Olá, apareceu neurofibroma dentro do osso do fêmur no meu filho (13anos). A lesão é bastante grande, o que devo fazer? G, de Fortaleza, CE.




Cara G. Obrigado pela sua pergunta. Para que eu possa responder com segurança, preciso examinar seu filho ou, pelo menos ter em mãos um relatório médico ou ver os exames de imagem (ressonância, radiografia).
De qualquer forma, antecipo que na neurofibromatose do tipo 1 podemos encontrar neurofibromas dentro dos ossos, embora isto não seja um achado muito comum. Eles são congênitos, ou seja, estão lá desde a vida intrauterina, e nesse caso são os chamados plexiformes, podendo crescer ou não durante a vida.
Infelizmente, devido ao desconhecimento dos profissionais da saúde sobre a história natural das neurofibromatoses por elas serem doenças raras, as pessoas com neurofibromas dentro dos ossos podem ser tratadas de forma agressiva e desnecessária, pelo medo de que o tumor possa ser algo maligno.
Vou contar o caso de uma pessoa atendida por nós no CRNF, que nasceu com um neurofibroma plexiforme dentro do seu fêmur esquerdo. Aos quarenta anos, ela se queixava de dor naquele joelho ao caminhar, a qual vinha se agravando nos últimos anos.  
Mesmo sabendo que ela estava aumentando seu peso corporal (cerca de 20 kg em 5 anos) por excesso de alimentação, – o que provavelmente era a principal causa de sua dor ao caminhar, – para afastar uma remota possibilidade de transformação maligna no plexiforme, nós realizamos o exame da tomografia computadorizada com emissão de pósitrons – PET CT, cujo resultado foi tranquilizador, compatível com um neurofibroma plexiforme benigno (ver detalhe do PET CT na imagem abaixo, com captação de glicose de 1,7 na região do plexiforme, ou seja, normal).

Assim, nossa recomendação foi que ela abolisse a ingestão de açúcar e realizasse uma dieta saudável para emagrecer, além de usar analgésicos regularmente.



No entanto, não conseguindo emagrecer, ela buscou outras opiniões médicas e, infelizmente, foi submetida à colocação de haste metálica em seu fêmur, o que não aliviou seu sofrimento, pelo contrário, pois a dor aumentou com o maior sedentarismo e mais ganho de peso depois da cirurgia.
A radiografia abaixo mostra a haste metálica e os parafusos de fixação colocados durante a cirurgia e que são as imagens mais claras na perna esquerda.
Cara G, aproveitei a sua dúvida para falar desta questão porque ela pode ser útil também a outras pessoas. 

É preciso lembrar também outra possibilidade no caso de seu filho, que são os cistos ósseos que podem ocorrer na NF1, ou seja, áreas de menor densidade óssea, geralmente benignas, mas que eventualmente aumentam o risco de fraturas dependendo da sua localização.

Mande-me mais informações sobre seu filho, de preferência um relatório médico sobre ele, ou marque uma consulta em nosso Centro de Referência para que eu possa melhorar minha opinião.


Na semana passada, aposentou-se o médico e cirurgião José Renan da Cunha Melo, Professor Titular (o nível mais alto na carreira de um professor universitário), que dedicou sua vida profissional à Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.



Além de médico, José Renan formou-se em Veterinária e em Direito e vinha sendo um solidário apoiador das pessoas com Neurofibromatoses atendidas no nosso Centro de Referência no Hospital das Clínicas da UFMG.

José Renan sempre esteve disposto a nos ajudar, especialmente nos casos cirúrgicos mais difíceis, acolhendo nossos pacientes com grande empatia e perfeita competência profissional.

Desejo que o José Renan aproveite o merecido descanso para saborear a vida repleta de múltiplos interesses que sua mente brilhante o estimula a seguir.

A aposentadoria compulsória do José Renan mobiliza meus pensamentos sobre a passagem inevitável do tempo. Ela está prevista para todos os professores aos setenta anos, limite de idade para que possamos trabalhar na universidade. Hoje, estou com 66 anos e aposentado, mas continuo trabalhando como voluntário no Centro de Referência em Neurofibromatoses.

Neste caminho, dentro de quatro anos devo também parar de clinicar formalmente, ou seja, de me responsabilizar diretamente pelo atendimento e orientações médicas. Se estiver gozando de boa saúde, pretendo continuar colaborando indiretamente com quem estiver atendendo em meu lugar.

O médico e professor Nilton Alves de Rezende, criador do nosso CRNF, tem se preocupado com a questão da continuidade do nosso trabalho, porque ele também precisará se aposentar alguns anos depois.

Diante disso, doutor Nilton tem buscado o apoio da direção do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da UFMG para tentar garantir que, na nossa ausência prevista, as mais de 800 famílias já atendidas continuem a receber o acompanhamento médico especializado que necessitam. Por enquanto, temos uma promessa da diretoria do HC de destinar ao nosso CRNF uma parte da carga horária (4 horas) de um (a) médico (a) contratado (a) por concurso.

Temos acolhido jovens médicas e médicos no nosso Centro, oferecendo a eles treinamento no atendimento em neurofibromatoses. Há duas médicas, Juliana de Souza e Luíza Rodrigues, que estão plenamente capacitadas para atuarem como especialistas em neurofibromatoses, mas outras demandas em suas vidas não permitem que elas possam, neste momento, assumir alguma atividade permanente no CRNF.

De qualquer maneira, esta perspectiva futura de que os profissionais que hoje atendem no CRNF precisarão descansar em determinado momento, como agora acontece com o querido José Renan, reforça a minha compreensão de que as pessoas e suas famílias com doenças crônicas e incuráveis, como as neurofibromatoses, devem se organizar em torno das suas doenças para a reeducação permanente dos profissionais de saúde.

Ou seja, as associações de famílias e pessoas acometidas devem se apoderar das informações científicas e todos os conhecimentos disponíveis para assumirem o controle sobre sua própria saúde, uma vez que o desconhecimento das doenças raras é comum e inevitável entre os profissionais de saúde.

Caro José Renan, em nome do CRNF, parabéns pela sua aposentadoria e obrigado pelo seu apoio inestimável aos nossos pacientes. Esperamos que seus sucessores no serviço de cirurgia do HC sigam seu exemplo de dedicação, competência e solidariedade.
No nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das da Universidade Federal de Minas Gerais temos adotado a conduta de somente pedir testes genéticos quando o resultado possa mudar a nossa conduta clínica.

Na maioria das pessoas com neurofibromatoses (NF1, NF2 e Schwannomatose) encontramos sinais clínicos suficientes para preenchermos os critérios diagnósticos com relativa facilidade. Assim, os testes de DNA têm sido reservados para situações de dúvida no diagnóstico e para o aconselhamento genético em alguns poucos casos.

No entanto, recentemente surgiu o conhecimento de que cerca de 5% das pessoas com NF1 apresentam formas mais graves da doença por causa de uma mutação genética especial chamada de deleção (ou microdeleções).

Nas pessoas sadias, o gene da NF1 codifica uma proteína necessária para o desenvolvimento normal dos tecidos. Na maior parte das pessoas com NF1, a proteína neurofibromina é defeituosa por causa de mutações no gene (ver figura). Nas chamadas deleções, grande parte (ou mesmo todo o gene e outros genes nas proximidades do mesmo cromossomo é perdida no momento da cópia genética para formar o espermatozoide ou o óvulo.

As pessoas com a deleção do gene NF1 podem apresentar algumas das características apresentadas no quadro abaixo, adaptado do livro “Neurofibromatose na prática clínica” da equipe de Manchester (Dra. Ferner, Dra. Huxon e Dr Evans, 2011).


  
Características
Frequência
Face especial (grande separação entre os olhos, pálpebras caídas, nariz mais grosso, aparência mais velha do que a idade) (Ver foto do livro citado)
89%
Estatura acima da média com mãos grandes e pés grandes
46%
Pectus excavatum
Pescoço largo,
Excesso de tecido macio nas mãos e pés
31%
31%
50%
Excesso de flexibilidade das articulações
Hipotonia muscular
Cistos ósseos
Pé plano
72%
44%
50%
17%
Tumor maligno da bainha do nervo periférico
20%
Atraso intelectual importante
Índice de inteligência (QI) menor que 70
Dificuldades de aprendizado
48%
38%
44%
Outras alterações mais frequentes do que nas demais pessoas com NF1: Doença cardíaca e Escoliose


Observando-se o quadro acima, percebemos que as pessoas com deleções do gene podem apresentar uma evolução mais grave, com grande carga de neurofibromas, com aparecimento precoce deles, de vários tipos, inclusive espinhais.

Assim, pode ser importante do ponto de vista clínico saber quem tem este tipo prognóstico pela análise do seu DNA para que possamos realizar melhor a supervisão médica.

Diante disso, iniciamos em 2014 um projeto de pesquisa em parceria com o Laboratório Hermes Pardini para desenvolvermos a tecnologia para a detecção de deleções no gene NF1 e, depois, realizarmos o sequenciamento genético completo das mutações. Para esta pesquisa, diversas pessoas com NF1 com e sem a suspeita de deleção, foram voluntárias, cedendo amostras de sangue para análise.

Nesta semana, recebi os 7 primeiros resultados desta pesquisa. Entre as 5 pessoas com NF1 analisadas, uma delas apresentou a deleção do gene da NF1.

Curiosamente, esta pessoa foi examinada também pelo Dr. Vincent Riccardi, quando ele esteve aqui no nosso Centro de Referência em 2014. Naquela ocasião, um dos médicos da nossa equipe disse ao Dr. Riccardi que aquele era um caso provável de deleção, pelo seu aspecto clínico. O Dr. Riccardi, que possui uma das maiores experiências clínicas do mundo em NF1, opinou que não lhe parecia um caso de deleção.

A importância do resultado da análise do DNA afinal ter mostrado que há, de fato, deleção do gene NF1 naquela pessoa, apesar da opinião em contrário de um grande especialista, indica que não é tão fácil fazer o diagnóstico de deleção clinicamente.

Isto aumenta a necessidade de realizarmos testes genéticos em mais pessoas com NF1 do que temos defendido até agora.

Continuando a resposta de ontem, sabemos que a chance de nascer com NF é a mesma para meninos e meninas, mas a gravidade da doença pode ser diferente entre os dois sexos?
Até recentemente a maioria dos especialistas em NF pensava que a gravidade seria semelhante entre meninos e meninas porque os cromossomos onde estão os problemas que causam as neurofibromatoses não são aqueles ligados ao sexo.
No entanto, um estudo científico recente realizado nos Estados Unidos (clique aqui para ver o artigo completo) informou que as meninas com NF1 têm três vezes mais chances de precisarem de tratamento quando têm glioma óptico do que os meninos com NF1 que também apresentam glioma óptico. Ou seja, a gravidade da doença, pelo menos quanto ao glioma seria diferente entre os sexos.
Pessoalmente, tenho a impressão de que a NF1 se manifesta clinicamente de forma diferente entre meninos e meninas, pois eles me parecem mais tímidos e retraídos do que elas. Parece-me que os homens com NF1 permanecem solteiros com mais frequência do que as mulheres com NF1, mas esta observação subjetiva precisa ser estudada de forma mais rigorosa.
Além disso, as mulheres com NF1 apresentam momentos razoavelmente definidos na sua vida quando os neurofibromas aparecem e crescem com mais frequência: na puberdade, na gravidez e na menopausa. Os homens com NF1 não mostram fases tão nítidas de crescimento dos neurofibromas depois da puberdade.
As mulheres com NF1 também apresentam cerca de 3 vezes mais chances de desenvolver câncer de mama do que as pessoas sem NF1 entre os 30 e os 50 anos, o que não acontece com os homens com NF1.
Não tenho informação segura de que as demais neurofibromatoses possam possuir diferenças de gravidade entre os sexos.
De qualquer forma, a gravidade da doença é percebida pela pessoa acometida e pela sua família de modo muito particular e individual. Para algumas famílias, pequenos problemas na opinião dos médicos podem ser percebidos como grande sofrimento para a pessoa com NF e/ou sua família. Ao contrário, grandes problemas para os médicos podem ser enfrentados de forma tranquila pela família e/ou a pessoa acometida.

As neurofibromatoses são doenças “pessoais e intransferíveis”, como disse-me uma pessoa com NF1, enfatizando as características únicas que formam a identidade de cada pessoa.
Doutor, tenho neurofibromatose e quatro filhos, duas meninas e dois meninos. Uma das meninas tem a NF1 e um dos meninos também. A menina com NF1 tem problema na visão e o menino não. 

A doença é diferente para os meninos e as meninas? 

Por que a metade dos meus filhos tem a doença e a outra não? RA, de Belo Horizonte, MG.
Cara R. Obrigada pela sua pergunta que deixei para responder depois de tentar esclarecer ontem o que são doenças genéticas, congênitas e hereditárias.
Como vimos, as neurofibromatoses são doenças genéticas, portanto são também congênitas, e tanto podem ocorrer por causa de uma nova mutação, quanto serem herdadas de um dos pais (hereditárias).
Outra característica das NF, especialmente da NF1, é que basta um dos pais ter a doença para que metade de seus filhos tenha a chance de herdar, como aconteceu com você. Isto acontece porque para o funcionamento normal do nosso organismo precisamos da proteína neurofibrominaproduzida pelos genes herdados do pai e da mãe. Se faltar um dos genes (materno ou paterno) ou se um deles vier com alguma mutação que atrapalhe a formação da neurofibromina, a neurofibromatose se manifesta obrigatoriamente. Por isso chamamos a NF1 de doença genética dominante.
Quando é necessário que a mutação esteja presente no gene do pai e no gene da mãe para a doença se manifestar, chamamos de doença genética recessiva, como é o caso da fibrose cística. Neste caso, os pais são chamados de “portadores”, porque eles carregam o gene alterado, mas sem expressar a doença. Neste sentido, não podemos usar a expressão “portadores de NF1”, porque sempre que a mutação da NF1 estiver presente numa pessoa ela apresentará a doença. Chamamos a isto de expressão completa da doença.
Esta informação sobre a expressão completa da NF nos ajuda a compreender porque a NF não salta gerações, por exemplo de avós para netos (as) ou de tios para sobrinhos (as). Ou seja, se uma pessoa tem NF e seu filho (ou filha, tanto faz) não herdou a NF, seu neto (ou neta) – que é filho deste filho sem a doença – também não herdará a doença.
E as neurofibromatoses acontecem tanto em meninos quanto em meninas?
Existem doenças genéticas nas quais o defeito está localizado num dos cromossomos sexuais, no X ou no Y. Chamamos de doenças genéticas ligadas ao sexo. Estas doenças poderão ou não ocorrer ou se manifestar de formas diferentes dependendo do sexo do bebê. Por exemplo, a hemofilia, na qual um defeito recessivo localizado no cromossomo X for herdado da mãe, se for um bebê masculino (XY) a doença se manifestará nos filhos e não nas filhas (como aconteceu com o cartunista Henfil e seus irmãos Betinho e Chico Mário – clique aqui para ver o documentário Três Irmãos de Sangue).
As neurofibromatoses não são doenças ligadas ao sexo, porque os defeitos estão em outros cromossomos (no 17 na NF1, no 22 na NF2, no SMARCB na schwannomatose e no SPRED1 na Síndrome de Legius). Por isso chamamos as NF de doenças genéticas autossômicas, que podem acontecer com a mesma frequência (50%) em meninos e meninas, como, por exemplo na sua família.

Amanhã veremos se a gravidade da doença é a mesma para meninos e meninas.
O senhor disse outro dia que ficamos confusos com as informações médicas sobre a nossa doença. Gostaria de saber se as neurofibromatoses são genéticas ou hereditárias? JTP, de Brasília, DF.


Caro J, obrigado pela sua dúvida que provavelmente deve ser de outras pessoas também.
Resumindo ao que nos interessa para compreendermos as neurofibromatoses, em geral as doenças podem ser divididas de acordo com sua causa, com a época de aparecimento e se são transmitidas ou não para os filhos.
Quanto às causas, as doenças podem ser genéticas ou adquiridas.
As doenças genéticas são produzidas por alterações no nosso código genético (mutações que acontecem totalmente ao acaso) que prejudicam o funcionamento normal do nosso organismo. Por exemplo, um erro no momento de copiar o DNA do pai para formar o espermatozoide (ou o óvulo na mãe) pode dar origem a uma criança com um gene incapaz de formar corretamente a proteína neurofibromina. Assim, o desenvolvimento dos tecidos da criança, especialmente a pele e o sistema nervoso, pode apresentar algumas diferenças que nós chamamos de critérios diagnósticos para neurofibromatose do tipo 1.
Algumas doenças genéticas acontecem por causa de mutações que surgem no embrião depois da fecundação. Nestes casos, apenas parte do organismo conterá a alteração no DNA e a doença se manifestará de forma irregular: em apenas metade do corpo, ou numa perna ou num braço, etc. São casos mais raros na NF1, que nós chamamos em mosaicismo ou forma segmentar, mas são mais frequentes na NF2 e mais ainda na schwannomatose.
As doenças adquiridas são causadas por fatores externos, por exemplo, a gripe causada pelo vírus influenza, ou internos, como o diabetes, causado pela incapacidade do organismo em utilizar os carboidratos de forma adequada. 

É importante lembrar que muitas das doenças adquiridas também possuem maior ou menor tendência genéticapara o seu desenvolvimento. Os próprios exemplos citados, gripe e diabetes, são doenças que dependem de fatores externos, internos e de predisposição genética para acontecerem.
Quanto à época de aparecimento, as doenças podem ser congênitas, da infância e adolescência, da vida adulta ou do envelhecimento. As doenças congênitassão aquelas que já estão presentes na gestação ou no nascimento, enquanto as outras ocorrem nas demais fases da vida

É importante lembrar que as doenças genéticas, como as neurofibromatoses, são, é claro, congênitas, mas suas características podem se manifestar apenas mais tarde, como na neurofibromatose do tipo 2, em que os tumores no nervo vestibular geralmente dão sintomas depois da adolescência. Por outro lado, algumas características das doenças genéticas podem já estar presentes no momento do nascimento, como as manchas café com leite e os neurofibromas plexiformes na NF1.
Quanto à possibilidade de transmissãoda doença de um dos pais para os filhos, as doenças podem ser hereditárias ou não hereditárias. As doenças verdadeiramente hereditárias precisam ser genéticas e a mutação deve estar presente no espermatozoide ou no óvulo, para que venha a fazer parte da nova pessoa. 

No entanto, algumas infecções maternas (como exemplos, pelo vírus HIV, pelo agente da sífilis, pelo protozoário da Doença de Chagas e pela bactéria da úlcera gástrica) podem ser transmitidas durante a gestação da mãe para a criança e algumas pessoas usam para elas o termo hereditário. Nestes casos, penso que o mais adequado seria dizer que estes exemplos são doenças congênitas.
E as neurofibromatoses?
As neurofibromatoses são doenças genéticas, logo são também congênitas, mesmo que os sinais clínicos não estejam presentes ao nascimento.
As neurofibromatoses tanto podem ocorrer por causa de uma nova mutação, quanto serem herdadas de um dos pais (hereditárias).
Todo indivíduo com neurofibromatose, portanto, possui uma doença genética e que é hereditária a partir dele mesmo.

Amanhã comentarei porque basta apenas um dos pais ter a NF1 ou a NF2 para haver a chance de metade dos filhos nascer com a doença. E também se as neurofibromatoses atingem meninos e meninas da mesma forma.
Aproveitando que falei recentemente sobre algumas formas de dor que fazem sofrer as pessoas com neurofibromatoses, apresento um livro escrito pela Joelma Maria de Souza exatamente com este título: “Transformando dor em humor”, publicado em 2010.


Joelma é de Nova Cruz, no estado do Rio Grande do Norte e o livro pode ser solicitado no seu blog (clique aqui) ou pelo seu email: santajoelma@hotmail.com
Aproveitando que falei do livro da Joelma, que tem a NF1, repito aqui a indicação do livro escrito pelo Bruno Rebouças Tamassia, que tem NF2 e que descreveu toda a sua luta para conseguir ter uma filha com a garantia de que ela não herdasse a sua doença.

O livro chama-se “A vida no presente”, foi publicado em 2009 e quem desejar adquirir o livro Bruno pode tentar entrar em contato com ele pelo Facebook.

Para quem está interessado (a) em NF2 e pode ler em inglês, há também um livro chamado “NF2 Our journeys”, publicado em 2013 na Inglaterra pela Jessica Cook e que pode ser acessado na página da internet www.canyouhearus.co.uk

Por hoje é isto.
Nos últimos dias falei sobre as formas mais comuns de dor nas neurofibromatoses. Hoje, quero comentar aquela que talvez seja a mais comum: a angústia das famílias diante da incerteza quanto ao presente e ao futuro de seus entes queridos acometidos pela doença.
O sofrimento geralmente começa na demora para se chegar a um diagnóstico. As neurofibromatoses são doenças raras e por isso a maioria dos profissionais da saúde desconhece os critérios diagnósticos para as NF e os problemas de nossos filhos e filhas são tratados como se tivessem outras causas. Assim, o diagnóstico correto costuma demorar para acontecer e o diagnóstico errado sempre leva a condutas equivocadas.
Quando o diagnóstico correto é feito e descobrimos que se trata de doenças genéticas e nós, pais e mães, ficamos confusos porque não temos conhecimento científico suficiente para compreendermos as questões biológicas mais complexas que nos são apresentadas pelos médicos. Nós não sabemos exatamente o que são doenças genéticas, doenças hereditárias, doenças adquiridas ou doenças congênitas.
Infelizmente, muitos médicos, com a intenção de esclarecer os pais, completam de forma equivocada o seu diagnóstico mostrando-nos imagens de pessoas com neurofibromatoses, fotos e ilustrações escolhidas em livros de medicina ou na internet, geralmente os casos mais graves, que nos deixam arrasados. Então, o meu bebê vai ficar assim?
Em seguida, além do diagnóstico de que se trata de uma doença genética, ficamos sabendo que não há cura. Isto geralmente provoca um grande sentimento de culpa por parte dos pais, e ficamos nos perguntando o que teríamos feito de errado: será que foi o cigarro, a bebida, a exposição a substâncias perigosas, a alimentação, etc.?
Geralmente não somos informados pelos médicos de que nada do que tenhamos feito foi a causa da mutação nova no gene da nossa criança, mutação esta que acontece totalmente por acaso em 1 em cada 3 mil crianças na NF1, em 1 em cada 20 mil crianças na NF2 e em 1 em cada 40 a 50 mil crianças com schwannomatose.
A partir daí a dor familiar vai aumentando a cada dia naqueles casos realmente mais graves, que requerem internações e cirurgias, provocam perda de capacidades funcionais, dificuldades de aprendizado graves e até mesmo a morte.
Nos outros casos menos graves, mesmo naqueles casos em que nosso filho ou filha está bem e feliz, a incerteza do seu futuro, de como a doença vai evoluir, nos deixa noites sem dormir na angústia. Não somos informados de que os casos mais graves geralmente já nascem mais graves e que é possível para a maioria das pessoas com NF levar uma vida feliz.
Assim, sofremos cronicamente como família e, muitas vezes, por falta de informação. Por isso, num questionário realizado pela Associação Maria Vitória de Doenças Raras, a maioria das pessoas com NF e suas famílias responderam que sua maior necessidade neste momento, acima mesmo de tratamentos medicamentosos ou cirúrgicos, é mais informação sobre as neurofibromatoses.
Então, é preciso lembrar que cura não é o mesmo que tratamento. As neurofibromatoses não têm cura, é verdade, mas têm tratamentos.
Uma parte do tratamento para alívio da dor no coração das famílias com neurofibromatoses vem sendo construída em todo o mundo por associações de famílias que enfrentam de frente o problema.

Estas associações nos oferecem informação científica, cuidadosa, carinhosa e acolhedora sobre a doença das nossas crianças.
Continuandonossa compreensão da dor neuropática nas neurofibromatoses, retomo a partir do ponto 4, na figura acima.
O ponto 4 refere-se às conexões que existem na medula espinhal, entre os nervos que trazem o estímulo doloroso da periferia do corpo e os nervos que conduzem estes estímulos até os centros superiores no cérebro.
Na medula, pode ocorrer menor inibição da sensibilidade dolorosa, ou seja, o filtro realizado pelos neurônios na medula estariam menos ativos, permitindo a passagem da dor com mais facilidade para os centros superiores. Alguns analgésicos e a cortisona podem agir nestas conexões, reduzindo a dor, como, por exemplo, nos chamados bloqueios com cortisona injetada ao redor da medula.
No ponto 5, novos filtros (modulações) dos estímulos podem ocorrer, aumentando ou diminuindo a sensibilidade dolorosa. Neste ponto, algumas drogas chamadas neurolépticas e os anticonvulsivantes podem ajudar a reduzir a passagem dos estímulos dolorosos.
No ponto 6, sabemos que a dor é modulada, ou seja, aumentada ou diminuída por fatores emocionais e pelo estado de humor. Assim, a mesma lesão física pode parecer muito mais dolorosa à noite, quando nosso humor aumenta as percepções da fadiga, do cansaço e dos perigos, porque somos seres diurnos, selecionados para vivermos durante o dia e repousarmos à noite.
Também sabemos que a depressão e a ansiedade podem aumentar a sensação de dor. Por isso, antidepressivos e ansiolíticos podem ajudar a controlar a dor nas neurofibromatoses.
O ponto 7 corresponde às diversas regiões do cérebro onde armazenamos nossas informações sobre aquilo que acontece conosco. Assim, a memória, o conhecimento e o aprendizado da dor participam da regulação de como percebemos a dor e o medo que ela nos causa. Por isso, a psicoterapia, o acompanhamento psicológico e o controle cognitivo podem auxiliar o controle da dor neuropática nas neurofibromatoses.
O ponto 8 corresponde à expressão genética de uma herança com maior ou menor sensibilidade para a dor. Neste sentido, parece que a ausência da neurofibromina na NF1, pelo menos em camundongos de laboratório, aumenta a sensibilidade dolorosa de um modo geral.
É preciso lembrar que deve haver outros mecanismos de dor nas neurofibromatoses que desconhecemos ainda. Por exemplo, não sabemos exatamente porque os neurofibromas cutâneos (na NF1) raramente são dolorosos e os schwannomas podem ser dolorosos na NF2 e são muito dolorosos na schwannomatose.
Finalmente, também é preciso reconhecer que vários dos mecanismos do ponto 1 ao ponto 8 podem estar atuando ao mesmo tempo numa pessoa com neurofibromatose e por isso o tratamento da dor neuropática geralmente é complexo e multidisciplinar.

Continuando a resposta de ontem, para o tratamento da dor neuropática nas neurofibromatoses, precisamos compreender um pouco mais como agem os medicamentos e cirurgias usados.
A figura acima pode ser útil para compreendermos como surge a dor neuropática nas neurofibromatoses.
Começando de baixo para cima, no ponto 1 temos a terminação do nervo que leva a sensibilidade dolorosa dos tecidos (na pele, por exemplo) até o cérebro. 

Uma lesão no ponto 1, um corte, por exemplo, libera substâncias inflamatórias que estimulam as terminações nervosas. Assim, os antinflamatórios, o gelo e alguns analgésicos atuam neste ponto, reduzindo o processo inflamatório e aliviando a dor.
No ponto 2, uma compressão mecânica, por exemplo, um neurofibroma comprimindo o nervo contra o osso, causa irritação ou destrói o nervo, o que é percebido como dor. Por isso, a remoção cirúrgica das compressões pode aliviar determinadas formas de dor neuropática.

Por outro lado, a destruição do nervo pode causar a chamada dor fantasma, como nas amputações. Por isso, sinais de compressão nervosa devem ser tratados com rapidez.
No ponto 3, a persistência da dor não tratada pode alterar a expressão genética de proteínas que controla a dor, a neurofibromina, inclusive, aumentando a sensibilidade dolorosa da pessoa. 

Ou seja, um pequeno estímulo que não causaria dor, pode se transformar em dor forte por causa deste aumento da sensibilidade. Por isso, não devemos deixar uma pessoa com dor, sem tratamento. Uma dor não tratada hoje é uma dor duplicada amanhã.

Amanhã continuo dos pontos 4 em diante, para não dar dor de cabeça nos leitores.