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Somos médicas e médicos no CRNF que acompanham centenas de famílias com Neurofibromatose do Tipo 1 (NF1), uma doença que pode causar neurofibromas. Esses tumores são geralmente benignos, mas podem trazer dor, deformidades e outras complicações. Por isso, estamos sempre em busca de tratamentos que possam controlar ou reduzir esses tumores.

Além disso, em nossa equipe no CRNF, somos 3 médicos e uma médica que têm filhas ou filhos com NF1, portanto, foi com grande interesse que lemos o estudo recente de Chen e colaboradores, publicado na revista científica The Lancet [ver aqui link para o artigo completo em inglês), que avaliou o uso do selumetinibe em adultos com neurofibromas sintomáticos que não podem ser tratados com cirurgia.

Hoje, a cirurgia é o tratamento padrão para alguns casos, mas em tumores muito grandes, espalhados ou em locais difíceis, a cirurgia não é viável. Nesses casos, não há muitos tratamentos disponíveis, o que torna esse tipo de pesquisa especialmente importante.

 

Uma nova possibilidade de tratamento

 

O selumetinibe pertence a uma classe de medicamentos chamados inibidores de MEK, que foi a primeira a mostrar alguma redução no tamanho dos neurofibromas. Esse remédio não é uma cura, e tem limitações quanto à eficácia e aos efeitos colaterais, mas representa um avanço. Até agora, ele tinha sido estudado apenas em crianças [ver aqui  e aqui], e este estudo traz informações importantes sobre seu uso em adultos.

 

Resultados principais do estudo

 

O estudo foi feito em vários centros e envolveu 145 adultos com NF1 e ao menos um neurofibroma plexiforme sintomático e inoperável. Os resultados mostraram que, após 16 ciclos de tratamento, 20% dos pacientes que tomaram selumetinibe tiveram uma redução de pelo menos 34% no volume do tumor. No grupo que tomou placebo (um remédio sem efeito), apenas 5% tiveram alguma redução.

O selumetinibe não foi superior ao placebo na redução da dor, porque houve uma pequena melhora na dor em quem usou o selumetinibe, mas esta redução da dor foi semelhante em quem usou o placebo. 

No entanto, o selumetinibe não melhorou a qualidade de vida dos pacientes em comparação com o placebo.

 

Quais tipos de neurofibromas responderam melhor?

 

Existem diferentes tipos de neurofibromas: cutâneos (na pele), nodulares e difusos (ver aqui mais detalhes). Esses dois últimos podem formar tumores mais complexos chamados plexiformes, e às vezes afetam todos os nervos que saem da coluna (forma espinhal da NF1).

O estudo não informou se algum desses subtipos respondeu melhor ao tratamento com selumetinibe. Essa informação seria muito útil para orientar melhor os médicos e pacientes sobre quais pessoas têm maior chance de responder melhor ao medicamento.

 

Por que não foi feito um estudo com troca de grupos?

 

É uma pena que o estudo não tenha usado um tipo de pesquisa em que TODOS os participantes trocam de tratamento após um tempo (por exemplo, quem começou com placebo passa para o selumetinibe, e vice-versa), o que é comum em estudos com medicamentos de uso crônico. 

Só houve uma troca dos pacientes que estavam usando placebo e passaram a usar o selumetinibe. 

A falta deste cruzamento limita a utilidade deste estudo da Lancet pois poderíamos ficar sabendo o que acontece quando o tratamento é interrompido: o tumor volta a crescer? O efeito se mantém?

 

Tolerância ao tratamento em adultos com NF1 de longa duração

 

Os efeitos colaterais mais comuns do selumetinibe foram problemas de pele, intestinais e no fígado. Cerca de 15% dos pacientes pararam o tratamento por causa desses efeitos. Além disso, o remédio exige monitoramento constante, como exames cardíacos, o que é um desafio, especialmente porque estamos lidando com uma doença crônica e em princípio benigna.

Como os tumores da NF1 geralmente não são malignos, e o remédio só reduz parcialmente o tamanho, é importante pensar com cuidado sobre os riscos e benefícios no longo prazo. Os pacientes devem participar ativamente dessa decisão, e o tratamento deve ser feito com acompanhamento cuidadoso, como ocorre em centros especializados, como o Centro de Referência em Neurofibromatose da UFMG [ver aqui].

 

Todas as pessoas que precisarem podem ter acesso ao medicamento? 

 

Também lamentamos que o estudo não tenha avaliado se o tratamento é viável do ponto de vista econômico nos adultos. Já sabemos que, para crianças, alguns estudos sugerem que o remédio só seria custo-efetivo se tivesse o preço bastante reduzido ou se o tratamento fosse curto [referências NICE e CADTH]. Mas essa análise ainda falta para os adultos.

 

Conclusão

 

O estudo de Chen et al. representa um avanço importante na pesquisa sobre tratamentos para NF1 em adultos. O selumetinibe pode ajudar uma parte dos pacientes com tumores inoperáveis, mas os benefícios ainda são limitados. Há necessidade de mais estudos para:

  • Identificar melhor quem tem mais chance de se beneficiar do remédio;
  • Entender quais tipos de tumores respondem melhor (nodulares ou difusos);
  • Testar combinações de medicamentos diferentes;
  • Avaliar os efeitos no longo prazo – o que acontece quando o medicamento é suspenso?
  • E verificar se o tratamento é viável do ponto de vista econômico para que todas as pessoas que necessitem dele tenham acesso. 

Continuaremos acompanhando os avanços da ciência e informando nossas famílias com transparência e responsabilidade.

 

Assinam este post a Diretoria da AMANF e a equipe médica do CRNF HC UFMG

Recebemos uma notícia animadora: o jovem estudante Daniel Maier dos Santos, de 18 anos, de Gravataí, Rio Grande do Sul, que vem mostrando interesse em se tornar um cientista para estudar as neurofibromatoses, nesta última semana foi premiado pelo seu projeto de pesquisa (ver abaixo o pôster) numa Feira de Ciências da instituição em que estuda: Escolas e Faculdades QI.

Seu projeto se chama “Neuroplasticidade e teste WHOQOL como tratamento para displasia cerebral em decorrência da Neurofibromatose do tipo 1“. O teste WHOQOL é um questionário para avaliar a Qualidade de Vida das pessoas e a hipótese do Daniel é que a intervenção terapêutica de pessoas com NF1 em vários níveis cognitivos poderia estimular sua plasticidade cerebral (renovação dos tecidos do sistema nervoso) e melhorar sua qualidade de vida.

Em nome da AMANF, dou os parabéns para o Daniel, que tem demonstrado grande interesse e capacidade intelectual para se tornar um cientista, para as professoras e o professor que estão orientando seu estudo (Giana Lagranha, Luciane Daniel e Rodrigo Barreto) e para sua família querida (André Luís e Elisandra Maier), que são a fonte de inspiração para o longo caminho que o Daniel pretende percorrer (foto acima).

O próximo passo do Daniel é levar seu projeto para representar a instituição onde ele estuda num outro evento reunindo jovens cientistas da América Latina.

Essa exposição do tema da NF1 no Poster e a premiação tornaram as neurofibromatoses mais conhecidas no universo de pessoas que frequentaram aFeira de Ciências e agradeço imensamente ao Daniel pela contribuição para nossa causa: a saúde das pessoas com NF!

Abraço com admiração

Dr. Lor

 

Qualidade de vida é a soma de diversas coisas: sua capacidade de realizar as tarefas do dia, seu estado psicológico, sua disposição para viver, a ausência de dor ou limitações físicas importantes, a sua autonomia pessoal, além das condições de trabalho, moradia, segurança e perspectiva do futuro.

Ou seja, qualidade de vida envolve diversas avaliações subjetivas sobre nossa vida.

A NF1 e os neurofibromas plexiformes podem afetar nossa qualidade de vida de diversas maneiras, como já comentamos acima nas queixas principais (deformidade, dor e perda de função).

A qualidade de vida das crianças e adolescentes com plexiforme foi estudada pela equipe da Dra. Gross e os resultados mostraram que o uso do selumetinibe por cerca de um ano produziu uma pequena variação positiva na qualidade de vida (especialmente na avaliação dos pais), mas não houve dados suficientes para afirmar que isto tenha acontecido de fato. 

Eles observaram que as respostas dos voluntários, aos questionários sobre qualidade de vida, mostraram uma melhora entre 6,7 pontos (crianças) e 13 pontos (seus pais) numa escala de 0 a 100 pontos. 

Esta melhora com o selumetinibe é bastante próxima aos limites definidos como mínimos (que são de 4 a 6 pontos) pela comunidade científica internacional (para mais informações sobre esta questão: VER AQUIVER AQUI ).

Além da mudança na qualidade de vida com o selumetinibe estar próxima aos limites mínimos de variação, o estudo não envolveu outro grupo de crianças usando um placebo (mesmo problema para a avaliação da dor, já comentado), fazendo com que os dados não sejam suficientes como prova estatística.

Portanto, você deve considerar que o tratamento com selumetinibe provavelmente não terá um GRANDE efeito sobre sua qualidade de vida

Mas se você deseja saber mais sobre o que esperar do tratamento com selumetinibe, siga para o próximo passo (amanhã).

Se deseja rever os passos anteriores  VER AQUI