Na semana passada, revi um artigo da JOAN ABLON, pesquisadora do Programa de Antropologia Médica da Universidade de São Francisco, na Califórnia, publicado no ano 2000, mas que me parece perfeitamente atual (quem desejar ver o artigo original em inglês, clique aqui).

Como nos é dada e como recebemos a notícia de que alguém da nossa família está com neurofibromatose?

De um modo geral, a partir dos relatos que recebo em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG, podemos dizer o primeiro diagnóstico costuma demorar anos para ser feito e, quando ele surge, a notícia é comunicada pelos médicos de forma pouco habilidosa. Além disso, a percepção das famílias sobre aquele momento é de um trauma inesquecível.

A Dra. Ablon estudou esta questão a fundo e trouxe muitas luzes para todos nós, como pais e como profissionais da saúde envolvidos com as neurofibromatoses. Ela entrevistou detalhadamente 18 famílias que receberam o diagnóstico de Neurofibromatose do tipo 1 (NF1), gravando seus depoimentos e analisando o que eles tinham em comum.

O primeiro resultado da Dra. Ablon, foi que das 18 famílias entrevistadas 16 ficaram chocadas, com raiva e posteriormente deprimidas com a maneira traumática com que o diagnóstico de NF1 foi apresentado a elas. Aquele momento foi tão marcante em suas vidas que os pais eram capazes de recordar o sofrimento com grande intensidade muitos anos depois.

As famílias relataram que o diagnóstico de NF1 foi feito de forma desastrada durante um exame médico, no qual os profissionais demonstraram desconhecimento da doença e enfatizaram os aspectos mais graves e raros, além de insistirem no erro histórico de que a NF1 é a Doença do Homem Elefante.

Muitos médicos afirmaram às famílias que nada podia ser feito pela criança (confundindo cura com tratamentos), que ela viveria pouco tempo (contrariando as estatísticas científicas reais) e que, caso sobrevivesse, ficaria deformada como aquelas fotos que então lhes eram mostradas em livros de medicina, incluindo enormes tumores plexiformes deformantes, (o que acontece em raros casos), e que, por fim a criança seria como o Homem Elefante (que, na verdade, tinha outra doença, completamente diferente, chamada de Síndrome de Proteus).

Mesmo quando o diagnóstico de NF1 não incluía estes erros acima mencionados, ele era feito pelo médico de forma despreparada, pois eram incapazes de perceber que a família mal havia entendido o nome da doença, portanto seria muito difícil para ela compreender outras informações técnicas.

Em conclusão, a Dra. Ablon lembra que a NF1 é uma doença “sem parâmetros” por causa da grande variabilidade das manifestações clínicas (mesmo em gêmeos univitelinos) e da imprevisibilidade de sua evolução ao longo dos anos. Esta impossibilidade de prevermos o que vai acontecer retira das mãos dos médicos e da família qualquer controle efetivo sobre o destino das crianças, gerando grande ansiedade e apreensão.

Lembro-me de quando o diagnóstico de minha filha foi feito, por um colega muito delicado e atencioso, pelo fato de ser médico fui em busca das informações disponíveis naquela época (1981) e encontrei os mesmos terríveis prognósticos para meu bebê que, naquele momento apenas apresentava as manchas café com leite, a voz anasalada e algumas dificuldades cognitivas. Tristeza, desespero e aflição tomaram conta do meu coração por muitos e muitos anos. Somente depois que passei a participar das reuniões da Associação Mineira de Apoio às pessoas com Neurofibromatoses (AMANF), em 2002, é que comecei a aprender sobre as neurofibromatoses e a viver um pouco mais em paz e serenidade com relação à minha filha, hoje com 38 anos.

O artigo da Dra. Ablon reforçou em mim a necessidade de muito cuidado, de máxima atenção, de grande paciência e de extrema delicadeza no momento de comunicarmos à família o diagnóstico.

Compreendo hoje que uma única conversa, no dia do primeiro diagnóstico, não é capaz de abordar todas as implicações emocionais, cognitivas, familiares e sociais que a doença passará a ter na vida daquela família. Por isso, a partir desta semana, além do relatório de atendimento que costumo enviar por escrito pelo correio, acho necessário reagendar uma nova conversa com a família dentro de poucas semanas, para voltarmos a conversar sobre como estão indo as coisas, quais são as dúvidas, quais são os medos e sofrimentos.

Nós médicos, precisamos admitir nosso desconhecimento sobre imensa maioria das doenças raras (são mais de 5 mil!) e pedir o apoio de colegas especializados para darmos as informações necessárias às famílias. 


Sem esquecer que por trás de todo diagnóstico há pessoas, sofrimentos e uma incertezas sobre a vida.

Quem sabe assim, no futuro, o diagnóstico de NF seja menos traumático para muitas famílias.


Comentário 15/03/2016

É isso mesmo: o que a Ablon viu no EUA, você percebe no Brasil e eu vejo na Inglaterra e Portugal. Com as poucas entrevistas que eu tive por aqui, uma das hipóteses de minha pesquisa, que o contexto social poderia influenciar no entendimento da doença, vai por água abaixo.
O sofrimento é o mesmo (nas diferentes classes).
E tem uma coisa que a Ablon não coloca e eu estou tentando investigar: os médicos assassinam o futuro que os pais imaginavam e restringem o futuro dos pacientes, colocando nos genes a bola de cristal do determinismo.
Não é a doença genética que temos medo, é o medo de nossas crianças não terem futuro ou o futuro que passamos a ver, nos assustar de uma maneira tão forte que, não raro, ouvimos relatos de mães, principalmente, falando sobre o suicídio.
É o medo dos sintomas que na NF podem ser muitos ou poucos, graves ou leves.
Por isso, penso em discutir o conceito de doença.
Entendo toda a necessidade de encontrar a doença porque, aí, encontramos a cura. Mas quando não existe esse link (entre diagnóstico e cura)?
Quando a condição é a própria pessoa?
Que chave é essa que a pessoa passa, de uma (hora) para a outra, ser doente/paciente?
Dessas questões, você deve imaginar como anda (cheia) a minha cabeça.
Abraço

Rogério Lima Barbosa

Obs: Parênteses meus – Lor

“Meu filho estava gripado e teve febre alta, levamos ele no Pronto
Atendimento e percebemos que na face onde tem o plexiforme estava sempre mais vermelho e quente. A enfermeira mediu a temperatura com um termômetro de ouvido e sempre apresentava temperatura maior no ouvido direito, que é onde tem o plexiforme, e a diferença era de pelo menos 0,7 graus maior. Ficamos lá por quase 5 horas em atendimento até conseguir baixar a febre, o médico já estava pensando que a febre tinha relação com o plexiforme. Então ficamos em dúvida, é normal o plexiforme durante a febre apresentar temperatura maior? Como vamos saber se a febre tem relação com o plexiforme e o que fazer?”
MRP, do Paraná.

Cara M, obrigado pelas informações sobre seu filho.

De fato, o local do neurofibroma plexiforme recebe mais artérias e veias, ou seja, por ali circula mais sangue do que no restante das demais partes mais externas do organismo.

Desta forma, a temperatura no plexiforme se aproxima mais da temperatura interna do corpo (que fica em torno de 37 graus Celsius, sem febre), que é sempre maior do que a da pele (que fica em torno de 32 graus Celsius, na sombra). Assim, se colocarmos a mão sobre a região dos plexiformes mais superficiais, a nossa impressão (ou a medida com termômetro, como a enfermeira fez) é de que a região do plexiforme está mais quente (35 ou 36 graus) do que a pele ao redor.

A temperatura aumentada do plexiforme sem outro sintoma de inflamação (dor, inchação ou mudança da consistência) não é motivo de preocupação.

Ao contrário, um plexiforme que aumenta a temperatura, mas também acelera seu crescimento e apresenta dor (especialmente contínua e noturna) e mudança da consistência (tornando-se mais duro e firme), merece nossa preocupação, pois pode estar em curso a uma transformação maligna.

Sabemos que a transformação maligna é raríssima nas crianças, mas pode acontecer em cerca de 1 em cada plexiforme depois da adolescência ao longo de toda a vida. No entanto, esta transformação é mais comum nos plexiformes grandes, volumosos e profundos.

De qualquer forma, apenas a temperatura um pouco maior na pele sobre um neurofibroma plexiforme superficial não deve ser motivo de preocupação.

Até a próxima semana.

Ontem comentei sobre o estudo realizado na Universidade de Indiana nos Estados Unidos, usando o imatinibe em diversas pessoas com NF1 e neurofibromas plexiformes (quem desejar ver o artigo completo em inglês basta clicar AQUI – em inglês).

Outros estudos mais recentes sobre o uso de imatinibe em neurofibromas plexiformes inoperáveis em pessoas com NF1 apontam na mesma direção, ou seja, de que devemos continuar a estudar mais ampla e profundamente esta possibilidade terapêutica.

Algumas reflexões podem ser feitas sobre os resultados do Dr. Robertson e colaboradores, que deram origem ao nosso atual projeto de pesquisa.

A primeira delas é que não sabemos a taxa de crescimento dos plexiformes antes do tratamento com o imatinibe no estudo do grupo do Dr. Robertson. É possível que aqueles tumores com maior taxa de crescimento apresentem resposta melhor ao imatinibe do que os outros menos ativos? Será que a utilização inicial da tomografia computadorizada com emissão de pósitrons (PET CT) poderia definir o nível metabólico dos plexiformes e indicar os mais adequados para o uso do imatinibe?

Segundo, os autores relatam que o tamanho mínimo dos neurofibromas plexiformes deveria ser de 10 mm, ou seja, tumores muito pequenos para causar grandes riscos, de um modo geral. Não seria mais indicado o imatinibe para pessoas com plexiformes maiores (e, de preferência mais ativos, como vimos acima) e inoperáveis?

Terceiro, não sabemos se houve uma distinção segura entre os neurofibromas difusos (epineurais) e os neurofibromas nodulares (perineurais), os quais possuem origens embriológicas distintas, diferentes momentos de crescimento, diferentes padrões vasculares e possíveis diferenças nas barreiras teciduais à perfusão do medicamento. Não teria sido prudente a separação prévia ou retrospectiva dos efeitos do imatinibe sobre os neurofibromas difusos e os nodulares?

Quarto, sentimos falta de informação sobre os efeitos do imatinibe sobre os sintomas (como dor e disfunção neurológica) e a qualidade de vida das pessoas com o tratamento experimental. Não teria sido mais útil, para todos nós que trabalhamos na clínica e para as pessoas com NF1, se soubéssemos como o tratamento com o imatinibe foi percebido pelas pessoas que o usaram?

Finalmente, quando se busca corretamente a objetividade (medindo-se apenas o tamanho do tumor) não se corre o risco de perdermos informações que talvez sejam mais importantes para as pessoas com NF1, como dor, outros sintomas e qualidade de vida?

Por exemplo, outra pesquisa, realizada com 3 pessoas com NF1 e plexiformes inoperáveis, mostrou que a intensa dor neuropática (presente em muitos plexiformes, especialmente os nodulares), que é de difícil tratamento, praticamente foi eliminada com o uso de outro medicamento (sirolimus), sem que houvesse redução apreciável do tamanho dos tumores (ver aqui o trabalho completo). Portanto, o tamanho do tumor não é o único problema a ser resolvido.

De qualquer forma, a pesquisa do Dr. Robertson e colaboradores (2012) constitui uma base segura sobre a qual podemos formular a proposta de um novo estudo multicêntrico no Brasil.

Pretendemos realizar um estudo com 50 pessoas com NF1 (25 crianças e 25 adultos), as quais utilizariam o imatinibe em neurofibromas plexiformes inoperáveis e sintomáticos e em crescimento (avaliado pelo PET CT), medindo-se o tamanho do tumor e os efeitos clínicos sobre as pessoas, além de levarmos em conta as diferenças entre plexiformes difusos e plexiformes nodulares.

Estamos dando os passos necessários para este projeto, como submetê-lo aos Comitês de Ética em Pesquisa e buscar o financiamento (cerca de 400 mil reais) junto à Universidade Federal de Minas Gerais, à FAPEMIG e ao CNPq.

Quem sabe, algum leitor deste blog tem recursos financeiros para patrocinar este projeto?

 

Continuando os comentários sobre o medicamento imatinibe, ontem eu disse que um grupo de pesquisadores, liderados pelo Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina de Indiana, em Indianápolis nos Estados Unidos, observou redução dos neurofibromas plexiformes provocados em camundongos geneticamente modificados. 

Em 2008, eles resolveram experimentar o medicamento em uma criança com neurofibromatose do tipo 1 (NF1), que estava em estado crítico por causa de um neurofibroma plexiforme na cabeça e pescoço.

Era uma menina de 3 anos de idade, que havia nascido com um grande plexiforme que ocupava sua face, envolvendo a boca e a língua, e se espalhava para trás da cabeça e alcançava o crânio. 

O plexiforme envolvia e comprimia algumas estruturas vitais, como a artéria carótida, a veia jugular e vias aéreas superiores. Esta compressão causava sintomas graves de falta de ar, bloqueando o fluxo de ar para os pulmões e interrompendo o sono.

Sei que nem todos entendem imagens radiológicas, mas as figuras abaixo são ressonâncias magnéticas de parte da cabeça e do pescoço, vistas de frente e que foram realizadas antes (1) e depois (2) do tratamento com imatinibe durante 3 meses. 


A área mais escura (A) é ar ao redor da cabeça ou dentro das vias aéreas (D), a área cinza  é o corpo da menina (B) e a área mais clara (C) circundada por uma linha vermelha é o neurofibroma plexiforme. 

Acho que todos podem ver que a área dentro da linha vermelha (C) ficou menor na segunda ressonância (2), realizada depois do tratamento com o imatinibe. É possível observar como o espaço aumentou na via aérea (D), permitindo melhor respiração e sono.

É claro que os pesquisadores ficaram muito animados com este resultado. Quem desejar conhecer o trabalho original, em inglês, publicado numa das melhores revistas científicas do mundo, a Cell, basta clicar aqui


Os resultados em camundongos e este caso clínico da menina com plexiforme i
noperável deram origem a um estudo maior, envolvendo mais pessoas, hospitais e universidades, e que foi realizado sob a coordenação da mesma universidade de Indiana, nos Estados Unidos. 

O Dr. Robertson e outros 24 colaboradores conseguiram reunir 36 voluntários, pessoas com NF1 entre 3 e 65 anos de idade, todas elas com neurofibromas plexiformes. As crianças receberam imatinibe por via oral na dose de 220 mg/m2 e os adultos 400 mg/m2 duas vezes por dia durante seis meses.

O imatinibe existe como genérico no Brasil e, apenas como ilustração, do ponto de vista de custo financeiro, hoje, no Brasil, o preço médio do tratamento de uma criança seria de 120 reais por dia e o de um adulto cerca de 250 reais por dia. O medicamento está disponível no SUS para outras doenças, como lembrei ontem.

O objetivo primário do estudo era atingir uma redução de pelo menos 20% do neurofibroma plexiforme, cujo tamanho foi medido em ressonâncias magnéticas repetidas. O estudo foi aprovado eticamente e recebeu financiamento do laboratório farmacêutico Novartis (um dos fabricantes do imatinibe) e da própria Universidade de Indiana.

Eles observaram que seis de todos os 36 voluntários (17%) atingiram o objetivo do tratamento, ou seja, apresentaram redução de pelo menos 20% do tamanho do tumor. Alguns voluntários não conseguiram completar os seis meses de tratamento por diversas razões, mas 23 receberam imatinibe por seis meses, e entre eles seis (26%) também apresentaram 20% de redução de um ou mais plexiformes.

Os efeitos colaterais observados foram: urticária (irritação e inflamação da pele e mucosas) em 5 pessoas, edema e aumento do peso em 6 pessoas, baixa reversível da contagem de leucócitos (neutrófilos) em 2 pessoas, hiperglicemia em uma delas e aumento de uma enzima hepática (aminotransferase) em uma.

A conclusão geral dos autores foi de que o estudo com o imatinibe deve ser ampliado para outras instituições de pesquisa para sabermos se é uma boa opção de tratamento para os neurofibromas plexiformes inoperáveis em pessoas com NF1.

Quem desejar conhecer o trabalho completo, basta clicar aqui.

Amanhã comentarei estes resultados do segundo estudo e o que pretendemos fazer no Brasil.


Como prometi na semana passada, apresentarei a partir de hoje, os resultados clínicos dos estudos sobre o uso de imatinibe no tratamento dos neurofibromas plexiformes.

O mesilato de imatinibe (nome do medicamento genérico) é uma droga bem conhecida pelos oncologistas, que a usam no tratamento de algumas doenças hematológicas (inclusive a leucemia mielógena crônica) e alguns tumores de crianças e adultos.

Sabemos que os neurofibromas plexiformes acometem cerca de 50% das pessoas com Neurofibromatose do tipo 1 (NF1), os quais surgem na vida intrauterina em qualquer parte do corpo e são de evolução imprevisível.

Os plexiformes são a principal causa de morte (transformação maligna) e de complicações entre as pessoas com NF1 (dor, deformidades estéticas e perdas funcionais). Tanto para os plexiformes difusos como para os nodulares, o tratamento atual disponível é cirúrgico (ver aqui revisão recente).

A conduta clínica deve ser definida em cada caso em função da localização do plexiforme, dos seus impactos na qualidade de vida da pessoa, da sua taxa de crescimento, dos sintomas que produz e do risco de transformação maligna. Diante de cada uma dessas situações, deve ser pesada a viabilidade da cirurgia e o risco cirúrgico.

O risco cirúrgico é sempre considerável, pois, além das dificuldades técnicas de cada caso (localização, estruturas vitais envolvidas), os plexiformes costumam sangrar muito durante o procedimento cirúrgico e para isto o banco de sangue deve estar de sobreaviso especial.

Assim, temos sugerido uma conduta para os cinco níveis de estado clínico dos plexiformes: (1) estável, (2) crescendo sem sintomas, (3) crescendo com sintomas (dor, disfunção neurológica, impacto estético), (4) crescendo com sintomas e risco de morte (sinais sugestivos de grande atividade celular, por exemplo, captação aumentada de glicose no PET CT) e (5) transformação maligna evidente.

Do ponto de vista da cirurgia, podemos considerar quatro níveis de dificuldades técnicas: (A) baixo (tumores superficiais, relativamente bem delimitados, de fácil acesso), (B) médio (tumores internos, porém ressecáveis, sem envolver estruturas vitais), (C) alto (tumores profundos, envolvendo estruturas internas, especialmente torácicas, plexos nervosos e sistema vascular), e (D) inviável (tumores inoperáveis, geralmente de grande volume, difusos e envolvendo estruturas vitais).

(Ver aqui postagem anterior neste blog com a Tabela de sugestão de condutas nos neurofibromas plexiformes nas pessoas com Neurofibromatose do Tipo 1).

Os plexiformes sintomáticos (dor, deformidade e disfunção) e inoperáveis constituem o maior problema para as pessoas com NF1, motivo pelo qual têm sido buscados tratamentos medicamentosos capazes de reduzir a dor, o volume e os seus impactos sobre a saúde.

Com a descoberta de que o crescimento dos plexiformes depende (pelo menos em parte) de um tipo de receptor (chamado de KIT) nos mastócitos, a inibição destes receptores com mesilato de imatinibe foi experimentada em camundongos e diminuiu os plexiformes daqueles animais geneticamente modificados para NF1.

Animados com os resultados obtidos em camundongos, em 2008, um grupo de pesquisadores do Departamento de Pediatria da Universidade de Indianápolis, nos Estados Unidos, tratou com imatinibe uma criança com NF1 em estado crítico por causa de um grande plexiforme na sua cabeça e pescoço, e ela melhorou muito.


Amanhã, vamos ver em detalhes o caso desta menina.

O pediatra pediu uma avaliação com endocrinologista porque meu filho que tem NF1 está com baixa estatura. O que devo fazer? ISA, de Montes Claros, MG.

Cara I. Obrigado pela sua participação. Minha primeira recomendação é que você deve seguir a orientação do pediatra, pois ele pode ter encontrado sinais ou sintomas que precisam da avaliação da endocrinologia.

De fato, há diversas situações em que as pessoas com NF1 precisam da avaliação especializada da endocrinologia. As pessoas com NF2 e Schwannomatose não apresentam estes problemas na mesma frequência que as pessoas com NF1.

A causa mais comum das consultas à endocrinologia é a baixa estatura, muito comum nas pessoas com NF1 (variam os estudos entre 30 e 60%) e, por causa dela, os médicos suspeitam que a baixa estatura possa ser decorrente da falta de hormônio do crescimento.

Apesar de algumas crianças com NF1 apresentarem baixa do hormônio do crescimento, elas respondem mal ao tratamento com reposição do hormônio (não crescem como as crianças que não tem NF1) e o medicamento aumenta o risco de crescimento dos tumores (especialmente os plexiformes) e transformação maligna. Por isso, atualmente, não recomendamos o uso de reposição do hormônio do crescimento nas pessoas com NF1.

Outra causa de dúvida é o baixo peso e a circunferência do crânio aumentada, que deixam intrigados pediatras e nutricionistas. Sabemos que se trata de uma situação muito comum na NF1, para a qual ainda não temos explicações sobre suas causas, mas não há necessidade de ser tratada com suplementos, dietas especiais ou medicamentos estimulantes do apetite.

Outras crianças são levadas à endocrinologia por causa de puberdade precoce, ou seja, aparecimento das características sexuais antes da hora, com crescimento acelerado ou não. A puberdade precoce acomete cerca de 3% das crianças com NF1, mais meninos do que meninas, e podem estar associadas ou não com um tumor benigno chamado glioma, que pode atingir o nervo óptico e outras partes do sistema nervoso central.

 

A puberdade precoce deve ser tratada e acompanhada pela endocrinologia.

Nossa observação clínica também sugere que a puberdade tardia (cerca dos 16 anos) possa ocorrer com mais frequência na NF1, acompanhada de timidez e retraimento do comportamento sexual. Não temos encontrado outros problemas de saúde decorrentes desta puberdade um pouco mais atrasada.

Outra situação que requer a colaboração da endocrinologia é a hipertensão arterial de origem recente. Esta pressão alta encontrada em 4% das pessoas com NF1 pode ser causada pelo estreitamento das artérias renais (2% dos casos) e, depois de diagnosticada, deve ser tratada pela cirurgia vascular.

A outra causa da pressão aumentada, especialmente nos adultos, em cerca de 2% das pessoas com NF1, são tumores chamados de feocromocitomas (que liberam adrenalina e outras substâncias semelhantes). Eles causam, além da pressão aumentada, dor de cabeça, grande produção de suor (sem calor), taquicardia, palpitações e emagrecimento. Estes tumores precisam da avaliação e acompanhamento urgente da endocrinologia.

Outras situações menos comuns que levam pessoas com NF1 à endocrinologia são os emagrecimentos exagerados (síndrome diencefálica) e a ginecomastia (crescimento da mama uni ou bilateral antes da puberdade e/ou em meninos).

Curiosamente, talvez a causa mais comum de consulta à endocrinologia por parte da população em geral seja também a menos frequente nas pessoas com NF1: o diabetes do tipo 2.  O nosso grupo do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais tem constatado em diversos estudos, as pessoas com NF1 têm menos chances de desenvolver o diabetes tipo 2, que tantos problemas de saúde causa na vida adulta. 


Uma boa notícia, afinal, para quem tem NF1.

“Olá. Sou portadora de neurofibromatose tipo I e estou com 35 anos. De 2 anos para cá o aparecimento de neurofibromas tem aumentado consideravelmente e isso tem me deixado em pânico… como controlar o surgimento? Se não tenho a proteína neurofibromina não há uma forma de adquiri-la? ” DAN, de Campo Grande, MS.

Cara D. Obrigado pela sua pergunta, a qual já foi feita por diversas pessoas, mas ainda não tive a oportunidade de responder.

De fato, a ideia de repor a neurofibromina nas pessoas com NF1 é atraente num primeiro momento, mas, depois, quando pensamos com cuidado, infelizmente, ela não parece ser viável com os recursos que dispomos, pelo menos atualmente.

Vejamos o porquê.

A neurofibromina é uma proteína necessária especialmente no desenvolvimento do bebê na vida dentro do útero. Por isso, muitas manifestações da NF1 já estão presentes no nascimento (manchas café com leite, neurofibromas plexiformes, displasia da tíbia ou da asa menor do osso esfenóide na face) e outras surgem nos primeiros anos de vida (efélides, gliomas ópticos, dificuldades de aprendizado, cifoescoliose) por falta de quantidades suficientes da proteína.

Portanto, a primeira conclusão é que, se desejássemos tratar as manifestações da NF1 repondo a neurofibromina faltante, talvez devêssemos começar o tratamento na vida intrauterina. No entanto, em metade das pessoas a NF1 é uma mutação nova e, portanto, desconhecida durante a gravidez. Estas crianças com mutações novas no gene NF1 não poderiam ser tratadas, infelizmente.

Mesmo nos bebês filhos de quem já tem NF1, metade deles não herda a mutação de um de seus pais, mas não sabemos quais serão os afetados ou não. Portanto, para quais bebês daríamos a neurofibromina suplementar, caso soubéssemos os momentos em que ela seria necessária?

Vamos imaginar que, se estes problemas acima fossem superados, a pergunta seguinte seria: como fabricar neurofibromina para ser oferecida como medicamento?

Sabemos que a neurofibromina é uma proteína grande e complexa (2818 aminoácidos) e por causa disso teríamos grande dificuldade em sintetizar artificialmente moléculas de neurofibromina humana em quantidade suficiente para ser fornecida às pessoas. Para se ter uma ideia, a insulina (51 aminoácidos) é uma proteína 55 vezes menor do que a neurofibromina e demorou décadas para ser sintetizada artificialmente (no Brasil, somente a partir de 1990, um trabalho do grupo do cientista Marcos Mares Guia, da Universidade Federal de Minas Gerais).

Portanto, imagino grandes dificuldades na síntese da neurofibromina em laboratório.

Mais uma vez, vamos imaginar que esta etapa tenha sido superada e tenhamos a neurofibromina disponível. Sabemos que ela deveria ser injetada, como a insulina, para não ser destruída no estômago caso fosse administrada por via oral. Então, onde injetar, quando e quanto?

Na vida adulta, não espero que haja um nível “normal” de neurofibromina no sangue, como um hormônio tireoidiano, ou o estrógeno e a progesterona. Porque a neurofibromina é uma proteína formada no organismo apenas quando a célula é estimulada a crescer, controlando o crescimento celular dentro de limites desejados. Não deve haver, portanto, um nível circulante no sangue que precisa ser mantido continuamente por injeções ou em ciclos diários, como a insulina.

Vamos imaginar que a neurofibromina fosse injetada apenas nos neurofibromas em crescimento.

Novas dificuldades aparecem: de quais tipos de neurofibromas estamos falando (cutâneos, nodulares, plexiformes)? Porque sabemos que cada tipo de neurofibroma tem um comportamento diferente. Como saber quais são os neurofibromas que estão crescendo? Hoje, sabemos quais os neurofibromas que CRESCERAM, mas não sabemos quais vão CONTINUAR A CRESCER OU NÃO. Injetaríamos a neurofibromina em todos?

De qualquer forma, ainda que resolvêssemos todas estas dificuldades, não esperamos que os neurofibromas já existentes fossem “removidos” pela injeção de neurofibromina, pois sua função é apenas de controlar o crescimento das células e não eliminar células.

Portanto, minha conclusão é que nenhum estudo ainda foi feito, utilizando a neurofibromina como um medicamento para pessoas com NF1, porque a ideia básica não tem uma sustentação científica razoável diante das dificuldades que apontei acima.

Vamos tentar, então, investir nossas energias em busca de outras soluções.

Até a próxima semana.

“Tenho NF1 e meus pais precisaram ir para a Inglaterra para trabalhar e eu não consegui aprender inglês, mesmo morando lá por um ano. Quem tem NF1 tem dificuldade para aprender outras línguas? ” IRJ, de Recife.

Cara I, obrigado pela sua participação. Repassei sua pergunta ao Dr. Bruno Cota, que está estudando problemas musicais nas pessoas com NF1 e veja o que ele respondeu:

“São comuns na neurofibromatose do tipo 1 as desordens de aprendizado e acredita-se que elas estejam relacionadas a déficits de linguagem, presente em aproximadamente metade das pessoas com NF1.

A aquisição e desenvolvimento da fala, bem como a compreensão de uma língua e dos seus aspectos gramaticais, podem ocorrer com algum prejuízo ou atraso nas pessoas com NF1.

Algumas dificuldades de compreensão de figuras de linguagem (como paradoxos, elementos não verbais e até mesmo a linguagem escrita) são descritos com maior frequência nas pessoas com NF1 do que na população em geral.

A aquisição da linguagem envolve habilidades cerebrais, comportamentais, psicológicas e motoras complexas, que necessitam primeiramente da percepção adequada dos sons, da sua organização (fonemas), construção de símbolos (palavras) e seus respectivos significados.

Para a consolidação da linguagem, esses elementos também dependem da capacidade de atenção dos indivíduos, possibilitando o armazenamento do que foi aprendido na nossa memória.

Hoje, já sabemos que tanto o processamento auditivo, bem como o déficit de atenção são comuns nas pessoas com NF1, o que certamente implica em dificuldades de aprendizado e linguagem.

Outras alterações também são comuns na NF1, especialmente secundárias a dificuldades motoras do aparelho fonológico, resultando em prejuízo na articulação da fala, ressonância e hipernasalidade da voz, e também podem aumentar as dificuldades de aquisição da linguagem.

Sabe-se que a música tem uma relação íntima com a linguagem, e suspeita-se que antes da aquisição da linguagem verbal, expressa por palavras, nossos ancestrais comunicavam-se através de sons musicais.

Mesmo com o aprimoramento evolutivo da linguagem verbal, as habilidades musicais mantêm grande importância na comunicação, permitindo inflexões, acentuações, exclamações, entonações, pausas e uma infinidade de outros elementos que constituem aquilo que chamamos de prosódia. Por exemplo: podemos saber se uma pessoa está cansada, triste, feliz, ansiosa, exaltada ou com medo pela maneira como o discurso dela é apresentado, através dos elementos descritos acima.

Estudos nos mostram que o aprendizado musical pode ser um recurso terapêutico que potencializa a aquisição da linguagem, em concordância com diversos outros estudos que constataram que a música e linguagem compartilham áreas cerebrais comuns. Crianças com autismo, por exemplo, têm áreas cerebrais relacionadas com a linguagem que são melhor estimuladas quando ouvem uma canção do que quando ouvem outra pessoa falando, o que torna a musicoterapia uma excelente ferramenta no aprimoramento linguístico.

Constatamos recentemente que pessoas com NF1 apresentam dificuldades na percepção musical, conhecidas como amusias. Ainda não sabemos se o treinamento musical poderá proporcionar uma melhora nas habilidades de aprendizado e linguagem, além das próprias habilidades musicais.

Pretendemos em breve iniciar um estudo para tentar responder a essa pergunta.”

Tenho a grande satisfação de comunicar que nosso grupo de Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG publicou mais um artigo científico em revista internacional.

Desta vez foi na revista  ENDOCRINE CONNECTIONS, um artigo escrito pela nutricionista Aline Stangherlin Martins, com a colaboração de diversos pesquisadores, inclusive com a colaboração do pioneiro norte-americano Dr. Vincent M Riccardi.

O artigo traz a parte inicial dos resultados da Aline obtidos no estudo realizado durante seu doutorado, que mostrou que as pessoas com NF1 têm menor chance de desenvolver diabetes tipo 2(ver comentário há quatro dias), entre outras informações.

Quem desejar ler o artigo na íntegra (em inglês) clique AQUI .


Nova data para a segunda aula do Curso de Capacitação em Neurofibromatoses

Em virtude da coincidência com feriados, a segunda aula do Curso foi transferida para o mês de abril, dia 30, começando uma hora mais cedo: 13 horas.

Agradeço a presença de todos na primeira aula e tenho a impressão de que foi uma reunião bastante produtiva.

Ontem comecei a responder se alguém precisa ir para os Estados Unidos para se tratar de alguma complicação da neurofibromatose.

Tentei mostrar que, se forem seguidas as condutas médicas sobre as quais temos concordância internacional, não haveria grandes diferenças no tratamento previsto aqui ou nos Estados Unidos para pessoas com recursos financeiros suficientes.

Por outro lado, para as pessoas que não têm dinheiro para ir aos Estados Unidos, no Brasil temos a cobertura universal (para toda e qualquer pessoa) do SUS (com todas as suas dificuldades econômicas e políticas), o que não acontece nos Estados Unidos.

No entanto, há uma outra diferença entre o Brasil e os Estados Unidos: lá, já existem alguns estudos experimentais com medicamentos destinados a diminuir o crescimento dos neurofibromas plexiformes, provavelmente a causa mais comum de complicações graves (estéticas, funcionais e/ou morte) na neurofibromatose do tipo 1. Aqui, ainda estamos preparando um projeto de pesquisa neste sentido, que poderá estar em vigor dentro de um ou dois anos.

Mas, quais seriam as pessoas que poderiam se submeter a um destes estudos experimentais?

Para tentar responder a esta pergunta, precisamos rever um pouco nossos conhecimentos sobre os neurofibromas plexiformes e a Tabela acima poderá nos ajudar.

Sabemos que os neurofibromas plexiformes são comuns nas pessoas com NF1 (cerca de 30 a 50% delas apresenta um ou mais), e que surgem na vida intrauterina em qualquer parte do corpo e são de evolução imprevisível.

Para complicar um pouco mais, os plexiformes podem ser neurofibromas difusos (epineurais) ou neurofibromas nodulares (perineurais), o que tem implicações clínicas e cirúrgicas diferentes. 


Os difusos se misturam com os demais tecidos, possuem muitas veias e artérias e há grande dificuldade para o cirurgião visualizar seus limites. Os nodulares possuem limites mais definidos, mas costumam estar envolvidos em raízes nervosas e estruturas vitais, como vias aéreas, coluna vertebral, grandes artérias e veias.

A conduta médica deve ser definida em cada caso em função da localização do plexiforme, dos seus impactos na qualidade de vida da pessoa, da sua taxa de crescimento, dos sintomas que produz e do risco de transformação maligna. Diante de cada uma dessas situações, deve ser pesada a viabilidade da cirurgia e seu risco cirúrgico.

Quanto ao risco cirúrgico, além das dificuldades técnicas de cada caso (localização, estruturas vitais envolvidas), deve sempre ser lembrado que os plexiformes costumam sangrar muito durante o procedimento cirúrgico e para isto o banco de sangue deve estar de sobreaviso especial.

Assim, podemos considerar cinco níveis de estado clínico dos plexiformes: 

(1) estável, 
(2) crescendo sem sintomas, 
(3) crescendo com sintomas (dor, disfunção neurológica, impacto estético), 
(4) crescendo com sintomas e risco de morte (sinais sugestivos de grande atividade celular, por exemplo, captação aumentada de glicose no PET CT) 
e (5) transformação maligna evidente.

Do ponto de vista da cirurgia, podemos considerar quatro níveis de dificuldades técnicas: 

(A) baixo (tumores superficiais, relativamente bem delimitados, de fácil acesso), 
(B) médio (tumores internos, porém ressecáveis, sem envolver estruturas vitais), 
(C) alto (tumores profundos, envolvendo estruturas internas, especialmente torácicas, plexos nervosos e sistema vascular), 
e (D) inviável (tumores inoperáveis, geralmente de grande volume, difusos e envolvendo estruturas vitais).

Observa-se na Tabela acima que os tratamentos propostos para o nível D (1, 2, 3 e 4) são sempre paliativos, ou seja, tratar os sintomas e suas complicações. Por isso, estes tumores inoperáveis devem ser o principal alvo de estudos experimentais com algumas drogas, entre elas o mesilato de imatinibe (Gleevec®), que tem apresentado alguns resultados animadores.

Além disso, os protocolos de pesquisa para drogas inibidoras do crescimento dos plexiformes podem incluir pessoas com tumores nos níveis B2 e B3 (crescendo e crescendo com sintomas, mas com risco cirúrgico médio) e C2 e C3 (crescendo com sintomas e com risco cirúrgico alto).

Em conclusão, para as pessoas que possam permanecer nos Estados Unidos (residentes ou permanência prolongada), e que se encontrem numa destas classificações que acabei de salientar, pode haver a possibilidade de serem incluídas num dos estudos experimentais com o imatinibe.

Em breve comentarei os resultados experimentais que já foram publicados sobre o imatinibe nos plexiformes.