A leitora A.C.C., do Rio de Janeiro, pergunta: “Por que vocês não descobrem a cura destes caroços na pele? ”
Cara A., sua pergunta é muito importante. Você deve estar se referindo aos neurofibromas cutâneos, que aparecem em quase todas as pessoas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1), geralmente a partir da adolescência, e que provocam grande discriminação social.
Em todo o mundo, existem cerca de 2 milhões de pessoas com neurofibromatoses (NF1, NF2 e Schwannomatose) e centenas de cientistas em diversos países trabalham há alguns anos para descobrir tratamentos para estas doenças genéticas.
Há pesquisas científicas que tentam descobrir como “consertar” os defeitos genéticos (mutações) que causam as neurofibromatoses. Estes estudos são sofisticados, envolvem grandes recursos financeiros e estão avançando aos poucos: num futuro próximo talvez tenhamos disponíveis técnicas moleculares para editarmos os genes com mutações patológicas. Mas ainda não podemos fazer isto na prática clínica.
Outras pesquisas procuram descobrir tratamentos para as complicações possíveis das neurofibromatoses: tumores, manchas, dificuldades cognitivas, convulsões, dor, surdez, pressão alta, perda de força, quedas, transformação maligna e outros problemas. Estes estudos também requerem grandes recursos financeiros e são várias linhas de frente, cada uma delas enfrentando um tipo de complicação.
As complicações mais estudadas internacionalmente tem sido aquelas mais graves, que ameaçam a vida das pessoas, que trazem grandes deformidades ou grande sofrimento. Por exemplo, um dos primeiros alvos das pesquisas científicas na NF1 tem sido os neurofibromas chamados plexiformes, que são congênitos, ou seja, já estão presentes ao nascimento. Eles nos preocupam porque podem se tornar volumosos, causar grandes deformidades, provocar dor intensa e se transformarem em tumores malignos. Existem diversos medicamentos sendo testados neste momento para estes tumores, mas ainda não temos um consenso sobre sua eficiência.
Outro exemplo, desta vez na NF2, são os tumores chamados schwannomas vestibulares e os meningiomas que recebem grande atenção por parte dos cientistas, porque podem causar surdez, convulsões e outras complicações neurológicas. Da mesma forma, temos drogas sendo experimentadas buscando a redução destes tumores, mas ainda não há uma evidência científica de que alguma delas seja eficaz.
A solução atual, portanto, é a cirurgia para remoção destes tumores da NF1 e da NF2, quando ela pode ser realizada, ou os tratamentos dos sintomas provocados.
Quanto aos neurofibromas cutâneos, em virtude de trazerem problema estético sem ameaçar a vida (pois nunca se tornam malignos) eles ficaram em segundo plano nas pesquisas internacionais até o Congresso Mundial em Neurofibromatoses, realizado em Paris em novembro de 2018, durante o qual estabelecemos que buscar o tratamento para estes tumores é agora a prioridade de uma força tarefa internacional à qual o nosso Centro de Referência se juntou.
Assim, estamos participando com pesquisas que procuram conhecer os mecanismos de formação e a taxa de crescimento dos neurofibromas cutâneos (ver AQUI a pesquisa da Dra. Sara de Castro Oliveira ).
No entanto, cara ACC, toda pesquisa científica precisa de recursos financeiros para ser realizada e por isso preciso comentar com você a situação dos pesquisadores brasileiros neste momento.
Enquanto os grupos internacionais de cientistas dedicados às neurofibromatoses (especialmente dos Estados Unidos, Europa e China) recebem dezenas de milhões de dólares anuais para suas pesquisas, nos últimos 15 anos no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas nós contamos apenas com a infraestrutura da Universidade Federal de Minas Gerais (salas para atendimento pelo SUS) e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – que é o principal financiador das pesquisas brasileiras). Do CNPq recebemos, em média, apenas 12 mil reais por ano para realizarmos nossos estudos. A FAPEMIG também nos ajudou com cerca de 30 mil reais num destes anos passados.
Desta forma, fica claro que com tão poucos recursos, nossas pesquisas não podem ter os mesmos objetivos das pesquisas sofisticadas realizadas nos países desenvolvidos. Por isso, nos dedicamos a realizar estudos mais relacionados com o diagnóstico do que com o tratamento das neurofibromatoses, porque eles são mais baratos. Utilizamos o que temos à mão, que é muito pouco, é preciso que todos saibam.
Recentemente, o atual presidente eleito disse que as universidades públicas não produzem conhecimento científico. É lamentável que ele não saiba que 95% do conhecimento científico produzido no Brasil vem das Universidades Públicas (ver AQUI ).
No entanto, o investimento do governo em pesquisa está abaixo da média mundial (apesar do Brasil ser a oitava economia do mundo), e assim fica mais difícil descobrir conhecimentos importantes no mesmo ritmo que os demais países.
Apesar disso, mesmo com nossa minguada cota de recursos financeiros, nosso Centro de Referências em Neurofibromatoses do HC da UFMG produziu informações relevantes e inéditas para a comunidade internacional. Descobrimos que as pessoas com NF1 apresentam:
- Alterações da orofaringe que atrapalham a voz e a fala; VER AQUI
- Desordem do processamento auditivo (escuta bem, mas entende mal); VER AQUI
- Redução da força muscular; VER AQUI
- Redução da capacidade aeróbica e fadiga precoce; VER AQUI
- Disfunção endotelial; VER AQUI
- Sinal característico dos dedos dos pés que se relaciona com a deleção completa do gene, que são os casos mais graves; VER AQUI
- Amusia, ou seja, dificuldade para perceber e reproduzir a música; VER AQUI
- Invisibilidade social; VER AQUI
- Neuropatia autonômica com redução da capacidade de regular a temperatura corporal; VER AQUI
- Melhora cognitiva com uma técnica especial de fonoterapia; VER AQUI
- Maior sensibilidade à insulina; VER AQUI
- Menor risco de diabetes do tipo 2; VER AQUI
- Piora da dificuldade cognitiva com a associação de determinados genes; VER AQUI
- Possíveis marcadores imunológicos para transformação maligna; VER AQUI
- O mesmo perfil cognitivo com o passar da idade; VER AQUI
Também descrevemos alterações inéditas na retina das pessoas com NF2 (VER AQUI ) e descobrimos os primeiros casos de schwannomatose no Brasil VER AQUI
Além disso, como resultados de nossas pesquisas, levamos dezenas de temas livres aos congressos internacionais sobre neurofibromatoses, realizamos inúmeras palestras e entrevistas, oferecemos capacitação científica e cursos de aperfeiçoamento e divulgamos os conhecimentos gerados para a população em geral no site www.amanf.org.br , o qual registra mais de 12 mil acessos mensais.
Tudo isso, prestem atenção senhores políticos que estão reduzindo as verbas para os pesquisadores brasileiros, com apenas aqueles 12 mil reais por ano.
Imaginem o que poderíamos fazer com mais recursos financeiros!
Quem sabe, cara ACC, se com mais investimento governamental poderíamos já ter descoberto a cura para os neurofibromas cutâneos a partir de alguma substância descoberta pelos povos indígenas do Brasil?
Vamos em frente, mantendo a esperança.