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Trago hoje mais um dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em dezembro de 2024, com o texto do médico e nosso amigo e colaborador de longa data Dr. Nikolas Mata-Machado, professor de pediatria e com grandes contribuições para o tratamento das crianças com NF1 e problemas neurológicos. Muito obrigado, em nome de toda a equipe do CRNF.

Dr. Lor

 

Nikolas Mata-Machado

Médico, PhD Professor Assistente de Pediatria

Chefe da Neurologia Pediátrica – Diretor da Clínica de Neurofibromatose

Universidade de Chicago – Estados Unidos da América

 

As convulsões são uma complicação bem conhecida da neurofibromatose tipo 1 (NF1), com prevalência relatada entre 3,8% e 6,4% da população [1]. No entanto, esta prevalência pode ser superestimada devido a um viés de apuração.

Em pessoas com NF1, as crises convulsivas parciais complexas são as mais comuns, mas também são descritas convulsões generalizadas primárias, espasmos infantis e crises febris. A idade média de início das convulsões é na infância.

Um estudo indicou que até 64% dos pacientes com NF1 apresentavam lesões estruturais no encéfalo que originavam as convulsões [2]. Contudo, as amostras de pacientes estudadas eram relativamente pequenas e focadas em pacientes pediátricos, o que pode ter excluído convulsões em pessoas mais velhas. Para comparação, na população em geral (sem NF1), a prevalência de convulsões nos países da Europa, além dos Estados Unidos, Canadá e Japão, é de 0,68%, com uma incidência de 44 por 100.000 pessoas, apresentando picos de incidência na primeira infância e após os 65 anos [3]. As crises parciais complexas são as mais frequentes.

Em pacientes com NF1, a experiência sugere que as convulsões são bastante comuns e podem ocorrer em todas as idades. Muitas vezes, as convulsões são sutis e passam despercebidas, com eletroencefalogramas (EEG) de rotina normais. Em muitos casos, é necessário monitoramento prolongado de vídeo EEG para capturar anormalidades.

A baixa incidência relatada de convulsões pode ser atribuída à baixa disponibilidade de monitoramento prolongado de EEG. Em pacientes com NF1, 42% das convulsões começam antes dos 5 anos de idade, conforme observado por Korf et al. [4], que relatam uma idade média de início de 8,1 anos. Convulsões em pessoas com NF1 após os 4 anos também foram documentadas, o que contrasta com a queda acentuada nas convulsões após essa idade na população em geral.

A causa exata das convulsões na maioria das pessoas com NF1 é desconhecida, mas tumores e doenças vasculares associados à NF1 podem ser causas em apenas um pequeno número de casos. Pesquisas recentes sugerem que pacientes com atraso no desenvolvimento, autismo, dificuldades comportamentais e problemas emocionais graves têm um risco maior de convulsões [5]. Recomenda-se , então, gravações prolongadas de vídeo EEG para avaliar esses crianças.

Alguns dados indicam que uma pequena porcentagem de pessoas com NF1 possui outros membros da família com convulsões, sugerindo que a tendência para convulsões está relacionada à NF1 e não a uma predisposição genética separada para convulsões [6].

 

Referências

[1] Creange A, Zeller J, Rostaing-Rigattieri S, et al. Neurologic complications of neurofibromatosis type 1 in adulthood. Brain 122:473-481, 1999.

[2] Jennings MT, Bird TD. Genetic influences in epilepsies. Review of the literature with practical implications. Am J Dis Child 135:450-7, 1981.

[3] Hauser AW, Annegers JF, Kurland LT. Incidence of epilepsy and unprovoked seizures in Rochester Minnesota: 1935-1984. Epilepsia 34:453-468, 1993.

[4] Korf BR, Carrazana E, Holmes GL. Patterns of seizures observed in association with neurofibromatosis 1. Epilepsia 34:616-620, 1993.

[5] Creange A, Zeller J, Rostaing-Rigattieri S, et al. Neurologic complications of neurofibromatosis type 1 in adulthood. Brain 122:473-481, 1999

[6] Szudek J, Birch P, Riccardi VM, etal. Associattion of clinical features in neurofibromatosis 1 (NF1). Genet Epidemiol 19:429-39, 2000.

 

“Meu filho tem NF e apresentou uma crise convulsiva quando tinha 1 ano de idade durante uma febre e depois nunca mais. Ele pode ter epilepsia no futuro? “ EPCR, de Campanha, MG.

Cara E, obrigado pela sua pergunta, bastante útil a muitas outras famílias.

Inicialmente devemos lembrar que cerca de 7% das pessoas com NF1 apresentam convulsões ao longo de sua vida, o que representa uma chance dez vezes maior do que a população em geral. Nas pessoas com NF1, geralmente as convulsões estão associadas a alguma anormalidade no desenvolvimento cerebral e não a tumores cerebrais. Por outro lado, convulsões também podem ocorrer em 8% das pessoas com NF2, mas neste caso podem estar associadas a tumores intracranianos, como os meningiomas.

O início das convulsões nas pessoas com NF1 pode acontecer desde o começo da infância até a vida adulta. A maioria delas é do tipo focal, ou seja, convulsões restritas a uma parte do corpo, e respondem bem ao tratamento medicamentoso, que é semelhante ao tratamento usado nas pessoas sem NF1. Raramente ocorrem as formas mais graves de convulsões nas pessoas com NF1.

Na NF2 as convulsões podem ocorrer a partir da adolescência e vida adulta e a sua gravidade pode ser um dos critérios para a intervenção cirúrgica nos meningiomas ou outros tumores intracranianos.

As chamadas “convulsões febris” são aquelas que surgem associadas à febre em situações em que NÃO há infecções do sistema nervoso central (meningite, por exemplo). Geralmente estão associadas a uma sensibilidade especial do sistema nervoso ao aumento da temperatura causada por fatores genéticos, por alterações no desenvolvimento cerebral ou por alterações metabólicas.

Na população em geral, as convulsões febris geralmente ocorrem entre 2 meses e 5 anos de idade (80% ocorrem em torno de 1 ano e meio de idade) e geralmente apresentam uma evolução benigna. Algumas infecções viróticas parecem causar mais convulsões febris, como o vírus Influenza A.

Segundo a definição internacional, a febre deve ser com temperatura maior ou igual a 38 graus centígrados medida na temperatura timpânica ou na temperatura retal, mas no Brasil geralmente utilizamos a medida da temperatura axilar. Num estudo realizado em 2004 (por Letícia C. Marques sob minha orientação no Laboratório de Fisiologia do Exercício da Universidade Federal de Minas Gerais) observamos que a temperatura axilar foi cerca de meio grau mais baixa do que a retal. Então a temperatura axilar de 37,5 corresponde à temperatura retal de 38 graus centígrados. No entanto, a temperatura axilar é mais sujeita às variações das condições do ambiente e pode não refletir a verdadeira temperatura interna do corpo.

A febre é um sinal de infecção (ou inflamação), uma resposta do organismo que provavelmente surgiu como mecanismo de defesa para dificultar a sobrevivência de alguns tipos de bactérias ao aumentar a temperatura do corpo produzindo mais calor (tremor muscular) e conservando este calor internamente (constrição dos vasos da pele – palidez).

Portanto, a febre não é a causa do problema de saúde, mas apenas um sinal de que o organismo está reagindo a uma infecção (ou inflamação) e não precisa ser tratada por si, embora os sintomas associados (mal-estar, tremor e calafrios) possam ser desconfortáveis e mereçam ser aliviados com medicamentos apropriados.

As convulsões relacionadas à febre são o tipo de convulsões mais comum na espécie humana e ocorrem em cerca de 2 a 6% da população em geral e em 2% das pessoas com NF1. Após uma convulsão febril há uma chance de outro episódio em cerca de 40% das crianças, especialmente nas mais novas abaixo de 1 ano e maio de idade.

É importante registrar que, apesar do pavor que as convulsões febris causam nos pais, não há um único relato na literatura médica de morte causada por convulsões febris (ver revisão recente sobre isto aqui AQUI) .

É preciso identificar a diferença entre uma convulsão febril e um desmaio (síncope por calor ou reflexos intestinais) e outra doença chamada mioclonia febril (contrações involuntárias ocasionais, tiques, geralmente apenas nos membros superiores, sem perda da consciência).

As convulsões febris que afetam todo o corpo, duram menos de 10 minutos e ocorrem apenas uma vez durante uma infecção (uma virose, por exemplo) são chamadas de “simples”. Aquelas que afetam apenas partes do corpo (focais), duram entre 15 e 20 minutos e se repetem durante uma infecção, são chamadas de “complexas”. As crianças com convulsões febris “simples” apresentam uma chance de 3% de apresentarem epilepsia posteriormente. As convulsões febris “complexas” apresentam uma chance maior de até 15% de epilepsia posterior.

O tratamento durante a convulsão febril deve ser direcionado para interromper a convulsão (benzodiazepínicos intravenosos, bucais ou retais). Ao contrário do que nos diz a nossa intuição, os antitérmicos não parecem ajudar, pois demoram mais tempo para fazerem seu efeito do que a própria convulsão (as simples, pelo menos) e não reduzem a chance de novas convulsões. Da mesma forma, molhar o corpo com panos umedecidos com água fria não diminui a temperatura interna, portanto, não atinge o objetivo de reduzir a febre. Álcool jamais deve ser usado nestas compressas.

Após uma convulsão febril, além de afastar a meningite em determinados casos, nenhuma investigação clínica parece necessária ou útil, incluindo eletroencefalograma, tomografia ou ressonância magnética, além daquelas necessárias ou relacionadas com a doença que causou a febre (infecção viral, bacteriana, etc.). Recomenda-se um retorno à clínica médica dentro de uma semana especialmente para que os pais possam se assegurar de que tudo está bem.

A recomendação atual científica é que nenhum tratamento medicamentoso deve ser recomendado para prevenir novas convulsões febris ou mesmo prevenir a epilepsia depois de uma convulsão febril. Caso novas convulsões ocorram sem a presença de febre, então o diagnóstico de epilepsia (chance de 3 a 15%, como vimos acima) deve ser considerado e a medicação apropriada deve ser usada.

Finalmente, a presença de convulsões febris em mais de um parente de primeiro grau sugere a possibilidade de haver na família uma mutação genética dominante que produz uma forma rara de epilepsia (em inglês denominada GEFS+, que significa “Genetic Epilepsy with Febrile Seizure plus”). Nestes casos, a investigação genética pode ser necessária.

Cara E, espero ter respondido sua pergunta. Em breve falarei sobre a diferença entre febre e aumento da temperatura do corpo causada pelo calor e exercício.