Boa noite Dr. Estou escrevendo pois não estou mais aguentando tamanha aflição de saber que meu filho pode ter NF1. Logo após o nascimento percebemos que ele começou a apresentar várias manchas café com leite, hoje este está com 10 meses e continua surgindo manchas. A pediatra solicitou vários exames, oftalmológico, neurológico e com dermatologista e como graças a Deus todos os exames estão normais nos encaminhou a uma geneticista. Após a consulta, a geneticista disse que não estava parecendo NF1 em razão da tonalidade das manchas, mais clarinhas, e meu filho é loirinho, porém solicitou um exame genético para tirar a dúvida. Estou tentando a liberação do exame pelo plano de saúde, mas não está fácil e está demora está me consumindo por dentro. Meu filho vem se desenvolvendo normalmente, tamanho, peso, aprendizado etc. Gostaria de saber se a cor da mancha pode indicar se é ou não NF1? ES, de local não identificado.
Caro ES. Obrigado pela sua pergunta. Um dos critérios mais importantes para o diagnóstico das neurofibromatoses são as manchas café com leite (ver neste blog). Elas são tão comuns que podem até se transformar num tema de uma campanha de esclarecimento público nos postos de saúde e escolas: “Manchas café com leite podem ser neurofibromatose: você pode ajudar! ”
Na maioria dos casos de pessoas com NF do tipo 1 elas estão presentes desde o nascimento ou são percebidas logo depois, e são em número de 5 ou mais, são ovaladas, com mais de meio centímetro de diâmetro, têm as bordas bem definidas e a cor é homogênea, ou seja, a tonalidade da mancha é uniforme.
Portanto, manchas na pele que surgem depois do primeiro ano de vida podem ter outras causas, que não as neurofibromatoses.
Quanto ao número: uma ou duas manchas podem ser encontradas em pessoas sem qualquer doença e até mesmo em vários membros de uma mesma família, a chamada mancha café com leite familial.
Menos de 5 manchas café com leite, visíveis ao nascimento ou logo depois, podem indicar outras doenças genéticas, por exemplo, neurofibromatose do tipo 2, schwannomatose e, portanto, precisam ser investigadas.
Existem outras poucas doenças nas quais podemos encontrar mais de 5 manchas café com leite, como nas Síndromes dos Cromossomos em Anéis, mas a criança apresenta problemas de desenvolvimento e deformidades mais acentuados do que na NF1.
Quanto à cor, em geral, quanto mais clara for a pele da pessoa, mais claras serão as manchas café com leite (mais leite do que café). No entanto, existem alguns casos com variações que podem nos confundir.
Quanto ao tamanho e forma: se a pigmentação varia em formato e coloração e apresenta as bordas irregulares e se espalha por grandes áreas do corpo, é preciso também considerar a possibilidade da Síndrome de Deficiência do Reparo do DNA e da Síndrome de McCune-Albright (ver diagnósticos diferenciais aqui).
Alguns especialistas em NF também consideram que filhos de pais de cor de pele muito diferentes entre si (negros e brancos, por exemplo) podem apresentar este tipo irregular de pigmentação da pele.
Se as manchas café com leite forem encontradas em apenas uma parte do corpo, por exemplo, em apenas uma perna, ou metade do tronco, podemos estar diante de pessoas com a forma segmentar de NF1 (ver neste blog sobre neurofibromatose segmentar).
Finalmente, a Síndrome de Legius apresenta manchas café com leite e sardas debaixo dos braços e/ou nas virilhas (indistinguíveis daquelas da NF1), dificuldade de aprendizagem e macrocrania, mas não apresentam neurofibromas nem Nódulos de Lisch.
Portanto, fica evidente que em alguns casos o diagnóstico da causa das pigmentações na pele se torna difícil, o que nos leva a pedir o teste genético para esclarecimento. Se o teste resultar em positivo para variante patogênica (ou deleção) do gene NF1, temos o diagnóstico confirmado. Se o teste resultar negativo, não podemos ainda afastar o diagnóstico de NF1 e temos que considerar as demais possibilidades comentadas acima.
Em conclusão, a maioria das pessoas com NF1 recebe seu diagnóstico com razoável segurança. Para os demais, a conduta é acompanhar clinicamente e continuar a investigação.
Continuando a resposta para IT, de Portugal.
Para compreendermos as chances de uma pessoa herdar a NF1 ou a NF2, é preciso lembrar que há duas formas destas doenças: a forma completa e a forma segmentar (ou parcial).
Na forma completa, a mutação defeituosa já estava presente no espermatozoide ou no óvulo quando a criança foi gerada, assim, todas as células do seu corpo carregam a mutação, incluindo seus testículos ou seu ovário. Por causa disto, nesta pessoa com a forma completa a metade dos seus espermatozoides (ou óvulos) carregam a mutação e como consequência a chance de transmitir a doença para um (a) filho (a) é de 50%, ou seja, como jogar uma moeda para cima e sair cara ou coroa em cada gestação.
Na forma segmentar, a mutação defeituosa ocorre somente depois que o óvulo foi fecundado e por isso apenas uma parte das células da nova criança carregam a mutação. Como consequência, em algumas partes do corpo a doença se manifesta e noutras não. Por exemplo, a mutação pode estar presente de um dos lados da cabeça e não no restante do corpo; pode estar num dos ovários (ou testículo) e não no outro. Assim, a chance de transmissão da doença vai depender se a mutação defeituosa está presente ou não nos ovários (ou testículos).
Na imensa maioria dos casos, de NF1 as pessoas têm a forma completa e são raros os casos de forma segmentar. No entanto, na NF2, a forma segmentar é menos rara. Por isso, as chances de transmissão da doença são diferentes entre a NF1 e a NF2.
Enquanto na NF1 a chance de transmissão é praticamente de 50% em cada gestação, na NF2 a herança depende da possibilidade do futuro pai ou mãe serem pessoas com a forma parcial, a qual pode ou não acometer os seus testículos (ou ovários).
Uma maneira de avaliar esta possibilidade de uma pessoa ter a forma completa ou a forma segmentar da NF2 é sabermos a idade na qual a pessoa apresentou os tumores no nervo vestibular e se os tumores são ou não dos dois lados do cérebro.
O quadro abaixo, que adaptei de um capítulo de livro escrito pelo Dr. Gareth Evans, um dos líderes do grupo de NF de Manchester, na Inglaterra, nos ajuda a entender estas chances de transmissão da NF2 antes da realização do teste genético.
Idade da pessoa com NF2 no momento do diagnóstico
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Tumores vestibulares (Schwannomas)
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Risco de transmitir a NF2 para um filho ou uma filha
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Menos de 20 anos
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Bilaterais
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45%
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Unilateral
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33%
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20-29 anos
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Bilaterais
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36%
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Unilateral
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19%
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30-39 anos
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Bilaterais
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28%
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Unilateral
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12%
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Mais de 40 anos
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Bilaterais
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22%
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Unilateral
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10%
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Portanto, cara IT, considerando que seu irmão herdou a NF2 de sua mãe e que ela apresenta complicações importantes (perda da audição e da visão, assim como dificuldade para engolir alimentos), podemos supor que ela deva ter a forma completa da NF2. Neste caso, sua chance de ter herdado a NF2 seria próxima de 50% e, por isso, você deve realizar exames complementares (ressonância magnética do encéfalo em busca dos tumores do nervo vestibular e avaliação oftalmológica para verificar a presença de catarata subcapsular e membrana epirretiniana). Se forem negativos estes exames, creio que o teste genético pode ser realizado para aumentar sua segurança de que não tem a NF2.
Para não ficarmos com excesso de informações, noutro dia comentarei sobre os testes genéticos e sobre a transmissão na Schwannomatose.
“Minha sobrinha tinha 37 anos portadora da NF já nasceu com manchas café com leite no corpo. Faleceu no dia 09/03/2014. Foi internada e os médicos acharam um tumor de 20X16 cm pressionando o pulmão e rim. Ela sempre estava fazendo raio-x e outros exames: apareceu de repente, em uma semana ela morreu. Os médicos afirmam que foi da NF. Será que este tumor pode crescer tão rápido? Ela deixou um filho de 12 anos ele não tem nenhuma mancha. Será que ele corre risco de ter a NF também?” LBV
Cara LBV, obrigado pelas suas perguntas, pois elas ajudarão outras pessoas a entenderem melhor as neurofibromatoses.
Se a sua sobrinha tinha mais de 5 manchas café com leite pelo corpo, é provável que ela fosse portadora da Neurofibromatose do Tipo 1 (NF1).
Na NF1 existem vários tipos de tumores, entre eles os neurofibromas.
Entre os neurofibromas, os chamados plexiformes geralmente são congênitos, ou seja, já estão presentes no corpo da pessoa quando ainda ela está no útero de sua mãe. Alguns plexiformes são profundos, dentro do tórax ou do abdome. Cerca de metade das pessoas com NF1 possuem pelo menos um neurofibroma plexiforme.
Durante a vida, os plexiformes podem crescer ou não. Geralmente, a partir da vida adulta há um risco dos plexiformes se transformarem em tumores malignos (chamados de tumores malignos da bainha do nervo periférico, que, para facilitar, vamos chamar de TMBNP). Cerca de 10 a 15% dos plexiformes podem se transformar em TMBNP, por isso, devemos fazer o controle anual e observar os plexiformes com muita atenção.
Se acontecer a transformação de plexiforme para TMBNP, este tumor é muito agressivo e pode ter se desenvolvido em poucos meses em sua sobrinha, sem ter sido percebido. Quando foi visto pelos médicos, já estava na sua fase final. Ou o seu crescimento acelerado pode ter comprimido alguma artéria renal e causado problemas vasculares que levaram, infelizmente, sua sobrinha a falecer.
Sua última dúvida também é importante: será que o filho de sua sobrinha herdou a NF1? Sabemos que metade dos filhos de pessoas com NF1 podem herdar a doença de um de seus pais. No entanto, a falta de manchas nele sugere que ele não tenha herdado, mas, para termos certeza, seria bom que ele fosse examinado por um médico (a) com experiência em neurofibromatoses.