“Boa noite, me chamo JM., tenho 41 anos, minha mãe e eu temos neurofibromatose e também, infelizmente, meu filho caçula de 15 anos herdou de mim. Sou professora no ensino fundamental e as vezes as crianças questionam a razão dos pequenos caroços em meu rosto. Fico muito constrangida e respondo de maneira bem simples. Ao consultar minha dermatologista, ela me disse que havia a possibilidade de matar a raiz com o uso de um “peeling” de ácido de fenol, mas este é feito somente por cirurgião plástico. Então entrei em contato com a equipe do Dr. X e quase morri ao saber o valor inicial do tratamento que é a partir de R$15.000,00. Imagina! Jamais teria condições de pagar tal valor. Me ajude por favor, não quero que meu filho passe pelo mesmo constrangimento que eu. Se for o caso envio fotos da minha mãe, minha e do meu filho. Obrigada”. JM, de Porto Alegre, RGS. Leia mais
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“Tenho 28 anos, sou portadora de neurofibromatose do tipo 1 e sou transgênero (não fiz a cirurgia para mudança de sexo). Tenho muitas sardas e atualmente isto está me deixando muito mal, triste, deprimida, então procurei uma dermatologista e aí ela me indicou um tratamento com ácido, eu gostaria de saber se funciona ou não? Também queria saber se eu posso tomar hormônios femininos, mas todo mundo diz que hormônios fazem crescer mais neurofibromas. ” V, de local não identificado.
Cara V., obrigado pelo seu contato.
Primeiramente, vamos ao suposto tratamento das manchas café com leite e das sardas (as efélides). Até o momento não conheço qualquer tratamento comprovadamente eficaz para a remoção das manchas café com leite nem para as efélides. Portanto, minha sugestão é que você não exponha inutilmente a sua pele a quaisquer tipos de medicamentos ou procedimentos com esta finalidade.
Quanto à questão dos hormônios femininos, preciso esclarecer que você é a primeira pessoa com NF1 e também transgênero que tenho a oportunidade de conhecer, portanto, minha experiência neste assunto começa com você. Por isso, para tentar responder sua pergunta com mais segurança, procurei informações científicas nas revistas médicas especializadas.
Por causa da NF1 ser uma doença rara, não encontrei nenhuma informação científica sobre sua situação específica, ou seja, nenhuma pesquisa que tenha analisado os impactos causados pelo tratamento hormonal sobre a saúde de pessoas com NF1 e do sexo masculino (biologicamente falando) que tenham usado hormônios femininos. Portanto, minha primeira resposta para você, por enquanto, é NÃO SEI o que pode acontecer com seus neurofibromas se você usar hormônios femininos.
O que sabemos até agora é que em mulheres com NF1 que usam hormônios anticoncepcionais por via oral, com baixas doses de estrógeno, não parece haver efeito importante destes hormônios sobre o crescimento dos neurofibromas. No entanto, não posso transpor este resultado para sua situação, porque biologicamente sua constituição de nascimento é masculina e você estaria usando hormônio feminino.
Por outro lado, foram relatados alguns casos de câncer de mama e meningiomas (um tumor benigno cerebral) em transgêneros (sem NF) que utilizaram hormônios femininos. Assim, se houver realmente um risco aumentado de formação de tumores em pessoas transgênero que usam hormônios, teoricamente precisamos de ter mais cuidado ainda se forem pessoas com NF, pois as neurofibromatoses são doenças que sabidamente apresentam maior incidência de tumores (inclusive câncer de mama na NF1 e meningiomas na NF2). Portanto, possivelmente usar hormônios sexuais do sexo oposto constituiria um risco aumentado nas pessoas com NF.
Além disso, na população em geral o uso de hormônios sexuais do próprio sexo biológico aumenta o risco de doenças hepáticas, da coagulação, cardiovasculares e de câncer, mas não se conhece com segurança estes riscos quando o hormônio suplementar é do outro sexo.
Portanto, cara V., são estas as informações carregadas de incerteza científica que posso responder a você. Espero que nos próximos anos tenhamos respostas mais seguras para sua pergunta.
Espero também que você possa ser feliz com a identidade na qual se sente mais viva, mesmo que não possua as formas corporais totalmente femininas, pois algumas portas para a felicidade me parecem ser a autoestima, a aceitação e o respeito pelo que somos como seres humanos, independentemente da nossa aparência externa.
Recebi na semana passada um novo e-mail (em verde, abaixo) da AG, de Portugal.
“Olá, acabei de ler a sua publicação no blog e fiquei triste por algumas pessoas terem interpretado mal as informações, levando a “falsas esperanças” de uma cura para breve. Uma vez que parecem não estar em curso estudos tão promissores como este, será que não se justificaria (caso não obtenham em breve o financiamento necessário) campanhas massivas de angariação de fundos?
Não sei se estou sendo ingénua e imagino que seja exorbitante o montante necessário…, mas sendo tantas as pessoas necessitadas, será que não conseguimos fazer algo mais? Existem vários fóruns, blogues e comunidades onde poderia ser plantada esta semente. Haja vontade, e vontade há imensa! ”. AG, de Portugal.
Respondi sugerindo que ela perguntasse à Dra. Kate Barald quanto custaria a continuidade de sua pesquisa até chegarmos ao tratamento clínico. Dra. Kate respondeu e apresento abaixo (em azul) um resumo de seu e-mail.
“Cara AG, fiquei muito sensibilizada com sua mensagem e oferta de tentar conseguir fundos para apoiar nosso trabalho.
Nós temos tentado por mais de 4 anos, sem sucesso, conseguir financiamento para os estudos pré-clínicos (com o STX3451). Temos procurando universidades, instituições nacionais (como o Instituto Nacional de Saúde e outras) e fontes privadas….
Acredito que esta droga poderá algum dia ser útil para reduzir a carga de tumores em pessoas com NF1 (e talvez em pessoas com NF2 como sugerem novos dados). Não vou desistir.
O US FDA (Federal Drug Administration of United States – semelhante à ANVISA no Brasil) exige que sejam feitos estudos sobre a de toxicidade de qualquer novo medicamento em animais antes dele ser experimentado em seres humanos. Este trabalho é muito caro… O custo mínimo é de 350 mil dólares (cerca de um milhão de reais) POR ANO.
Novamente eu agradeço seu apoio. É certamente reconfortante que temos pelo menos apoio moral para desenvolvermos estes medicamentos. ” Kate
Diante da resposta da Dra. Kate Barald, apesar de já ter imaginado que seria uma pesquisa cara, a nossa amiga de Portugal sentiu-se desmotivada diante dos custos que ela considerou enormes. Ela temeu que outras pessoas, ao saberem disso, percam as esperanças. Mas ela mesma levantou outras possibilidades:
“De qualquer forma, começo a acreditar que se não for a própria comunidade atingida pela NF a procurar e a contribuir para o financiamento deste tipo de estudo, ninguém mais o fará… Parece-me que neste momento não estão a decorrer estudos tão promissores quanto este, e que deveríamos assim investir aqui “as nossas fichas”… Talvez uma ideia (caso a Dr. Kate não consiga o financiamento) fosse lhe solicitar que criasse uma página de divulgação do estudo a pedir fundos, e todos nós a publicitássemos em todos os fóruns, páginas de facebook e blogues dedicados à NF…”
Compreendo o desânimo da AG diante da grande quantia de dinheiro necessária para realizar apenas um dos estudos científicos destinados a descobrir um tratamento para os neurofibromas. Para termos uma comparação, eu recebo do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) cerca de 12 mil reais por ano para todas as pesquisas com as quais eu trabalho atualmente, que são os estudos em neurofibromatoses e também outros em fisiologia do exercício, que é minha linha original como bolsista de pesquisa do CNPq muito antes de começar a trabalhar com as NF.
De fato, as pesquisas básicas, que são feitas em laboratórios com culturas de células e testes em animais, os testes pré-clínicos, são a parte mais cara das pesquisas para novos medicamentos. E como as pesquisas básicas ainda não apresentam garantia de sucesso (leia-se lucros para as empresas), são justamente aquelas que encontram mais dificuldade para encontrar financiamento.
Como já disse na semana passada, por causa deste enorme custo financeiro, os recursos públicos recolhidos por meio dos impostos cobrados dos cidadãos são aqueles que sustentam as pesquisas básicas. No entanto, os recursos públicos devem ser repartidos de acordo com critérios políticos entre todos que necessitam deles, incluindo os cientistas interessados nos mais diferentes assuntos.
Quando nossa leitora AG disse que deveríamos apostar todas as nossas fichas na pesquisa da Dra. Kate Barald, ela está usando um critério que nossa comunidade envolvida com as neurofibromatoses pode concordar imediatamente. No entanto, pesquisadores envolvidos com outras doenças, por exemplo em busca de uma vacina contra a Dengue, podem achar que o estudo que eles estão realizando seja muito mais prioritário do que reduzir os neurofibromas.
E quais são os critérios que regem as distribuições de recursos públicos? Como atuar sobre eles?
Falarei sobre isto amanhã.
Enviei a tradução de seu artigo e os meus comentários para o Dr, Riccardi antes de publicá-los neste blog e ele os aprovou (ele lê português com alguma facilidade).
1) Redução da coceira, da dor e da inchação em todos os tipos de neurofibromas, especialmente os cutâneos e subcutâneos;
2) Diminuição da taxa de aparecimento de novos neurofibromas;
3) Redução da taxa de crescimento dos neurofibromas existentes;
4) Diminuição do sangramento de pequenos vasos durante a cirurgia de neurofibromas plexiformes;
5) Depoimentos consistentes das pessoas sobre a melhora do seu sentimento de bem-estar (percebido de forma similar por pacientes sem NF1 tratados com cetotifeno para a redução de cicatrizes cirúrgicas).
Amanhã continuo este assunto..
Continuo hoje a tradução e adaptação do artigo do Dr. Vincent M. Riccardi, no qual ele defende o uso de cetotifeno para evitar o crescimento dos neurofibromas. O título do artigo é “Utilização atual dos estabilizadores de mastócitos para o tratamento antecipatório dos neurofibromas na NF1” (ver AQUI o artigo completo ).
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Continuo hoje a tradução e adaptação do artigo do Dr. Vincent M. Riccardi, no qual ele defende o uso de cetotifeno para evitar o crescimento dos neurofibromas. O título do artigo é “Utilização atual dos estabilizadores de mastócitos para o tratamento antecipatório dos neurofibromas na NF1” (ver AQUI o artigo completo ).
O Dr. Vincent M. Riccardi, que desde 1978 é o pioneiro mundial no atendimento clínico às pessoas com Neurofibromatoses, gentilmente enviou-me um artigo científico que ele escreveu defendendo o uso de cetotifeno para evitar o crescimento dos neurofibromas. Seus argumentos foram publicados no ano passado na revista científica Neuro Open Journal (ver aqui o artigo completo AQUI )
Minha admiração e amizade pelo Dr. Riccardi levaram-me a traduzir e adaptar o seu artigo para os leitores deste blog. Seus argumentos são muito bons e fazem com que nós indiquemos o cetotifeno para todas as pessoas com neurofibromatose do tipo 1 que apresentam coceira ou problemas alérgicos em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
No entanto, nossa prática médica é orientada pelas normas da medicina baseada em evidências, ou seja, cada tratamento adotado deve passar por um conjunto de provas que demonstram sua eficiência e segurança. Neste sentido, a recomendação do Dr. Riccardi de que o cetotifeno seja indicado para TODAS as pessoas com NF1, inclusive de modo contínuo desde a infância, ainda precisa ser provado por outros pesquisadores para ser uma evidência científica.
Além do argumento sobre o cetotifeno, o artigo do Dr. Riccardi é muito bem escrito e traz ideias interessantes sobre a NF1 que merecem ser lidas. Por isso, reproduzirei a partir de hoje as principais partes de sua excelente contribuição, para a qual ele deu o seguinte título: “Utilização atual dos estabilizadores de mastócitos para o tratamento antecipatório dos neurofibromas na NF1”.
Começando a compreender os termos técnicos, lembro que mastócitos são células que produzem uma substância denominada histamina e estão envolvidos nos processos de defesa e imunidade do organismo, assim como em algumas doenças alérgicas. Estabilizadores de mastócitos são, portanto, medicamentos que impedem a liberação da histamina pelos mastócitos, ou seja, drogas chamadas anti-histamínicas. Uma destas drogas é o medicamento cetotifeno, que foi inicialmente usado para o tratamento da asma brônquica.
Tratamento antecipatório é um termo usado pelo Dr. Riccardi para indicar um procedimento que possa evitar o crescimento futuro dos neurofibromas em pessoas com NF1.
Amanhã continuo a falar sobre este tema tão interessante.