Cerca de 15 a 20% das pessoas com NF1 apresentam um tumor neural denominado glioma das vias ópticas (GVO) (ver aqui mais informações gerais sobre estes tumores site AMANF: https://amanf.org.br/gliomas/ ).
Estes tumores geralmente são diagnosticados entre os 2 e os 6 anos de idade e 85% acontecem por causa de uma dupla perda do gene NF1 funcional, provavelmente ainda na vida intrauterina. A maioria destes GVO nas pessoas com NF1 apresentam comportamento de crescimento lento, ou de estabilidade ou ainda mesmo de regressão espontânea sem qualquer tratamento [1].
Quando surgem mais tarde, 75% dos GVO podem ser mais agressivos, porque além da dupla perda do gene NF1 funcional, apresentam outras alterações genéticas associadas.
É importante lembrar que não há correlação entre o tamanho do tumor e a perda visual, ou seja, tumores pequenos podem estar associados a perdas visuais importantes e tumores grandes podem não afetar a visão.
Portanto, é preciso muito cuidado na decisão de tratar ou não estes tumores.
Alguns médicos indicam quando há crescimento do tumor, outros quando há diminuição da visão, outros quando há uma combinação de aumento do tumor e piora da visão.
Nossa opinião é de que a visão é o critério mais importante, mas sempre levamos em conta outros fatores, como a localização do tumor, o seu tamanho, se há ou não proptose (projeção do globo ocular para diante), se há hidrocefalia, alguma disfunção endocrinológica (puberdade precoce, por exemplo) ou a presença da síndrome diecenfálica [2] .
Alguns achados clínicos não justificam a quimioterapia quando encontrados isoladamente (sem GVO associado), como puberdade precoce, aumento da secreção de hormônio do crescimento e proptose.
O tratamento geralmente recomendado é a quimioterapia com carboplatina e vincristina[3], mas, ao contrário dos gliomas que acontecem nas crianças SEM NF1[4], seus resultados não são muito bons nas crianças COM NF1. Dependendo do estudo, entre 100 crianças com NF1 tratadas apenas 14 a 32 delas apresentaram melhora na visão, 40 a 47 delas permaneceram estáveis e 28 delas pioraram a visão com a quimioterapia.
Em outras palavras, diante de uma criança com GVO, temos quase tanta certeza sobre o resultado do tratamento como se jogássemos uma moeda para cima e desejássemos que saísse cara ou coroa.
Além disso, não sabemos com certeza a durabilidade dos efeitos da quimioterapia naqueles casos em que houve resposta favorável à quimioterapia.
Diante destas considerações acima, os efeitos colaterais da quimioterapia no longo prazo se tornam mais importantes na decisão de iniciarmos ou não o tratamento.
Uma das complicações suspeitadas da quimioterapia em crianças com NF1 seria prejuízo de sua função cognitiva[5] . A exposição à quimioterapia está associada a alterações na substância branca de partes do sistema nervoso central relacionadas com a cognição, mas não temos ainda certeza destes efeitos sobre o comportamento cognitivo de um modo geral [6].
Por outro lado, gliomas que surgem depois da infância ou fora das vias ópticas nas pessoas com NF1 devem ser tratados com mais vigor, pois costumam ser mais agressivos, especialmente depois dos 18 anos de idade. Já há análises moleculares que podem ajudar a saber a agressividade de um glioma (para mais informações, ver aqui: Neuro-Oncology 22(6), 773–784, 2020 | doi:10.1093/neuonc/noaa036 ).
Como recomendações gerais podemos concluir:
- Todas as intervenções terapêuticas devem ter como foco a capacidade funcional (como a visão) e o bem estar da pessoa e não o tamanho do tumor.
- Precisamos saber melhor o resultado das terapias atuais no longo prazo.
- Novos estudos são necessários para conhecermos melhor os efeitos dos novos medicamentos propostos.
[1] Ver aqui: Neuro-Oncology 22(6), 773–784, 2020 | doi:10.1093/neuonc/noaa036
[2] A síndrome diencefálica é uma situação rara na qual ocorre grande emagrecimento com crescimento linear preservado, movimento anormal dos olhos (nistagmo), vômitos, hidrocefalia, aumento do hormônio de crescimento e irritabilidade com hipervigilância.
[3] Há estudos em andamento com outros medicamentos, tametinibe, binimetinibe, bevacizumabe e selumetinibe (este último com apoio da Children’s Tumor Foundation), imunoterapia.
[4] Ver aqui: Pediatr Neurosurg 2000 Sep;33(3):151-8. doi: 10.1159/000028996.
[5] Ver aqui: Br J Cancer 2003 Dec 1;89(11):2038-44. doi: 10.1038/sj.bjc.6601410.
[6] Pediatr Blood Cancer 2016 May;63(5):818-24. doi: 10.1002/pbc.25896.