Como as pessoas com NF1 percebem o próprio corpo?
Em nossa experiência no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG temos observado que algumas pessoas com NF1 apresentam certas alterações na percepção corporal, em especial quanto à tolerância à dor, aos sons e texturas de roupas e alimentos, à música, à temperatura do ambiente, ao contato corporal com outras pessoas e à imagem que fazem de si mesmas.
Até onde sei, não há um estudo científico bem conduzido para esclarecer se estas alterações encontradas são apenas impressão subjetiva nossa ou se correspondem a um padrão sensorial típico das pessoas com NF1.
Por isso, resolvi publicar, com sua autorização, o relato de uma pessoa sobre suas descobertas corporais e espero que este texto permita a outras pessoas com NF1 se identificarem (ou não) e que ele seja inspiração para, quem sabe, pesquisas científicas futuras sobre esta questão.
Dr. Lor
PS: Depois de postado este texto a Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues sugeriu um artigo científico recente sobre esta questão: ver aqui. Comentarei em breve este excelente estudo!
Aqui é a C.P.R, sua paciente.
Gostaria de compartilhar uma descoberta que eu fiz sobre mim e meus sintomas.
Faz bastante tempo que eu sinto uma sensação estranha física, muito tempo mesmo, e eu nunca consegui entender o que era, nem explicar para alguém o que sentia.
A gente até chegou a conversar numa consulta anterior sobre consciência corporal.
A partir disso, eu tenho tentado entender o que tenho sentido (no sentido físico mesmo), tenho feito anotações etc.
Enfim, hoje eu consegui chegar a uma conclusão após ter anotado o que eu sentia em cada sentido (nos 5 sentidos).
Na audição, eu sinto como se escutasse abafado, como se eu tivesse de fone, e escutasse as coisas de longe. Eu consigo entender que tem algo sendo dito, a altura está boa, mas muitas vezes eu não consigo compreender o que foi dito. E eu também as vezes falo muito alto e não percebo (muitas pessoas reclamam disso).
Sobre o paladar, eu sinto o gosto de longe, não como se faltasse sal, mas como se eu sentisse o sabor de longe mesmo, distante.
Sobre o tato, eu sinto como se algo tivesse me tocando, mas com a dificuldade de entender o que é. É como se fosse algo aleatório. Tanto que eu me assusto quando alguém me toca do nada, pois eu não consigo identificar o que é. Eu também tenho dificuldade de lidar com a quentura. Eu sinto que existe um calor, mas muitas vezes não sinto que tá queimando, eu sinto apenas um incômodo bem ruim.
Sobre a visão, eu sinto um peso nos olhos. Tipo, eu enxergo bem. Eu tenho uma visão relativamente boa (meu grau é bem baixinho), mas eu sinto que vejo as coisas meio desfocadas, com menos nitidez.
Enfim, eu sinto muito incômodo corporal, sempre senti, e nunca consegui colocar em palavras.
Depois que eu consegui colocar isso para fora eu resolvi pesquisar sobre os sintomas na internet e apareceu a “síndrome sensorial”, e eu me identifiquei com todos os sintomas, ainda mais quando relacionados a hipossensibilidade.
Isso me assustou um pouco, mas eu até chorei de alívio, pois sempre foi muito difícil lidar com os sintomas e não conseguir expressar o que eu sentia para alguém.
Gostaria de saber se isso tem a ver com a neurofibromatose, ou, se você sabe o que pode ser feito para tratar isso.
Eu tenho a leve a impressão de que eu já senti as coisas “direito”, mas não consigo explicar quando, se isso acontece desde a infância, se eu sempre tive isso. Eu não sei. Eu só sei que é algo que me incomoda a anos e eu finalmente consegui entender o que é.
Agora eu gostaria de tentar tratar, se for possível.
Achei interessante compartilhar com você já que você me acompanha.
Grata pela atenção.