“Meu filho tem neurofibromatose e sempre foi um pouco retraído, mas se tornou muito solitário, irritado, com comportamentos perigosos e às vezes também agressivos depois que entrou na adolescência. A adolescência é diferente para as crianças com NF1? ” SBS, de Londrina. Cara S, obrigado pela sua pergunta, que pode ser útil a outras famílias. […]
Posts
As alterações comportamentais são uma das complicações da NF1 e ainda não temos um tratamento específico, seguro e eficaz para este problema. Por isso, alguns estudos laboratoriais tentam encontrar um medicamento capaz de melhorar a vida das pessoas com NF1. Um destes estudos [1] foi realizado na Universidade de Radboud na Holanda e foi apresentado pela Dra. Michaela Fenckova no Congresso de 2017, que traduzi e adaptei para este blog.
“A “habituação” é uma capacidade mental de suprimir nossa reação diante de um estímulo que sugere perigo, quando este estímulo se repete sem nos causar danos. A habituação é uma aquisição importante no processo de aprendizado. Ela serve para filtrar informações que não são relevantes e representa uma habilidade necessária para o desenvolvimento de funções cognitivas mais complexas.
Dificuldades de habituação têm sido relatadas em diversas doenças que apresentam problemas cognitivos e comportamentais, incluindo os transtornos no espectro do autismo.
Para determinar as bases genéticas da habituação e sua relevância para estudos em seres humanos, o grupo de pesquisadores estuda a habituação das moscas de banana (Drosophila) com genes alterados para determinadas funções neurais. Os genes alterados estão relacionados com o processo de aprendizado nestes animais e em também seres humanos.
Eles encontraram mais de 100 genes relacionados com a dificuldade de habituação da Drosophila que também estão presentes no transtorno no espectro do autismo e suas alterações comportamentais. Além disso, vários destes genes se caracterizam por uma ativação excessiva de um processo bioquímico nas células nervosas (uma via chamada Ras-MAPK) que também acontece nas pessoas com NF1 e outras doenças do grupo denominado de “rasopatias”.
Os pesquisadores verificaram que a dificuldade de habituação na NF1 e nas rasopatias parece estar ligada a esta via superativada num grupo de neurônios chamados “gabaérgicos”. Verificaram também que esta superativação dos neurônios pode ser parcialmente corrigida com um medicamento chamado Lamotrigina, que corrigiu as dificuldades de aprendizado em camundongos geneticamente modificados para NF1. Depois destes resultados animadores com os camundongos a Lamotrigina está sendo estudada em seres humanos (um projeto chamado NF1-EXCEL).
O grupo de pesquisadores concluiu que seu modelo de estudo de habituação em Drosophila está pronto e é altamente eficaz para ser usado no esclarecimento das dificuldades de aprendizado na NF1 e para testar novos medicamentos. Seus resultados até agora sugerem que a dificuldade de habituação seja um dos mecanismos fundamentais nas dificuldades cognitivas e comportamentais na NF1.
Seu projeto seguinte é avaliar a habituação em pessoas com NF1 para poderem transportar os dados dos estudos com a Drosophila para seres humanos. “
Estes estudos apresentam uma nova promessa para um futuro breve o alívio desta complicação tão frequente entre as pessoas com NF1, até porque a Lamotrigina é um medicamento relativamente bem conhecido, uma vez que já é usado no tratamento das convulsões.
[1] Título: Aprendizado da habituação em Drosophila: uma plataforma para identificar drogas que melhoram a cognição e os problemas comportamentais na NF1 e outras rasopatias.
“Meu filho apresenta Neurofibromatose do Tipo 1, dificuldade de aprender e problemas de comportamento. Um médico achou que ele tem autismo e ele já usou vários medicamentos que nada adiantaram. Estamos perdendo as esperanças. Há alguma coisa que possamos fazer? ”. VVJR, de São Paulo.
Cara V, obrigado por compartilhar suas preocupações. Vou resumir abaixo os principais problemas que você relatou no seu e-mail detalhando as dificuldades do seu filho de 12 anos (que vamos chamar de José) na escola e no ambiente da família, porque elas são dificuldades comuns a muitas crianças com NF1.
1) José apresenta desordem do processamento auditivo (escuta bem mas entende mal as palavras e os conceitos, não entende ironia nem humor, não percebe indiretas e dicas);
2) José possui pouca capacidade de armazenar informações que se sucedem no tempo e para prestar atenção em determinada atividade.
3) Ele apresenta dificuldade para realizar as tarefas que dependem de orientação visual, assim como tem pouca memória e linguagem, o que pode resultar em baixo desenvolvimento da escrita, da leitura e da matemática.
4) José apresenta planejamento insuficiente, pouca capacidade de organização e de controle temporal, além de dificuldades de absorver e integrar novas informações.
5) Ele mostra pouca coordenação motora, mas também flexibilidade exagerada das articulações, o que o atrapalha nas atividades físicas e esportivas.
6) Além disso, como a maioria das pessoas com NF1, José tem dificuldade para entender ironia, sarcasmo e piadas.
7) José também apresenta comportamentos que são denominados “dentro do espectro do autismo”, como dificuldade de empatia, ou seja, de perceber as emoções e os desejos dos outros, costuma se envolver em atividades repetitivas e compulsivas, e também apresenta agressividade com os membros da família, com atitudes de desafio permanente.
Todas estas alterações cognitivas e comportamentais apresentadas pelo José são suficientes para dificultar o seu processo de aprendizagem escolar e de inserção social. Por isso, creio que o José necessita de apoio pedagógico na escola e que sua família precisa de suporte psicológico para enfrentar o grande sofrimento que é oferecer amor a uma criança que devolve pouco afeto e, pelo contrário, que se torna agressiva frequentemente contra os próprios pais.
Como já tenho informado neste blog, até o presente, não há medicamentos que sejam comprovadamente eficazes para o tratamento das dificuldades de aprendizado e comportamentais na NF1.
Diante do sofrimento do José e de sua família, assim como de milhares de famílias com crianças com NF1 com comportamentos parecidos, começamos a discutir em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses uma nova pergunta: brincar com LEGO® poderia ser útil a estas crianças?
Tenho acompanhado o grande interesse pelos brinquedos LEGO® demonstrado pelos meus netos e netas, assim como por milhões de crianças pelo mundo. Além disso, minha filha mais velha, Ana de Oliveira Rodrigues, que é engenheira com doutorado e pós-doutorado pela Universidade Federal de Minas Gerais, hoje se dedica a ensinar programação para crianças em sua escola chamada Just Coding (ver AQUI ) e temos conversado sobre os benefícios de atividades de programação, montagem de robôs e brinquedos LEGO para todas as crianças, inclusive aquelas no chamado “transtorno no espectro do autismo” (TEA).
Sabendo que uma em cada três crianças com NF1 também apresenta TEA (ver AQUI), começamos a nos perguntar se os brinquedos LEGO® poderiam ser úteis às crianças com NF1 e TEA.
Nosso primeiro passo foi verificar se algum grupo de cientistas já havia estudado os efeitos dos brinquedos LEGO® em crianças com NF1 e nada encontramos nos bancos de dados mundiais. Por outro lado, descobrimos um estudo que mostrou benefícios clínicos com o uso de brinquedos LEGO® em crianças com TEA (ver AQUI) outro que mostrou uma tendência para melhora psicológica (ver AQUI), um estudo que não encontrou qualquer efeito (ver AQUI) e outro que comparou o LEGO a outro brinquedo (ver AQUI).
Em outras palavras, por enquanto, tanto nas crianças com NF1 quanto naquelas apenas com TEA ainda não temos informações seguras sobre os efeitos cognitivos e comportamentais das atividades com os brinquedos LEGO®.
Ouvimos também a opinião da psicóloga e neurocientista Danielle de Souza Costa, que tem estudado crianças e adultos com NF1 (ver AQUI) sobre nossa dúvida a respeito do LEGO® e ela nos respondeu que também ela não conhece trabalhos publicados sobre efeitos dos brinquedos LEGO® em pessoas com NF1, mas que seria uma ideia importante a ser investigada cientificamente.
Danielle acrescentou que “as crianças com TEA comumente têm uma atenção mais voltada para aspectos particulares das coisas e uma menor visão do todo e isso faz do LEGO uma das coisas favoritas deles. Na clínica, é incrível como as mães sempre reportam que o que as crianças mais gostam são LEGO e miniaturas, por exemplo. Como possuem interesses restritos, usar as coisas que eles gostam para motivá-los a aprender novas habilidades é um caminho muito interessante! “.
Considerando as afirmações acima, decidimos iniciar um estudo científico sobre esta pergunta: atividades com brinquedos LEGO® podem trazer melhora cognitiva e comportamental para crianças com NF1, em especial aquelas com transtorno no espectro do autismo?
Enquanto vamos montando nosso projeto de pesquisa sobre esta questão, convido as famílias com crianças com NF1 para que me enviem seus relatos de como suas crianças com NF1 brincam com os LEGO®.
Para os pais e mães que ainda não brincaram de LEGO® com suas crianças com NF1, Ana elaborou algumas orientações abaixo.
Importante: eu e a Ana, assim como a Just Coding e o nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do HC-UFMG, não temos nenhum interesse comercial ou qualquer vínculo com os brinquedos LEGO®.
Sugestão de utilização dos blocos LEGO®:
Brincar diariamente (sem limite de horário):
– Oferecer à criança para que ela crie os modelos apresentados no manual.
– Oferecer à criança para que ela crie livremente com as peças.
A cada dois dias, por meia hora, de preferência sempre no mesmo horário:
1 – Um dos pais/cuidadores/responsável brincará com a criança.
2 – Separar as peças, o manual e um relógio.
3 – Explicar para a criança as regras do jogo
(REPITA as regras todos os dias e peça que ela repita de volta para você, até ela ser capaz de falar todas as regras sozinha no início do jogo):
Regra 1 – AVISE a criança que se ela gritar, brigar ou jogar as peças, o jogo acabou e ela só poderá brincar novamente no dia seguinte.
Regra 2 – escolher um modelo para ser montado.
Regra 3 – uma pessoa é o Fornecedor e o outro é o Montador.
Regra 4 – o papel do Fornecedor é encontrar as peças e entregar para o Montador.
Regra 5 – o papel do Montador é montar as peças.
Regra 6 – a cada 5 minutos ou 10 minutos, inverter os papéis: o Fornecedor se torna o Montador, o Montador se torna o Fornecedor.
Regra 7 – ao terminar o modelo escolhido, pode montar livremente até o final do tempo de 30 minutos.
4 – Este deve ser um momento de amor incondicional. ELOGIAR cada passo feito corretamente, de maneira honesta, sem exagero:
– “Muito bem, você encaixou a peça certa. ”
– “Parabéns, está ficando muito bom. ”
– “Obrigada, você achou a peça correta. ”
5 – NUNCA criticar a criança por ter montado ou separado blocos incorretamente. Faça perguntas e deixe que ela encontre o erro:
– “Você acha que esta peça está correta? ”
– “Eu não consigo encaixar esta peça. Será que esta peça que você montou pode ser montada de outro jeito? ”
6 – Se a criança se irritar demais, brigar, jogar as peças, ou gritar, fale CALMAMENTE que ela descumpriu a regra e só poderá brincar novamente no dia seguinte.
Peça a ela que explique PORQUE ficou irritada, para que vocês possam evitar que isto aconteça na próxima vez.
Vamos tentar?