Este espaço é destinado a opinião de pessoas com experiência em diversos assuntos relacionados com as neurofibromatoses.
“Tenho neurofibromatose e um filho de 4 anos de idade. Devo fazer exames nele para saber se ele herdou ou não a minha doença? ” ALB, de Mossoró, CE.
Cara A, obrigado pela sua pergunta que trata de um assunto muito importante.
Temos que colocar na balança os benefícios e os prejuízos de realizarmos o diagnóstico precoce das neurofibromatoses e a situação é diferente para cada uma delas, a NF do tipo 1, a NF do tipo 2 e a Schwannomatose.
Comecemos pela NF1
De um modo geral, a NF1 se manifesta nos primeiros anos de vida por meio das manchas café com leite, que são numerosas, mais de 5 com mais de meio centímetro de diâmetro. Portanto, o diagnóstico da NF1 é facilitado na primeira infância pelos sinais precoces, como as manchas café com leite, as sardas nas axilas e na região inguinal, os nódulos de Lisch no exame oftalmológico e, em alguns casos mais graves, a presença de um neurofibroma plexiforme ou uma displasia óssea.
Em raros casos teremos alguém com NF1 sem estes sinais evidentes e para estas pessoas podem ser necessários outros exames para confirmarmos o diagnóstico.
Parece valer a pena fazer o diagnóstico precoce da NF1, mesmo em quem não apresenta complicações evidentes, pois podemos atuar de diversas formas para melhorarmos a qualidade de vida das crianças. Por exemplo, sabendo que 70% das crianças com NF1 apresentam dificuldades cognitivas, podemos ficar atentos para a necessidade de apoio psicopedagógico, psicológico e fonoaudiológico.
Outro exemplo, sabendo que a criança tem NF1 ficaremos atentos à sua pressão arterial, pois 4% delas apresentará formas graves de hipertensão (displasia da artéria renal ou feocromocitoma), que podem ser praticamente curadas com os tratamentos cirúrgicos que dispomos.
Também podemos ficar atentos aos sinais de puberdade precoce, transtornos de comportamento, convulsões ou problemas na coluna vertebral, os quais podem trazer dificuldades adicionais às crianças com NF1.
Por estas razões creio que devemos fazer o diagnóstico precoce na NF1 de forma clínica e, em casos especiais, complementando com a análise genética.
E na NF2?
Embora a NF2 também seja uma doença congênita, ou seja, já está presente desde a vida intrauterina, as suas manifestações podem demorar muitos anos (às vezes décadas) para causar algum sintoma (baixa de audição, zumbido, desequilíbrio, catarata, etc.) ( VER AQUI ).
Sabemos que as crianças com NF2 podem apresentar alterações oculares desde a infância, as quais algumas vezes causam perdas funcionais. Neste caso, quando houver sintomas visuais ou oculares numa criança, cujo pai ou mãe sabidamente possui NF2, torna-se necessário o esclarecimento da causa do problema, porque ele pode ser decorrente da mutação no gene NF2 herdada.
No entanto, se uma criança, cujo pai ou mãe possui NF2, está assintomática, não parece haver vantagem em investigarmos para saber se ela tem NF2, pois este diagnóstico pode trazer sofrimento para toda a família, sem benefícios evidentes.
Além disso, a taxa de hereditariedade na NF2 é um pouco menor do que na NF1, ou seja, há uma chance maior da criança não ter herdado a doença de um dos seus pais acometido (VER AQUI).
Ao contrário da NF1, na qual podemos agir para melhorar a saúde da criança, na NF2 poderemos apenas ficar aguardando durante muitos anos (às vezes décadas) por manifestações clínicas (baixa audição, zumbido, etc.) para então iniciarmos os tratamentos, geralmente cirúrgicos, que é o que dispomos no momento.
Na Schwannomatose podemos ficar ainda mais reticentes para fazermos o diagnóstico precoce numa criança filha de um dos pais com a doença, porque as manifestações clínicas somente aparecem depois dos 30 anos de idade. Além disso, a taxa de hereditariedade ainda é menor do que na NF2 ( VER AQUI).
Por outro lado, quando uma pessoa que possui um pai ou mãe com NF2 ou Schwannomatose entrar na idade reprodutiva ela deve ser alertada para a possibilidade de ser portadora de uma mutação no gene NF2 ou no SMARCB1 (respectivamente), para que possa realizar seu planejamento familiar de forma segura. Neste momento pode ser importante confirmar ou afastar a possibilidade da pessoa ter herdado a NF2 ou a Schwannomatose.
De qualquer forma, assim que estiver disponível algum tratamento efetivo para qualquer uma das neurofibromatoses (ou todas elas), deveremos nos empenhar para fazermos diagnósticos precoces, pois teremos a certeza de que estaremos beneficiando a todos, pais e filhos com a doença.
Ninguém deseja passar pela experiência dolorosa de interromper uma gravidez. Todos sabemos o quanto sofrem as mulheres que precisam tomar esta decisão. Então, não posso ser a favor do aborto, ou seja, não posso desejar passar, ou que alguém passe, pelo difícil processo de não levar adiante uma gestação.
O que não podemos mais aceitar é que tantas mulheres sejam mortas com agulhas de tricô e outros métodos inconcebíveis em clínicas clandestinas, porque a lei diz que o aborto é crime, uma lei aprovada por uma maioria de homens no congresso nacional. Lei que está em discussão no Supremo Tribunal Federal neste momento ( VER AQUI)
Respeito o argumento das pessoas que são honestamente contra o aborto.
O embrião tem vida? Sim.
É um ser humano em formação? Sim.
Precisa ser protegido? Sim.
Então precisamos saber o que é uma vida humana e como ela deve ser protegida.
Já está em vigor a lei que admite o aborto quando a gestação põe em risco a vida da mãe porque a vida da mulher é mais importante do que a do bebê. Não há dúvida de que, por qualquer medida que possamos escolher, uma pessoa adulta com sua história de vida é muito mais importante do que um grupo de células que estão formando um embrião, que ainda não tem identidade, nem afetos, nem história. Ver aqui porque a a vida da mulher é mais importante do que a do embrião .
O que nos torna realmente humanos é nossa história pessoal e não o momento em que fomos fecundados.
Também já está na lei atual que uma gestação decorrente de um estupro pode ser interrompida. Novamente admitimos a importância da vida da mulher, porque ela seria duplamente vítima de violência se fosse obrigada a cuidar de uma criança que é a lembrança permanente do seu agressor.
Na mesma lei, entendemos que a ausência de cérebro no bebê (anencefalia) permite o aborto porque o feto, apesar de ser uma vida humana do ponto de vista biológico, ele jamais poderá construir uma identidade, desenvolver afetos ou ter uma história de vida, que é, repito, o que nos define como seres humanos.
Pois então, é disso que se trata: continuar a gestação deve ser um direito de escolha da mulher, que é um ser humano pleno, e não uma obrigação legal em defesa de um embrião a caminho de se tornar um ser humano.
Neste momento de discussão, lamento ver que muitos dos políticos que defendem a manutenção da criminalização do aborto (com o argumento de que defendem a vida) apoiam com entusiasmo o congelamento de verbas públicas para os próximos 20 anos para que o governo Temer pague juros aos bancos e seus acionistas. Quantas vidas humanas serão perdidas por causa desta decisão política, que já está provocando menos vacinas, menos saneamento básico, menos hospitais, menos educação e menos segurança?
Se alguma mulher for contra o aborto por motivos religiosos, morais, éticos ou qualquer outra razão, sua vontade também tem que ser respeitada.
O que não podemos é obrigar as outras mulheres, quando têm seus motivos para interromper uma gestação, a pagar pelo aborto em clínicas clandestinas sofisticadas (as ricas) ou a morrer em clínicas clandestinas incompetentes (as pobres), como diz o cartaz acima. Porque todas elas sofrem.
Espero que o Supremo Tribunal Federal escolha a melhor opção: pela descriminalização do aborto.
Opinião pessoal do Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues (Dr LOR)
Presidente da AMANF 2017-2019
O Dr. Paulo Chiabai, um advogado de Vitória (ES) que generosamente vem auxiliando a construção da Associação de Apoio aos Portadores de Neurofibromatose do Espírito Santo, nos pergunta quais os procedimentos adotados no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
Com base nestes procedimentos habituais, o Dr. Paulo pretende estabelecer o quantitativo de verbas que deveriam ser destinadas ao diagnóstico e tratamento das pessoas com NF no Estado do Espírito Santo.
Respondi pessoalmente ao Dr. Paulo e torno pública minha resposta porque ela pode ser útil a outras pessoas.
Primeiro, devo dizer que nosso Centro de Referência é um ambulatório do Hospital das Clínicas da UFMG e, portanto, está inserido no Sistema Único de Saúde e sujeito às normas gerais do SUS, com as quais concordamos. Por outro lado, sofremos também a falta crônica de recursos financeiros do SUS, o que limita profundamente nosso atendimento em termos de rapidez e amplitude de tratamentos, especialmente cirúrgicos.
Ao longo destes 13 anos de atividades no nosso Centro de Referência já foram cadastradas cerca de 1200 famílias com as diversas formas de NF, sendo a imensa maioria de pessoas com NF1, cerca de 20 famílias com NF2 e cerca de 10 com Schwannomatose. Diante disso, é natural que nosso atendimento seja mais voltado para as pessoas com NF1 do que para a NF2 e a Schwannomatose.
Nossa média de casos novos por ano é cerca de 100 casos, o que significa uma grande demanda, representando, por exemplo, um terço de todos os casos novos registrados no Japão, além de atendermos em média 450 retornos ambulatoriais anualmente.
Condições para o diagnóstico da NF1
O diagnóstico da NF1 é essencialmente clínico e em cerca de 95% dos casos basta a consulta médica com profissional experiente na doença para que o diagnóstico seja feito com segurança.
O exame clínico oftalmológico também pode ser uma ferramenta importante na complementação do diagnóstico.
A participação da neurologia é importante no diagnóstico quando há convulsões, gliomas ópticos, tumores cerebrais ou neurofibromas espinhais compressivos.
A interconsulta com a ortopedia é fundamental nos casos de displasias ósseas e desvios da coluna vertebral.
A análise de riscos e benefícios pela cirurgia é indispensável nos casos com necessidades cirúrgicas.
Avaliação fonoaudiológica, psicológica e cognitivas são necessárias em cerca de metade das pessoas com NF1, especialmente crianças e adolescentes.
Alguns casos de alterações do comportamento em pessoas com NF1 podem necessitar o auxílio da psiquiatria.
Exames complementares
A análise do DNA pode ser necessária para completar o diagnóstico de algumas formas da NF1 em cerca de 10% dos casos.
Exames de imagem podem ser indicados em cerca de 20% dos casos para avaliar a presença de complicações.
Outros exames complementares ocasionalmente são solicitados, como eletroencefalograma, ultrassom de abdome e exames de sangue.
Em casos de suspeita de transformação maligna de neurofibromas plexiformes, a tomografia com emissão de pósitrons (PET CT) é fundamental para a orientação terapêutica.
Portanto, os ambulatórios interligados necessários para o diagnóstico da NF1 são:
- Medicina geral (clínica médica)
- Oftalmologia
- Neurologia
- Ortopedia
- Cirurgia
- Fonoaudiologia
- Psicologia
- Psiquiatria
Os laboratórios complementares acessíveis aos pacientes devem ser:
- Ressonância magnética
- Análises genéticas
- Ultrassonografia
- PET CT com 18FDG
Condições para o diagnóstico da NF2 e a Schwannomatose
Tanto os diagnósticos da NF2 como da SCH requerem o exame clínico experiente, o qual solicita o estudo por imagem por meio de ressonância magnética, a audiometria e o exame oftalmológico (de preferência com Tomografia de Coerência Óptica) e o estudo anatomopatológico.
Portanto, as condições para o atendimento para o diagnóstico da NF1, NF2 e Schwannomatose são relativamente semelhantes e necessitam do acesso a uma estrutura ampla como a do Sistema Único de Saúde.
Condições para o tratamento das NF
Não existem ainda tratamentos medicamentosos cientificamente comprovados para as neurofibromatoses, seja para a NF1, para a NF2 ou para a Schwannomatose.
Portanto, quando indicados, os tratamentos atuais disponíveis são cirúrgicos, fonoaudiológicos, psicológicos ou sintomáticos (como analgésicos, psicotrópicos, antipruriginosos, anticonvulsivantes, coletes ortopédicos, etc.).
A principal demanda cirúrgica na NF1 é a cirurgia plástica para a retirada de neurofibromas cutâneos e para tratamentos restauradores de deformidades causadas por neurofibromas plexiformes. Ocasionalmente pode ser necessária a intervenção da neurocirurgia para tumores cerebrais ou neurofibromas espinhais compressivos.
A principal demanda cirúrgica na NF2 e na Schwannomatose é a neurocirurgia para a descompressão de schwannomas vestibulares, remoção de meningiomas sintomáticos ou retirada de schwannomas periféricos.
Ocasionalmente a transformação maligna de tumores na NF1 e raramente na NF2 podem requerer quimioterapia além da cirurgia.
Em resumo, para o atendimento pleno das pessoas com NF é necessária uma estrutura ampla de especialidades, a qual somente pode ser conseguida pela inserção no SUS do atendimento especializado em neurofibromatoses.