Convidei a Dra. Pollyanna Barros Batista para comentar um dos temas livres do Congresso de Neurofibromatose em Washington, que se encerrou na semana passada. Dra. Pollyanna participa do CRNF há mais de uma década, contribuindo com diversos conhecimentos originais sobre os problemas fonoaudiológicos na NF1 e nas Schwannomatoses.
Dr. Lor
Pollyanna Barros Batista
Fonoaudióloga
Doutora e Mestre em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto
Especialista em Linguagem pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia
Idealizadora da Plataforma Hey Ear
Durante a NF Conference 2025, um dos pôsteres que mais chamou minha atenção foi o trabalho da Dra. Anna Wild e sua equipe da Universidade de Manchester, intitulado “Examining the Effect of Non-Invasive Brain Stimulation on Working Memory in NF1”. Trata-se de uma investigação ousada, que busca compreender como dois tipos de estimulação cerebral – a transcranial direct current stimulation (tDCS) e a transcranial alternating current stimulation (tACS) – podem influenciar a memória de trabalho em adolescentes com Neurofibromatose tipo 1 (NF1).
A escolha do foco na memória de trabalho não é trivial. Sabemos que muitas pessoas com NF1 enfrentam dificuldades cognitivas importantes, sobretudo em funções executivas como atenção, memória e controle inibitório. Esses desafios impactam diretamente a aprendizagem, o comportamento e a qualidade de vida, especialmente na infância e adolescência.
O estudo avaliou 30 adolescentes entre 11 e 17 anos com NF1, submetendo-os a sessões de tDCS, tACS ou estimulação simulada (sham), enquanto realizavam tarefas cognitivas em ambiente de ressonância magnética. A pesquisa é inovadora por utilizar espectroscopia funcional (fMRS) para medir em tempo real o equilíbrio entre os sistemas excitatório (glutamato) e inibitório (GABA) no cérebro – um tema central na compreensão das alterações neurológicas da NF1. No poster, como pontos negativos, não foram citados o tempo que cada participante foi submetido ao estímulo, a intensidade da corrente elétrica quando utilizaram o tDCS e as áreas em que foram posicionados os eletrodos.
Os resultados preliminares, com metade da amostra analisada (n=15), indicam que a tACS foi mais eficaz do que a tDCS em melhorar o desempenho em uma tarefa de memória de trabalho (2-back), embora nenhum dos métodos tenha promovido ganhos sustentados após o término de 3 encontros com a estimulação.
Outro achado relevante foi o aumento da atividade glutamatérgica durante as sessões de estimulação, sugerindo que ambas as técnicas têm potencial de modular a atividade cerebral. Contudo, os autores não encontraram uma relação direta entre esses níveis bioquímicos e as mudanças no desempenho das tarefas cognitivas – o que nos mostra que os mecanismos por trás desses efeitos ainda são complexos e precisam ser melhor compreendidos.
Como fonoaudióloga atuante na área de linguagem e neurodesenvolvimento, vejo esse estudo como um passo importante no caminho da personalização das terapias para pessoas com NF1. A estimulação cerebral não-invasiva ainda é uma tecnologia em fase experimental nesse público, mas carrega consigo a promessa de ser incorporada, futuramente, a programas terapêuticos mais eficazes e direcionados.
É claro que são necessários ensaios clínicos maiores e mais robustos, como os próprios autores reconhecem. Mas o fato de estarmos investigando essas possibilidades com rigor científico já é motivo de otimismo. Estudos como esse alimentam a esperança de que, no futuro, possamos oferecer abordagens terapêuticas mais precisas, que respeitem as particularidades neurobiológicas de quem vive com NF1.
Uma leitora pergunta sobre um estudo científico que foi feito sobre os efeitos de uma nova droga, que pode vir a ser investigada nos problemas cognitivos das pessoas com NF1 (VER AQUI)
É uma substância que já está sendo testada como alternativa no tratamento das dificuldades cognitivas na Doença de Alzheimer e na esquizofrenia. A droga ainda não tem um nome comercial (seu código de estudo é SB258585 – VER AQUI ). Ela ativa inversamente os receptores da serotonina (5-HT6) na área pré-frontal do cérebro, inibindo uma cascata de eventos metabólicos na via denominada mTOR, de forma semelhante a outra droga, a rapamicina, mas sem os efeitos colaterais (tóxicos e imunossupressores) desta última.
O estudo foi realizado na França, com camundongos geneticamente modificados para apresentarem problemas cognitivos semelhantes aos apresentados pelas pessoas com NF1. (Estudo completo – em inglês: VER AQUI ).
Os resultados sugerem que o medicamento inibiu a via mTOR (que também está envolvida no crescimentos dos tumores na NF1) e reverteu as dificuldades cognitivas e de socialização dos camundongos (especialmente no longo prazo) e que por isso a droga deveria ser estudada em seres humanos, uma vez que ela é bem tolerada.
Por enquanto estas são as informações disponíveis.
Aos poucos, vamos reunindo novos conhecimentos para no futuro podermos ajudar de forma mais eficiente as pessoas com NF1 a enfrentar seus problemas cognitivos (80% delas) e comportamentais (50%).
Dra Juliana faz seu breve relato do último dia do evento (24/06/25).
O último dia foi dedicado aos estudos translacionais (das ciências básicas para a clínica), com muita ciência básica e conjecturas quanto a possíveis usos futuros em estudos clínicos.
A chave de ouro para este encontro, já muito interessante e proveitoso até aqui, foi a palestra do Dr. Luis Parada. Aquele show de sempre! A palestra dele foi a última da Conferência e, ainda assim, estava cheia.
As atividades de hoje demonstram que os estudos translacionais (aqueles que são feitos in vitro e em modelos animais) seguem acontecendo (independentemente do uso mais amplo dos iMEK) com a testagem de novos compostos possivelmente úteis para o tratamento dos tumores relacionados às Neurofibromatoses.
Aqui vão algumas notas no apagar das luzes.
Modelo Celular de células de Schwann humanas (estudos in vitro) – drogas testadas: trametinibe, BETi e fimepinostat (nome em inglês) produzem apoptose em cultura de células de Schwann – possível alvo em tratamento futuro?
A questão da perda total da neurofibromina (segundo hit)
A Nf1 está associada a diferentes variantes somáticas em células normais (esta apresentação mostra como a questão do segundo hit é incerta na nf1). O que parece é que os sinais e sintomas da NF1 estão geralmente associados ao segundo hit somático.
Segundos hits em células que parecem morfologicamente normais, quer este segundo hit aconteça cedo ou tarde na embriogênese, mantém-se sob seleção positiva, especialmente em tecidos derivados do neuroectoderma e do baço.
O estudo apresentado mostrou isso em células do cérebro e da medula.
Ver foto abaixo.
Palestra do Dr. Luis Parada – avanços nas pesquisas para Tumor maligno da bainha do nervo periférico (MPNST). As drogas testadas: Gliodicine e Gichol (nomes em inglês). A principal mensagem foi no sentido de buscar alvos terapêuticos no metabolismo das células neoplásicas e, não exclusivamente, na variante patogênica que elas apresentam. Os resultados apresentados são preliminares e ainda não publicados. Aguardamos a publicação.
A conferência deste ano foi ótima e fico satisfeita de ter participado. Fica o desejo de estarmos presentes, em Denver, no ano que vem!