra Sette

Cardiologista

 

Cerca de  4% das pessoas com NF1 apresentam uma complicação vascular importante que pode ser tratada com eficiência e para identificar esta complicação basta apenas uma ação muito simples, que pode salvar uma vida: medir a pressão arterial regularmente.

Um aumento relativamente recente da pressão arterial em pessoas com NF1, especialmente em crianças, jovens e adultos jovens, deve fazer o médico pensar em duas causas importantes: 1) a estenose da artéria renal e 2) um tumor chamado feocromocitoma.

Vejamos primeiro a estenose da artéria renal.

 

As artérias renais são vasos sanguíneos que levam o sangue aos rins, para que o sangue seja filtrado e algumas substâncias em excesso sejam eliminadas (por exemplo, ácidos e nitrogênio) na urina. Para que o sangue seja filtrado, é preciso que ele chegue aos rins com uma determinada pressão, que é fornecida pelo bombeamento do coração.

Em cerca de 2% das pessoas com NF1 pode ocorrer um defeito (chamado de displasia fibromuscular) na tubulação das artérias renais, que causa um estreitamento, o qual faz com que a pressão do sangue fique menor naquele rim que recebe o sangue da artéria estreitada. Como o sangue chega com menor pressão do que a necessária para a filtração, o próprio rim produz substâncias que forçam o aumento da pressão arterial.

O resultado desse estreitamento, então, é que a pressão arterial, aquela que deve ser medida com os aparelhos de pressão comuns durante os controles regulares anuais, aumenta acima dos limites normais para a idade, a estatura e o sexo da pessoa.

Se a pressão arterial permanecer aumentada durante muito tempo, o coração, os rins, as artérias cerebrais e as artérias dos olhos podem ser danificadas e problemas graves podem acontecer, como infarto no coração, incapacidade de os rins filtrarem o sangue,  derrames cerebrais e perdas na visão. Por isso, a hipertensão arterial deve ser tratada.

Felizmente, na NF1, há a possibilidade de tratarmos o defeito na artéria renal e assim a hipertensão pode ser curada em cerca de 75% das pessoas. O tratamento consiste na realização de uma angiografia, ou seja, num exame de imagem para visualizarmos o calibre e o formato das artérias renais, para comprovação do estreitamento e sua localização. Geralmente, faz-se um cateterismo por meio de anestesia local e passagem da sonda por uma das artérias das pernas.

Em seguida, durante o próprio procedimento do exame de imagem, na maioria dos casos, insufla-se um balão que consegue reestabelecer o fluxo de sangue ao rim. Caso haja alguma complicação, coloca-se um anel metálico especial de dilatação (stent) na região estreitada, recuperando-se parcialmente o calibre da artéria renal.

Este tratamento, a angioplastia trans luminal, deve ser o primeiro a ser tentado, pois apresenta  88% de bons resultados.

Quando o anel de dilatação não é possível ou não funciona, ou o estreitamento retorna, pode ser necessário o autotransplante do rim, ou seja, uma cirurgia que desconecta o rim da sua artéria obstruída e o reconecta a outra artéria sadia. Infelizmente, em alguns poucos casos, pode ser necessária a remoção de um dos rins para tratar a hipertensão.

Portanto, segundo o grupo da Dra. Rosalie Ferner, de Manchester (2011), o tratamento da hipertensão arterial secundária à estenose da artéria renal na NF1 é uma combinação de medicação anti-hipertensiva, angioplastia com balão da artéria renal e cirurgia.

Por isso tudo, a medida da pressão arterial é obrigatória, indispensável, fundamental e pode salvar uma vida em 2% dos pacientes com NF1 durante os controles anuais.

 

Outra causa de hipertensão: o feocromocitoma

 

A outra metade dos casos de hipertensão recente nas pessoas com NF1 acontece por causa do aparecimento de um tipo de tumor chamado feocromocitoma.

Este nome complicado, feocromocitoma, indica que é um tumor (oma) formado por células (cito) que são coradas (cromo) numa cor escura (feo). Estas células fazem parte do sistema nervoso, e ficam agrupadas na parte central de duas glândulas localizadas sobre os rins: as suprarrenais. Elas produzem alguns hormônios, incluindo a adrenalina, uma substância que todos conhecem ligada às emoções e aos exercícios, que ativa algumas funções no organismo, como o estado de alerta mental, os batimentos cardíacos e a produção de suor.

Nas pessoas com NF1, a deficiência de neurofibromina aumenta a chance de células do sistema nervoso e da pele crescerem desordenadamente formando tumores, por isso estas células produtoras de adrenalina também podem crescer mais do que o necessário, formando tumores em 2% das pessoas com NF1, em geral a partir dos 15 anos de idade, mas com maior frequência em torno dos 35 anos.

Quando ocorrem, os feocromocitomas geralmente são benignos (90%) e podem se apresentar com sintomas que significam o excesso de adrenalina no sangue. As pessoas com feocromocitomas podem apresentar sintomas em 50% das vezes e, quando apresentam, quase sempre são transitórios:

Os três principais sintomas são:

1)     Crises de aumento da pressão arterial em repouso ou hipertensão sustentada por vários dias;

2)     Palpitações (sensação de coração acelerado);

3)     Dor de cabeça – que pode ser leve ou intensa;

4)     Suor abundante sem relação com a temperatura do ambiente; pode estar acompanhada de tremor, fraqueza e falta de ar.

É importante lembrar que as crises de ansiedade, que afetam qualquer pessoa, inclusive aquelas com NF1, podem se manifestar exatamente com os mesmos sinais e sintomas, o que às vezes faz passar desapercebido um feocromocitoma.

Suspeitando da presença deste tumor, devemos medir a produção dos derivados da adrenalina na urina colhida durante 24 horas, chamadas de catecolaminas urinárias (ácido vanilmandélico, adrenalina, noradrenalina, metanefrina). Este exame é mais confiável quando a urina é colhida durante os sintomas acima.

Quando o exame urinário vem positivo, o próximo passo é realizar exames de imagem para localizar o tumor para guiar o tratamento cirúrgico. Em casos em que a suspeita clínica seja alta, mas o exame de urina esteja normal, outros exames são necessários. Os mais sensíveis são a ressonância magnética e a tomografia computadorizada com a emissão de pósitrons (PET CT), capazes de descobrir mesmo os menores tumores de até 1 cm. Este último exame pode auxiliar na descoberta de feocromocitomas também localizados fora do local mais comum que são as suprarrenais, como, por exemplo, no intestino, onde são chamados de tumores carcinoides.

A maioria dos feocromocitomas ocorre nas glândulas suprarrenais, mas 10% deles podem ocorrer nos intestinos, na artéria aorta (no arco aórtico ou no órgão de Zuckerkandl) e no mediastino.

Confirmada a presença do feocromocitoma (ou dos carcinoides), estamos diante de uma urgência de tratamento, que deve ser realizado por profissionais experientes neste problema.  O tratamento é cirúrgico e envolve uma preparação de cerca de 7 dias para conter os efeitos da adrenalina em excesso (com bloqueadores alfa e beta) antes da retirada dos tumores, que podem estar presentes em ambos os rins.

É preciso lembrar que os feocromocitomas ignorados podem ameaçar a vida, especialmente durante cirurgias e durante a gravidez.

Os casos mais graves, quando os feocromocitomas são malignos (10%), devem ser tratados com cirurgia e quimioterapia associada.

Mais uma vez, lembramos que é importante medir a pressão arterial de todas as pessoas com NF1 regularmente e, também, não esquecer de questionar os pacientes sobre os principais sintomas que possam dar pista ao diagnóstico (dor de cabeça, palpitação e suor aumentado).

 

E quando a pressão está aumentada sem uma causa definida na NF1?

 

Como vimos acima, as pessoas com NF1 correm maior risco de apresentarem dois problemas que causam aumento da pressão arterial: displasia da artéria renal (com estenose ou obstrução do fluxo de sangue para um ou os dois rins) e feocromocitoma (um tumor capaz de produzir adrenalina).

No entanto, um estudo procurou saber se as crianças com NF1 apresentam pressão arterial maior do que a população infantil sem a doença (ver aqui artigo em inglês: AQUI ).

O grupo orientado por Shay Ben-Shachar mediu a pressão arterial 3 vezes em 224 crianças com NF1, metade meninas, com idade em torno de 9 anos. Os resultados da pressão arterial foram classificados de acordo com a idade, o sexo e o percentil da altura de cada uma delas, em normais (menor do que o percentil 85%), pré-hipertensos (entre os percentis 85 a 95%) e hipertensos (maior que o percentil 95%).

Os resultados mostraram que em torno de 13% das crianças com NF1 eram pré-hipertensas e outras 13% eram hipertensas, o que significa que a hipertensão arterial é dez vezes mais frequente em crianças com NF1 do que na população em geral.

Outro achado importante do estudo foi que a hipertensão era maior na primeira medida (20%) do que na terceira, por isso devemos repetir a medida quando encontramos valores altos da primeira vez.

As condições do estudo não permitiram aos autores confirmar ou excluir as alterações vasculares nas crianças com hipertensão, assim, ainda não sabemos a definição exata da causa da hipertensão arterial nas crianças com NF1, mas levantaram a hipótese de que a pressão arterial aumentada faça parte das características da NF1. Esta hipótese merece ser mais estudada no futuro.

De qualquer forma, este estudo confirma e aumenta a necessidade de vigilância sobre a pressão arterial de pessoas com NF1, pois se não for tratada a hipertensão arterial pode causas complicações, inclusive fatais.

Portanto, não se esqueça de medir a pressão arterial pelo menos uma vez por ano.