Este espaço é destinado a opinião de pessoas com experiência em diversos assuntos relacionados com as neurofibromatoses.

 

Uma das perguntas que recebemos em nossos atendimentos clínicos é:

  • Quando devemos tratar um neurofibroma plexiforme? 

No momento, temos apenas uma regra geral: quando houver suspeita de transformação maligna (dor forte, disfunção neurológica, crescimento acelerado e endurecimento) os neurofibromas plexiformes (NP) devem ser removidos cirurgicamente (ver aqui mais informações sobre essa possibilidade).

Além dessa orientação acima, temos dificuldade para tomar a decisão de quando (e como) tratar os NP porque em todo o mundo ainda não há uma regra geral que possa ser aplicada com segurança, porque não sabemos exatamente como evoluem os NP. Quer dizer, ainda não conhecemos bem a história natural dos NP: 

  1. quando e quanto eles vão crescer?
  2. quando podem dar sintomas?
  3. quando se transformam em tumores malignos? 

 

Recentemente, uma equipe de cientistas da Holanda tentou responder a estas perguntas revendo os prontuários de 10 anos de acompanhamento clínico de 90 pessoas com Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) e neurofibromas plexiformes (NP). Os resultados foram publicados na revista Cancers (ver aqui artigo completo em inglês). 

Apresento abaixo o resumo adaptado do estudo (entre parênteses uso palavras menos técnicas para facilitar a leitura).  

Justificativa para o estudo

Os NP são tumores benignos (no exame histológico) da bainha dos nervos periféricos associados à NF1 e muitas vezes levam à morbidade significativa (complicações que reduzem a qualidade de vida) devido ao crescimento. O tratamento inclui espera vigilante (observação atenta), cirurgia para redução parcial e, recentemente, tratamento sistêmico com inibidores de MEK (como o selumetinibe, um quimioterápico novo aprovado pela ANVISA). 

No entanto, devido à escassez de estudos de história natural, a nossa compreensão da progressão natural dos NP para orientar os médicos na decisão de quem e quando intervir é insuficiente. 

Este estudo teve como objetivo descrever as características dos pacientes com NF1 com NP e comparar as pessoas com alto risco de progressão do NP ou com morbidade significativa por NP (chamados de NP complexa) com as pessoas com NF1 com NPs de menor complexidade.

Métodos

Foi um estudo retrospectivo utilizando dados clínicos de registros hospitalares de pacientes com NF1 com NP atendidos no Hospital Infantil Sophia, na Holanda, entre 2012 e 2023. Foram avaliados os fenótipos clínicos (como a doença se apresenta em cada pessoa) e características dos NP que pudessem prever sua evolução, incluindo sua complexidade e o momento em que houve uma intervenção (cirúrgica ou clínica). Os resultados foram submetidos a testes estatísticos apropriados

Resultados

Foram incluídos 90 pacientes com idade mediana na última avaliação de 15,7 anos e duração mediana de acompanhamento de 9,8 anos. Dos 90 indivíduos com NP benigna, 37 desenvolveram morbidade por NP durante o acompanhamento. 

A morbidade dos NP aumentou de acordo com o passar do tempo, ou seja, quanto maior a idade da criança ou adolescente, mais morbidade foi encontrada, especialmente na cabeça e tronco.  

Não houve efeito do tipo de variante genética sobre a morbidade.

Conclusão

Esse estudo piloto mostrou que o aumento da idade e a localização do NP estão associados a uma maior chance de morbidade e maior risco de intervenção. Isto pode contribuir para decisões sobre em quem e quando iniciar o tratamento em pacientes com NF1 com NP.

Meus comentários

O estudo trouxe algumas informações que precisamos analisar. 

  1. Entre as 90 crianças e adolescentes com NP, 37 delas (41%) apresentaram alguma complicação que motivou o tratamento pela equipe médica. Ou seja, a maioria dos NP não apresentou grandes problemas durante 10 anos de acompanhamento.
  2. A conclusão dos autores é que quanto maior a idade da criança maior a chance de receber a indicação de tratamento. Mas isto seria mesmo o esperado, pois a NF1 é sabidamente uma doença progressiva (ver aqui). Então, à medida que o tempo passa, maior a chance de surgir alguma complicação que necessite tratamento.
  3. É uma pena que o estudo não tenha medido o volume dos NP por meio da ressonância magnética porque eles não tinham imagens em 3D (o que seria o ideal, segundo os autores). Na maioria das clínicas em todo o mundo nós medimos o volume dos NP com ressonâncias e imagens em 2D. Assim, o resultado deixa de nos apresentar uma medida objetiva do tamanho dos tumores. 
  4. O estudo não separou os NP difusos dos NP nodulares, mas já sabemos que eles são muito diferentes na origem e no comportamento clínico (ver aqui mais informações sobre essa diferença importante). Assim, o estudo deixa de nos oferecer outra informação objetiva que poderia nos orientar na decisão de quando devemos tratar os NP.
  5. Outra fragilidade do estudo foi terem usado indicadores subjetivos (como dor e qualidade de vida) para avaliar o desfecho dos tratamentos, pois eles podem ser influenciados por fatores psicológicos, o chamado efeito placebo. Por exemplo, no estudo com o inibidor MEK  que deu origem à liberação do quimioterápico selumetinibe nos Estados Unidos, a dor reduziu 2 pontos numa escala de 10 pontos nas crianças que usaram a droga, o que parece um efeito pequeno. 
  6. O estudo não comparou a morbidade pós-operatória das crianças operadas com a morbidade das crianças que ficaram sem tratamento na mesma faixa etária, que parecia ser o objetivo inicial. 
  7. Apesar de terem observado 4 pessoas (4,2%) que apresentaram transformação maligna dos seus NP, os autores não incluíram estes casos entre os 90 estudados como parte da evolução natural, pois consideraram a amostra pequena. Lamento, novamente, pois esta é uma das evoluções mais temidas dos NP e correspondem a 10% de todos os NP ao longo da vida. 
  8. Finalmente, a conclusão do estudo me parece inadequada, pois é um pensamento circular, ou seja: usaram o momento  no qual os médicos decidiram (no passado) tratar o NP (sem critérios científicos estabelecidos – que foi justamente a justificativa para eles realizarem o estudo) como critério para dizer que devemos tratar os NP o mais cedo possível

Isto seria verdade se os autores tivessem encontrado melhor qualidade de vida nas crianças que foram tratadas mais cedo do que naquelas que foram tratadas mais tarde. 

Ou tivessem comparado a qualidade de vida das crianças que foram operadas com a qualidade de vida das crianças que não foram operadas na mesma idade. 

Mas eles não mostram esses dados.

 

Minha conclusão é que, infelizmente, ainda não temos uma regra geral para decidir o momento em que devemos tratar (com cirurgia ou medicamento) um neurofibroma plexiforme nas pessoas com NF1. 

Portanto, continua valendo a decisão caso a caso, conforme nossa orientação geral para o tratamento dos NP disponível em nossa página: ver aqui

 

Dr Lor

 

Pessoas com Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) podem apresentar diversos problemas emocionais, psicológicos e psiquiátricos, como bem descreveu a psicóloga Alessandra Craig Cerello neste site (ver aqui). Entre estas condições, encontramos pessoas com NF1 e retraimento social e solidão, por isso, achei relevante um estudo no qual cientistas encontraram o gene NF1 entre os genes pesquisados que poderiam estar relacionados à solidão e isolamento social.

O estudo denominado “Sequenciamento do exoma identifica variantes codificadoras de proteínas associadas à solidão e ao isolamento social” de Yi-Xuan Wang e colaboradoras e colaboradores, foi publicado em janeiro de 2025 na revista Journal of Affective Disorders (ver aqui artigo completo em inglês).

A equipe de cientistas considera que solidão e isolamento social são problemas de saúde pública sérios, porém subestimados, e suas bases genéticas permanecem desconhecidas. Por isso, resolveram explorar o papel das variantes genéticas codificadoras de proteínas que pudessem ser correlacionadas com as manifestações da solidão e do isolamento social.

A equipe realizou cerca de 700 mil análises de exomas completos com marcadores de solidão e isolamento social e os resultados mostraram seis novos genes de risco (ANKRD12, RIPOR2, PTEN, ARL8B, NF1 e PIMREG) associados à solidão e dois (EDARADD e GIGYF1) associados ao isolamento social.

O estudo mostrou que no cérebro houve 47 associações entre os genes identificados e alguns fenótipos de estrutura cerebral, muitos dos quais são críticos para o processamento social e interação. Além disso, observaram ligações significativas entre esses genes e fenótipos em cinco categorias de alterações, principalmente biomarcadores sanguíneos e medidas cognitivas.

Vários desses genes têm papéis estabelecidos no transtorno do espectro autista (TEA) e nas funções cognitivas. O PTEN foi associado ao aumento das regiões frontal e temporal, que desempenham um papel fundamental no processamento social.

Autoras e autores reconhecem que este estudo é inicial e limitado, pois utilizou apenas a um banco de dados ingleses, mas fornece uma base para estudos futuros que visam explorar os mecanismos funcionais desses genes e suas potenciais implicações para intervenções de saúde pública visando a solidão e o isolamento social.

Em conclusão, a presença do gene NF1 entre os 13 genes de risco associados à solidão e 6 ao isolamento social, ampliam nossa compreensão da base genética dessas duas características clínicas e abrem as portas para investigações futuras sobre as causas do retraimento social nas pessoas com NF1.

 

Recebemos da Rosângela Milena da Silva, Enfermeira e mestre em Psicologia e Saúde, o livro “Neurofibromatose – Mapeamento de Associações, instituições e serviços existentes no Brasil”, que foi publicado recentemente por ela em colaboração com Nelson Iguimar Valério e Eny Maria Goloni-Bertollo, ambos professores da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, no Estado de São Paulo.

O livro é o resultado de um longo trabalho de levantamento estatístico da situação atual de algumas entidades de apoio, como a nossa AMANF, em termos de atendimento médico, psicológico e apoio comunitário às pessoas com neurofibromatoses (ver comentário anterior neste blog clicando aqui).

A autora e colaboradores conseguiram localizar apenas 10 instituições que estão relacionadas ao atendimento de pessoas com NF, a maioria de caráter público, especialmente Hospitais Universitários e financiadas pelo SUS e, em menor escala, por doações voluntárias.

Na maioria há falta de uma estrutura clara e organizada de serviços especializados e há relativo desconhecimento público do problema de saúde representado pela NF. A conclusão é de que precisamos ampliar em número e qualidade o atendimento em saúde integral para a comunidade NF no Brasil.

Em nome da AMANF, quero dar os parabéns para Rosângela, Nelson e Eny por mais uma contribuição científica à nossa causa. Certamente seu livro será instrumento útil no fortalecimento das políticas públicas e do SUS.

Quem desejar um exemplar do livro, entre em contato com a Editora Dialética: www.editoradialetica.com

Melhor 2025 para todes!!!

Dr. Lor