Continuando o breve resumo das ideias publicadas pelo pioneiro Vincent M Riccardi recentemente, retomo a sua proposta dos cinco níveis de tratamento dos neurofibromas.

Para o nível 1, da prevenção, Riccardi lembra que ainda não dispomos de um tratamento recomendado como consenso entre os especialistas e repete seu argumento, conhecido desde 1990, que o uso contínuo de um medicamento estabilizador das células chamadas mastócitos (o Fumarato de Cetotifeno) seria capaz de evitar o surgimento dos neurofibromas, e pede aos especialistas em neurofibromatoses que realizem estudos amplos sobre esta possibilidade.

No nível 2 do tratamento (parada do crescimento dos neurofibromas), ele também sugere que o Cetotifeno seria capaz de parar o crescimento dos neurofibromas, mesmo depois que eles aparecessem, embora reconheça que ainda não tenhamos evidências de estudos com grandes grupos de pessoas.

No nível 3 do tratamento (reversão do tamanho), Riccardi lembra que alguns resultados parciais têm sido apresentados com alguns medicamentos usados em oncologia, como o Sunitinibe, o Sirolimus e o Imatinibe. No entanto, sabemos que estes estudos ainda não estão concluídos.

No nível 4 do tratamento dos neurofibromas (assim como em caso de sua eventual transformação maligna), nosso amigo pioneiro lembra que contamos com as cirurgias ou eventualmente com o recurso complementar da quimioterapia nas malignizações. Devo comentar que nossa impressão é de que a radioterapia pode ser mais eficaz como tratamento complementar da cirurgia dos tumores malignos da bainha do nervo periférico (ver artigo aqui) do que a quimioterapia, embora ambos os recursos sejam pouco efetivos no enfrentamento deste tipo de tumor.

Finalmente, no nível 5 do tratamento dos neurofibromas (paliativo), Riccardi lembra a necessidade do tratamento efetivo da dor causada pelos neurofibromas quando eles não podem ser removidos. É fundamental garantirmos dignidade, conforto e paz para as pessoas que enfrentam as formas mais graves e intratáveis da neurofibromatose.

Amanhã comentarei a opinião do Riccardi de que precisamos distinguir os diferentes tipos de neurofibromas para manejá-los clinicamente de forma adequada.


Quero começar as notícias deste ano comentando um artigo recentemente aprovado (12 de janeiro de 2016) pelo grande especialista em neurofibromatoses Dr. Vincent M. Riccardi, na revista Jacobs Journal of Neurology and Neuroscience.

Riccardi tem sido nosso inspirador e nos visitou por duas vezes (2009 e 2014[1]) e é conhecido mundialmente não apenas pelo seu papel como o primeiro médico a se especializar no tratamento das neurofibromatoses (1978), como também pela sua postura vigilante, criativa e crítica sobre diversas questões envolvendo as NF.

Neste seu último artigo, que ele teve a gentileza de nos enviar assim que foi aceito, Riccardi retoma sua perspectiva de que precisamos olhar para as NF como doenças decorrentes de uma falha no desenvolvimento dos tecidos e órgãos (displasias) e não como uma doença oncológica. Ou seja, ele acha que os problemas mais comuns da NF1 são decorrentes de defeitos genéticos na formação dos órgãos desde o embrião até a vida adulta.

Riccardi insiste que para tratarmos corretamente as NF precisamos distinguir as características clínicas das NF, porque elas se dividem em “achados” (por exemplo, neurofibromas plexiformes), “consequências” (por exemplo, a dor nos neurofibromas plexiformes) e “complicações” (por exemplo, as deformidades físicas causadas pelo crescimento dos plexiformes ou a sua transformação maligna, esta última ocorre pelo menos em 15% dos casos).

Neste novo artigo de 2016, Riccardi escolheu os neurofibromas para aprofundar seu olhar crítico e experiente sobre eles. Primeiro ele mostra que ainda sabemos relativamente pouco sobre como exatamente os neurofibromas surgem numa pessoa com NF1.

O pensamento tradicional entre os especialistas em neurofibromatoses diz que os neurofibromas se formariam quando ocorre por acaso o “segundo defeito” (second hit) no gene NF1. Em outras palavras, uma pessoa que já possui uma mutação num dos alelos do gene (por exemplo, naquele herdado no espermatozoide do pai), sofre uma nova mutação na metade do gene que foi herdada da mãe. A partir deste momento, então, a célula com defeito nas duas metades (alelos) do gene começaria a crescer anormalmente, formando o neurofibroma.

No entanto, Riccardi insiste em reafirmar que esta hipótese do “segundo defeito” não está provada na NF1 e que outras causas devem ser estudadas, por exemplo, os traumas celulares (um ferimento, por exemplo) poderiam ser desencadeadores do crescimento do neurofibroma. Resolver esta dúvida sobre como surgem os neurofibromas, portanto, seria muito importante para descobrirmos formas eficazes de tratamento para o futuro.

Riccardi distingue cinco níveis potenciais de tratamento dos neurofibromas: 1) Prevenção do seu aparecimento, 2) Parada do crescimento, 3) Reversão do crescimento, 4) Redução do tamanho e 5) Tratamentos paliativos.

Amanhã continuarei com mais informações sobre estas ideias do Riccardi.

[1] Foto do encerramento do nosso Simpósio em Neurofibromatoses em Belo Horizonte (2014), da esquerda para a direita, Nilton, eu, Juliana, Susan Riccardi, Danielle, Vincent M Riccardi (com o Troféu Monica Bueno nas mãos), Aline, Márcio, André, Darrigo, Eric e Pollyanna.

Depois de algumas semanas descansando as teclas do meu computador, retomo as informações diárias neste blog.

Neste período diversas novidades aconteceram, especialmente a aprovação acadêmica dos resultados de vários estudos e pesquisas em andamento em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses, os quais comentarei a partir de amanhã.

Nestes dias também se acumularam diversas cartas de pessoas buscando esclarecimentos sobre as NF. Aquelas que tinham alguma urgência respondi imediatamente por e-mail ou por telefone. As demais, especialmente as mensagens que podem ser úteis a outras pessoas, serão respondidas em breve aqui.

Quero registrar também minha agradável surpresa diante do número de pessoas que acessaram o blog mesmo durante as minhas férias, mantendo-se em cerca de 3 mil pessoas por mês, o que sugere que as informações aqui postadas devem estar sendo úteis às pessoas com NF. Isto aumenta minha responsabilidade.

Para encerrar por hoje, quero informar que já preenchemos mais da metade das vagas para o Curso de Capacitação em NF de 2016, que se inicia no último sábado de fevereiro às 14 horas na Faculdade de Medicina da UFMG.

Até amanhã.

Por favor, se você deseja participar, responda este questionário na caixa de mensagem ao lado, antes do dia 20 de fevereiro de 2016.

Nome completo:

Idade:

Escolaridade:

Endereço para correspondência:


Telefone:

1) Qual é sua relação atual com as neurofibromatoses?

2) O que espera do curso?

3) Como pretende utilizar os conhecimentos adquiridos no curso?




Atenção todos que desejam marcar consultas no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais:

Por causa de mudanças na organização interna do Hospital, para serem atendidos por mim ou pelo Dr. Nilton Alves de Rezende, precisam ligar para (31) 3409 9560 e falar com Jacqueline ou Iris, Cristiane, Patrick e Enísio. Eles atenderão por enquanto somente no horário de 7:30 às 10:30 da manhã, apenas nas quartas feiras.

Casos urgentes podem entrar em contato comigo no celular (31) 99971 0622 ou com Dr. Nilton Alves de Rezende (31) 99978 9545.

Além disso, no dia da consulta, TODOS precisam apresentar seu cartão do SUS na portaria, assim como um documento de identidade e comprovante de endereço.

Quem ainda não tem o Cartão do SUS pode solicitar o seu on-line clicando aqui .

Sinto muito o transtorno por causa de falta de funcionários em decorrência das dificuldades econômicas da Universidade.


Dr. LOR
Caras leitoras (maioria) e caros leitores deste blog.

Este foi um ano muito produtivo, durante o qual aumentamos nossa comunicação por meio deste blog, o qual tem facilitado o encaminhamento para diversos problemas e solucionado muitas dúvidas que tanto nos afligem sobre as neurofibromatoses.

Espero ter respondido a todas as perguntas que me foram enviadas até o momento. Algumas, respondi diretamente por e-mail. Outras, também divulguei no blog por achar que poderiam interessar a outras pessoas.

Desejo Boas Festas a todas as pessoas envolvidas com as neurofibromatoses.

Agradeço o privilégio de merecer sua confiança ao lerem meus posts e me enviarem suas dúvidas.

Feliz 2016.

Dr Lor
Minha segunda filha possui NF1 com pseudoartrose da tíbia, foi mutação nova pois eu e meu marido não temos. A terceira filha nasceu com umas manchas diferentes, algumas são café com leite e outras são esbranquiçadas, e tem formato diferentes das manchas que a segunda filha tem. A geneticista que examinou as duas acha que não deve ser NF, mas pediu para levar na oncogenética, mas só consegui consulta para janeiro de 2016. Pode ocorrer de ter duas filhas com NF sendo mutação nova? AS, de localidade não identificada.

Cara S, obrigado pela sua pergunta interessante.
De fato, é possível acontecer duas mutações novas numa mesma família, mas isto deve ser pouco provável (ver neste blog um post sobre a diferença entre o que é possível e o que é provável nas NF – clique aqui).
A chance de nascer uma criança com NF de pais sem NF é de 1 em 3 mil nascimentos. A chance de uma segunda criança nascer naquela mesma família sem pais com NF apresenta uma probabilidade muito pequena, pois este fato ocorreria em cerca de uma vez em cada 9 milhões de pessoas.

Portanto, na sua situação precisamos ter segurança de duas coisas: 1) que as manchas de sua terceira filha são mesmo relacionadas à NF; e 2) que nem você nem seu marido possuem a NF1 seja na forma mínima ou na forma segmentar.


Para a primeira questão, devo lembrar que há tipos de manchas cutâneas que se confundem com as manchas café com leite das NF, e por isso seria importante a opinião de um especialista no caso de suas filhas.
Para a segunda dúvida, sabemos que nas formas mínimas, apesar da pessoa possuir a mutação, a expressão da doença, ou seja, os seus sinais são tão discretos que apenas os especialistas os percebem. Então novamente, seria importante a avaliação de alguém com experiência em NF.
Nas formas segmentares (ver neste blog sobre isto clicando aqui), as pessoas apresentam a NF em apenas uma parte (segmento) de seu corpo. Às vezes este segmento pode incluir um ou os dois ovários (ou testículos), então os óvulos (ou os espermatozoides) desta pessoa possuem a mutação que ela pode ser transmitida a um filho ou filha, que desenvolverá a doença plenamente.
Como sugestão, creio que você e sua família devem ser avaliados por um especialista em NF e podem começar realizando um exame oftalmológico no qual o médico deve procurar Nódulos de Lisch, que são sinais típicos na NF1.

Tenho recebido com muita honra diversas famílias gaúchas no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, além de perguntas neste blog.
No último Congresso Brasileiro de Oncologia realizado em Foz do Iguação fiquei conhecendo a Dra. Patrícia Ashton-Prolla que tem uma experiência de vários anos com neurofibromatoses no Hospital das Clínicas de Porto Alegre.
Para aqueles que desejarem, o contato é:
Dra. Patricia Ashton-Prolla e Dra. Cristina Netto
Serviço de Genética Médica HCPA
Rua Ramiro Barcelos 2350
Porto Alegre
Programa de Informações em Oncogenética para profissionais de saúde: telefone (51) 3359-7904
Fico muito feliz que estejamos dando mais um passo para realizarmos parcerias e estudos em conjunto, sempre em benefício das pessoas com neurofibromatoses.

Uma vez que estudos apontam a frequência da NF1 em 1/3.000, não seria um pouco contraditório considerar esta uma doença rara? Ou as neurofibromatoses em conjunto (NF1, NF2, Schwannomatose) é que são consideradas raras? CVNS, de Belo Horizonte, MG.
Cara C, obrigado pela pergunta. Você tem razão em ter esta dúvida, pois a definição de Doença Rara varia de uma instituição para outra.
Temos adotado em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais o conceito de doença rara utilizado pelo Ministério da Saúde do Brasil, que é o mesmo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), ou seja, doença rara é aquela que afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos (1,3 para cada duas mil pessoas). 
Concordo que esta maneira da OMS definir é um pouco confusa para quem não trabalha com saúde pública, por isso, podemos transformar a definição em números mais intuitivos, ou seja, uma pessoa com a doença para tantos nascidos vivos. Assim, as doenças raras para a OMS seriam aquelas que ocorrem em frequência menor do que 1 em cada 1538 pessoas.
Neste sentido, as neurofibromatoses podem ser consideradas raras porque sua frequência é menor do que aquele limite da OMS: a NF1 ocorre na proporção de 1 pessoa com NF1 para cada 3 mil nascidas, a NF2 é mais rara e acontece na proporção de 1 pessoa com NF2 para cada 20 mil nascidas e a Schwannomatose, mais rara ainda, ocorre em 1 pessoa com SCH para cada 40 mil nascidas.
Outro conceito que os médicos também empregam para definir as doenças raras é chamá-las de “doenças órfãs”, ou seja, abandonadas por falta de estudos, pesquisas e medicamentos. Como resultado, seriam doenças sobre as quais pouco se conhece a respeito de suas causas, da sua história natural ou do seu tratamento. 
O termo “doenças órfãs” parece-me que tem sido preferido, especialmente pela indústria farmacêutica, por ter um apelo emocional maior do que “doenças raras”, o que poderia ajudar no financiamento público de pesquisas em busca de drogas, assim como nos processos movidos pelas pessoas contra o Estado para a obtenção de medicamentos caros na Justiça.
Prefiro não adotar este termo de doença órfã para as neurofibromatoses, porque elas são bem conhecidas quanto às suas causas (mutações novas ou herdadas) e suas histórias naturais (evolução) e, embora ainda não existam medicamentos para a sua cura, os tratamentos atuais que dispomos melhoram a qualidade e a duração da vida das pessoas acometidas. Além disso, centenas de cientistas procuram conhecer as NF em todo o mundo.
Finalmente, para termos uma dimensão do problema, segundo o Ministério da Saúde, no Brasil, cerca de 6% a 8% da população (cerca de 10 a 15 milhões de brasileiros) poderia ter algum tipo de doença rara. No entanto, é preciso cautela com estes números, porque eles me parecem imprecisos, pois há outras estatísticas que apontam entre 3 a 6% de doenças raras na população em geral, o que resulta numa enorme diferença de quase 10 milhões de brasileiros!
Neste imenso grupo de cerca de 5 mil doenças raras (outro número impreciso), estamos nós, as três neurofibromatoses: do tipo 1, do tipo 2 e a Schwannomatose.

Mais ou menos como aquela bolinha vermelha no meio das demais pretas que ilustram este post.
Continuo hoje a resposta para a AG, que perguntou se seria possível através da seleção de embriões (sem neurofibromatoses) “eliminar” as variantes genéticas que causam a doença e assim erradicar as neurofibromatoses.
A resposta é: sempre haverá pessoas com NF, porque entre as pessoas que têm uma das formas de NF metade delas é resultado de novas variantes, ou seja, elas não herdaram a variante de um de seus pais.
Então, mesmo que todas as pessoas que hoje têm NF decidissem não mais ter filhos ou se todos os seus filhos fossem resultado apenas de seleção de embriões sem a doença, ainda assim haveria novos casos causados por novas variantes genéticas, que acontecem na formação do espermatozoide ou do óvulo de pessoas sem a doença.
Estas variantes são aleatórias, ou seja, ocorrem completamente ao acaso, sem qualquer causa conhecida e acontecem nas seguintes frequências: para NF1 em 1 em cada 3 mil pessoas, para NF2 em 1 em cada 20 mil pessoas e para a Schwannomatose em 1 para cada 40 mil pessoas.
Como exemplo, hoje existem cerca de 80 mil pessoas com NF no Brasil e metade delas herdou a doença de um de seus pais e a outra metade é resultado de nova variante numa família onde ninguém tinha a doença.
Supondo que todas estas 80 mil pessoas decidissem não ter filhos ou apenas ter filhos selecionados sem a doença, ao longo dos anos haveria a ocorrência de novos casos aleatórios em qualquer família de brasileiros e teríamos novamente pessoas com a doença.
É interessante comentar que a ideia de “erradicar” uma doença pode parecer uma boa ideia, mas é preciso levar em conta que este desejo radical pode trazer consigo a rejeição social às pessoas que já possuem a doença.
Dentro do sistema capitalista em que vivemos, o valor de uma pessoa está associado à sua capacidade de produção e aqueles menos capazes são considerados peso morto para esta sociedade cruel e produtivista. Foi com ideias deste tipo que os nazistas mandaram esterilizar ou assassinaram as pessoas com doenças genéticas.
Infelizmente, há pessoas, inclusive médicos, que ainda defendem estas ideias de pureza racial, limpeza étnica, melhoramento genético ou seleção de embriões com determinadas características atribuídas às classes dominantes: homens, pele branca, olhos zuis, cabelos loiros, grande inteligência, porte atlético e etc.
É preciso lembrar que as pessoas com NF têm consciência de si mesmas, têm autoestima, desenvolvem relacionamentos afetivos, muitas podem trabalhar e vivem momentos de alegrias e tristezas. Possuem parentes e amigos que as amam e desejam a sua felicidade.
Mesmo aquelas pessoas com NF com complicações mais graves desejam continuar vivendo e serem mais felizes.
A vida das pessoas com qualquer doença não torna estas pessoas menos valiosas.
Cada ser humano é um acontecimento único em toda a história do universo e não precisa de qualquer justificativa para ser respeitado e valorizado.
Como diz a canção, somente as pessoas com NF sabem a dor e a alegria de serem o que elas são.