Posts

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Dr. Nikolas Mata-Machado, que é um neurologista brasileiro e norte-americano da Universidade de Illinois, perguntou-me se conheço a prática de retirar um pouco de sangue e reintroduzir na própria pessoa como tratamento para os neurofibromas. Sua dúvida decorre de ter recebido um e-mail de alguém (que ele não revelou o nome) do Brasil, que vem usando este método há alguns anos e, segundo a referida pessoa, estaria reduzindo os neurofibromas em seu filho ou filha.

Como esta técnica, chamada de “autohemo”, não existe na medicina praticada nos Estados Unidos, o Dr. Nikolas me perguntou o que eu saberia sobre isto.

Antes de responder, preciso lembrar que muitas pessoas que vão a um médico e recebem um diagnóstico de uma doença incurável (como as neurofibromatoses) podem se desesperar e então elas procuram tratamentos alternativos, já que a medicina científica diz que não pode curar seu problema.

Estas pessoas merecem todo o nosso respeito e compreensão, porque é realmente muito difícil ficarmos apenas observando a doença evoluir sem que possamos fazer alguma coisa (para ver post recente sobre isto: CLIQUE AQUI).

No entanto, há outras pessoas que se aproveitam da nossa fragilidade diante de uma doença incurável para nos explorar, vendendo soluções mágicas que não funcionam e ainda podem nos causar danos. Vender soluções falsas é crime e as pessoas que fazem isso não merecem nosso respeito, mas sim a sua denúncia aos órgãos públicos e, se comprovada sua culpa, a sua condenação.

Outra observação, que pode confundir as pessoas, é que podemos colher o sangue de uma pessoa e manter este sangue em estoque antes de uma cirurgia, por exemplo, e esta técnica é aprovada e eficiente para o tratamento de uma eventual hemorragia. Neste caso, o sangue será reintroduzido numa veia da pessoa e não injetada na musculatura. Portanto, esta técnica correta não pode ser confundida com a tal “autohemo” que seria retirar sangue e depois reintroduzir na mesma pessoa para tratar doenças.

É preciso então dizer claramente que esta técnica de retirar um pouco de sangue de uma pessoa para depois reintroduzir este sangue na mesma pessoa com a finalidade de tratar uma série de doenças é proibida por entidades de profissionais da saúde, como os conselhos federais de Medicina e de Farmácia (para ver a íntegra do parecer do CFM CLIQUE AQUI )

 

Por que é proibida?

Pelo motivo fundamental de que não há nenhum estudo científico mostrando que reintroduzir o sangue de uma pessoa nela mesma possa curar doenças tão diferentes como psoríase, câncer ou neurofibromatose, por exemplo.

Se um suposto tratamento não funciona, não justifica colocar a vida das pessoas em risco, porque a manipulação do sangue pode resultar em hematomas, infecções e outras complicações mais graves.

 

Mas por que os médicos ou cientistas não estudam esta técnica?

Porque para começar qualquer estudo científico precisamos de ter algum fato conhecido que indique o caminho daquela pesquisa, ou seja, precisamos de uma hipótese racional para começar o estudo.

Por exemplo, se alguém descobriu que os neurofibromas possuem muitas células que produzem histamina (que causa coceira, por exemplo), será que uma droga que diminua a histamina poderia parar o crescimento dos neurofibromas? Um exemplo desta hipótese racional são as pesquisas com o cetotifeno (ver aqui: https://amanf.org.br/cetotifeno-na-nf1/).

 

E qual a hipótese da auto-hemotransfusão?

Não há nenhuma hipótese racional baseada na anatomia, na biologia, na fisiologia ou na medicina que nos faça pensar que injetar o sangue na musculatura poderia causar algum benefício, pois o que vai acontecer é apenas um hematoma.

O hematoma é um acúmulo de sangue que sai dos vasos (artérias ou veias) e se mistura com os tecidos corporais. Quando acontece um hematoma, por trauma dos vasos, ele precisa ser reabsorvido pelo corpo, pois o lugar natural do sangue é dentro dos vasos.

O sistema imunológico reconhece que aquele sangue precisa ser removido dos tecidos e inicia um processo inflamatório que destrói os glóbulos vermelhos, passando da cor arroxeada do hematoma (quando visível sobre a pele) para a cor amarelo-esverdeado da decomposição da hemoglobina, que é eliminada pelo fígado.

Hematomas são problemas eventuais a serem resolvidos pelo organismo e não soluções para outros problemas de saúde.

 

E nos neurofibromas?

Não há qualquer ligação possível entre o processo natural de reabsorver o hematoma e o crescimento dos neurofibromas, os quais são produzidos por alterações genéticas que a pessoa traz com ela, desde a vida dentro do útero de sua mãe.

 

E por que algumas pessoas acham que funciona nelas?

Porque todos nós podemos acreditar que um tratamento está funcionando quando desejamos MUITO que ele funcione.

Principalmente quando as mudanças desejadas pelo tratamento são sutis, lentas ou de difícil medida.

E para sabermos se os neurofibromas estão crescendo ou diminuindo, precisamos registrar os neurofibromas em séries de fotografias ao longo de vários anos, contando e medindo cada um dos neurofibromas, como é feito na pesquisa da Dra. Sara de Castro Oliveira e do bolsista Matheus Cotrim em andamento em nosso Centro de Referência.

Conclusão

Não devemos usar auto-hemotransfusão porque é inútil, perigosa e porque é um crime.

 

“Ontem o senhor falou sobre efeitos de tratamentos alternativos para pessoas com NF. Mas os banhos de lama não têm um efeito psicológico bom? Então, o estado emocional da pessoa não poderia ajudar a evitar o crescimento dos neurofibromas? ” ARF, de Araxá, MG.
Cara A, obrigado pela sua pergunta e imagino que o fato de você ser de Araxá tenha motivado sua dúvida, pois sua cidade é conhecida também como um ponto turístico onde as pessoas podem realizar banhos de lama.
Começo esclarecendo que minha família é de Lambari, onde passei minha infância, e conheci os banhos térmicos com água mineral e com lama, os quais eram realizados em alguns hotéis da cidade, e todos acreditavam que eles possuíam efeitos terapêuticos sobre diversas doenças.
Esta crença sobre os benefícios dos banhos e da terapia com águas minerais era compartilhada pelos habitantes de Lambari, pelos turistas que aportavam à pequena cidade, vindos especialmente do Rio de Janeiro, e pelos poucos médicos que ali trabalhavam, entre eles meu pai, José Benedito Rodrigues. Há inclusive um ramo do conhecimento chamado crenologia (VER AQUI), que desapareceu dos cursos de medicina nos anos 50 do século passado.
Lembro-me que meu pai receitava, de acordo com cada doença por ele diagnosticada, tantos copos da água mineral número 1, ou número 2, ou a ferruginosa, ou a alcalina, etc., de tantas em tantas horas, de preferência em jejum, durante tantos dias ou semanas. Além disso, banhos de água mineral, passeios pelos parques e repouso adequado, além de uma dieta típica da região, faziam parte das recomendações de todos os médicos de Lambari, assim como de outras estâncias de águas minerais.
Às vezes, conforme a suposta gravidade do caso, eram prescritas dolorosíssimas injeções intramusculares de água mineral (!). Pelo menos uma vez eu mesmo cheguei a aplicar uma dessas injeções numa pobre pessoa, como parte do meu treinamento juvenil na farmácia Santo Antônio, uma espécie de estágio ao qual me submeti aos 14 anos e que fora providenciado pelo meu pai, uma vez que eu queria ser médico como ele.
E os turistas cariocas (que precisavam ter dinheiro para isso, é claro) passavam um mês “internados” em hotéis agradáveis, cuidando de sua saúde, passeando, bebendo água mineral, tomando banhos de água e de lama, descansando, alimentando-se de frango caipira com quiabo, jogando baralho para passar o tempo, conversando, fazendo caminhadas, evitando álcool e cigarro… 

Quem é que não melhora com uma vida assim? Especialmente se os problemas de saúde forem decorrentes de hábitos de vida inadequados, de uma vida estressante ou de ambientes poluídos.
No entanto, aquela mesma água não parecia fazer diferença na saúde dos habitantes da própria Lambari, que apresentavam índices de tuberculose, por exemplo, semelhantes ao restante do país, como meu pai constatara em uma grande pesquisa realizada por ele e outros colegas em todo o Sul de Minas.
Assim, como você mencionou, provavelmente havia alguma melhora no estado emocional das pessoas submetidas aos tratamentos nas estâncias hidrominerais, o que poderia ajudar a enfrentar a sua doença, fosse ela psicológica ou não. 

Sabemos que em toda ação terapêutica há uma parte dos efeitos que são decorrentes da crença, da esperança e da confiança da pessoa naquele tratamento e na pessoa que o está administrando. Todos sabem que este efeito se chama “efeito placebo”.
Assim, quanto mais estamos convencidos de que um determinado medicamento possui um efeito, por exemplo, analgésico, maior a nossa chance de sentirmos melhora da dor quando o ingerimos, ou mesmo quando ingerimos um comprimido de farinha achando que é o analgésico no qual confiamos. Por isso, somente recomendamos um medicamento quando o efeito dos comprimidos com a droga maior do que o efeito placebo produzido pelos comprimidos com farinha.
Retomando a dúvida sobre os “tratamentos alternativos” nas NF, todas aquelas práticas que eu mencionei anteriormente podem produzir algum efeito placebo se as pessoas acreditarem que elas funcionam: tratamentos utilizados nas medicinas antigas (chás, homeopatia, banhos, hidroterapia), dietas (jejum, restrição de um composto ou adição de outro, superalimentação, alimentos especiais) e práticas físicas (acupuntura, exercícios, meditação, etc.).
É preciso lembrar que este efeito placebo acontece naqueles aspectos subjetivos da doença, como na intensidade da dor, no bem-estar geral, no estado de humor, na depressão, na ansiedade ou sobre as dificuldades de aprendizado e de comportamento.
No entanto, mas posso estar enganado, eu não espero observar qualquer efeito placebo sobre o crescimento dos neurofibromas, ou dos schwannomas, ou dos gliomas, ou sobre a evolução das displasias ósseas.

Até a próxima semana.

Ontem afirmei que desconheço informações científicas sobre possíveis efeitos dos chamados “tratamentos alternativos” para as NF porque não existem estudos empregando os métodos adotados pela ciência nestas questões. Naturalmente, surge a pergunta: e por que não se estudam estas possibilidades terapêuticas na NF com métodos científicos?

Há duas respostas para isto.

A primeira resposta se refere à própria natureza dos problemas das NF. Sabemos que as manifestações das NF são múltiplas, complexas, e muito diferentes de uma pessoa para outra, e de evolução imprevisível. Isso tudo dificulta a sua medida objetiva que é exigida pela ciência. Veja, por exemplo, um comentário anterior sobre as dificuldades de medirmos cientificamente o crescimento dos neurofibromas cutâneos, um problema aparentemente simples (porque está visível aos nossos olhos), mas para o qual ainda não temos um método adequado para saber se eles estão crescendo ou não (VER AQUI).

Assim, mesmo os estudos científicos com medicamentos convencionais (como Lovastatina, Cetotifeno ou Imatinibe, por exemplo) enfrentam as dificuldades naturais da complexidade e variabilidade das neurofibromatoses. Por isso, demoram vários anos para chegar a conclusões seguras, custam grande investimento de pessoal e recursos financeiros e produzem resultados lentamente, passo a passo.

A segunda resposta é sobre a natureza do método científico. Todo estudo científico começa com uma hipótese a ser testada, ou seja, uma pergunta para a qual exista alguma suspeita de que seja verdadeira. Por exemplo, será que o medicamento Lovastatina (usado há muitos anos para baixar o colesterol) poderia melhorar as dificuldades de aprendizado escolar em crianças com NF1? Por que chegamos a esta pergunta? Porque um grupo de cientistas observara antes que camundongos geneticamente modificados para NF1 melhoraram o seu desempenho cognitivo em testes de laboratório. Ou seja, dali surgiu uma hipótese a ser testada em seres humanos.

Quando nós, cientistas, voltamos nossos olhos para os chamados tratamentos alternativos, não encontramos boas hipóteses a serem testadas nas pessoas com NF. Por exemplo, vamos imaginar um estudo que pode parecer interessante à primeira vista: será que banhos de lama na cidade de Lambari, Minas Gerais, poderiam diminuir os neurofibromas cutâneos?

Hum… Qual seria o efeito esperado por trás desta ideia? Talvez a lama pudesse conter elementos minerais que associados ao calor levariam à inibição do crescimento dos neurofibromas…. Será? Pode ser que sim, pode ser que não, ainda não o sabemos.

Nosso primeiro passo científico deve ser buscar algum estudo na literatura científica mundial que tenha testado banhos de lama em pessoas com NF1. Fui ao PubMed, o maior portal de artigos científicos do mundo (ver aqui o portal AQUI), e nada encontrei em termos de banhos de lama em geral, muito menos com a lama específica de Lambari. Este primeiro resultado nos faz pensar que esta ideia do banho de lama pode ser um caminho totalmente original ou pode se tratar de uma ideia equivocada.

Ainda com a lama de Lambari em mente, o segundo passo seria verificar se banhos de lama poderiam ter algum efeito em outras doenças, parecidas ou não com a NF1. Encontrei, novamente no PubMed, apenas cinco revisões científicas sobre os possíveis efeitos de banhos de lama em algumas doenças: fibromialgia, osteoartrite, psoríase, dermatite atópica, vitiligo, eczemas e reabilitação ortopédica. Os bons resultados dos banhos de lama nestas doenças não foram muito evidentes, do meu ponto de vista.

Além disso, nenhuma daquelas doenças estudadas nos banhos de lama possui mecanismos genéticos semelhantes aos processos envolvidos no crescimento dos neurofibromas. Algumas são doenças do sistema imune, outras são inflamatórias, outras são traumáticas. E, para completar, há um relato de transmissão de doenças infecciosas por meio dos banhos de lama, ou seja, um efeito colateral a ser considerado.

A gente começa a achar que nossa ideia de estudar banhos de lama na NF1 não tem uma boa justificativa científica. Num último recurso, haveria, pelo menos, algum relato de pessoas com NF1 que se submeteram a banhos de lama em Lambari e melhoraram (ou pioraram) de forma evidente os seus neurofibromas? Desconheço, pelo menos, por enquanto.

Em conclusão, ainda que conseguíssemos medir cientificamente o crescimento (ou diminuição) dos neurofibromas de forma segura, parece-me que não valeria a pena gastarmos meses e meses de dedicação dos voluntários com NF1 e do trabalho de cientistas, assim como recursos financeiros públicos nesta pesquisa sobre os efeitos dos banhos de lama sobre o crescimento dos neurofibromas cutâneos.

Você pode repetir os mesmos passos, que seguimos acima para o banho de lama, em todos os “tratamentos alternativos” já mencionados por mim: práticas relacionadas às medicinas antigas (chás, homeopatia, banhos, hidroterapia), dietas (alimentos especiais) práticas físicas (acupuntura, exercícios, meditação) para saber se há uma boa hipótese de estudo neles, a qual valha a pena para realizarmos um estudo científico para testar a sua possível eficácia nas NF.

Eu já tentei e ainda não encontrei.
Quem sabe você descobre algo nesse sentido?


“… O meu noivo é portador da NF1… Gostaria de saber se existe algum tratamento alternativo para neurofibromatose. ”. NG, de local não identificado.

Concluindo minha resposta para as perguntas da NG, vamos falar hoje de tratamento “alternativo” para NF.

Quando alguém me fala em “tratamento alternativo para as NF” percebo que geralmente a pessoa está se referindo a algo que não seria nem as cirurgias, nem os medicamentos fabricados pela indústria farmacêutica. Creio que os tratamentos estabelecidos pela fisioterapia, pela fonoaudiologia ou pela psicologia também não são o pensamento inicial de quem procura um tratamento alternativo para seu problema de saúde.

A expressão “tratamento alternativo” parece-me mais um desejo de encontrar práticas relacionadas às medicinas antigas (como chás, homeopatia, banhos, hidroterapia), ou dietas (sejam as tradicionais ou alimentos especiais) ou físicas (como acupuntura, exercícios, meditação, banhos) que pudessem curar ou melhorar os sinais e sintomas das NF.

Todos nós tememos, e com razão, as cirurgias e os efeitos colaterais dos medicamentos da medicina moderna, pois sabemos que toda cirurgia é também uma agressão ao nosso organismo e todo medicamento que funciona realmente tem que ter efeitos indesejáveis também, variando apenas sua gravidade.

Assim, temerosos dos danos da medicina moderna, saímos em busca de tratamentos “naturais” e, neste sentido, a água parece representar um verdadeiro ideal de benignidade, que faz com que, para quase todos os problemas de saúde, médicos e não médicos recomendem ao final de qualquer sugestão de tratamento: “…e beba bastante água! ”.

No entanto, a mais pura e cristalina água da fonte, se for ingerida mais rapidamente do que podemos eliminá-la pelos rins, se tornará um veneno fatal ao causar hipertensão craniana, convulsão e morte. Portanto, não é o fato de ser uma substância química (como a própria água, que é a famosa molécula de H2O) que irá produzir efeitos colaterais, mas o tipo da substância e a sua quantidade. Por exemplo, pequenas quantidades da substância cianureto de potássio, um veneno que está presente na mandioca, na maçã, nas amêndoas e cerejas, pode levar à morte rapidamente.

Ao contrário, a famosa penicilina cristalina, apesar de ser uma substância química extremamente dolorosa quando injetada em nosso corpo, se não produzir um dos seus efeitos raros (que é uma forma de alergia aguda e grave, a anafilaxia), é totalmente inofensiva para o nosso organismo, inclusive em altíssimas doses, atingindo apenas a reprodução de determinadas bactérias que causam certas infecções.

Voltando ao nosso tema central, o “tratamento alternativo” para as NF, é claro que determinados hábitos de vida, como bons relacionamentos sociais, alimentação adequada e exercícios regulares são recomendados para todas as pessoas, inclusive aquelas com NF, porque melhoram a qualidade e a expectativa média de vida, o que já foi comprovado em estudos científicos mundiais.

E são exatamente os métodos empregados nos estudos científicos que ainda não foram aplicados a diversas destas propostas de “tratamentos alternativos” para as NF. Por isso, desconheço qualquer efeito comprovado (sobre as NF) da homeopatia, da acupuntura, de banhos de lama, de banhos de saunas, da ingestão de chás, de dietas especiais e da meditação, entre outras práticas chamadas “alternativas”.

E por que não se estudam estas possibilidades terapêuticas na NF com métodos científicos? Amanhã tentarei responder esta questão.

“… O meu noivo é portador da NF1, faz acompanhamento frequente por meio de exames e consultas de rotina. Além disso, faz uso contínuo de medicamentos muito fortes e que não fazem o efeito esperado… cada vez que ele volta de uma consulta, vem com uma receita de remédios diferente”. NG, de local não identificado.

Cara N, continuando as respostas à sua pergunta de ontem, vamos falar hoje sobre medicamentos para NF e tratamento “alternativo.

Como sempre recordo a todos que me enviam perguntas pessoais, para responder com segurança devemos examinar pessoalmente seu noivo e para isto estamos à sua disposição pelo Sistema Único de Saúde no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Basta enviar um e-mail para agendar: adermato@hc.ufmg.br

Começando pelos medicamentos que ele usa, mesmo que você não tenha mencionado o nome dos remédios, é possível imaginar que estejam sendo receitados para ele medicamentos que não são específicos para a NF1, porque até este momento não existem medicamentos destinados ao tratamento da NF1.

Por exemplo, é possível que ele esteja usando algum analgésico (dor de cabeça crônica, por exemplo, é bastante comum em pessoas com NF1), ou para insônia (dificuldades para iniciar o sono ou para dormir várias horas seguidas também são comuns na as pessoas com NF1), ou para ansiedade (problemas de ajustes sociais e de comportamento podem ocorrer em pessoas com NF1), ou para convulsões (cerca de 10% das pessoas com NF1 apresentam convulsões em algum momento de sua vida), ou para outros sintomas que não são relacionados com a NF1.

Alguns medicamentos desenvolvidos para outros problemas de saúde têm sido testados em estudos científicos nas pessoas com NF1 em determinadas situações. Por exemplo, a Lovastatina é um medicamento criado há muitos anos para reduzir os níveis de colesterol e que talvez venha a ser útil nas dificuldades de aprendizado das pessoas com NF1.

O Cetotifeno é um medicamento desenvolvido também há muitos anos para o tratamento da asma alérgica e que o Dr. Vincent Riccardi experimentou como inibidor do crescimento dos neurofibromas, uma hipótese que ainda precisa ser comprovada com estudos mais amplos.

O Imatinibe é uma droga desenvolvida e utilizada no tratamento de certos tipos de tumores sólidos e que está sendo estudada nos casos de neurofibromas plexiformes em crescimento e sintomáticos.

Apesar de não existirem medicamentos para os problemas específicos da NF1, como deter o crescimento dos neurofibromas, dos gliomas ou das displasias ósseas, todas as pessoas com NF1 podem se beneficiar dos medicamentos já desenvolvidos para as complicações da sua doença que se comportam de maneira semelhante nas pessoas sem NF1. Por exemplo, se houver dor, podemos usar analgésicos como qualquer outra pessoa; se houver ansiedade, podemos recorrer à terapia psicológica assim como aos medicamentos próprios para as dificuldades psíquicas.

É natural que a maioria das pessoas com NF (e suas famílias) imagine que num dado momento será “descoberta” a “cura” das neurofibromatoses e que isto se dará por meio de “uma” droga (ou medicamento), de preferência algo “natural” ou “alternativo”, e, melhor ainda seria, que esta cura será alcançada com algum tipo de dieta ou alimento especial.

No entanto, para enfrentarmos os problemas de forma eficiente, precisamos vê-los de forma realista. Otimismo e pessimismo não ajudam a mudar a realidade.

Diante da grande complexidade das neurofibromatoses e da sua variabilidade de manifestação de uma pessoa para outra, acredito que é mais provável que sejam desenvolvidos (e de forma lenta) vários medicamentos destinados a controlar as diversas complicações das NF.

Assim, no momento, penso que é na busca do controle das complicações das NF que os cientistas devem investir sua energia, porque a “cura” das doenças genéticas possui grandes desafios, como já comentei anteriormente neste blog (para ver a discussão sobre CURA ou TRATAMENTO CLIQUE AQUI).

Amanhã, concluirei minha resposta para NG sobre tratamentos “alternativos” nas NF.

“Olá Doutor LOR, me deparei com um grupo de pessoas com NF dos Estados Unidos no Facebook, onde muitas estão comentando e postando sobre o uso de um suplemento alimentar de Curcuma longa, a princípio achei duas fotos de pessoas que estão fazendo uso e que aparentemente parece ter melhorado um pouco o tamanho dos neurofibromas, sou um pouco cético com esse tipo de medicina natural e evito ao máximo qualquer tipo de medicamento, então gostaria de saber a sua opinião sobre, já tinha visto? ” AF, de local não identificado.

Caro A, obrigado pela sua pergunta, que também foi feita a mim por outras pessoas, pois me parece que o assunto dominou as páginas do Facebook recentemente entre as pessoas com neurofibromatoses.

Revi meus arquivos científicos e procurei atualizar as informações que dispunha sobre os possíveis efeitos da curcumina (a substância química diferuloilmetano) sobre as neurofibromatoses.

A meu ver, há apenas dois estudos plenamente confiáveis sobre o tema: um do grupo alemão coordenado pelo Dr. Victor Mautner (ver o artigo completo AQUI) e outro do grupo norte americano coordenado pela Dra. Nancy Ratner (ver o artigo completo AQUI ). Mautner e Ratner são pesquisadores envolvidos com as neurofibromatoses há muitos anos e muito respeitados no meio científico.


Ambos são estudos de laboratório, realizados em cultura de tecidos (Mautner) e enxertos de tecidos em animais (Ratner). Ambos trabalharam apenas com células retiradas de neurofibrossarcomas (tumor maligno da bainha do nervo periférico), que podem acontecer em pessoas com neurofibromatose do tipo 1.

Ambos os estudos mostraram que a adição de curcumina diretamente sobre as células aumentou o efeito de agentes inibidores do crescimento das células cancerosas.

Além desses dois estudos, encontrei outros três, sobre os quais precisamos de manter cautela pois seus autores possuem interesses comerciais em produtos vendidos com a curcumina.

Dois deles são da autoria de Hiroshi Maruta, sobre o qual já comentei neste blog suas ideias sobre o uso de própolis nas neurofibromatoses (ver AQUI ).

O Dr. Maruta é sócio do Instituto NF Cure localizado na Austrália, que produz e vende produtos fitoterápicos à base de curcumina e outras ervas. Dr. Maruta apresenta suas ideias sobre uma causa única para as mais variadas doenças, misturando num pacote estranho e confuso o diabetes, as neurofibromatoses, a asma, a artrite, a epilepsia, a depressão, as infecções viróticas, a esquizofrenia, a dificuldade de aprendizado e etc. e promete tratar todas elas com seus produtos comerciais.

Mais uma vez, penso que o Dr. Maruta busca lucrar com o desespero das pessoas em busca de uma cura para as NF com dois novos artigos envolvendo a curcumina (ver AQUI e AQUI). Sinceramente, não creio ser possível confiar nas afirmativas do Dr. Maruta, pois ele nunca apresenta resultados de estudos cientificamente controlados.


Um último estudo que encontrei no PubMed, que menciona a curcumina relacionada com as NF, foi publicado por um grupo de cientistas sob a coordenação de Razelle Kurzrock, do Departamento de Investigação de Terapias para o Câncer, do Anderson Cancer Center, localizado em Houston, Texas, nos Estados Unidos (ver o artigo completo AQUI).

Este estudo do grupo de Kurzrock foi realizado com cultura de tecido criado a partir de células com mutação para o gene NF2 e os autores encontraram que a curcumina adicionada a um inibidor da formação da proteína do estresse induzida pelo calor (HSP70) reduziu o crescimento das células tumorais.

O estudo também observa que a biodisponibilidade (capacidade de uma substância atingir os tecidos alvo) da curcumina comercializada atualmente ainda é um fator limitante para seu uso em seres humanos e que novos produtos estão sendo testados para superar este problema. Curiosamente, o Dr. Kurzrock possui uma patente e recebe rendimentos dos lucros gerados pelas vendas de um produto que pretende exatamente resolver esta dificuldade.

Em resumo, apesar destes poucos resultados positivos da curcumina em estudos de laboratório, ainda estamos distantes do momento em que poderemos recomendar o seu uso em seres humanos com a segurança de que estaremos prescrevendo um medicamento eficiente.

Na última reunião da Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses (AMANF) um casal trouxe a questão se a fé religiosa poderia afetar o desenvolvimento da doença.



Sabemos que boa parte da população brasileira tem algum tipo de fé religiosa e a maioria é formada por cristãos (católicos, protestantes, evangélicos e espíritas), portanto, esta é uma pergunta importante e deve ser considerada. No entanto, é interessante notar que em mais de uma década de participação nestas reuniões mensais da AMANF é a primeira vez que me recordo deste tema ter sido colocado em discussão.
A possibilidade de a fé religiosa afetar a nossa saúde tem sido defendida por pessoas que acreditam que existe algo além da vida material. Por causa disso, alguns cientistas já tentaram estudar de forma objetiva se a fé, orações e procedimentos rituais religiosos poderiam mudar o curso das doenças. Os estudos científicos que pude ler até hoje não conseguiram demonstrar qualquer efeito físico (benéfico ou maléfico) sobre doenças objetivamente diagnosticadas como cânceres, por exemplo.
Por outro lado, não conheço qualquer estudo científico sobre os benefícios ou prejuízos da religiosidade de uma pessoa sobre a evolução natural da sua neurofibromatose, portanto, não posso responder com segurança sobre essa questão que nos interessa mais de perto.
Considerando as doenças em geral, sabe-se que ser diagnosticado com uma doença que ameaça a vida (como um câncer) causa grande estresse emocional e diminui a qualidade de vida. Há evidências de que o estresse excessivo leva a resultados piores no tratamento, por isso, reduzir o estresse mental é um dos objetivos dos tratamentos psicológicos e psiquiátricos. Algumas técnicas alternativas (yoga, meditação, etc.) também podem ser utilizadas. No entanto, uma revisão recente destas práticas alternativas para reduzir o estresse mental não incluiu as atividades religiosas entre elas (ver aqui artigo completo).

Por outro lado, considerando os problemas de comportamento (na NF1, especialmente), podemos indagar se a religiosidade teria algum papel nas doenças mentais. Outra revisão recente publicada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ver aqui o artigo completo) examinou os resultados de mais de 3 mil artigos científicos sobre as relações entre religiosidade e saúde mental. Os autores afirmam que há uma relação complexa entre religiosidade e saúde mental e que não podemos concluir de forma simplificada se a fé é “boa” ou “má”. Eles dizem que uma parte dos pacientes se beneficia enquanto outra parte piora em função sua religiosidade. Ou seja, a preocupações religiosas e espirituais podem tanto fazer parte do tratamento quanto do problema. Eles concluem que são necessários mais estudos científicos para se ter uma visão segura do assunto.
Em nosso Centro de Referência, parece-me que a maioria das pessoas com fé religiosa aceita como “vontade de Deus” o fato de possuírem uma das formas de neurofibromatose. Mesmo que não compreendam e/ou não questionem o motivo divino para terem “recebido” a doença, reagem positivamente na busca de melhor qualidade de vida, seguem os tratamentos necessários e não se culpam demasiadamente.
Outras pessoas com algum tipo de religiosidade percebem a doença como um castigo divino, perguntam-se o que fizeram de errado e acreditam que somente as orações e a fé poderão “resolver” o problema “quando Deus quiser”. Já ouvi, inclusive, a justificativa de que a neurofibromatose seria o resultado de erros em vidas passadas e a reencarnação com aquela doença seria uma forma de expiação do pecado original cometido.
Infelizmente, estas crenças fatalistas, deixando tudo “nas mãos de deus”, têm sido responsáveis por algumas famílias descuidarem do acompanhamento clínico de doença, às vezes perdendo-se o momento certo para fazer intervenções que poderiam modificar a qualidade ou mesmo salvar a vida da pessoa com neurofibromatose.
Como sou ateu, acredito na vida como uma grande maravilha da natureza, onde surgimos como seres humanos que precisam viver em sociedades, para os quais a solidariedade e o respeito ao próximo são fundamentais. Eu acredito que existe vida antes da mortee por isso deve ser vivida hoje, aproveitada para construir um amanhã melhor e respeitada sempre.
Penso, portanto, que os direitos de todos que devem ser garantidos, inclusive o direito de acreditar ou não em religião. Minha função no Centro de Referência e neste blog é apenas a de aconselhar e oferecer informações sobre as neurofibromatoses, e por isso respeito as escolhas de cada pessoa sobre o que deseja fazer com sua própria vida.
No entanto, especialmente quando se trata de crianças, as quais ainda não alcançaram a maturidade para escolher se querem ou não acreditar numa determinada religião, tenho a esperança de que a fé dos seus pais ajude a medicina a cuidar delas e não seja um obstáculo para sua felicidade.