“Estou tentando conseguir um emprego há dois anos e num deles falei da minha doença que traz necessidades especiais e o encarregado disse: Quem usa cota, no meu entender, está assinando embaixo que é incompetente! ”. Como a gente pode responder a uma coisa dessa? JGM de São Paulo.
Caro J, compreendo sua decepção e a incompetência da pessoa que disse isto, porque ela parece desinformada sobre o sentido das cotas na nossa sociedade.
A ideia das cotas começa no nascimento de cada um de nós.
Imagine dois irmãos que acabam de nascer. Os gêmeos Pedro e Paulo. Ambos são seres humanos com igualdade de direitos, entre eles o direito à vida, à dignidade, à educação, ao trabalho, à saúde, à segurança, à moradia e à cultura, entre outros.
Em outras palavras, ambos têm o mesmo potencial para viver uma vida plena e feliz.
No entanto, Paulo nasceu com uma doença genética, como a Neurofibromatose do tipo 1 (NF1), sobre a qual ele não teve qualquer escolha ou responsabilidade. Esta doença produz, por exemplo, alguma dificuldade para ele aprender a ler, escrever, praticar esportes e se relacionar com os colegas.
Se somos uma sociedade democrática, que deseja que todos os brasileiros sejam felizes, nosso dever é criar condições para que o Paulo possa compensar suas dificuldades causadas pela doença e atingir a melhor situação possível dentro dos seus limites. Por exemplo, ser capaz de aprender um ofício, trabalhar e conseguir se manter economicamente de forma autônoma.
Assim, a família, as escolas, as empresas, a sociedade, enfim, deve oferecer situações que atendam as necessidades especiais de Paulo para que ele seja um cidadão brasileiro com plenos direitos.
E como fica o Pedro nessa história?
Numa primeira situação, há recursos suficientes e o Pedro não perde nada com o apoio adicional que é fornecido ao Paulo e eles podem levar suas vidas de forma cooperativa, cada um oferecendo para a sociedade aquilo que pode (dentro de sua capacidade), mas ambos recebendo o mesmo respeito por parte da sociedade à qual pertencem.
Esta condição de recursos suficientes para todos é o desejo de todos nós, não é verdade?
Mas, pode ser que os recursos não sejam suficientes para o pleno desenvolvimento das duas crianças por causa das necessidades especiais do Paulo. Então, é preciso repartir uma parte do que seria destinado ao Pedro com o Paulo, para que ambos sejam capazes de atingir o melhor possível dentro daquelas circunstâncias.
Pode ser que Paulo precise utilizar uma cota reservada para pessoas com necessidades especiais numa grande empresa para ser capaz de trabalhar e viver de forma autônoma.
Mesmo assim, esta situação de compartilhamento dos recursos disponíveis pode ser benéfica para o Pedro estimulando-o a desenvolver uma qualidade humana importantíssima, a solidariedade.
Uma família, um povo, uma nação, uma humanidade somente se formam com solidariedade.
Imagine agora que Pedro e Paulo não sejam irmãos, mas duas crianças nascidas em famílias diferentes.
Uma das famílias é pobre e a outra rica, por exemplo. Ou uma delas é negra e a outra branca.
A solidariedade social é a base fundamental das cotas, inclusive para as pessoas com necessidades especiais, como você, caro J.
E não deve ser motivo de vergonha, como aquela pessoa desinformada sugeriu a você.
Vá em frente, use seu direito conquistado em nossa legislação.