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Recebi a pergunta abaixo e minha resposta no blog gerou uma discussão interessante com a fonoaudióloga Pollyanna Batista.

Acompanhe nossa conversa.

Precisamos alertar os leitores que Pollyanna e eu estamos falando como especialistas, que é o nível mais fraco de evidência científica, pois não encontramos ainda um estudo que tenha verificado qual é o verdadeiro impacto sobre o desenvolvimento da criança quando a escola sabe ou quando não sabe o diagnóstico da NF1.

 

Pergunta inicial da família

“Gostaríamos de sua opinião de pai sobre a comunicação na escola a respeito do diagnóstico de nossa filha com NF1.

Algumas informações médicas nos foram solicitadas no momento da matrícula que foi realizada no fim de 2020 e naquele momento ainda não tínhamos conhecimento da doença de nossa filha. 

Por conta da pandemia, ele iniciou efetivamente sua vida escolar e não atualizamos aquelas informações junto à escola até agora.

 Nossa justificativa é o receio de que ela receba um tratamento diferenciado, ou menos estímulo, quando o diagnóstico vier ao conhecimento da escola.

 Nosso planejamento é comunicar à escola, caso a gente receba alguma demanda da coordenação, indicando que o comportamento ou desenvolvimento não está dentro do esperado.

 Pelo que pouco que já consegui perceber em contato com a turma dela, em situações de atividade remota, já percebi a dificuldade que ela tem para acompanhar sua turma nas atividades propostas, especialmente no que se refere ao foco e à atenção. Este comportamento já havíamos percebido e a fonoaudióloga também relatou em sua avaliação.

 Entretanto, ainda não entendemos se esta é a condução mais adequada junto à escola e estamos colhendo opiniões e experiências para que possamos tomar esta decisão com maior segurança.

 Assim, gostaríamos de ouvir sua opinião também.

Família HB, de Belo Horizonte.”

 

Resposta inicial do Dr. Lor

Obrigado pela pergunta de vocês.

Primeiro, quero dizer que seu relato nos apresenta uma situação bastante frequente, quando são crianças com NF1 que apresentam a gravidade mínima ou a leve. Ou seja, quando a maioria das pessoas não percebe que a criança apresenta algum problema de saúde.

O e-mail de vocês contém uma conduta com a qual concordo: aguardar a demanda por parte da escola, para que sua filha não seja tratada de forma diferenciada desnecessariamente.

Na minha opinião, enquanto uma criança for capaz de acompanhar suas colegas sem chamar a atenção das professoras, devemos manter seu diagnóstico de portadora de NF1 ainda restrito à família.

Quando a criança com NF1 apresentar necessidades de acompanhamento mais próximo, como apoio para realizar as tarefas escolares, ou precisar de ações para ajudá-la a manter seu comportamento adequado, chegou o momento de expor o diagnóstico.

É importante que este contato com a escola seja feito de forma construtiva, levando para as pessoas que cuidam das crianças as informações que já dispomos sobre dificuldades escolares causadas pela NF1 ( VER AQUI mais informações sobre estas dificuldades).

Em breve teremos aqui no site a nova cartilha sobre como orientar mães e professoras sobre crianças com NF1, que foi editada no Canadá e que será adaptada pela Amanf.

Primeiro comentário da Pollyanna

Eu sou da opinião que se deve contar o diagnóstico da NF1 para a escola.

Os pais que omitem estes dados na escola são os que mais sofrem. Contar é algo libertador e ajuda tanto os pais quanto a criança.

Recebo muito em meu consultório crianças que os pais não revelam o diagnóstico da NF1 na escola, com medo da criança ser tratada de modo diferente. E esse dado é importantíssimo (pode nos esclarecer como?).

As pessoas que acreditam que a criança será rebaixada antes tem mindset fixo. Pais com mindset fixo acreditam que a criança será deixada de lado, receberá menos estímulos e tal. Na minha opinião são as que mais sofrem.

As pessoas que contam para a escola têm um mindset de crescimento (idem). Veem a escola como um espaço de apoio emocional e educacional. Veem que aquela criança poderá ser mais estimulada!

Segundo comentário do Dr. Lor

 

Segundo comentário do Dr. Lor

Cara Pollyana,

parece que estamos de acordo que aquelas crianças que apresentam dificuldades cognitivas evidentes devem ter seu diagnóstico levado ao conhecimento da escola.

Estas representam 70% das pessoas com NF1, como você mesma já demonstrou, inclusive quando à desordem do processamento auditivo.

Segundo um estudo (ver aqui: J Child Neurol. 2008 Sep;23(9):1002-10. doi: 10.1177/0883073808316366 ) apenas 10% das crianças com NF1 não apresentam dificuldades cognitivas.

Além disso, entre estes 70 a 90% com dificuldades cognitivas, 10% apresentam grandes problemas de aprendizado, sendo considerados incapazes por atraso mental.

Portanto, nossa dúvida reside sobre aqueles 10 a 30% que apresentam formas mínimas e leves, cujas manifestações da doença não são percebidas pela maioria das pessoas, mesmo professoras e familiares.

Muitas destas pessoas com NF1 neste grupo dos 10 a 30% não irão apresentar dificuldades cognitivas importantes, sendo capazes de terminar o ensino fundamental e médio e muitos concluem cursos de graduação.

Meu receio é de que estas crianças nos 10 a 30% sejam discriminadas precocemente por causa do diagnóstico de uma doença genética, pois sabemos que as doenças genéticas carregam um estigma social importante.

 

Segundo comentário da Pollyanna

Essa pergunta é muito interessante e certamente de grande parte dos pais de crianças com a Neurofibromatose Tipo 1 (NF1)!

O primeiro ponto a se pensar é referente ao papel e a importância da escola na vida da criança. A escola será a segunda maior “morada/casa” da criança. Lá ela receberá conhecimentos acadêmicos e emocionais. Aprenderá sobre questões sociais e ensinará os professores. Sim, cada criança é PROFESSORA dos PROFESSORES! O professor não está pronto e até se aposentar aprenderá muito com as crianças pelas quais passam durante seu percurso de vida!

Então, “quando falar sobre o diagnóstico da NF1 na escola?”.

Pelo meu percurso como fonoaudióloga que atua com crianças com NF1 desde o ano de 2008 oriento: no ato da matrícula ou logo que a família recebe o diagnóstico!

Certamente você pai ou mãe, neste momento está se perguntando: “Mas por que, Pollyanna, comunicar o diagnóstico logo? Por que não aguardar alguns meses até a criança se adaptar a escola, ou aguardar a escola chamar para uma reunião, para então contar a coordenação e aos professores sobre a NF1?”.

Já acompanhei e acompanho muitos pais que trilharam este caminho: iniciaram a jornada escolar da criança e não comunicaram à escola. No primeiro momento, a criança se adapta a escola, mas com o tempo, as dificuldades acadêmicas começam a aparecer. Então a família se vê em uma “saia justa” por não ter comunicado sobre a NF1 no início, e se vê na necessidade de permanecer omitindo essa informação. E como a escola é parte do desenvolvimento da criança, a tríade: FAMÍLIA – ESCOLA – TERAPEUTAS (fonoaudiólogo, psicólogo, terapeutas ocupacionais) fica rompida.

Eu, como fonoaudióloga, estou com muitas famílias nesta situação, e quem perde é a criança, a família e a escola. A criança perde por não receber suporte necessário na escola. Os pais acabam angustiados, sofrendo e se sentindo culpados por não conseguir ajudar mais a criança. E a escola acaba também perdendo por não aprender com aquela criança (lembra que cada criança é “professora” do “professor”?).

Após ler tudo isso acima você pode ainda me perguntar: “Pollyanna, mas aproximadamente 30% das crianças com NF1 podem ter sinais leves ou nem aparentar que tem a NF1! Então, por que expor essa criança a uma possível discriminação de forma precoce na escola?”.

Assim respondo: Comunicar o diagnóstico da NF1 a escola não definirá onde a criança poderá chegar e o que ela poderá alcançar! E não define como ela será tratada pelos professores!

Acredito que nenhum pai ou mãe com uma criança com NF1 pense: “Que será que posso fazer na escola para prejudicar meu filho, minimizar seu esforço, afastá-lo do aprendizado e limitar suas realizações?” Claro que não! Pensam: “Eu faria qualquer coisa, faria tudo, para que meu filho seja bem sucedido!”. Mas muitas das coisas que os pais fazem têm efeito contrário. Seus prestimosos julgamentos, sua ação de não comunicar a escola sobre a NF1, por exemplo, frequentemente dão o recado errado.

Na verdade, cada palavra ou ação de um pai manda uma mensagem ao filho. Diz a criança com NF1 como ela deve pensar a respeito de si mesma. Pode ser uma mensagem que a criança pode receber como: “eu tenho uma característica permanente, não tenho capacidade para aprender e eu preciso de proteção” (crença fixa – mindset fixo) ou “eu sou uma pessoa em desenvolvimento, eu posso aprender e me desenvolver” (crença de crescimento – mindset de crescimento).

A minha experiência acompanhando pessoas com NF1 em seus diversos ciclos de vida revelam que grande parte das crianças com características leves ou imperceptíveis da NF1, que tiveram seus diagnósticos omitidos a escola, tendem a se deslocar para uma crença fixa – mindset fixo, conforme expus acima. Já as pessoas que tiveram seus diagnósticos revelados para a escola, aprenderam a enfrentar os seus desafios de vida de frente, adotando uma postura do mindset de crescimento. São pessoas que se esforçaram, buscam prosseguir e se desenvolver. São as pessoas que mais prosperaram na vida!

Por isso, com base em todo meu histórico de assistência a famílias com NF1 que oriento os pais a comunicarem a escola, em qualquer situação, que a criança tem a NF1. Este ato certamente terá grande efeito para esta criança!

 

Terceiro comentário do Dr Lor

Cara Pollyanna,

como nossos leitores devem estar percebendo, temos uma opinião bem diferente sobre quando levar o diagnóstico de NF1 para a escola: você acha que SEMPRE, enquanto eu acho que somente QUANDO HOUVER SINAIS DE DIFICULDADES COGNITIVAS OU COMPORTAMENTAIS.

Mas ambos temos apenas opiniões de especialistas e isso mostra a necessidade de que seja realizado um estudo científico bem controlado para responder esta nossa dúvida de forma segura.

Obrigado por participar ativamente do nosso blog.

 

Comentário do professor de história FTR(9/9/2021)

Boa tarde, Dr. LOR!
São casos específicos diante da variabilidade da doença.
O fato de eu não ter sido diagnosticado logo na infância, face a manifestação mínima a leve da NF1, deve, a meu ver e experiência, ter trazido resultados positivos para minha trajetória pessoal.
Na infância, brincava e fiz amizades. Sempre obtive bom desempenho na vida escolar. Tinha boa relação e sociabilidade com os colegas de classe. Aprendi a ler,  a escrever e a realizar rudimentos de cálculo aos sete anos de idade.
No ensino médio, em uma escola pública modelo e excelência de ensino daqui da Bahia, lia vorazmente e prazerosamente, mais do que hoje rsrs.
Nos estudos para o vestibular segui esse ritmo de leituras; fui classificado em concurso de redação. E na universidade me destaquei.
Creio que se soubesse do diagnóstico da NF1 precocemente, a conduta da minha família iria mudar, o senso de proteção se potencializaria. Por tabela, surgiria em mim um _mindset_ limitador para determinadas coisas.
Da mesmo forma que iniciei essa minha reflexão sobre sua publicação no site, concluo: são casos específicos diante da variabilidade da NF1 em diferentes indivíduos.
Um abraço.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Quando uma pessoa, vamos supor, de 60 anos de idade, tem 10 manchas café com leite maiores que 15 mm de diâmetro, sem quaisquer outros problemas de saúde, você chamaria isto de Neurofibromatose do tipo 1, ou só denomina NF1 quando há outros critérios? Minha pergunta veio do fato de alguns médicos não ”chamarem” de NF1 quando tem só as manchas café com leite e, inclusive, como você bem sabe, eles sequer informam aos pais sobre o “palavrão” neurofibromatose tipo 1. Enquanto a pessoa tiver só as manchas (admitindo que sejam 5 ou mais manchas café com leite maiores do que 15 mm), já deveríamos chamar de NF1 (e informar isto aos pais), ou não? ” SR, do Paraná.

Caro S. Muito obrigado pela sua interessante questão.

Comecemos pelo exemplo inicial, aquela pessoa de 60 anos com cerca de 10 manchas café com leite (MCL) maiores do que 15 mm. É importante saber se aquelas manchas estão presentes desde a infância ou se foram adquiridas ao longo da vida, porque as MCL relacionadas com a NF1 são congênitas, ou aparecem nos primeiros meses e tendem a desaparecer ao longo da vida.

Supondo que as MCL estivessem presentes desde a infância, a probabilidade de ser NF1 é de cerca de 95% quando temos 5 ou mais manchas café com leite maiores do que 15 mm.

Para termos certeza de que NÃO se trata mesmo de NF1, teríamos que afastar com segurança TODOS os demais 6 critérios: 2 nódulos de Lisch, glioma óptico, 2 neurofibromas cutâneos ou um plexiforme, displasia da asa menor do esfenoide ou da tíbia ou um parente de primeiro grau com NF1.

Talvez esta pessoa aos 60 anos e sem nenhum dos demais critérios para NF1 seja uma daquelas formas mínimas da NF1, nas quais mal se percebe a doença.

Por outro lado, se nenhum dos demais critérios para NF1 for encontrado num rigoroso exame clínico, as alternativas diagnósticas seriam outras doenças mais raras sobre as quais já comentei neste blog (VER AQUI ).

Quanto a falar ou não com os pais sobre o diagnóstico de NF, concordo com você que devemos manter prudência, delicadeza e escolhermos o momento adequado para falarmos em neurofibromatose para as famílias. Da mesma forma, saber quando falar com a criança sobre a NF requer cuidado e simpatia (VER AQUI).

Tento fazer isto da forma mais suave possível, mas quando temos apenas as MCL tenho preferido dizer que temos 95% de probabilidade de ser NF1 do que não tocar no assunto.

Isto porque algumas possíveis complicações das NF de um modo geral podem ser monitoradas mais adequadamente e tratadas a tempo se a família estiver informada previamente sobre seus sinais e sintomas iniciais. Entre elas as dificuldades de aprendizado, a discriminação social, o crescimento dos tumores, as convulsões, os problemas de comportamento, a transformação maligna e o aconselhamento genético.

Nossa cartilha “As Manchinhas da Mariana” (VER AQUI) tem ajudado a facilitar a compreensão do diagnóstico inicial, que é sempre difícil.

Ainda assim, uma parte das famílias não reage bem e sempre é interessante marcar um retorno para dentro de um mês para mais uma conversa de esclarecimento, passado o susto inicial.

De qualquer forma, saber é sempre melhor do não saber. Agir sem saber é caminhar no escuro. Os conhecimentos científicos são luzes que cada vez mais aumentam nossa capacidade de iluminar o caminho das pessoas com NF.

 


“Dr, minha filha de 12 anos é portadora de NF1. Muitas vezes nos questiona o porquê de ter os “caroços “. Ela é muito esperta. Gostaria de saber pela sua experiência qual a melhor idade para esclarecer sobre a doença. Ficamos receosos, pois com certeza ela irá procurar na Internet e aparecerá imagens que não condizem com a realidade dela. ” Remetente não identificada (o).

Prezada (o), obrigado por trazer esta questão que aflige tantos pais e mães.

Vou responder como pai e não como médico, pois não conheço nenhum estudo científico que tenha estabelecido o melhor momento psicológico para revelar a uma criança que ela tem uma das formas de neurofibromatose.

Creio que conhecer é sempre melhor do que desconhecer, ainda que aquilo que ficamos sabendo seja um problema a ser enfrentado. Conhecer melhor as causas e consequências de um problema nos ajuda a enfrentá-lo de forma mais eficiente. Desconhecer nos leva a atitudes tomadas às cegas, as quais podem, inclusive, agravar o problema.

Além disso, a capacidade de conhecimento e compreensão dos problemas vai aumentando aos poucos a cada etapa do desenvolvimento mental de uma criança. Então, o desafio é saber qual o nível de compreensão que cada pessoa tem num dado momento para receber de forma construtiva uma certa informação.

Juntando estes dois pensamentos acima, penso que o momento de explicar sobre as manchas café com leite é quando a própria criança as percebe ou um coleguinha chama sua atenção sobre elas. O momento de falar sobre os neurofibromas é quando surge um neurofibroma, nunca antes da criança perguntar por eles.

Acho que devemos dizer com todas as letras para a criança que ela possui uma doença (ou problema) que a torna um pouco (ou muito, dependendo do caso) diferente das outras pessoas, e tentar explicar para ela as consequências, sem aumentar nem diminuir as dificuldades. Creio que assim ela pode encontrar suas próprias saídas, para as situações que terá que enfrentar, de forma natural.

Por exemplo, uma de minhas netas tem a pele muito clara, é loira e de olhos azuis. Então, desde os primeiros momentos em que ela podia entender esta diferença, sua mãe Ana explicou a ela que mais do que a irmã e os primos, ela precisava de usar protetor solar, boné e às vezes uma roupa especial para permanecer mais tempo sob o sol. Hoje, ela mesma, com 4 anos de idade é a primeira a nos lembrar dos cuidados que devemos ter para que ela não tenha queimaduras de pele.

Minha filha Maria Helena, que nasceu com a NF1, desde os primeiros anos de vida soube que as manchinhas faziam parte de um problema com o qual ela havia nascido e explicavam algumas de suas dificuldades (de aprendizado) ou necessidades (ir ao tratamento com a querida fonoaudióloga Dilza Antunes, por exemplo).

Na última reunião da AMANF, sábado passado, Maria Helena, hoje com 38 anos, comentou que o mais importante para uma criança é saber que ela conta com a família e que ela havia recebido este apoio em sua infância.

Bem, pelo menos na minha casa, parece que foi bom ter falado sobre a NF desde o início.