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Continuo hoje a resposta para a I.T., de Portugal, que tem parentes de primeiro grau (mãe e irmão) com NF2.
Compreendo que, além da preocupação com sua mãe e seu irmão, você gostaria de saber se também carrega em seus genes a mutação para a doença e se pode transmitir o gene com defeito para seu (sua) filho (a).
Sua descrição do quadro clínico de seus parentes é compatível com neurofibromatose do tipo 2 (NF2), mas, como sempre lembro aqui, é preciso um exame pessoal de um profissional para termos certeza do diagnóstico. Sendo, de fato, a NF2, talvez seja útil a você e a outras pessoas que nos leem, saber como a doença se transmite quando um dos pais apresenta a mutação, como é o caso de sua mãe.
Aliás, aproveito aqui para comentar como as neurofibromatoses de um modo geral são transmitidas de um dos pais para seus (suas) filhos (as).
Ambos os tipos, a NF1 e a NF2 são doenças autossômicas, quer dizer, como as mutações responsáveis estão localizadas em genes dos cromossomos 17 (NF1) ou no 22 (NF2), a doença independe do sexo da pessoa, ocorrendo com a mesma frequência em homens e mulheres (por exemplo, sua mãe e seu irmão), embora a gravidade das manifestações na NF1 possa ser diferente entre os sexos.
A NF1 e a NF2 também são dominantes, ou seja, basta a pessoa ter herdado a mutação de um dos pais (em uma das metades do cromossomo 17 ou do 22, portanto) para a doença se manifestar. Seu irmão, por exemplo, deve ter sido originado de um óvulo de sua mãe que continha a mutação, o que causou a doença dele, ainda que o espermatozoide de seu pai tenha sido sadio.
Além disso, a NF1 e a NF2 apresentam a penetrância completa, ou seja, quando a pessoa é formada com a mutação a doença vai se manifestar obrigatoriamente em algum momento de sua vida. Na NF1, os sinais estão presentes desde a infância (muitas vezes desde o nascimento). Já na NF2, os sintomas e sinais costumam surgir a partir da segunda década de vida e parecem ser um pouco mais graves quando são herdados (como seu irmão) do que quando são uma mutação nova.
O que acabei de dizer tem uma grande importância prática, como no seu caso, pois quando a pessoa tem um dos pais com uma das neurofibromatoses, mas ela mesma não tiver sinais da doença (na infância na NF1 ou depois dos 20 anos na NF2) significa que ela não provavelmente não possui a doença e não transmitirá a neurofibromatose para seus filhos. Ou seja, as NF não “saltam” gerações.
E qual é a chance de uma pessoa herdar a NF1 ou a NF2 de um de seus pais?
Para não ficarmos com excesso de informações, continuarei esta resposta amanhã.

Existe alguma relação da Neurofibromatose com a doença Púrpura trombocitopênica idiopática? LIS, de Cataguases, MG.




Cara L, obrigado pela sua pergunta, a qual dará oportunidade para discutirmos algumas questões importantes sobre problemas hematológicos na NF1.
De início, vou adiantar que não existe uma relação estabelecida entre a púrpura trombocitopênica idiopática (PTI) e as neurofibromatoses de um modo geral.
Aproveitando que você tocou no assunto dos problemas de coagulação, cerca de 1% das crianças com NF1 (mas não dos adultos com NF1) apresenta aumento das células sanguíneas, inclusive em suas formas malignas chamadas de leucemias.

Os tipos de doenças hematológicas mais comuns nesta pequena proporção de crianças com NF1 são as seguintes: Leucemia Mielomonocítica Juvenil (até recentemente conhecida como leucemia mieloide crônica juvenil), Síndrome Monossômica 7, Leucemia Linfoblástica Aguda e Linfoma Não-Hodgkin. 
Além disso, as crianças com NF1 apresentam maior chance de uma lesão cutânea amarelada chamada xantogranuloma juvenil, sobre a qual havia uma suspeita, não confirmada, de estar relacionada com maior incidência de leucemia.

Também ainda não sabemos o significado clínico do aumento moderado do baço que encontramos em algumas pessoas com NF1, sem outras manifestações clínicas relacionadas à coagulação e às células sanguíneas.

Considerando, portanto, este risco de cerca de 1% de leucemias em crianças com NF1, os controles periódicos devem incluir um hemograma completo para o acompanhamento clínico adequado.
Finalizando a resposta à sua pergunta, a púrpura (PTI) é uma doença na qual a coagulação do sangue está prejudicada. 
Geralmente, a PTI aparece com sangramentos na pele ou nasais e afeta 1 em cada 10 mil pessoas, e é mais comum na vida adulta e em mulheres do que em homens.
Na PTI, o organismo produz anticorpos contra as plaquetas (forma adquirida), causando a sua destruição, ou falta um fator de coagulação (forma genética) que causa as hemorragias. A gravidade da PTI varia muito entre as pessoas, pois geralmente é benigna na infância, mas precisa de tratamento na vida adulta, o que deve ser feito por médico (a) com experiência na doença.  
Minha filha de cinco anos tem várias manchinhas café com leite no lado direito do tronco. A grande maioria (cerca de trinta) são pequenas pintinhas, somente duas têm cerca de 5 mm de diâmetro. Como o pediatra levantou a hipótese de NF1, fizemos RM do crânio e o exame do fundo de olho. Ambos os resultados foram normais. 


Ela não possui nenhum outro sintoma, é adiantada na escola, aprendeu a ler antes dos outros colegas de sua idade, é alta, não tem nenhum problema ortopédico, não possui sardas axilares ou inguinais. 

Gostaria de saber se há possibilidade de serem apenas manchas, ou se essas sempre são indicativo de NF
As manchas podem aumentar de tamanho com o passar do tempo, podem aparecer outras maiores? 
Um segundo sintoma pode surgir mais para a frente? 
Por favor, me ajude, os médicos que consultei não têm muitas informações e são muito evasivos nas explicações. P. de Serra, Espírito Santo.

Cara P. Obrigado pelas perguntas. Como sempre lembro aqui, é preciso um exame pessoal de um profissional com experiência em neurofibromatoses para termos um diagnóstico de segurança. Assim, apenas como hipótese a ser considerada, o fato das manchinhas serem pequenas, numerosas e localizadas em apenas um dos lados do tronco fala a favor de que sua filha possua a neurofibromatose do tipo 1 na sua forma segmentar.

A forma segmentar da NF1 (ou em mozaicismo) acontece quando a mutação ocorreu apenas depois que o embrião já havia desenvolvido alguns de seus segmentos na vida intrauterina. Assim, ao contrário da pessoa com a forma completa da NF1, na qual todas as células do seu corpo possuem a mutação do gene da NF1, na forma segmentar a doença se restringe a apenas uma parte (um segmento) do corpo.

Isto faz com que as formas segmentares da NF1 sejam, em geral, menos graves do que a forma completa. De qualquer forma, é preciso um controle clínico periódico porque naquele segmento afetado pela NF1 a doença segue seu curso habitual.

Sua segunda pergunta é se as manchas crescem com o tempo. Em geral as manchas café com leite (aquelas maiores do que 5 milímetros) acompanham o crescimento da pessoa de forma proporcional e não aumentam de número depois dos primeiros meses de vida. Aliás, costumam descolorir um pouco ao longo da vida.

Já as pequenas manchas são geralmente efélides (sardas) que podem aumentar de número ao longo da vida. Ambos os tipos de manchas não se transformam em neurofibromas e não causam qualquer problema de saúde: são apenas sinais associados com a NF1.

Sua última pergunta é se podem surgir outros sinais ou sintomas daqui para a frente. Sim, se for mesmo a forma segmentar, apenas naquele segmento acometido pela NF1 podem surgir os demais sinais da doença, como os neurofibromas cutâneos a partir da adolescência.

Além disso, como as manchas de sua filha são na metade direita do tronco, não sabemos se o ovário daquele mesmo lado também está incluído no segmento corporal com a mutação do gene. Se isto tiver acontecido, metade dos óvulos daquele ovário conteriam a mutação NF1. Assim, haveria a probabilidade de 25% em cada gestação dela transmitir a mutação para um filho ou filha. Se isto acontecer, infelizmente, seu neto ou neto herdaria a forma completa da doença.


No entanto, é muito cedo para este tipo de preocupação e espero que até a idade da sua filha ter filhos novos recursos estejam disponíveis para garantir a ela que forme uma família sem preocupações neste sentido.
Tenho uma filha com 14 anos está cursando o 8º ano em escola particular. Ela faz acompanhamento com neurologista desde pequena, ela tem neurofibromatose. Na escola, minha filha apresenta muita dificuldade de concentração e aprendizado. Faz acompanhamento com professores particulares, mas mesmo assim apresenta muita dificuldade e não melhora as notas. Quero dizer, não consegue alcançar o desejado do que estuda. O neurologista já solicitou através de relatório, tempo alargado para as atividades, aceitar pequenos erros e acento preferencial. Mas, contudo, está sendo muito desgastante, pois ela está sendo cobrada da mesma forma. Existe alguma legislação onde posso assegurar o direito de minha filha já que existe tais necessidades. Agradeço desde já a atenção. JM, Belo Horizonte, MG.

Cara JM, obrigado pela sua pergunta, pois ela deve ser uma dúvida comum a muitos outros pais e mães de crianças com NF1.
Creio que a família deve insistir ao máximo na inclusão da criança na escola por meios amigáveis e cooperativos. Devemos buscar o diálogo com a escola, levando informações sobre a NF1 à escola, como a cartilha distribuída por nós (As manchinhas da Mariana). Se preciso, podem ser organizadas palestras ministradas na escola por participantes da Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses (AMANF).

No entanto, se nada disso funcionar, existe uma legislação que já está em vigor no Estado de Minas Gerais (onde você mora) que garante às pessoas com neurofibromatoses os direitos das pessoas com necessidades especiais, entre elas o direito a sistema de provas e avaliações específicas para as limitações causadas pela doença. Veja numa coluna à direita neste blog: Leis que podem ser úteis.

Entre também em contato com a Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses (AMANF) (email da presidente atual Maria Danuzia Ribas: danuzia@sarah.br ), pois nossa associação vem acumulando experiências interessantes neste sentido.

Como temos comentado, o simples fato de ser uma pessoa com uma das neurofibromatoses (tipo 1, tipo 2 ou schwannomatose) não garante à pessoa doente os direitos especiais, pois é preciso que o exame técnico demonstre a existência de uma limitação ao desenvolvimento do potencial humano daquela pessoa. Para orientar o trabalho do exame dos peritos, um bom relatório de um profissional da saúde (medicina, psicologia, fonoaudiologia) com experiência em neurofibromatoses pode ser bastante útil na identificação das limitações causadas pela doença.
Por exemplo, as dificuldades de aprendizado são a queixa mais comum entre as pessoas com NF1, chamadas de déficits cognitivos, que se apresentam geralmente como: 1) redução das habilidades de visão e orientação espacial, 2) menor velocidade de compreensão de ideias, conceitos e problemas, 3) pouca coordenação motora para esportes e dança, 4) linguagem reduzida e 5) diminuição da função executiva (que é a capacidade de imaginar, planejar e coordenar diversas tarefas para executar funções). Estes problemas aparecem na infância e provavelmente continuam por toda a vida.
É claro que estes problemas podem ser mais ou menos graves. Em algumas pessoas com NF1 eles causam atraso escolar, dificuldade para passar de ano, mas a pessoa consegue completar sua formação básica. Noutras pessoas, a gravidade pode ser grande o suficiente para torna-las incapazes de aprenderem a ler e escrever ou interpretar uma informação escrita ou uma história narrada a elas.
Assim, no meu ponto de vista, o recurso jurídico é uma opção existente, mas deve ser tentado apenas depois que todos os caminhos mais amistosos e construtivos foram esgotados.

 Primeiramente gostaria de agradecer ao trabalho de vocês. Tenho 20 anos, e foi diagnosticada com neurofibromatose, porém a minha família e eu não temos condições financeiras de pagar um tratamento, além de não ter conhecimento de onde me tratar na minha cidade

Gostaria de saber se é possível que possa realizar o meu tratamento em outras partes do Brasil? Se possível como posso fazer isso? Quais as chances de ter câncer? Tenho 4 caroços nos bicos do seio isso me preocupa muito! Qual a expectativa de vida de um portador de neurofibromatose? É possível morrer de neurofibromatose? Desculpa tantas perguntas, é que tenho muitas dúvidas e não sei a quem procurar. Abraços, ES, de Vitória da Conquista, Bahia.


Resposta

Cara E. Obrigado pelas suas perguntas, todas elas muito importantes.

Comecemos por onde você pode receber atenção especializada. Como tenho insistido, infelizmente, devido ao fato das neurofibromatoses serem doenças raras (apenas cerca de 80 mil brasileiros em 200 milhões de habitantes), ainda não dispomos de centros de referência suficientes para atendimento público. Veja na página ao lado alguns endereços e contatos no Brasil atualmente.
Por causa do pequeno número de centros especializados em neurofibromatoses, temos sugerido que as pessoas que vivem em cidades sem estes recursos, como você, que procurem os serviços de saúde de sua cidade e se mobilizem para que as autoridades cumpram a portaria do Ministério da Saúde, garantindo o pleno atendimento das pessoas com doenças raras.  Veja na página ao lado as leis já existentes sobre isto.
Além disso, as pessoas sem recursos locais especializados podem pedir à médica ou ao médico responsável, como no seu caso, que me envie um relatório para que possamos conversar sobre algumas sugestões que eu teria a fazer ao (à) colega.
A outra pergunta que você nos traz é sobre a expectativa de vida nas neurofibromatoses. Comecemos pela NF1.
O que é expectativa de vida? Ela quer dizer que, por exemplo, se a expectativa de vida para as brasileiras é que elas venham a viver 80 anos, metade de todas as mulheres chegariam a esta idade e a outra metade faleceria antes dos 80. Ou seja, é uma previsão sobre a idade em que a metade das pessoas consideradas ainda estaria viva.
Ainda não podemos afirmar com certeza se existe uma mesma expectativa de vida para todas as pessoas com NF1, porque aquelas que já nascem com algumas formas mais graves da doença talvez pesem nas estatísticas, reduzindo a média da expectativa de vida de todos os demais. Assim, considerando esta dúvida, alguns estudos apontavam uma redução geral de cerca de 15 anos na expectativa de vida para as pessoas que têm NF1.

Nota: Uma revisão da equipe de Manchester, em 2011, mostrou que esta redução da expectativa de vida atualmente já foi reduzida para 8 anos, como resultado das novas abordagens de cuidados gerais.

Assim, as pessoas que nasceram com NF1 teriam sua expectativa de vida reduzida em cerca de 8 anos, ou seja, voltando ao nosso exemplo das mulheres brasileiras, metade delas viveria até os 73 anos e a outra metade faleceria antes. É preciso lembrar que esta informação se refere apenas a populações e não tem valor nenhum para uma determinada pessoa em particular.
O que pode reduzir a expectativa de vida na NF1? A principal causa das mortes precoces na NF1 são as transformações de grandes neurofibromas plexiformes em tumores malignos da bainha do nervo periférico. Outras formas de câncer também estão um pouco aumentadas na NF1, como o câncer de mama nas mulheres, a leucemia mieloide crônica e um tipo de tumor sólido do estômago. Por isto, os controles anuais e exames preventivos devem ser realizados regularmente.
Quanto à neurofibromatose do tipo 2, há informações de que a expectativa de vida seja de 62 anos, mas estes dados são um pouco antigos (mais de dez anos) e é possível que os tratamentos atuais estejam melhorando esta expectativa. Como a schwannomatose é ainda mais rara (uma pessoa em cada 40 mil), não disponho de dados sobre a expectativa de vida para as pessoas acometidas por ela.
De qualquer forma, nenhum de nós, com ou sem as neurofibromatoses, sabe exatamente quanto tempo nos resta de vida e por isso é importante tentarmos viver plenamente todos os dias. Talvez possamos até mudar o termo de expectativa de vida para ESPERANÇA DE VIDA.  
Tenho recebido perguntas de alguns pais de crianças com NF1 e problemas de comportamento, para as quais foram receitados medicamentos psiquiátricos, como ansiolíticos, antidepressivos e medicamentos para transtorno bipolar. Os pais desejam saber se estes medicamentos são úteis para as pessoas com NF1.



Inicialmente, é preciso ficar claro que as pessoas com NF1 também estão sujeitas a problemas psiquiátricos e neurológicos independentes da NF1 e que elas podem necessitar de tratamento específico para estas outras doenças.
Devo lembrar também que não existem ainda quaisquer medicamentos comprovados que sejam específicos para os problemas da NF1, sejam os neurofibromas, os gliomas, os plexiformes, as displasias, as dificuldades de aprendizado e os problemas de comportamento. Dois medicamentos utilizados para outras finalidades, Lovastatina e Cetotifeno, têm sido submetidos a estudos para sabermos se eles têm ou não efeitos específicos na NF1, mas ainda não existe um consenso sobre isto.
No entanto, algumas cautelas podem ser recomendadas aos profissionais da saúde no diagnóstico dos problemas de comportamento das crianças com NF1. Sabemos que algumas características de comportamento, como retraimento social, agressividade, falta de flexibilidade nas condutas, timidez e outras, são comuns entre as crianças com NF1 e estes comportamentos podem confundir o diagnóstico com outras doenças psiquiátricas.
Por exemplo, entre as crianças com NF1, cerca de 30% delas apresentam sinais e sintomas compatíveis com o diagnóstico de autismo e outras 30% apresentam quadros próximos ao autismo, segundo o grupo da Dra. Susan Huson (Ver artigo aqui), que torna mais difícil o diagnóstico diferencial entre a NF1 e as doenças psiquiátricas.
Também do ponto de vista neurológico, entre as pessoas com NF1, há maior incidência de distúrbios do sono, dor de cabeça crônica, epilepsia, Doença de Parkinson e Esclerose Múltipla (Ver artigo aqui). Estes problemas neurológicos podem necessitar de medicação específica e serem confundidos com sintomas da própria NF1 ou com doenças psiquiátricas.

Em conclusão, é possível que medicamentos usados para outras doenças (neurológicas e psiquiátricas) sejam necessários para pessoas com NF1. No entanto, um cuidado maior deve ser tomado pelos profissionais da saúde na hora do diagnóstico: é preciso distinguir sinais e sintomas próprios da NF1 (e para os quais ainda não temos medicamentos) de outros problemas de saúde para os quais há medicamentos disponíveis. 

Neste último sábado de maio, participei de mais uma das reuniões mensais da Associação Mineira de Apoio às pessoas com Neurofibromatoses (AMANF), que acontecem há cerca de 13 anos de forma regular. 

Entre os diversos temas interessantes que discutimos, um deles parece importante comentar aqui: se devemos ou não informar às pessoas com as quais convivemos que temos uma das formas de neurofibromatose. É claro que cada pessoa tem suas razões para comentar ou não com os outros sobre sua doença, então, vou apresentar a minha opinião.


Inicialmente, é preciso saber se a doença é evidente para as demais pessoas. Uma doença pode ou não ser percebida de imediato por causa de sinais aparentes (como as manchas café com leite, os neurofibromas, ou uma deformidade) ou por causa de alterações na interação social, como dificuldade cognitiva (tipo de fala, capacidade de perceber o ambiente) ou alteração comportamental (timidez, inquietude, isolamento).

Por exemplo, na neurofibromatose do tipo 1, desde a infância alguns sinais e comportamentos são visíveis para a família, colegas e professores. Ao contrário, na neurofibromatose do tipo 2 os sinais e sintomas geralmente aparecem depois da adolescência e na Schwannomatose depois dos 30 anos de idade.

Na minha opinião, especialmente como pai de uma pessoa com NF1, creio que quando a doença não é visível de imediato não haveria benefício em tornar pública a sua existência, a não ser quando alguma limitação (auditiva ou visual, por exemplo, na NF2) se tornasse evidente. 

Por outro lado, na NF1, os sinais e sintomas geralmente já são facilmente percebidos em metade das crianças desde a sua infância e, numa parte delas são tão evidentes que não podem ser ignorados (como uma assimetria facial causada por um neurofibroma plexiforme sobre uma das pálpebras, por exemplo).
Assim, creio que quando a neurofibromatose for evidente, seria útil falarmos sobre a doença com aquelas pessoas que convivem diretamente e cuidam da criança.

Por quê? Primeiro, porque tenho a impressão de que quando as pessoas tomam conhecimento do que se trata um determinado problema (uma mancha cutânea, um neurofibroma, um comportamento diferente, timidez, dificuldade de aprendizado, por exemplo), elas podem afastar o seu medo e o seu preconceito.
É humano e natural que tenhamos medo do desconhecido, e por isso reagimos ao nosso próprio medo com a zombaria, a discriminação, a piada, o preconceito e a discriminação da diferença. 

No entanto, nos sentimos mais tranquilos quando somos informados de que aquele problema não é contagioso, de que não vai crescer duma hora para outra, de que aquilo pode doer ou não, de que já está sendo acompanhado por profissionais da saúde e que faz parte de outros problemas ligados à neurofibromatose.

Ao serem informadas sobre o problema de saúde da criança, as pessoas sentem que mereceram a confiança da pessoa doente ou de sua família e elas têm a chance de manifestarem sua simpatia e seu acolhimento. Como meu neto Francisco, que ao saber que sua tia Maria Helena era a única em toda a família com as manchas café com leite, disse: – Não se preocupe, tia Bebé, quando eu crescer vou ter neurofibromatose com você.

Além disso, é fundamental que as pessoas envolvidas nos cuidados da criança com NF1 (professores, familiares) saibam de sua doença para ajudarem-na a enfrentar as dificuldades relacionadas com a doença, oferecendo os suportes especiais para que ela possa atingir seu potencial humano (como mais tempo para fazer o para casa, local especial na sala de aula para não ser distraída, dicas de atenção durante uma prova, posição especial nos esportes, etc.).

No entanto, sei o quanto é difícil dizermos a outra pessoa que um parente nosso, especialmente um filho ou filha, tem uma doença genética. Muitas famílias fazem verdadeiro voto de silêncio em torno de uma doença genética num de seus membros, e esta negação da doença acaba por aumentar um certo sentimento de vergonha, como se houvesse algum tipo de culpa por parte dos pais. Se não se pode falar de um assunto é porque ele deve ser motivo de vergonha, e assim, com nosso silêncio, acabamos reforçando o preconceito.

Como as doenças genéticas são mesmo de difícil compreensão (até mesmo pelos profissionais da saúde), temos medo de expor nossa criança e não sermos compreendidos, de que nossos outros filhos sejam prejudicados em seus relacionamentos, enfim, temos receio de que oportunidades sejam perdidas pela nossa família pelo preconceito social.

Apesar disso, ainda acredito que o melhor caminho é vencermos a barreira do silêncio e revelarmos a doença para quem convive com nossa criança.

Mas, se vamos falar sobre a neurofibromatose, o quanto explicar sobre a doença de cada vez? Aos professores, demais parentes e cuidadores, devemos fornecer informações básicas e úteis, que possam fazer diferença no cuidado, de forma positiva, evitando transformar nossa criança numa vítima.

E para colegas e amigos das crianças com neurofibromatose? Este é um ponto muito importante. Primeiro, penso que devemos informar a própria criança sobre sua doença, na medida em que ela for perguntando e tendo idade para compreender as respostas. Para isto criamos a cartilha “As manchinhas da Mariana”, gratuita e disponível na página da AMANF. Nossa experiência nestes vários anos com a cartilha é que ela é útil para os pais conversarem com a criança e com os professores e colegas.

Para concluir, a nossa presidente atual da AMANF, Maria Danúzia Ribas, tem utilizado uma saída muito interessante: ela pede à própria filha que explique, quando possível, é claro, a sua doença para colegas e amigos. Creio que isto é uma boa ideia.

Agradeço a uma colega oncologista (Dra. Fernanda Tibúrcio do HC-UFMG) que nos apresentou uma adolescente com Neurofibromatose do Tipo 1, cujo principal problema parece ser um grande neurofibroma plexiforme (NP) na região pélvica, aparentemente envolvido em crises de cólicas abdominais atribuídas à compressão do tumor sobre as alças intestinais. 

Se considerarmos que os problemas comportamentais e cognitivos estão relacionados entre si e que são a principal queixa das pessoas com NF1, especialmente na infância, compreendemos porque estes transtornos são um dos principais alvos das pesquisas que buscam tratamentos, especialmente a busca de remédios,para a Neurofibromatose do Tipo 1.


A partir de 2005, tomamos conhecimento de alguns resultados iniciais de pesquisas com a Lovastatina em camundongos. Foram estudados camundongos geneticamente modificados para apresentarem a NF1 e eles também apresentam dificuldades de aprendizado, as quais podem ser comparadas às dificuldades das pessoas com NF1. 

Observou-se que o tratamento com a Lovastatina corrigia as dificuldades de aprendizado dos camundongos e por isso este medicamento começou a ser testado também em seres humanos. Os resultados destas pesquisas em crianças com NF1 ainda não são conclusivos, pois alguns encontraram melhora da memória verbal e não verbal nas crianças estudadas, assim como em outras habilidades cognitivas, mas outros pesquisadores não encontraram os mesmos efeitos.

No momento, creio que dispomos de informação suficiente para experimentarmos cuidadosamente a Lovastatina em algumas pessoas com NF1 e com dificuldades de aprendizado que estejam limitando sua competência social. Para informações mais detalhadas sobre a Lovastatina na NF1, veja a página ao lado dedicada especialmente a este assunto.

Ritalina e NF1.

A ritalina (ou metilfenidato) é outro medicamento que tem sido estudado em crianças com NF1 e dificuldade de atenção e hiperatividade. Cerca de metade das crianças com NF1 apresenta um quadro semelhante ao Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), que me parece mais dificuldade de atenção do que hiperatividade. As crianças com NF1 + TDAH têm resultados piores do que aquelas com NF1 sem TDAH e apresentam mais chance de problemas comportamentais. Assim, seria importante obtermos um medicamento que pudesse melhorar os sintomas de semelhantes ao TDAH na NF1.


Alguns resultados de pesquisas na Alemanha (Mautner e colaboradores em 2002 e 2013 – ver artigo completo aqui) e na França (Lion-François em 2014 – ver artigo completo aqui) têm mostrado que a ritalina usada cuidadosamente melhorou os testes cognitivos, assim como o nível de atenção e os problemas de comportamento das crianças com TDAH e NF1. Assim, creio que a ritalina pode ser experimentada de forma criteriosa em crianças com NF1 que apresentem dificuldades de atenção, hiperatividade e problemas comportamentais.





Além dos problemas cognitivos, sobre os quais falamos ontem, algumas dificuldades psicológicas são comuns entre as pessoas com NF1. Elas são obrigadas a enfrentar o fato de que possuem uma doença que é: 

1) Genética – o que traz muitas vezes conflitos de culpa, medo de transmissão para os filhos e netos, preconceitos sociais; 

2) Crônica – os achados e complicações da NF1 estão presentes desde o nascimento e podem ocorrer ao longo da vida; 

3) Incurável – apesar de diversos tratamentos poderem melhorar a qualidade de vida das pessoas com NF1, não existe qualquer tratamento cirúrgico ou medicamentoso que possa acabar com a doença de uma vez; 

4) Variável de uma pessoa para outra – como a NF1 se manifesta de forma completamente diferente de uma pessoa para outra, torna-se difícil conhecermos a evolução natural da doença; 

5) Imprevisível – é muito difícil saber o que vai acontecer com determinada pessoa num dado momento; 

6) Sem representação social – ou seja, a sociedade desconhece a doença, as suas causas, o significado do seu nome, as suas consequências e assim não sabemos o que sentir diante de uma pessoa com NF1; 

7) Que pode causar discriminação social – seja pela aparência dos neurofibromas e outras lesões, seja pelas dificuldades de aprendizado, ou pelos problemas cognitivos e comportamentais, as pessoas com NF1 têm muitas chances de serem incompreendidas e sofrerem discriminação na comunidade em que vivem.


Por tudo isso, as pessoas com NF1 apresentam maior número de casos de ansiedade, medo, baixa autoestima e falta de sucesso profissional, o que afeta também a sua família. Uma ampla faixa de sintomas psicossociais pode estar presente nas crianças e adolescentes com NF1, como imaturidade emocional, incompetência social, timidez excessiva, limitações para entrar no mercado de trabalho e dificuldades para desenvolver relações amorosas. 

Apesar de tudo isto, surpreendentemente, as próprias pessoas com NF1 se avaliam de forma mais positiva do que seus pais e professores, o que aumenta a nossa preocupação em não superprotegê-las, mas, ao contrário, tentarmos garantir a realização do potencial humano de cada uma delas.

As intervenções profissionais direcionadas aos aspectos psicossociais das pessoas com NF1 devem ser baseadas em quatro aspectos:

1) Facilitar o acesso e a transferência de informação sobre a NF1 entre os profissionais que cuidam da pessoa com NF1 (professores, profissionais da saúde) e a família, acompanhando de que maneira ela compreende e adota as informações disponíveis;

2) Ajudar o desenvolvimento de estratégias para a pessoa com NF1 lidar com problemas, relacionados ou não à NF1, estimulando os sentimentos positivos e a aceitação da doença;

3) Auxiliar o desenvolvimento de um plano de vida profissional e afetivo para a pessoa com NF1 e fornecer aconselhamento genético;

4) Mediar as relações entre a pessoa com NF1 e sua família com as instituições de saúde (públicos ou planos de saúde, seguridade social).

É importante lembrar que o suporte a ser oferecido às pessoas com NF1 envolve tanto os aspectos de saúde quanto problemas sociais e econômicos.

Amanhã continuamos falando de tratamento para os problemas de aprendizado e comportamentais.