Este espaço é destinado a opinião de pessoas com experiência em diversos assuntos relacionados com as neurofibromatoses.
Apresentei esta situação clínica para colegas com experiência em neurofibromatoses e as respostas estão reproduzidas abaixo na ordem em que chegaram.
Levando em conta os aspectos mais importantes na resposta de cada especialista, ao final resumo algumas condutas que procuram respeitar a maioria das respostas enviadas.
Atenção para a decisão compartilhada
Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues (Especialista em Medicina Baseada em Evidências)
A Dra. Luíza lembra a necessidade de adotarmos “a abordagem da Decisão Compartilhada, na qual a opção de investigação genética sempre deve ser discutida. Ela deve ser exposta, com seus prós e contras, para a pessoa e sua família decidirem. Segundo ela, talvez não venhamos a encontrar evidências suficientes para respaldar apenas uma abordagem (aprofundar a investigação) ou outra (acompanhamento clínico apenas) de forma definitiva. Pois o balanço de risco/benefício parece bastante equilibrado. Assim, cabe a nós (equipe médica) somente expor as opções, tentando ajudar a pessoa e sua família a perceberem qual é o seu próprio desejo e/ou necessidade.
Como exemplo, alguns artigos discutem essa questão de uma perspectiva ética. Em um deles, sobre realizar ou não teste genético para diagnosticar uma doença (não NF) que só traria sintomas mais tarde e pra qual só há tratamento quando se manifesta (bastante análogo à situação aqui), observou-se que quando perguntadas, cerca de 1/3 das pessoas queria fazer um teste para sabe o diagnóstico; 1/3 não queria saber; e 1/3 cogitaria fazer o teste. Ou seja, um resultado no qual uma recomendação única não é possível.
Portanto, é fundamental a escuta dos desejos da família e da criança e a exploração dos cenários em relação ao teste e seus resultados”.
Algumas medidas podem ser definidas
Dr. Vincent Riccardi (médico na Califórnia e pioneiro no atendimento das NF)
Dr. Nilton Alves de Rezende (professor da UFMG e fundador do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais – CRNF)
Dr. Riccardi afirma que todas as crianças com menos de 5 manchas café com leite e sem outros critérios para NF1 devem realizar exame oftalmológico para afastar Nódulos de Lisch, alterações da coroide, membranas epirretinianas e opacidades do cristalino.
Ele também recomenda a análise do painel genético para os genes NF1, NF2 e SPRED1, pois o primeiro passo é “identificar uma variante patogênica causal, que nos permite tentar auxiliar as famílias a diferenciar o que são achados da doença, suas manifestações e suas eventuais complicações. Porque as informações que já dispomos nos tornam aptos a reduzir o fardo do diagnóstico para as famílias”.
Dr. Nilton tem uma visão semelhante e concorda com a indicação dos exames oftalmológico e genético, reforçando a necessidade da tomografia de coerência óptica em torno dos 5 anos.
Cuidado com o peso da informação médica
Dr. Bruno Cezar Cota Lage (responsável pelo atendimento no CRNF e doutorando na FM da UFMG)
O Dr. Bruno respondeu que concorda com a Dra. Luíza, embora lembre que há uma tendência dos pais para optarem pelo teste genético.
“Em muitas dessas situações, após eu explicar os prós e contras, a família me pergunta o que eu faria na situação vivida por eles. É uma pergunta difícil de responder, pois tenho que contextualizar o fato de eu ser especialista na doença, como um peso na balança a favor de realizar a investigação genética. Por maior que seja a minha empatia e a compreensão de todo o contexto, não sei se conseguimos a dimensão exata dos sentimentos dos pais. Ao final, nessas ocasiões tenho a sensação um pouco frustrante de que a minha fala final, por mais cuidadosa que seja, interfere diretamente na decisão tomada pelos pais, quando optam por fazer o exame genético.”
A especificidade de cada caso
Dra. Rayana Elias Maia (geneticista, com doutorado em NF)
A Dra. Rayana concorda que é realmente uma tarefa difícil escolhermos uma conduta única, pois é fundamental avaliar caso a caso. Ela lembra que “o tipo, tamanho e distribuição das manchas no corpo vão orientar melhor a conduta. Diante de manchas café ao leite “típicas” sem outro critério para NF1 e nenhuma outra alteração clínica (dismorfias, malformação, baixa estatura/peso ou atraso do desenvolvimento neuropsicomotor) ela tem orientado para que se mantenha uma observação de sinais e sintomas de alerta, programando alguma reavaliação se for uma criança muito pequena.
Tanto na Neurofibromatose do tipo 2 quanto na Schwannomatose (SCW) as manifestações são mais tardias e sem tratamento específico de forma geral. Além disso, na criança sem outros sintomas, considerando que também existe a chance de a investigação vir normal ou com variantes de significado incerto, deve-se discutir com a família a possibilidade de seguimento clínico”.
Dra. Rayana concluiu que, “apesar da angústia para “desvendarmos” o significado das manchas, encontrar variantes duvidosas também gera ansiedade. Além disso, é angustiante chegar a um diagnóstico em uma idade em que não há benefício clínico e que pode acarretar impacto psicológico nos menores portadores e suas famílias diante da incerteza do prognóstico”.
A partir das respostas acima, vejamos a seguir algumas condutas possíveis para crianças com menos de 5 manchas café com leite e sem outros critérios diagnósticos.
1 – Quando as manchas são mais “típicas”
O formato mais comum de manchas café com leite nas pessoas com NF1 são manchas ovaladas, de limites precisos e tonalidade homogênea, geralmente de 10 a 30 mm de diâmetro e algumas podem ter as bordas um pouco irregulares.
- Quando menos de 5 manchas desse tipo estão presentes também em um dos pais (ou ambos, ou irmãos), mas sem quaisquer outros critérios para NF, podemos considerar como diagnóstico provável a mancha café com leite familial (2, 3) (um polimorfismo no gene NF1). Neste caso, sugerimos vida normal.
- No entanto, quando a criança é o primeiro caso na família, precisamos considerar a possibilidade de ser: NF1 em mosaicismo ou Síndrome de Legius em mosaicismo ou NF2 ou Schwannomatose (SCW), pois todas estas situações, EMBORA MUITO MAIS RARAS, podem apresentar manchas café com leite em pequeno número.
- Manchas agrupadas – Se as manchas estão agrupadas em apenas alguma parte do corpo, há uma possibilidade de ser qualquer uma das doenças acima na sua forma em mosaicismo. A foto abaixo foi feita em uma criança com suspeita de NF1 ou Legius em mosaicismo – notar que ela apresenta manchas café com leite e efélides em apenas um segmento do corpo: a parte direita do tórax).
- Manchas espalhadas pelo corpo – Se não há indícios de mosaicismo, há a possibilidade de ser NF do tipo 2 ou Schwannomatose (SCW).
Em todas as situações acima, é preciso considerar na Decisão Compartilhada se devemos dar continuidade à investigação genética ou mantermos apenas a observação clínica por uns anos, monitorando outros sinais ou sintomas.
Devemos lembrar aos pais que NF1 em mosaicismo, Legius em mosaicismo, NF2 e SCW, são doenças ainda incuráveis. Se pedirmos a análise do painel genético e o resultado vier negativo, todos ficaríamos tranquilos. Mas se o resultado for positivo para NF1, Legius, NF2 ou SCW, ele adicionaria um sofrimento antecipado à família, que passaria muitos anos à espera das possíveis e variáveis manifestações destas doenças.
Assim, é preciso discutir com a família se haveria alguma vantagem para a criança em saberem algum destes diagnósticos com tanta antecedência.
2 – Quando as manchas são “atípicas”
Denominamos de manchas café com leite atípicas aquelas que são irregulares, de limites imprecisos e tonalidade variável, muitas delas maiores do que 3 cm.
Estas manchas podem estar ou não associadas a outros sintomas, especialmente neurológicos e musculoesqueléticos.
Quando se distribuem em grandes áreas formando mosaicismos, devemos considerar a possibilidade de ser mosaicismo pigmentar, uma condição congênita de variação na expressão do genoma das células da pele durante a fase embrionária, que podem ser benignas ou estarem associadas a outras doenças genéticas.
Em 2018, uma revisão extensa sobre mosaicismo pigmentar mostrou que uma parte das pessoas (cerca de 30%) apresenta outras alterações clínicas de gravidade variável, indicando a necessidade de complementação diagnóstica.
Assim, devemos discutir na Decisão Compartilhada a indicação de consulta com geneticista para investigar as doenças possíveis sugeridas pelo artigo de revisão.
Finalmente, não devemos esquecer que as manchas café com leite podem estar presentes em outras condições clínicas, como:
- Mancha café com leite isolada (10% da população)
- Síndrome de deficiência de reparo do DNA
- Síndrome de Noonan
- Piebaldismo
- Síndrome de Bloom
- Anemia de Fanconi
Para saber o diagnóstico diferencial destas doenças, VER NOSSO ARTIGO – EM INGLÊS – 2014.
Conclusão
A presença de menos de 5 manchas café com leite numa criança sem outros sinais ou sintomas geralmente significa um bom prognóstico, mas a conduta a ser seguida constitui um desafio clínico para a equipe médica e uma decisão difícil para as famílias.
Dr Lor
Abril de 2022
Referências
- Revisão sobre mosaicismo pigmentar – https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5839061/pdf/13023_2018_Article_778.pdf
- Manchas café com leite familiares Arnsmeier SL, Riccardi VM, Paller AS. Familial multiple cafe au lait spots. Arch Dermatol 130(11):1425-6, 1994.
- Manchas café com leite familiares https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1051784/
“Tenho NF1, estou com 32 anos e grávida de dois meses. É possível saber se o bebê tem NF1? Posso fazer este exame pelo SUS?” AGP, de Recife.
Cara A., obrigado pela sua pergunta.
Como já sabe, quando um dos pais apresenta a NF1 há uma probabilidade de 50% da doença ser transmitida para o bebê. Se desejar mais esclarecimentos sobre isto, sugiro VER AQUI
Sobre a possibilidade de diagnosticar a NF1 antes dele nascer, pedi ao amigo e excelente geneticista curitibano Dr. Salmo Raskin que nos explicasse esta questão.
Veja a resposta dele.
“O ideal seria fazer primeiro o exame molecular na mãe, identificar a variante genética patogênica (a mutação que causa a doença da mãe), e aí testar especificamente se a variante está presente no líquido amniótico (que envolve o bebê dentro do útero), o qual pode ser obtido por amniocentese (ou seja, uma punção com anestesia local).
Também seria possível fazer a análise completa do gene nas células do bebê (chamadas de amniócitos) obtidas no líquido obtido pela punção, sem testar previamente a mãe. Neste caso (sem testar a mãe), só teríamos confiança no resultado se desse uma mutação claramente patogênica nos amniócitos. Mas, ao contrário, se viesse um resultado normal, ficaríamos na dúvida se deu negativo por que realmente o bebê não herdou a mutação da mãe, ou deu negativo porque o teste não conseguiu detectar uma mutação existente. Daí a importância, se possível, de identificar a mutação na mãe antes de testar o feto.
Quanto a realizar este exame pelo SUS, neste momento, não acredito que seja possível.”
Agradeço o esclarecimento do Dr. Salmo Raskin convido você a ler outro post que fizemos sobre este assunto VER AQUI
Para finalizar, desejo lembrar que temos defendido que o SUS ofereça os exames necessários às pessoas com NF para que possam desfrutar de seu direito humano de ter filhos com autonomia e segurança VER AQUI .
Dr Lor
Temos recebido pedidos de esclarecimento por parte de várias famílias sobre como podem obter o apoio da escola para as necessidades educacionais de suas crianças com NF1.
Uma delas foi a Meire, que participou de nosso encontro do CRNF com as famílias no último sábado. A nossa presidenta da AMANF, Adriana Venuto respondeu a esta questão.
Bom dia, Meire. Espero que você e seu filho estejam bem.
Meu nome é Adriana Venuto. Sou mãe de uma menina com NF1 e sou professora. Eu entendo o que você está passando. Então, espero ajudá-la.
O seu filho está protegido pela Lei 13.146 de 2015 (ver a lei CLICANDO AQUI)
A Lei 13.146 deve ser seguida por todas as escolas do Brasil, sejam públicas ou privadas.
Esta lei garante que todos os estudantes terão direito ao “amparo pedagógico”. Não há discussão quanto a isso.
O que significa, de forma bem resumida, o amparo pedagógico?
1) A escola tem que traçar um plano para entender quais são as necessidades específicas do seu filho.
2) Depois de entender as necessidades do seu filho, a escola precisa criar um Plano Educacional Individualizado. O plano educacional individualizado (PEI) é um instrumento de planejamento e acompanhamento do processo de aprendizagem e desenvolvimento de estudantes com deficiência. Ele ajuda a compreender quais os conhecimentos prévios e suas particularidades no processo de aprendizado.
3) A escola precisa oferecer, caso seu filho necessite, um Profissional de Apoio Escolar. O profissional é a pessoa que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária.
4) A escola deve fazer Adaptação do material de estudo e de aprendizado.
5) A escola deve ampliar o tempo para realização de atividades avaliativas.
São muitos os tipos de amparo, acima eu só citei alguns. Na maioria das escolas é a equipe de pedagogia da escola é quem faz o amparo pedagógico.
Sendo direito de nossas crianças, o caminho para conseguir o apoio, em geral, é o seguinte:
1º – A escola deve enviar um documento para a secretaria de educação explicando o que seu filho precisa.
2º – Caso o pedido da escola não seja atendido ou esteja demorando, peça a pedagoga da escola para te enviar um documento dizendo qual tipo de amparo pedagógico a escola não consegue oferecer para seu filho.
3º – Com o documento da escola em mãos, vá até o Conselho Tutelar.
O conselho tutelar atua por regiões da cidade. Achei um link para você pesquisar qual é o conselho que atende sua região (por exemplo, no seu caso: https://www.vilavelha.es.gov.br/setor/assistencia-social/conselhos-tutelare )
Você pode ligar antes de ir ao conselho para saber quais documentos deve levar.
Eu acho que quando for ao Conselho Tutelar você deve levar, pelo menos, os seguintes documentos:
- A sua carteira de identidade;
- A certidão de nascimento ou carteira do seu filho;
- Seu comprovante de endereço;
- Comprovante de matrícula na escola;
- O documento da escola;
- Todos os laudos médicos e pedagógicos comprovando as necessidades especiais do seu filho.
O Conselho Tutelar tem a tarefa alertar a secretaria de educação que ela está descumprindo a lei. Se não der certo, ou seja, se o alerta não funcionar, o Conselho vai levar o caso do seu filho para a justiça.
Não desista, o processo pode ser demorado, mas vale a pena.
Enquanto as coisas não se resolvem, faça parceria com a escola.
Peça orientações do que você deve fazer e cobre da escola o que ela pode oferecer ao seu filho.
Se você puder, faça reuniões periódicas com a pedagoga.
O interesse das mães leva a escola a buscar alternativas para atender nossos filhos.
Espero que tudo dê certo para vocês.
Abraços,
Adriana Venuto