Este espaço é destinado a opinião de pessoas com experiência em diversos assuntos relacionados com as neurofibromatoses.
Tenho recebido muitas perguntas sobre se devemos ou não vacinar.
Já respondi a maioria delas num texto anterior ( VER AQUI ), mas ontem o jornal inglês The Guardian publicou algumas dúvidas comuns sobre as vacinas e o que a ciência tem a responder sobre estas questões ( VER AQUI aqui o texto original em inglês).
Achei muito interessantes as respostas e resolvi adaptar para o português e compartilhar com vocês.
Dúvida 1 – Jovens saudáveis precisam de uma vacina contra a COVID
Embora seja verdade que as pessoas mais velhas estão em maior risco de doenças graves e morte, os mais jovens podem morrer e morrem de Covid-19.
De acordo com os últimos dados da Agência de Segurança sanitária do Reino Unido (UKHSA), houve 39 mortes entre 20 e 29 anos com COVID confirmado em laboratório na Inglaterra desde janeiro de 2021. Entre os de 30 a 39 anos, houve 185 óbitos no mesmo período. Esse total de mortes é inferior às 18.931 mortes em pessoas com mais de 80 anos, mas não podem ser desprezadas.
(Infelizmente, no Brasil, não temos estes dados de forma segura informados pelo Ministério da Saúde do Governo Bolsonaro)
Os jovens também podem apresentar formas graves da COVID e os benefícios diretamente para o jovem são muito maiores do que quaisquer riscos de vacinação.
Uma pesquisa realizada com 73.197 adultos britânicos que foram internados durante a primeira onda da pandemia descobriu que 27% dos jovens de 19 a 29 anos sofreram danos em seus rins, pulmões ou outros órgãos como resultado do Covid-19, enquanto 13% deixaram o hospital com uma capacidade reduzida para cuidar de si mesmos.
Dúvida 2 – O risco de miocardite é maior se tiver COVID do que tomando nas vacinas
A miocardite é uma inflamação ocasionada no músculo do coração e jovens do sexo masculino infectados com o vírus apresentam seis vezes mais chances de desenvolver miocardite do que aqueles que recebem a vacina.
Os dados do Comitê Consultivo de Práticas de Imunização dos EUA mostram uma taxa de cerca de 450 casos de miocardite em cada milhão de pessoas com infecção por COVID entre meninos de 12 a 17 anos, em comparação com 77 casos por milhão após a vacinação. Ou seja, a chance de miocardite é 5,8 vezes maior com COVIUD do que com as vacinas.
Outros dados científicos da Nature, com 38,6 milhões de pessoas com mais de 16 anos que foram vacinadas na Inglaterra identificaram um número extra de 2 a 6 casos de miocardite em cada milhão de pessoas nos 28 dias após receberem uma primeira dose das vacinas AstraZeneca, Pfizer ou Moderna, e mais 10 casos por milhão após uma segunda dose da vacina Moderna. Em comparação, ocorreram 40 casos por milhão de pessoas nos 28 dias após um teste de COVID positivo.
Ou seja, mais uma vez, o risco de miocardite foi cerca de 8 vezes maior com a COVID do que com as vacinas.
“Portanto, o risco de miocardite é substancialmente maior após a infecção por COVID do que a vacinação na população geral, embora seja muito pouco frequente após qualquer uma destas situações”, disse Nicholas Mills, professor de cardiologia da British Heart Foundation na Universidade de Edimburgo, que participou do estudo.
“A maioria dos relatórios sugere que, quando a miocardite surge após a vacinação, é leve e auto-limitante”, completou o especialista britânico.
Dúvida 3 – O vermífugo ivermectina parece inútil contra o vírus da COVID
De acordo com uma recente Revisão Cochrane, que analisou dados de vários estudos, não há provas ou evidências que sustentem o uso de ivermectina, seja para prevenir ou para tratar a COVID.
“Devido à falta de evidências de boa qualidade, não sabemos se a ivermectina administrada no hospital ou em um ambiente ambulatorial leva a mais ou menos mortes após um mês quando comparada com um placebo ou cuidados habituais”, disseram seus autores.
Dúvida 4 – As vacinas de RNA não são terapia genética
A terapia genética é uma forma de tratamento que altera de forma permanente o DNA da pessoa tratada.
As vacinas do tipo RNA mensageiro (mRNA) convencem nossas próprias células a fabricar a proteína da espícula do vírus, o que por sua vez estimula a produção de anticorpos. No entanto, as vacinas mRNA não alteram o nosso DNA, pois o processo de fabricação das proteínas acontece fora do núcleo das nossas células (onde fica o nosso DNA). Além disso, as proteínas formadas desaparecem após cerca de 72 horas.
Como as nossas células imunes são capazes de se lembrar de pedaços de vírus que encontraram dentro do nosso organismo, este encontro temporário do nosso sistema imune com as proteínas copiadas do vírus tem um efeito duradouro, nos protegendo contra o vírus inteiro, mas não altera nosso genoma.
Outros tipos de vacinas, como a vacina contra gripe ou hepatite B, também expõem o sistema imunológico a proteínas virais, embora elas cheguem ao nosso corpo pré-montadas.
Dúvida 5 – Quem já teve a COVID tem anticorpos, mesmo assim precisa vacinar
Embora a chamada imunidade natural seja capaz de fornecer alguma proteção contra novas infecções, a vacinação fortaleceria e estenderia a duração dessa resposta.
Cerca de uma em cada cinco pessoas que recebem COVID não gera uma resposta imune útil, e aqueles que forem posteriormente vacinados ganham um valioso efeito de reforço, aprofundando e aumentando sua resposta imune para que dure por mais tempo, e seja melhor capaz de reconhecer novas variantes.
Dúvida 6 – Interromper certas atividades não piora as coisas
De acordo com uma análise do impacto dos bloqueios e do distanciamento social em 11 países europeus, publicadas na Nature, tais medidas em conjunto têm um “efeito substancial”, evitando a transmissão do vírus para um número maior de pessoas.
O vírus é transmitido pelo ar e por isso a transmissão é mais provável dentro de casa, lojas, locais de trabalho, etc., principalmente se a ventilação for fraca. Mas o objetivo dos bloqueios é reduzir o número de contatos e, portanto, a probabilidade de encontrar alguém que seja infeccioso.
Em conclusão, vamos vacinar e manter o distanciamento social até que haja tão pouca gente infectada e a maioria vacinada de tal forma que a chance de surgirem novas variantes seja muito pequena.
Dr. Lor (vacinado, 3 doses, trabalhando em casa)
Fevereiro de 2022
Muitas mães e pais perguntam:
1 – Se devemos ou não vacinar as crianças, especialmente aquelas com NF
2 – Se as crianças com NF apresentam maior ou menor risco para a COVID
3 – Se as crianças com NF têm maior risco para efeitos colaterais das vacinas.
Compreendo que o fato de precisarmos decidir pelas crianças aumenta nossa carga emocional na escolha de vacinar ou não contra a COVID, como disse a médica Anna Bárbara Proietti. Por isso, estas dúvidas são legítimas e devemos conversar sobre elas com a maior tranquilidade possível.
Para dar a minha opinião, preciso falar de questões médicas, científicas e familiares envolvidas neste assunto.
Então, vou responder como médico, cientista e avô.
Se desejar, você pode reler algumas respostas que já publiquei neste site sobre a vacina para ADULTOS com NF1,:
- Por que estamos inseguros com a vacina? (publicada quando as mortes por COVID ainda estavam em 200 mil no Brasil) CLIQUE AQUI
- Por que a pandemia de COVID representa um risco maior para a saúde das pessoas com NF? CLIQUE AQUI
Mantenho as orientações para adultos que sugeri anteriormente e quero acrescentar hoje a parte referente às crianças com NF.
Minha resposta como médico
Sim, devemos vacinar as crianças contra a COVID, porque as vacinas existentes diminuem a chance da criança vacinada ficar doente com o coronavirus.
Mesmo que a criança seja infectada pelo coronavirus depois de vacinada, a vacina diminui a gravidade da doença e o risco de morte.
(É preciso lembrar que já morreram mais de 300 crianças de COVID, apenas no Brasil, ao contrário do que disse o presidente Bolsonaro).
(É preciso lembrar que as crianças com NF podem apresentar maior risco geral para sua saúde durante uma pandemia de COVID por causa da superlotação de hospitais e serviços de saúde).
Além disso, a vacina ajuda a interromper a cadeia de infecção de uma criança para outra ou de uma criança para um adulto ou idoso, reduzindo o número de pessoas infectadas na população.
Reduzir o número de pessoas infectadas é a principal maneira de diminuir a chance do vírus apresentar novas variantes, que podem ser mais agressivas.
Portanto, vacinar é um gesto de amor próprio e amor coletivo, pois retorna em benefício para todas as pessoas.
Não se vacinar pode ser uma visão egoísta do mundo e por isso sugiro um texto muito esclarecedor sobre isso CLIQUE AQUI
Minha resposta como cientista
Sim, devemos vacinar as crianças contra a COVID, porque centenas de estudos científicos realizados até o momento indicam que as vacinas existentes são seguras, não produzem efeitos colaterais importantes e nenhum caso de morte pela vacina foi registrado entre as crianças.
Sim, é verdade que ainda não sabemos exatamente o que pode acontecer no longo prazo com as pessoas que receberam as novas vacinas.
Esta é uma dúvida legítima por parte de algumas pessoas, mas elas precisam saber que todo o conhecimento científico disponível indica que não há motivo de preocupação com efeitos prejudiciais no longo prazo.
Por quê? Porque a reação do nosso organismo é apenas um aprendizado do sistema imune, que se fortalece com a vacina, tonando-se mais capaz de nos defender de mais um dos inumeráveis vírus que já estão catalogados na nossa biblioteca de anticorpos.
Mas devemos vacinar as crianças mesmo sabendo que a variante ômicron parece menos grave?
Sim, devemos vacinar nossas crianças também por causa da variante ômicron, como lembra a Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues, nossa colega do Centro de Referência em Neurofibromatoses da UFMG, ao destacar três trechos de um artigo da cientista Natália Parternak: Clique aqui para ver o artigo completo
Trecho 1:
Realmente, a ômicron parece causar doença menos grave do que a delta, e os dados de modelo animal reforçam essa impressão. Ao mesmo tempo, vemos um número crescente de hospitalizações entre não vacinados. Ainda que o número relativo de hospitalizações causadas pela ômicron seja menor do que a delta, em números absolutos, por se tratar de uma variante mais transmissível, ainda vai ter muita gente no hospital.
Trecho 2:
Não sabemos o quanto a ômicron é menos grave em humanos. E como sabemos que ela é mais eficiente em se transmitir, e se transmite entre vacinados, a probabilidade de chegar a pessoas vulneráveis é muito grande. O potencial de causar estrago da ômicron ainda é desconhecido e, diante destas incertezas, é preciso cautela. Os efeitos sociais também precisam ser levados em conta, pois com esta alta taxa de contaminação, a ômicron está acometendo equipes inteiras de trabalhadores de saúde.
Trecho 3:
O que isso muda na prática? Nada. A não ser por trazer um alívio de que a cepa dominante agora pelo menos parece menos letal, a ômicron não muda a necessidade de uma terceira dose de vacina – pelo contrário, aumenta, já que estudos mostram que três doses aumentam a proteção contra esta variante – e não reduz a necessidade do uso de máscaras e cuidados com o distanciamento social. O que a ômicron muda é nossa consciência social de que ou vacinamos o mundo inteiro o mais rápido possível, ou podemos não ter tanta sorte na próxima variante.
Minha resposta como avô
Queridas netas e netos, vocês sabem que, enquanto estão crescendo e se tornando pessoas plenamente responsáveis, nós mais velhos precisamos tomar algumas decisões que afetam a vida de vocês.
Acho que o amor deve orientar nossas escolhas, depois que compreendemos racionalmente os problemas em nossas vidas.
Mesmo que vocês ainda não tenham autonomia legal para escolherem se devem ou não receber a vacina, nós adultos temos o dever de explicar para vocês como as vacinas funcionam e a importância delas para a saúde de vocês.
Assim, vocês podem compreender que vacinar é um gesto de amor.
Algumas escolhas podem ser difíceis, mas esta decisão de vacinar contra a COVID é uma das escolhas mais tranquilas que podemos tomar.
O pequeno incômodo de uma injeção no braço de vocês “é promessa de vida no meu coração[i]”.
Uma vida longa, saudável e feliz.
Vovô Lor
[i] Trecho da música “Águas de março” de Antônio Carlos Jobim.
Esta é uma pergunta que recebo de muitas famílias que possuem uma filha ou um filho com NF1.
Para responder com segurança, o primeiro passo é saber se um dos pais tem a NF1.
Situação A – Quando um dos pais tem a NF1
Se um dos pais tem a NF1, então a chance de outra criança nascer com NF1 é de 1 chance em 2 (cara ou coroa, 50%) em cada gestação.
Assim, a resposta à pergunta acima seria: – Sim, você tem 50% de chance de ter outra criança com NF1 em qualquer outra gestação.
Ver esta situação na figura abaixo.
Legenda: Uma das células germinativas (o espermatozoide neste exemplo) possui a variante patogênica no gene NF1 e fecunda o óvulo (que não tem a variante). A criança apresentará as características da doença.
Situação B – Nenhum dos pais tem NF1
Mas se nenhum dos pais tem a NF1, então a chance de outra criança nascer com a NF1 é pequena, igual à da população em geral, ou seja, 1 chance em 3000 (0,03%) em cada gestação.
Se temos certeza de que nem o pai e nem a mãe apresentam critérios evidentes da NF1, mas já tem uma criança com NF1, podemos dizer que a doença desta criança é causada pelo aparecimento de uma variante nova.
Esta variante nova (antigamente chamada de mutação) pode ocorrer nos espermatozoides (80%) ou nos óvulos (20%) e surge por acaso, em pessoas QUE NÃO TEM A NF1, sem que o pai ou a mãe tenham feito qualquer coisa para isto acontecer.
Então, para responder à pergunta acima, precisamos ter certeza de que nem o pai e nem a mãe possuem NF1.
Como ter esta certeza?
Primeiramente, devemos realizar o exame físico presencial dos pais, conduzido por alguém com experiência clínica em neurofibromatoses.
Na maioria das vezes, este exame é capaz de identificar se um dos pais possui um dos sinais sugestivos de NF1, que são considerados critérios diagnósticos ( VER AQUI CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS 2021 ).
Se nenhum critério diagnóstico é encontrado neste exame clínico, solicitamos o exame oftalmológico dos pais com pesquisa de Nódulos de Lisch antes da dilatação das pupilas.
Se o exame clínico e o oftalmológico não indicam a NF1, geralmente respondemos à pergunta acima: – Bem, provavelmente o risco de ter uma nova criança com NF1 é muito pequeno, mas não podemos dizer que seria exatamente o mesmo da população em geral por causa de algumas situações raras e outras raríssimas (ver abaixo).
Neste sentido, preciso relatar que em nossa experiência no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, nos últimos 17 anos e com mais de 1800 famílias atendidas, jamais pudemos comprovar um caso de pais sem NF1 no exame clínico (Situação B) que tenham tido outro filho ou filha com NF1.
Situação C – Condições raras
Mesmo que os exames clínico e oftalmológico não encontrem critérios diagnósticos para o diagnóstico de NF1 em um dos pais, pode haver situações raras que geram alguma incerteza.
Por exemplo, se temos alguma dúvida no exame clínico presencial, (por exemplo, um dos pais possui menos de 5 manchas café com leite, ou efélides nas axilas, ou um neurofibroma etc.). Então, é preciso avançar a investigação com a análise do DNA da criança e dos pais.
Se a análise do DNA mostrar uma variante patogênica no gene NF1 do pai ou da mãe, então a resposta à pergunta acima é a mesma da Situação A (acima): – Sim, você tem 50% de chance de ter outra criança com NF1 em qualquer outra gestação.
Por outro lado, mesmo que a análise do gene NF1 venha com resultado negativo para variantes patogênicas no gene NF1 do pai e da mãe, há uma possibilidade rara de que um deles possua uma condição chamada NF1 em MOSAICISMO.
O mosaicismo significa que a pessoa possui a NF1 localizada apenas numa região do corpo [(que pode incluir um testículo (ou ambos) ou um ovário (ou ambos)], sem qualquer sinal da doença em outras partes do corpo.
Geralmente, os casos de mosaicismo apresentam alguns critérios diagnósticos visíveis e podemos suspeitar desta condição durante o exame físico. Às vezes identificamos o mosaicismo em partes do corpo que podem envolver os testículos ou os ovários (Figura abaixo).
Se isto ocorrer, corresponde à situação ilustrada abaixo.
Legenda: NF1 em mosaicismo na região inguinal de um homem que já gerou uma criança com NF1, atingindo um dos testículos. Se o espermatozoide que fecundar o óvulo for de um testículo acometido pela NF1 em mosaicismo, a criança formada apresentará a forma completa da doença.
A nossa resposta à pergunta acima, portanto, seria: – Bem, não sabemos exatamente a chance de você transmitir a NF1 numa nova gestação, mas provavelmente será entre 25 e 50%.
Situação D – Condições raríssimas
Uma outra possibilidade, ainda mais rara, é que a pessoa não apresente sinais de mosaicismo externos (manchas, efélides, neurofibromas, Lisch etc.), mas apresente mosaicismo apenas num dos testículos ou nos ovários, o que poderia produzir células germinativas com a variante patogênica do gene NF1.
Conheço apenas um relato na literatura mundial que comprovou esta situação, portanto é uma condição raríssima (VER AQUI ).
Conclusões
Podemos responder à pergunta acima de 3 formas:
- com probabilidade alta e conhecida de transmissão da doença (50%) quando um dos pais tem a NF1;
- com alerta para o risco maior quando um dos pais apresenta a NF1 na forma em mosaicismo (entre 25 e 50% – se houver envolvimento de testículo ou ovário);
- com probabilidade pequena (talvez um pouco maior que 0,03%), quando nenhum dos pais possui qualquer forma clínica da NF1 – ver estudo epidemiológico realizado na Inglaterra em 1989 CLIQUE AQUI
Em todas as situações acima, em que houver risco ou incerteza da transmissão da NF1, pode ser utilizada a inseminação artificial com seleção de embrião (VER AQUI) para a garantia da gestação de outros filhos sem a doença.
Dr. Lor
Dezembro 2021