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Pessoas com Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) podem apresentar diversos problemas emocionais, psicológicos e psiquiátricos, como bem descreveu a psicóloga Alessandra Craig Cerello neste site (ver aqui). Entre estas condições, encontramos pessoas com NF1 e retraimento social e solidão, por isso, achei relevante um estudo no qual cientistas encontraram o gene NF1 entre os genes pesquisados que poderiam estar relacionados à solidão e isolamento social.

O estudo denominado “Sequenciamento do exoma identifica variantes codificadoras de proteínas associadas à solidão e ao isolamento social” de Yi-Xuan Wang e colaboradoras e colaboradores, foi publicado em janeiro de 2025 na revista Journal of Affective Disorders (ver aqui artigo completo em inglês).

A equipe de cientistas considera que solidão e isolamento social são problemas de saúde pública sérios, porém subestimados, e suas bases genéticas permanecem desconhecidas. Por isso, resolveram explorar o papel das variantes genéticas codificadoras de proteínas que pudessem ser correlacionadas com as manifestações da solidão e do isolamento social.

A equipe realizou cerca de 700 mil análises de exomas completos com marcadores de solidão e isolamento social e os resultados mostraram seis novos genes de risco (ANKRD12, RIPOR2, PTEN, ARL8B, NF1 e PIMREG) associados à solidão e dois (EDARADD e GIGYF1) associados ao isolamento social.

O estudo mostrou que no cérebro houve 47 associações entre os genes identificados e alguns fenótipos de estrutura cerebral, muitos dos quais são críticos para o processamento social e interação. Além disso, observaram ligações significativas entre esses genes e fenótipos em cinco categorias de alterações, principalmente biomarcadores sanguíneos e medidas cognitivas.

Vários desses genes têm papéis estabelecidos no transtorno do espectro autista (TEA) e nas funções cognitivas. O PTEN foi associado ao aumento das regiões frontal e temporal, que desempenham um papel fundamental no processamento social.

Autoras e autores reconhecem que este estudo é inicial e limitado, pois utilizou apenas a um banco de dados ingleses, mas fornece uma base para estudos futuros que visam explorar os mecanismos funcionais desses genes e suas potenciais implicações para intervenções de saúde pública visando a solidão e o isolamento social.

Em conclusão, a presença do gene NF1 entre os 13 genes de risco associados à solidão e 6 ao isolamento social, ampliam nossa compreensão da base genética dessas duas características clínicas e abrem as portas para investigações futuras sobre as causas do retraimento social nas pessoas com NF1.

OPINIÃO PESSOAL

As crianças com neurofibromatose do tipo 1 (NF1) podem apresentar algumas dificuldades cognitivas, motoras e de comportamento que dificultam seu relacionamento com colegas e atrapalham sua capacidade de fazer amizades.

Com o passar do tempo, estas crianças sentem-se isoladas e solitárias, imaginando que as pessoas não gostam delas, o que diminui a sua autoestima.

Dizem que precisamos nos amar em primeiro lugar, gostar do jeito que nós somos, mas talvez a autoestima não seja uma relação com o espelho, mas com a sociedade.

Nós somos seres sociais, quer dizer, precisamos da referência das outras pessoas sobre nós para nos sentirmos parte da sociedade. O que o grupo pensa de nós é o que acabamos por pensar sobre nós mesmos. Nossa identidade é construída pela posição que ocupamos na sociedade, pela maneira como as pessoas nos vêem. Isto é muito importante, especialmente na adolescência.

Nossa posição social, o chamado status social, depende principalmente das condições nas quais nascemos (por acaso): a classe econômica, nosso gênero e nossa raça. Assim, na sociedade atual, terá mais sorte na vida quem nascer homem, branco e rico, mas provavelmente terá mais dificuldades quem nascer mulher, negra e pobre.

Outras características pessoais contribuem para o status social, como a idade, a nacionalidade, a sexualidade, a religiosidade, a cultura, o tipo de trabalho e a escolaridade. Um fator importante no status social é o estado de saúde ou a presença de doenças, como a NF1, que podem afetar o comportamento social, a escolaridade, a capacidade de trabalho e o aspecto estético das pessoas.

O aspecto estético constitui uma causa de discriminação social na nossa sociedade dominada pelo chamado mito da beleza, um mito de que existiria uma beleza natural e universal, que seriam as pessoas brancas, jovens, louras, de olhos claros, magras, hiper sexualizadas e vestidas de determinada maneira. Este modelo de beleza inalcançável vem sendo imposto desde a infância por toda parte, apesar da maravilhosa diversidade de tipos humanos espalhados pelo planeta (para saber mais sobre o mito da beleza, CLIQUE AQUI).

Acontece que a maioria das pessoas não se encaixa neste padrão de beleza, mas ele é reforçado e explorado pela indústria de cosméticos, roupas, cirurgias plásticas, academias, imprensa, publicidade, televisão e mídias sociais. Por isso, surge um sentimento de baixa autoestima naquelas pessoas que não se ajustam ao padrão de beleza exigido pelo ambiente de trabalho e pela cultura em geral.

A baixa autoestima causada pelo mito da beleza afeta a todas as pessoas, mas principalmente as mulheres, as pessoas idosas e aquelas com determinadas condições de saúde, como obesidade, doenças que afetam a pele, a perda de movimentos, a queda de cabelos e outras, como as lesões cutâneas das pessoas com NF1. 

A pessoa que se sente “feia” desenvolve a baixa autoestima, que aumenta seu afastamento e solidão. Quanto mais isoladas, divididas e solitárias as pessoas, mais frágeis elas se tornam individualmente diante das duras pressões sociais.

Para superarem sua solidão e baixa autoestima, as pessoas precisam descobrir que outras estão na mesma situação, que não se trata de um problema individual, mas de um problema da nossa sociedade que não é inclusiva e lucra com as divisões sociais.

Por exemplo, quando a sociedade ensina que as mulheres são inferiores, isto cria condições para que elas recebam salários mais baixos do que os homens. Quem lucra? Aqueles que contratam o mesmo trabalho realizado pelos homens por um preço 30% menor quando feito pelas mulheres.

Combater a baixa autoestima significa a união social entre as pessoas que são oprimidas pela sociedade atual, para proteger a todas e conquistar direitos. É a adesão às lutas coletivas que nos fortalece individualmente. Unindo-nos em torno das neurofibromatoses na AMANF, por exemplo, estamos conquistando direitos e melhorando nossa qualidade de vida.

Mas as diferentes lutas sociais são entrelaçadas, pois classe, gênero e raça (e os demais fatores citados acima) são problemas sociais interdependentes. Por exemplo, mesmo uma mulher que consiga autonomia financeira, ela poderá continuar sendo vítima do machismo estrutural, do mito da beleza, da discriminação pelo envelhecimento, do racismo se não for branca, e dos preconceitos sobre sua sexualidade.

Para enfrentar qualquer um dos problemas sociais, acabamos por esbarrar nos outros relacionados às desigualdades em nossa sociedade. Para defender os direitos das pessoas com NF acabamos por descobrir que precisamos, ao mesmo tempo, defender os direitos as mulheres, dos negros, dos povos indígenas, dos LGBTQ+…ou seja, precisamos defender os DIREITOS HUMANOS de todas as pessoas.

Portanto, para aumentarmos nossa autoestima temos que abrir mão do individualismo para aderir às lutas coletivas contra a desigualdade social. Curiosamente, essa adesão nos torna mais fortes, mais livres e independentes das pressões sociais, porque as reconhecemos e as enfrentamos, construindo defesas humanitárias coletivas.

Quando estamos unidos, as pressões que sofremos individualmente não mais destroem a nossa autoestima, porque reconhecemos que as dificuldades para enfrentar o mundo não são culpa ou exclusividade nossa, mas que elas têm uma razão social e histórica.

Por isso, quero concluir que a autoestima é uma questão política.

Dr. Lor