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Como pai e médico de pessoas com NF1, meu coração dispara de esperança sempre que surge alguma notícia em revistas científicas sobre a possibilidade de novos tratamentos, inclusive para os neurofibromas cutâneos que tanto sofrimento causam nas pessoas e suas famílias.

Foi assim hoje, quando recebi o artigo publicado na revista Science Advances na semana passada (ver aqui o artigo completo em inglês: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38691597/ ) intitulado “Efeito do Inibidor MEK NFX-179 sobre neurofibromas cutâneos em pessoas com neurofibromatoses do tipo 1”, de autoria de Kavita Y. Sarin e colaboradores.

Já comentamos sobre este medicamento NFX-179 em novembro de 2023 e mantenho nossas conclusões anteriores (ver aqui: https://amanf.org.br/2023/11/um-gel-para-reduzir-os-neurofibromas-cutaneos/ ).

Esta nova publicação provavelmente defende os interesses da indústria NFlection Therapeutics, porque 12 dos 17 autores do artigo publicado na Science Advances declaram que trabalham,  trabalharam, são ou foram consultores remunerados do fabricante do medicamento.

Com este alerta em mente, o que significam estes novos resultados apresentados?

A autora e colaboradores trazem informações que consideram importantes:

  • O medicamento na forma em gel penetrou no neurofibroma e reduziu a atividade da via metabólica que está hiperativa por falta da neurofibromina nas pessoas com NF1 e a redução do tumor foi relacionada com a penetração do medicamento e sua ação na via metabólica;
  • Com 28 dias de tratamento, a concentração de 0,5% do medicamento produziu redução de cerca de 50% dos tumores em 1 em cada 5 pessoas.
  • Pouco medicamento passou para a circulação sanguínea e não houve efeitos colaterais locais importantes.

Ponto 1. O medicamento funcionou como esperado no metabolismo dos tecidos retirados do corpo.

Esta resposta demonstra o potencial efeito terapêutico dos inibidores MEK, que já vem sendo observado em outros estudos.

Ponto 2. O tratamento por 28 dias foi capaz de produzir efeitos, sugerindo que mais tempo de tratamento seria ainda mais eficiente.

Esta conclusão ainda é apenas uma hipótese, mas fico intrigado porque não estudaram por mais tempo, uma vez que a pesquisa foi realizada de agosto de 2020 a abril de 2021?

Ou estudaram por mais tempo e os resultados não foram diferentes?

Por que publicaram os resultados apenas agora, 3 anos depois?

Outra dúvida é: por que usaram a dosagem de 0,5% se no estudo anterior a dose que produziu o melhor efeito foi 1,5% (redução em 44,2% comparada com 34,8% da concentração menor de 0,5%)?

Novamente, a indústria não divulgou o tamanho médio dos neurofibromas estudados, mas temos  observado que o tamanho médio da maioria deles é em torno de 3 a 5 mm de diâmetro. Como nenhum neurofibroma desapareceu completamente, o que teria sido comemorado no relato da indústria, um neurofibroma médio de 5 mm tratado com o NFX-179 passaria a ter cerca de 2 a 3 mm depois do tratamento. Diante desse resultado, nossa pergunta é se é possível a gente distinguir a olho nu esta diferença de 2 a 3 mm e se isto impactaria a aparência das pessoas com NF1 e sua qualidade de vida.

Ponto 3. Sem efeitos colaterais locais ou sistêmicos.

Isto é uma boa notícia, mas este estudo foi realizado com poucas pessoas, apenas 47 pessoas com NF1 distribuídas em vários centros de investigação nos Estados Unidos e novamente é um número pequeno de voluntários em cada clínica, o que dá margem a certos problemas.

Estudos realizados por consórcios (multicêntricos) são considerados de baixa qualidade científica (ver sistema GRADE) pois os critérios diagnósticos e os métodos de medida dos neurofibromas podem variar muito de uma clínica para outra.

 

Em conclusão, mais uma vez, apesar destas limitações, achamos que estes resultados com o NFX-179 justificam novas pesquisas, com um número maior de pessoas, para termos a segurança de que estes primeiros resultados não aconteceram por acaso e que o medicamento deve funcionar bem na maioria das pessoas.

 

Continuamos com o coração acelerado na esperança de que um dia este medicamento futuro estará acessível a toda a população com NF1.

Dra. Juliana Ferreira de Souza

Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Dr. Nilton Alves de Rezende

Dr. Bruno Cézar Lage Cota

O fundador da Associação Maria Vitória de Doenças Raras, Rogério Lima Barbosa, que está fazendo o doutorado em Coimbra com parte do seu estudo na Inglaterra, acaba de publicar mais um pouco de suas reflexões sobre as lutas das associações de pacientes com doenças raras.

O seu artigo traz novas informações sobre a relação entre os laboratórios farmacêuticos e as entidades que buscam defender as pessoas com doenças raras.

Vale a pena conferir aqui.

Por falar em Doenças Raras, recentemente o Ministério da Saúde reconheceu o primeiro centro de referência em doenças raras no Rio de Janeiro: o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (ver aqui).

Essas ações fazem parte da implantação da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no SUS, previsto na Portaria N°199, instituída em 2014, já comentada aqui neste blog (ver aqui).

Espero que haja atendimento especializado também para as neurofibromatoses quando este novo Centro for implantado. Cabe às pessoas com neurofibromatose e suas associações do Rio de Janeiro lutarem para que sejam acolhidas neste projeto.

No restante do Brasil, unidades de saúde que oferecem atendimento para tratamento de pacientes com doenças raras também podem solicitar a habilitação desse tipo de centro de referência.

Eles devem se tornar referências no município, no Estado e até mesmo para todo o Brasil, conforme o tipo de doença, para solicitarem verbas para o custeio da equipe mínima e de procedimentos de diagnóstico.

O nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais tem se oferecido para participar e solicitado à direção do Hospital das Clínicas a implantação do Centro de Referência em Doenças Raras de Minas Gerais.

No entanto, nossa universidade tem enfrentado dificuldades econômicas, incluindo o Hospital das Clínicas, por causa dos cortes no orçamento público feitos pela presidente Dilma para atender a pressão dos banqueiros nacionais e internacionais.

Sem recursos financeiros, o funcionamento real dos Centros de Referência em Doenças Raras será adiado até que a política econômica tenha por objetivo as necessidades das pessoas e não os lucros das empresas.

Para isso, temos que votar melhor em todas as eleições.

Esta é uma pergunta muito frequente por parte de quase todas as pessoas que possuem neurofibromatoses e suas famílias.




Geralmente entendo a pergunta com o seguinte significado: existem medicamentos sendo estudados para a cura das neurofibromatoses? Percebo, então, a mistura que geralmente fazemos entre “cura” e “tratamento”.

É importante lembrar que existem diversos tratamentos para alguns problemas decorrentes dos defeitos genéticos que estão na origem das neurofibromatoses, mas os defeitos genéticos em si não podem ser reparados definitivamente.

Ou seja, mesmo que possamos controlar ou remover um determinado problema (um neurofibroma, por exemplo), a pessoa continuará levando consigo em todas as suas células o defeito genético que originou sua doença.

Portanto, o que podemos fazer são estudos científicos em busca de melhor solução de alguns problemas, a partir daqueles mais comuns. 

Por exemplo, na NF1: como melhorar as dificuldades de aprendizagem, como evitar o crescimento dos neurofibromas, como tratar o glioma óptico etc.?  Na NF2: como parar o crescimento dos schwannomas e meningiomas, como tratar a catarata juvenil, etc.? Na Schwannomatose: como eliminar a dor nos schwannomas ou como evitar o seu aparecimento?

Neste sentido, as pesquisas tanto poderiam ser a busca por tratamentos cirúrgicos, fisioterápicos, fonoaudiológico, nutricionais ou psicológicos quanto por medicamentos.

No momento, nossa cultura médica é grandemente influenciada pela indústria de medicamentos e equipamentos médicos. Assim, a maioria das pesquisas em andamento têm como objetivo descobrir medicamentos que permitam o controle das principais complicações das neurofibromatoses.

Num encontro entre especialistas em neurofibromatoses promovido pelo Children’s Tumor Foundation, os principais estudos em andamento que procuram medicamentos para as neurofibromatoses foram discutidos (CLIQUE AQUI para ver  a publicação em inglês de 2013). Suas conclusões parecem válidas, por enquanto.

Eles consideraram um total de 15 estudos, quase todos buscavam tratamento para NF1 (14). A maioria (10) pesquisava algumas drogas para diminuir o tamanho dos neurofibromas plexiformes, dois tentavam melhorar as dificuldades de aprendizagem, um procurava reduzir o tamanho dos gliomas ópticos e apenas um tentara  diminuir o crescimento dos neurofibromas cutâneos (Riccardi em 1993).

Finalmente, um dos estudos tentava diminuir o tamanho dos schwannomas vestibulares na NF2.

Na segunda feira, volto a este tema com novas conclusões importantes.

Bom final de semana.
Alguns pais têm perguntado sobre o uso de medicamentos, chamados de moduladores do humor, para os problemas de comportamento em crianças com NF1. 

Veja alguns alguns comentários neste blog sobre os problemas de comportamento na NF1, que são bastante comuns.
Hoje, trago minha preocupação com um dos medicamentos que têm sido receitados para algumas crianças com NF1, a PAROXETINA.

Creio que o e-mail abaixo da Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues, que é médica e também minha filha, enviado por ela para diversas pessoas, traduz a minha opinião a respeito da PAROXETINA, pois sou contrário ao uso deste medicamento em crianças com NF1. 

Os comentários em itálico são meus, para ajudar a compreensão das pessoas que não são formadas em medicina.
“Caros,
Trabalhando com Avaliação de Tecnologias em Saúde, frequentemente me deparo com o uso indevido da “Medicina Baseada em Evidências” para vender remédios. 

Este caso da PAROXETINA (receitada) para adolescentes e crianças é um exemplo (ver:aqui

(Há 15 anos foi publicada uma pesquisa que indicou o uso de PAROXETINA para problemas de humor em crianças e adolescentes)

Demorou quase 15 anos para se conseguir publicar um estudo com análise metodologicamente correta dos dados coletados, o qual concluiu (exatamente) O OPOSTO do que fora publicado originalmente.

Foram 15 anos vendendo um remédio que não funciona e que oferece mais riscos. E o estudo original (errado) não foi retirado de circulação!

Nas minhas análises críticas, toda vez que incluo “o financiamento do fabricante” como um tipo de erro no método científico e, portanto, um fator importante de redução da qualidade da evidência (ou seja, da confiança que podemos ter nos resultados) especialmente em oncologia, sou duramente criticada:

– Mas não há grandes estudos clínicos sem o financiamento da indústria!

Ao que eu respondo:

– Portanto, não há evidência (científica) de qualidade.

O exemplo da PAROXETINA acima ilustra o quanto é necessário sermos mais rigorosos com os atuais produtores de “evidências”.
A própria Cochrane (um sistema internacional que divulga conhecimentos médicos baseados em evidências científicas) tem utilizado dados publicados (e não mais os dados individuais, pois a indústria não mais os fornece) para realizar suas metanálise (um tipo de estudo que reúne pesquisas realizadas por grupos diferentes de cientistas) de certas drogas.
Por exemplo, o medicamento bevacizumabe (foi avaliado pela Cochrane por meio de metanálises para) o tratamento do câncer de cólon (ver:aquifoi retirado da lista do orçamento do sistema de saúde da Inglaterra neste ano (ver aqui:aqui e aqui)_. Portanto, este acontecimento reduz a qualidade da “evidência” que havia antes.
É reconfortante para todos acharmos que a prática da medicina hoje em dia é sustentada por evidências científicas sólidas.

Infelizmente, a verdade é que a maior parte desta evidência é frágil, quando não deliberadamente fraudulenta para vender remédios e equipamentos.”
Deixo então para todos, especialmente para os profissionais da saúde, estas palavras da Luíza para nossa reflexão neste final de semana.
Podemos confiar na indústria de medicamentos e equipamentos médicos?
Pessoalmente, defendo que precisamos nos organizar melhor para cobrarmos do estado um maior controle de todas as atividades que geram lucros às custas das doenças das pessoas.

Meu sonho é o seguinte: a saúde não deve ser produto, a saúde não deve ser comércio, a saúde não pode dar lucro: a saúde é direito de todos.