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Uma das perguntas que recebemos em nossos atendimentos clínicos é:

  • Quando devemos tratar um neurofibroma plexiforme? 

No momento, temos apenas uma regra geral: quando houver suspeita de transformação maligna (dor forte, disfunção neurológica, crescimento acelerado e endurecimento) os neurofibromas plexiformes (NP) devem ser removidos cirurgicamente (ver aqui mais informações sobre essa possibilidade).

Além dessa orientação acima, temos dificuldade para tomar a decisão de quando (e como) tratar os NP porque em todo o mundo ainda não há uma regra geral que possa ser aplicada com segurança, porque não sabemos exatamente como evoluem os NP. Quer dizer, ainda não conhecemos bem a história natural dos NP: 

  1. quando e quanto eles vão crescer?
  2. quando podem dar sintomas?
  3. quando se transformam em tumores malignos? 

 

Recentemente, uma equipe de cientistas da Holanda tentou responder a estas perguntas revendo os prontuários de 10 anos de acompanhamento clínico de 90 pessoas com Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) e neurofibromas plexiformes (NP). Os resultados foram publicados na revista Cancers (ver aqui artigo completo em inglês). 

Apresento abaixo o resumo adaptado do estudo (entre parênteses uso palavras menos técnicas para facilitar a leitura).  

Justificativa para o estudo

Os NP são tumores benignos (no exame histológico) da bainha dos nervos periféricos associados à NF1 e muitas vezes levam à morbidade significativa (complicações que reduzem a qualidade de vida) devido ao crescimento. O tratamento inclui espera vigilante (observação atenta), cirurgia para redução parcial e, recentemente, tratamento sistêmico com inibidores de MEK (como o selumetinibe, um quimioterápico novo aprovado pela ANVISA). 

No entanto, devido à escassez de estudos de história natural, a nossa compreensão da progressão natural dos NP para orientar os médicos na decisão de quem e quando intervir é insuficiente. 

Este estudo teve como objetivo descrever as características dos pacientes com NF1 com NP e comparar as pessoas com alto risco de progressão do NP ou com morbidade significativa por NP (chamados de NP complexa) com as pessoas com NF1 com NPs de menor complexidade.

Métodos

Foi um estudo retrospectivo utilizando dados clínicos de registros hospitalares de pacientes com NF1 com NP atendidos no Hospital Infantil Sophia, na Holanda, entre 2012 e 2023. Foram avaliados os fenótipos clínicos (como a doença se apresenta em cada pessoa) e características dos NP que pudessem prever sua evolução, incluindo sua complexidade e o momento em que houve uma intervenção (cirúrgica ou clínica). Os resultados foram submetidos a testes estatísticos apropriados

Resultados

Foram incluídos 90 pacientes com idade mediana na última avaliação de 15,7 anos e duração mediana de acompanhamento de 9,8 anos. Dos 90 indivíduos com NP benigna, 37 desenvolveram morbidade por NP durante o acompanhamento. 

A morbidade dos NP aumentou de acordo com o passar do tempo, ou seja, quanto maior a idade da criança ou adolescente, mais morbidade foi encontrada, especialmente na cabeça e tronco.  

Não houve efeito do tipo de variante genética sobre a morbidade.

Conclusão

Esse estudo piloto mostrou que o aumento da idade e a localização do NP estão associados a uma maior chance de morbidade e maior risco de intervenção. Isto pode contribuir para decisões sobre em quem e quando iniciar o tratamento em pacientes com NF1 com NP.

Meus comentários

O estudo trouxe algumas informações que precisamos analisar. 

  1. Entre as 90 crianças e adolescentes com NP, 37 delas (41%) apresentaram alguma complicação que motivou o tratamento pela equipe médica. Ou seja, a maioria dos NP não apresentou grandes problemas durante 10 anos de acompanhamento.
  2. A conclusão dos autores é que quanto maior a idade da criança maior a chance de receber a indicação de tratamento. Mas isto seria mesmo o esperado, pois a NF1 é sabidamente uma doença progressiva (ver aqui). Então, à medida que o tempo passa, maior a chance de surgir alguma complicação que necessite tratamento.
  3. É uma pena que o estudo não tenha medido o volume dos NP por meio da ressonância magnética porque eles não tinham imagens em 3D (o que seria o ideal, segundo os autores). Na maioria das clínicas em todo o mundo nós medimos o volume dos NP com ressonâncias e imagens em 2D. Assim, o resultado deixa de nos apresentar uma medida objetiva do tamanho dos tumores. 
  4. O estudo não separou os NP difusos dos NP nodulares, mas já sabemos que eles são muito diferentes na origem e no comportamento clínico (ver aqui mais informações sobre essa diferença importante). Assim, o estudo deixa de nos oferecer outra informação objetiva que poderia nos orientar na decisão de quando devemos tratar os NP.
  5. Outra fragilidade do estudo foi terem usado indicadores subjetivos (como dor e qualidade de vida) para avaliar o desfecho dos tratamentos, pois eles podem ser influenciados por fatores psicológicos, o chamado efeito placebo. Por exemplo, no estudo com o inibidor MEK  que deu origem à liberação do quimioterápico selumetinibe nos Estados Unidos, a dor reduziu 2 pontos numa escala de 10 pontos nas crianças que usaram a droga, o que parece um efeito pequeno. 
  6. O estudo não comparou a morbidade pós-operatória das crianças operadas com a morbidade das crianças que ficaram sem tratamento na mesma faixa etária, que parecia ser o objetivo inicial. 
  7. Apesar de terem observado 4 pessoas (4,2%) que apresentaram transformação maligna dos seus NP, os autores não incluíram estes casos entre os 90 estudados como parte da evolução natural, pois consideraram a amostra pequena. Lamento, novamente, pois esta é uma das evoluções mais temidas dos NP e correspondem a 10% de todos os NP ao longo da vida. 
  8. Finalmente, a conclusão do estudo me parece inadequada, pois é um pensamento circular, ou seja: usaram o momento  no qual os médicos decidiram (no passado) tratar o NP (sem critérios científicos estabelecidos – que foi justamente a justificativa para eles realizarem o estudo) como critério para dizer que devemos tratar os NP o mais cedo possível

Isto seria verdade se os autores tivessem encontrado melhor qualidade de vida nas crianças que foram tratadas mais cedo do que naquelas que foram tratadas mais tarde. 

Ou tivessem comparado a qualidade de vida das crianças que foram operadas com a qualidade de vida das crianças que não foram operadas na mesma idade. 

Mas eles não mostram esses dados.

 

Minha conclusão é que, infelizmente, ainda não temos uma regra geral para decidir o momento em que devemos tratar (com cirurgia ou medicamento) um neurofibroma plexiforme nas pessoas com NF1. 

Portanto, continua valendo a decisão caso a caso, conforme nossa orientação geral para o tratamento dos NP disponível em nossa página: ver aqui

 

Dr Lor

 

Esperamos que no próximo ano a sociedade civil em que vivemos seja capaz de oferecer mais cuidados e tratamentos para as pessoas com NF (NF1 e Schwannomatoses).

Precisamos nos organizar para exigir que a lei que garante o acesso a necessidades especiais para pessoas com NF em todo o Brasil – e aprovada no Congresso, em 2024, depois de dez anos de tramitação – seja colocada em prática de forma efetiva e ampla.

Precisamos nos organizar para que novos tratamentos médicos, psicológicos, fisioterápicos, fonoaudiológicos e de enfermagem e terapia ocupacional sejam pesquisados e oferecidos à população com NF de forma democrática e acessível.

Até uns 5 anos atrás, as neurofibromatoses eram consideradas “doenças órfãs”, quer dizer, que não recebiam a devida atenção dos cientistas, que não se interessavam em buscar a cura ou tratamentos para essas doenças.

Recentemente, a fundação norte-americana CTF (Children’s Tumor Foundation) publicou um boletim entusiasmado (ver aqui), mostrando que, agora, existem mais de 20 indústrias de medicamentos interessadas nas NF e mais de 1000 especialistas se reuniram no congresso anual do CTF.

O interesse de cientistas na procura de tratamentos para as NFs é motivo de grande alegria para nós, pois aumenta a chance de que sejam encontrados medicamentos que tragam alívios para tantas pessoas que sofrem com as manifestações e complicações da sua doença.

O relato do CTF nos causa a impressão de que as NFs, que antes eram ignoradas pelas indústrias farmacêuticas, agora estão sendo assediadas por elas.

Provavelmente este novo interesse da indústria e dos especialistas surgiu a partir da possibilidade de conseguirem grandes lucros com a venda de medicamentos (geralmente muito caros), como o quimioterápico selumetinibe, o primeiro a ser aprovado pela entidades de controle para o tratamento de neurofibromas plexiformes sintomáticos e inoperáveis (ver aqui mais informações sobre este medicamento).

Por isso, o CTF informa que na procura por drogas mais eficientes e com menos efeitos colaterais, alguns medicamentos estão sendo estudados neste momento:

Nossa esperança é de que estes e outros estudos tragam bons resultados e que os medicamentos produzidos sejam economicamente acessíveis a todas as pessoas com NF que necessitarem deles.

Com este espírito é que desejamos um melhor 2025 para todas as pessoas!

Terminou na semana passada, em Bruxelas, na Bélgica, a Global NF Conference, que reuniu uma parte da comunidade científica internacional que se dedica ao estudo da NF1 e das Schwannomatoses. Foram 305 assuntos abordados no congresso e destacamos a seguir algumas informações.

A primeira, é que foi um evento patrocinado por alguns laboratórios da indústria farmacêutica, principalmente a Astrazeneca (representada pela Alexion – seu braço comercial para as doenças raras) e a SpringWorks. Assim, já podíamos esperar, como aconteceu, as diversas sessões de propaganda explícita de medicamentos disfarçadas de comunicações científicas. 

A segunda, é que, no meio de muita propaganda, encontramos mais alguns tijolos úteis nessa lenta construção do conhecimento científico sobre NF1 e Schwannomatoses, como alguns avanços no uso da inteligência artificial (14 temas) e no chamado tratamento genético (outros 14 temas). 

A terceira, é que os medicamentos produzidos pelas indústrias patrocinadoras, chamados de inibidores da via MEK dominaram a pauta da reunião (1 em cada 5 temas discutidos). Assim, é preciso compreender o que são estes medicamentos antes de prosseguirmos nossa análise. 

Inibidores MEK 

Já se sabe que diversas manifestações clínicas da NF1 ocorrem porque há insuficiência de uma proteína chamada neurofibromina, a qual controla o crescimento celular assim:

Quando a célula deve crescer, ocorre um estímulo para o crescimento celular, que leva ao início de uma cadeia de eventos dentro da célula, que leva à ativação da etapa MEK, que leva à multiplicação celular. 

Quando a célula não deve crescer: ocorre um estímulo para o crescimento celular, que leva ao início da cadeia de eventos dentro da célula, mas ela sofre BLOQUEIO PELA NEUROFIBROMINA, evitando a ativação da etapa MEK , e então não ocorre multiplicação celular. 

Portanto, a insuficiência da neurofibromina nas pessoas com NF1 permite que a célula cresça quando não deveria, dando origem aos tumores (múltiplas células). 

Os medicamentos inibidores MEK foram desenvolvidos para “substituir” a neurofibromina, ou seja, inibir a etapa MEK, evitando o crescimento inadequado das células e a formação dos tumores.

O mecanismo suposto faz sentido e assim foi desenvolvido o medicamento selumetinibe (um dos inibidores MEK em estudo e discutidos no congresso), o primeiro a ser aprovado para uso terapêutico em diversos países nos neurofibromas plexiformes SINTOMÁTICOS E INOPERÁVEIS (ver aqui mais informações sobre isso). 

Os resultados de estudos com vários inibidores MEK foram apresentados no evento, a maioria deles com efeitos semelhantes ao selumetinibe: cerca de 30% de redução do volume dos plexiformes em metade das crianças que usaram a droga por pelo menos 8 meses, mas sem o uso de placebo para comprovação e com efeitos colaterais moderados (inclusive 10% de fraturas ósseas, ainda não relatadas, segundo resumo apresentado no evento pela pesquisadora Andrea Baldwin e colaboradores, vários deles também autores da pesquisa que justificou a aprovação do medicamento pelas autoridades de saúde).

Nos estudos apresentados em Bruxelas, a maioria patrocinada pelos fabricantes das drogas, além dos neurofibromas plexiformes sintomáticos e inoperáveis, os inibidores MEK também estão sendo testados em experimentos clínicos, modelos animais, culturas de células e relatos de casos clínicos, mas os resultados são ainda inconclusivos nas seguintes situações: 

  1. neurofibromas cutâneos, 
  2. gliomas das vias ópticas
  3. glioblastomas  
  4. dor neuropática (em camundongos e mini porcos)
  5. dificuldades cognitivas (em moscas drosófilas)
  6. fadiga  (1 caso)
  7. tratamento adjuvante na transformação maligna 
  8. “preventivos” para crescimento dos tumores 
  9. “preventivos” para displasia do esfenoide
  10. tratamento de problemas psiquiátricos em pessoas com NF1

A expectativa de usar um mesmo tipo de medicamento para essa lista de problemas clínicos tão diferentes entre si parece pouco realista, mas, quem sabe? 

Em conclusão, é possível que a busca por tratamentos das complicações da NF1 com inibidores MEK continue por alguns anos e, nesta busca, esperamos que medicamentos mais eficientes, mais seguros e com preço mais acessível sejam encontrados. 

Esperamos também que, para isso, o financiamento dos estudos se torne cada vez mais público e menos privado (ver aqui as ideias de Isabelle Stengers como é possível), para garantir que as pessoas sejam as mais beneficiadas e não as ações da indústria de medicamentos.

Nos próximos dias comentaremos outras novidades do congresso. 

Dr. Lor

 

 

 

Como pai e médico de pessoas com NF1, meu coração dispara de esperança sempre que surge alguma notícia em revistas científicas sobre a possibilidade de novos tratamentos, inclusive para os neurofibromas cutâneos que tanto sofrimento causam nas pessoas e suas famílias.

Foi assim hoje, quando recebi o artigo publicado na revista Science Advances na semana passada (ver aqui o artigo completo em inglês: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38691597/ ) intitulado “Efeito do Inibidor MEK NFX-179 sobre neurofibromas cutâneos em pessoas com neurofibromatoses do tipo 1”, de autoria de Kavita Y. Sarin e colaboradores.

Já comentamos sobre este medicamento NFX-179 em novembro de 2023 e mantenho nossas conclusões anteriores (ver aqui: https://amanf.org.br/2023/11/um-gel-para-reduzir-os-neurofibromas-cutaneos/ ).

Esta nova publicação provavelmente defende os interesses da indústria NFlection Therapeutics, porque 12 dos 17 autores do artigo publicado na Science Advances declaram que trabalham,  trabalharam, são ou foram consultores remunerados do fabricante do medicamento.

Com este alerta em mente, o que significam estes novos resultados apresentados?

A autora e colaboradores trazem informações que consideram importantes:

  • O medicamento na forma em gel penetrou no neurofibroma e reduziu a atividade da via metabólica que está hiperativa por falta da neurofibromina nas pessoas com NF1 e a redução do tumor foi relacionada com a penetração do medicamento e sua ação na via metabólica;
  • Com 28 dias de tratamento, a concentração de 0,5% do medicamento produziu redução de cerca de 50% dos tumores em 1 em cada 5 pessoas.
  • Pouco medicamento passou para a circulação sanguínea e não houve efeitos colaterais locais importantes.

Ponto 1. O medicamento funcionou como esperado no metabolismo dos tecidos retirados do corpo.

Esta resposta demonstra o potencial efeito terapêutico dos inibidores MEK, que já vem sendo observado em outros estudos.

Ponto 2. O tratamento por 28 dias foi capaz de produzir efeitos, sugerindo que mais tempo de tratamento seria ainda mais eficiente.

Esta conclusão ainda é apenas uma hipótese, mas fico intrigado porque não estudaram por mais tempo, uma vez que a pesquisa foi realizada de agosto de 2020 a abril de 2021?

Ou estudaram por mais tempo e os resultados não foram diferentes?

Por que publicaram os resultados apenas agora, 3 anos depois?

Outra dúvida é: por que usaram a dosagem de 0,5% se no estudo anterior a dose que produziu o melhor efeito foi 1,5% (redução em 44,2% comparada com 34,8% da concentração menor de 0,5%)?

Novamente, a indústria não divulgou o tamanho médio dos neurofibromas estudados, mas temos  observado que o tamanho médio da maioria deles é em torno de 3 a 5 mm de diâmetro. Como nenhum neurofibroma desapareceu completamente, o que teria sido comemorado no relato da indústria, um neurofibroma médio de 5 mm tratado com o NFX-179 passaria a ter cerca de 2 a 3 mm depois do tratamento. Diante desse resultado, nossa pergunta é se é possível a gente distinguir a olho nu esta diferença de 2 a 3 mm e se isto impactaria a aparência das pessoas com NF1 e sua qualidade de vida.

Ponto 3. Sem efeitos colaterais locais ou sistêmicos.

Isto é uma boa notícia, mas este estudo foi realizado com poucas pessoas, apenas 47 pessoas com NF1 distribuídas em vários centros de investigação nos Estados Unidos e novamente é um número pequeno de voluntários em cada clínica, o que dá margem a certos problemas.

Estudos realizados por consórcios (multicêntricos) são considerados de baixa qualidade científica (ver sistema GRADE) pois os critérios diagnósticos e os métodos de medida dos neurofibromas podem variar muito de uma clínica para outra.

 

Em conclusão, mais uma vez, apesar destas limitações, achamos que estes resultados com o NFX-179 justificam novas pesquisas, com um número maior de pessoas, para termos a segurança de que estes primeiros resultados não aconteceram por acaso e que o medicamento deve funcionar bem na maioria das pessoas.

 

Continuamos com o coração acelerado na esperança de que um dia este medicamento futuro estará acessível a toda a população com NF1.

Dra. Juliana Ferreira de Souza

Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Dr. Nilton Alves de Rezende

Dr. Bruno Cézar Lage Cota

Foi divulgado recentemente (13/11/23) pela indústria farmacêutica NFlection Therapeutics que o medicamento que ela produziu na forma de gel, o NFX-179 apresentou resultados positivos numa pesquisa com neurofibromas cutâneos em pessoas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1). 

Hoje foi divulgada uma palestra gravada pela indústria com apoio da Children’s Tumor Foundation, “prometendo” o lançamento comercial do medicamento para 2026 (ver aqui o link).

Talvez seja o medicamento Bimetinibe que já falamos na página da AMANF – ver aqui.

Vamos comentar abaixo o que cada um dos 4 pontos apresentados pela indústria significa para nossa comunidade NF.

Antes, precisamos dizer duas coisas:

  1. Qualquer medicamento que diminuir em algum grau os neurofibromas cutâneos é bem-vindo e se torna uma esperança, que merece ser estudada mais profundamente, para que seja encontrado o ou os medicamentos eficientes para a maioria das pessoas.
  2. Este resultado é um anúncio da indústria, que tem seus interesses financeiros , mas não é ainda a opinião da comunidade científica. Então os resultados do Gel  apresentados em folheto de propaganda precisam ser avaliados por outros cientistas e serem publicados numa revista científica honesta. Mesmo que este sistema de confirmação, como nos alerta a filósofa Isabelle Stenger, apresente fraudes e problemas de confiança – ele é o que dispomos no momento. Ver aqui mais informações sobre a importância de revisão dos resultados por outros cientistas.

Dito isso, o que significam estes resultados da indústria?

 

Ponto 1. Houve redução significativa no tamanho dos neurofibromas 

O objetivo primário de eficácia do estudo foi a resposta individual dos voluntários. 

O GEL foi considerado eficaz quando houve redução de pelo menos 50% no volume de neurofibroma cutâneo em cinco ou mais dos dez tumores tratados, após 6 meses de aplicação diária de Gel NFX-179.

Por exemplo, numa pessoa em que 6 de seus dez neurofibromas escolhidos diminuíram para a metade com o uso do gel, seu resultado foi considerado positivo.

A indústria diz que as respostas foram dependentes da dose da seguinte forma:

Gel com 1,5% do medicamento  – positiva em 44,2% das pessoas testadas 

Gel com 0,5% do medicamento – positiva em 34,8% das pessoas testadas 

Gel sem nenhum medicamento (placebo) – positiva em 24,1% das pessoas testadas 

Usando testes estatísticos, a indústria afirma que o Gel com 1,5% produziu mais respostas positivas do que o gel sem medicamento. Em outras palavras, o placebo (Gel sem nada) também produziu respostas positivas, mas o Gel com 1,5% diminuiu mais ainda. Então, consequentemente o Gel com 0,5% não é diferente do Gel placebo.

Assim, um pouco menos da metade das pessoas testadas mostrou redução em pelo menos 6 dos dez neurofibromas tratados, o que indica que a substância utilizada tem algum efeito sobre os neurofibromas.

No entanto, 1 em cada 4 pessoas também apresentou resposta positiva com o Gel sem nada, mostrando que o efeito real do medicamento deve ser menor do que aquele observado em 44,5% das pessoas com o Gel mais concentrado.

A indústria não divulgou o tamanho médio dos neurofibromas estudados, mas temos  observado que o tamanho médio da maioria deles é em torno de 3 a 5 mm de diâmetro. Como nenhum neurofibroma desapareceu completamente, o que teria sido comemorado no relato da indústria, um neurofibroma médio de 5 mm tratado com o Gel 1,5% passaria a ter cerca de 2 a 3 mm depois de 6 meses de tratamento. 

Diante desse resultado, nossa pergunta é se é possível a gente distinguir a olho nu esta diferença de 2 a 3 mm e se isto impactaria a aparência das pessoas com NF1 e sua qualidade de vida. 

 

Ponto 2. Seria o primeiro estudo a mostrar efeito de um medicamento sobre neurofibromas cutâneos

Sim, este estudo é o primeiro que encontra uma droga capaz de inibir uma via metabólica nas células (chamada via MEK), reduzindo assim o tamanho dos neurofibromas cutâneos. 

Mas já existe outro medicamento semelhante, o selumetinibe, estudado nos neurofibromas plexiformes. Aliás, gostaríamos de saber o que aconteceu com os neurofibromas cutâneos das pessoas que usaram o selumetinib para o plexiforme?

É importante avisar que o estudo com o Gel NFX-179 foi realizado por seis meses em  199 pessoas com NF1 distribuídas em 24 centros de investigação nos Estados Unidos, para saber a segurança e eficácia do medicamento. A própria indústria reconhece, portanto, que ainda não é o estudo definitivo para recomendar a comercialização do medicamento. 

De acordo com esta informação da indústria, em média, cada uma das 24 clínicas espalhadas pelos Estados Unidos testou apenas 8 pessoas com NF1 voluntárias e elas tiveram que ser distribuídas de forma aleatória entre os três grupos experimentais (Gel 1,5%, Gel 0,5% e Gel sem medicamento). 

Achamos que este é um número pequeno de voluntários em cada clínica, o que dá margem a certos problemas. Por exemplo, se foram escolhidos por sorteio para receberem o Gel para ninguém saber quem estava usando qual das dosagens e se seus médicos também não sabiam as dosagens de cada paciente (estudo duplo-cegado). 

Além disso, estudos realizados por consórcios (multicêntricos) são considerados de baixa qualidade científica (ver sistema GRADE) pois os critérios diagnósticos e os métodos de medida dos neurofibromas podem variar muito de uma clínica para outra. 

Apesar destas limitações, achamos que estes resultados com o NFX-179 justificam novas pesquisas, com um número maior de pessoas, para termos a segurança de que este primeiro resultado não aconteceu por acaso e que o medicamento deve funcionar bem na maioria das pessoas. Como a própria indústria afirma no Ponto 4, abaixo. 

Sobre a segurança do medicamento, que foi a justificativa para o estudo, os resultados indicam que o Gel foi bem tolerado e as concentrações plasmáticas do medicamento foram menores do que aquelas observadas para inibidores orais de MEK, que costumam apresentar efeitos colaterais.

 

Ponto 3. Outros desfechos secundários 

A indústria também diz que a redução do volume dos neurofibromas “foi altamente correlacionada com melhorias significativas relatadas pelos pacientes em seus neurofibromas cutâneos”. 

Gostaríamos de saber quais foram estas melhorias. 

Menor discriminação social porque 5 de dez neurofibromas ficaram menores? 

Menor timidez social das pessoas com NF1? 

Menor taxa de ansiedade? 

Mais autoestima? 

Como estas variáveis foram avaliadas? 

Aguardamos a publicação dos dados completos para sabermos se estes desfechos secundários foram realmente importantes para as pessoas com NF1. 

 

Ponto 4. Segundo a indústria, “os resultados de eficácia e tolerabilidade apoiam o avanço do programa NFX-179 Gel para o desenvolvimento da Fase 3 em 2024”.

Sim, esperamos que isto aconteça com estudos mais robustos cientificamente.

 

Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Dr. Nilton Alves de Rezende

Dr. Bruno Cézar Lage Cota