“Meu filho de 9 anos tem NF1 e precisou amputar a parte de baixo da perna direita por causa da displasia da tíbia que deu pseudoartrose. Ele se adaptou bem com a prótese, mas acho ele muito desanimado. Vejo os atletas paraolímpicos e fico pensando se não seria bom para sua saúde se ele tentasse praticar um esporte de competição. ” CMR, de São Paulo.
Caro C, obrigado pela sua pergunta oportuna, pois estão acontecendo no Rio as competições entre as pessoas com necessidades especiais.
De fato, a NF1 é uma doença que torna algumas pessoas portadoras de necessidades especiais e, inclusive, já existe legislação sobre isto (ver AQUI ). Estas limitações causadas pelas NF1 podem ser de ordem física (como seu filho) ou intelectuais (dificuldades psicomotoras). Além disso, sabemos que as pessoas com NF1 apresentam menos força muscular, menor capacidade aeróbica (capacidade física) e maior dificuldade de regular a temperatura do corpo, e todos estes fatores levam ao menor desempenho nos esportes.
Talvez em decorrência destas limitações físicas, as pessoas com NF1 parecem menos envolvidas em esportes e competições e, pelo contrário, apresentam um temperamento menos competitivo e mais tímido. Então, fazer com que uma criança com NF1 pratique esportes, especialmente com a finalidade de se tornar um atleta paraolímpico, pode se tornar um triplo sofrimento para ela.
O primeiro sofrimento da criança com NF1 (e talvez de todas as pessoas com quaisquer outras doenças crônicas e incuráveis) já está presente no fato dela não poder levar a vida como as demais pessoas de sua idade pelas limitações próprias da doença. Ela já carrega o peso da discriminação dos colegas por causa de suas características (serem mais lentas, apresentarem manchas, etc.)
O segundo sofrimento é que para se tornar “atleta” é preciso participar diariamente de treinamentos em atividades que não trazem prazer (especialmente para pessoas com NF1) e que, para obter resultados esportivos a pessoa deve se submeter a práticas dolorosas, desconfortáveis e que desperdiçam muitas horas de vida. Num exemplo extremo, veja a reportagem recente sobre a prática de automutilação em atletas paraolímpicos que um em cada cinco atletas paraolímpicos está fazendo para vencer competições (ver AQUI ).
O terceiro sofrimento é a pessoa com NF1 (ou vítima de outras doenças) ser eventualmente comparada pelos pais ou pelos colegas aos atletas paraolímpicos na televisão, que são apresentados como exemplos de superação e força de vontade. – Está vendo? Se você se esforçasse mais, talvez fosse capaz de fazer a mesma coisa… – pode ouvir uma pessoa com deficiência diante da televisão, onde um atleta paraolímpico acaba de receber uma medalha – Mas você é meio preguiçoso…
Mesmo tendo escrito em 2011 um dos capítulos de um livro internacional chamado “Manual de Medicina Esportiva para Atletas Paraolímpicos” (ver capa do livro na figura acima), eu já havia abandonado a prática da Medicina Esportiva (que exerci por cerca de 20 anos), por entender que o esporte de alto nível não faz bem à saúde mental e física dos atletas, especialmente aos jovens.
Pelo contrário, os níveis de competição que os esportes em geral atingiram, incluindo as olimpíadas e paraolimpíadas, provocam comportamentos neuróticos e doentios nos atletas e na sociedade. Estes comportamentos somente interessam aos patrocinadores (especialmente às indústrias de alta tecnologia) e à ideologia baseada na competição e no suposto mérito pelo esforço individual, o famoso mito do “querer é poder”.
Por isso tenho questionado o papel das competições esportivas na nossa sociedade. Estou convencido de que as atividades físicas regulares são necessárias para uma vida saudável para todos os seres humanos (que queiram fazê-las), mas não a competição envolvida nos esportes (ver cartilha sobre obesidade infantil AQUI ).
Você pergunta se esporte poderia ser bom para a saúde de seu filho com NF1. Repito que é preciso separar as atividades físicas regulares (cotidianas, moderadas, prazerosas, lúdicas) das atividades de competição esportiva. As primeiras são necessárias para a saúde. As segundas, causam doenças físicas e sociais.
Se desejar saber um pouco mais de minha opinião sobre esportes e saúde, veja um artigo que escrevi, chamado “Ouro em panaceia” clicando AQUI ).
Alguém poderia argumentar que a prática do esporte ajudaria a pessoa com deficiência a ser incluída na comunidade. Penso que precisamos construir uma sociedade na qual ninguém precisa provar que merece ser respeitado. Todos nascemos merecendo igualmente respeito e uma vida digna.