“Olá, tenho NF1. Meus pés incham um pouco no calor. Por quê? Tem a ver com a doença NF1? ” VNC de Porangatu, MT. Cara V, obrigado pela sua pergunta. Acredito que apenas o calor não seria suficiente para inchar ambos os pés: é preciso uma combinação de outros fatores. Por exemplo, permanecer sentado por […]
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De fato, hoje sabemos que as pessoas com NF1 apresentam menor tolerância ao calor e maior risco de passarem mal em ambientes quentes, como seu cansaço, desmaios e queda na pressão arterial. Este conhecimento devemos ao estudo da Dra. Luciana Gonçalves Madeira que realizou seu doutorado no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
Ela publicou seus resultados num artigo científico (em inglês, ver AQUI ) e vou resumir suas conclusões a seguir.
Nós, seres humanos, precisamos manter a temperatura interna do nosso corpo dentro de uma certa faixa próxima dos 37 graus centígrados, para que nossos órgãos funcionem bem. Abaixo e acima desta faixa nosso organismo começa a ter dificuldades para funcionar, especialmente nosso cérebro. Então, para conservar esta temperatura no ponto certo, nosso corpo possui sistemas de aquecimento e de resfriamento.
Quando a temperatura interna começa a baixar, por exemplo dentro de uma piscina com água fria, a diminuição da temperatura do cérebro nos indica que devemos ir para um local com temperatura mais agradável. Se não obedecermos esta instrução (ou não pudermos obedecer, como num naufrágio, por exemplo), o cérebro envia instruções de fechamento para os vasos sanguíneos da pele (artérias e veias). Assim, menos sangue irá circular na pele e com isso menos calor passará do interior do corpo para a água fria. Por essa razão ficamos pálidos depois de algum tempo na piscina fria.
Se esta diminuição da circulação na pele não for suficiente para diminuir a perda de calor do interior do corpo para a água da piscina, nosso organismo lança a mão de outra alternativa: começa a tremer! O tremor são contrações involuntárias dos músculos e com isso eles produzem calor que aquece um pouco os outros órgãos, principalmente o cérebro, dando a chance de continuarmos vivos por mais um pouco.
Se a palidez e o tremor não forem suficientes para manter a temperatura ideal do cérebro, então as funções neurológicas vão diminuindo até a pessoa desmaiar e entrar em coma, o que pode levar à sua morte pelo frio. Um exemplo deste tipo de acontecimento é a morte do personagem do Leonardo di Caprio no filme “Titanic”.
Ao contrário, se entramos numa sauna quente, por exemplo, assim que a temperatura do cérebro começar a aumentar, receberemos a instrução de mudar de ambiente e sair dali o mais rápido possível. Se não obedecermos esta instrução (ou não pudermos obedecer), o cérebro envia instruções para a abertura dos vasos sanguíneos da pele e para a produção de suor.
Se o suor puder ser evaporado (o que só acontece em ambientes secos, com pouca umidade relativa do ar), esta evaporação retira calor do sangue que está fluindo pela pele e assim remove calor do corpo, o que mantém o cérebro em temperatura adequada. Por isso, ficamos com a pele avermelhada e suamos no calor.
No entanto, se a retirada de calor do corpo pela evaporação do suor não for suficiente para resfriar o cérebro (numa floresta úmida, por exemplo), o aumento da temperatura cerebral começa a prejudicar as funções neurológicas, podendo causar fadiga, confusão mental, convulsões e morte. Esta situação recebe vários nomes: insolação, hipertermia, choque pelo calor, intermação.
Assim, qualquer coisa que atrapalhe a capacidade do organismo de controlar sua temperatura interna pode causar danos à saúde das pessoas.
E como é a regulação da temperatura do corpo nas pessoas com NF1?
Como já comentamos anteriormente (ver AQUI), descobrimos em nosso Centro de Referência que as pessoas com NF1 apresentam menor capacidade aeróbica, ou seja, menor tolerância aos exercícios. Sabendo que precisamos dissipar o calor produzido pelos músculos durante os exercícios, nos perguntamos se a dificuldade das pessoas com NF1 para aguentarem esforços físicos poderia ser causada por alguma dificuldade para dilatar os vasos sanguíneos ou para suar.
Assim, surgiu o estudo da Dra. Luciana Gonçalves Madeira, que mediu a capacidade de suar, de dilatar os vasos sanguíneos da pele e de retirar calor do corpo de um grupo de 25 pessoas voluntárias com NF1 e comparou com os resultados de outras 23 pessoas voluntárias sem NF1, reunidas em pares da mesma idade e sexo.
Luciana e seus colaboradores concluímos que as pessoas com NF1 apresentam menor capacidade de manter a temperatura interna adequada quando expostas a ambientes quentes. Isto parece acontecer por causa de uma menor função dos nervos chamados “autonômicos simpáticos”, ou seja, as pessoas com NF1 apresentam uma doença dos nervos conhecida como “neuropatia autonômica”.
Por enquanto, este estudo nos alerta para protegermos mais as pessoas com NF1 de situações de risco para o calor (por exemplo, exercícios em ambientes quentes e úmidos, exposições prolongadas ao sol, trabalho em ambientes quentes). Diante de sinais de aumento da temperatura corporal por causa de calor (que é diferente da febre – falarei sobre isto em breve neste blog), devemos tomar as diversas providências para resfriarmos prontamente o corpo das pessoas com NF1.
Ainda não sabemos se esta neuropatia autonômica da NF1 precisa de tratamento ou se haverá algum tratamento para ela no futuro. Um primeiro passo neste sentido pode ser testarmos a capacidade das pessoas com NF1 de se aclimatarem ao calor para servir de proteção contra os possíveis danos ao cérebro causados pelo aumento excessivo da temperatura corporal.
Espero que novos estudantes de pós-graduação se animem com esta pergunta e sigam os passos da brilhante Dra. Luciana Gonçalves Madeira.