Continuando minha resposta anterior, sobre como lidar com alguns comportamentos do filho da RK, de Santa Catarina, repito que não sou especialista em desenvolvimento infantil e que ainda não temos uma resposta específica, científica e tecnológica, para o “tratamento” de cada um daqueles comportamentos supostamente prejudiciais.

Há estudos em andamento sobre possíveis tratamentos medicamentosos (Lovastatina) e interativos (fonoaudiologia, musicoterapia) para as pessoas com NF1 e dificuldades de aprendizado e alterações de comportamento, mas nenhum deles ainda é suficientemente conclusivo para ser recomendado cientificamente.

O que direi a seguir é fruto de minha experiência pessoal como médico e professor universitário, mas especialmente como pai e avô sempre interessado em saber como deveria ser a melhor maneira de convivermos com as crianças de um modo geral, com ou sem a neurofibromatose. Meu ponto de partida é minha própria infância.

Aos dez anos fui levado por meus pais para um internato administrado por padres salesianos em Lorena. De um momento para outro, passei a viver uma sob uma disciplina rigorosa, semelhante àquela adotada em presídios, e deixei de desfrutar de uma grande liberdade de vida, pois meu pai era médico e, portanto, gozávamos dos privilégios da classe média em Lambari, pequena cidade do interior de Minas Gerais.

O grande sofrimento que foram aqueles vários anos de internato, fizeram-me buscar outras alternativas de educação, outros meios mais felizes de passarmos da infância para a vida adulta. Foi então que conheci um livro que começou a transformar minha vida: “Liberdade sem medo”, de um educador inglês chamado Alexander Sutherland Neill, que fundou uma escola especial chamada Summerhill.

A experiência revolucionária de Neill ensinou-me que o bem-estar emocional das crianças é muito mais importante do que qualquer aprendizado de matemática, português ou ciências. Fez-me ver que a felicidade tem origem num senso de liberdade e autonomia. Aprendi com ele que as crianças precisam ser ouvidas em seus desejos, que temos que respeitar suas escolhas e que quando elas são livres para decidir em pouco tempo são capazes de se autogovernarem [Ver abaixo mais informações].

Acredito cada vez mais que a liberdade é fundamental para a criatividade humana poder se expressar. E a criatividade é a única ferramenta que dispomos para enfrentar o futuro que é sempre desconhecido.

Recentemente, vi uma excelente palestra de Ken Robinson, outro inglês especialista em educação que reafirmou em mim, tantos anos depois de ler Summerhill, a certeza de que a liberdade é o ponto de partida para uma proposta de educação em busca da felicidade e de uma sociedade mais justa. 


Ken Robinson nos pede para lembrarmos do mundo como era há cinco anos e pergunta: imaginávamos exatamente o mundo de hoje? Então, se não somos capazes de dizer com segurança como será o mundo daqui a cinco anos, como pretendemos educar crianças para viver nele? Recomendo a todos a emocionante palestra (legendada) de Ken Robinson (CLIQUE AQUI ) que me foi sugerida pela Ana de Oliveira Rodrigues, minha filha apaixonada por educação e uma das criadoras do projeto “Just Coding” (CLIQUE AQUI para ver o Projeto Construindo o Futuro).

O que podemos fazer para preparar alguém para o futuro é criar as condições para que as crianças desenvolvam sua criatividade e a primeira condição é a liberdade. Liberdade gerando autoconfiança, auto estima, e segurança para desenvolver soluções novas para sua nova vida a cada dia (ver abaixo comentário sobre este post feito pela Dra. Débora Marques de Miranda, neuropediatra e professora da Faculdade de Medicina da UFMG).

E como fazer isto? Certamente não será fácil, a começar de nós mesmos, que somos geralmente autoritários, centralizadores, pouco democráticos, inseguros e sem criatividade, porque fomos educados num sistema de ensino destinado a matar a curiosidade, reprimir a diferença e abolir crítica para alimentar os fornos da produção na sociedade capitalista desde o século dezenove.

Se estas dificuldades castradoras e burocráticas no sistema educacional já são conhecidas das crianças sem NF1, podemos imaginar o sofrimento duplicado das crianças com NF1, que precisam de mais tempo, mais delicadeza e mais atenção para enfrentarem o mundo.

Se queremos que nossas crianças sejam felizes, e creio que este é o maior desejo de todos nós, podemos começar perguntando: o que elas desejam? Como respeitar sua vontade dentro dos limites sociais e econômicos em que vivemos? Como criar condições para elas descobrirem sozinhas e no seu tempo as soluções para os problemas, ainda que sejam soluções diferentes das nossas?

Amanhã retomo os comportamentos do filho da AK para darmos mais uns passos nesta minha opinião sobre nosso sistema educacional, que sofre de um grave problema cognitivo: hiperatividades (sem sentido afetivo) e desatenção (para com o ser humano em desenvolvimento).

Mais informações
Se você se interessar, veja abaixo um pequeno resumo do pensamento de Alexander S. Neill, disponível na Wikipédia.

Em Summerhill, as crianças não eram obrigadas a assistir as aulas e, além disso, as decisões da escola eram tomadas em assembleias onde todos votavam, incluindo professores, alunos e funcionários. Para o autor, a experiência nessa escola mostrou que, sem a coerção das escolas tradicionais, os estudantes orientam sua aprendizagem através do seu próprio interesse, ao invés de orientar pelo que lhe é imposto.

Neill acreditava que as crianças eram naturalmente sensatas, realistas, boas e criativas. Quando educadas sem interferências dos mais velhos, seriam capazes de se desenvolver de acordo com sua capacidade, seus limites e seus interesses, sem nenhum tipo de trauma. “Toda e qualquer interferência por parte dos adultos só as torna robôs”, afirmava. As intervenções, segundo ele, roubavam a alegria da descoberta e a autoconfiança necessária para a superação de obstáculos, causando sentimentos de inferioridade e dependência, duas fortes barreiras para a felicidade completa.

Assim na sua escola, nenhum adulto tinha mais direitos que uma criança, todos tinham direitos iguais. Nesse sentido o autor destacava a diferença entre os conceitos de liberdade e licença. Para Neill todos devem ser livres, porém isso não implica numa liberdade sem limites. Ninguém tem licença para interferir no espaço de outra pessoa e, ao mesmo tempo, todos têm total liberdade para fazerem o que quiserem no que disser respeito a si próprio. Por isso que ninguém deve determinar quais aulas uma criança deve frequentar. Mas, ao mesmo tempo, ninguém tem direito de atrapalhar uma atividade coletiva. Liberdade não pode significar direito de fazer o que bem quiser a hora que quiser. Excesso de liberdade se transforma em licenciosidade.

Neill criticava a escola tradicional também por enfatizar demais o lado racional das pessoas, em detrimento do lado emocional. Nesse sentido, em sua escola o teatro, a dança, os trabalhos manuais, ganham um destaque grande frente às disciplinas tradicionais. As aulas das matérias convencionais existem, mas não são o centro da escola.

Como diretor, ele dava aulas de álgebra, geometria e trabalhos manuais. Geralmente dizia que admirava mais aqueles que possuíam habilidades para o trabalho manual do que aqueles que se restringiam ao trabalho intelectual. Durante um período trabalhava individualmente com alguns alunos numa espécie de sessão de terapia. Após algum tempo abandonou esse trabalho individual, pois concluiu que com as sessões ou sem os alunos resolviam seus problemas de qualquer forma.

A liberdade era a responsável por isso.

Comentário da Dra. Débora Marques de Miranda, professora de Medicina da UFMG e mãe de dois garotos.

Li seu blog hoje. E desabafei…
Concordo com tudo que escreveu e fui uma dessas crianças felizes, que morava na cidade, mas que tinha uma fazenda (dos meus avós) para andar a cavalo, brincar no córrego, ficar carregada de piolho e passar tardes torturada para retirada dos meus assíduos parasitas, correr nos pastos (cheia de bicho de pé), ficar de castigo mexendo doce e tudo que uma vida de fazenda nas Gerais pode trazer para uma criança. Alterando com esses tempos de liberdade completa, meus pais gostavam de mostrar lugares do mundo e praias as mais diversas…viajámos dias de carro em busca de lugares legais e diferentes. Nada foi melhor ou mais rico do que ser criança na minha família.

Contudo, sei do meu viver e vejo nos pais do meu tempo, o quanto não conseguimos prover uma infância tão rica para os nossos pequenos, independente de seus diagnósticos e dificuldades, a falta de liberdade é uma constante.

E mais…até quando achamos alguma liberdade nas rígidas estruturas escolares, fica a dúvida: será que não vai faltar matemática, português e o que seja em qualquer momento para sustentar durante a dura adolescência sua preciosa autoestima? Autoestima é feita das nossas conquistas, o que algumas vezes exige conteúdo também.

Frequentemente as escolas nos oferecem uns pacotes que parecem quase antagônicos no ato de oferta: liberdade com poucas cobranças de conteúdo ou apenas conteúdo com poucas liberdades. Praticamente não existem pacotes intermediários: bons conteúdos com possibilidade de liberdades/vivências, o que nos resta é criar nosso próprio formato.

O resultado final é que nossa segurança (quanto à) educação que estamos provendo é frágil e infelizmente não vejo perspectiva de algo que crie gente tão feliz quanto nós, que tivemos a chance de sermos livres e ao mesmo tempo suficientes para desempenhar.

E para quem tem qualquer dificuldade (como na NF1) é ainda pior, a aceitação do diferente inexiste e a tentativa de fazer esses meninos caminharem com bons balanços de vivências/liberdades e conteúdo são quase que só lendas por falta de cultura e de experiência sólida.

O balanço (do que temos feito) tem que ser demandado, mostrado e ensinado para os educadores envolvidos. E esse caminho é ainda mais longo e complicado…esse sim é um assunto difícil!

Meu filho com NF1 tem 1 ano e 6 meses e apresenta alguns comportamentos e por isso o neuropediatra recomendou uma ressonância magnética da cabeça (que vai precisar de sedação) e um exame do olho. Estou esperando o SUS chamar para a realização dos exames. Segundo o mesmo médico, meu filho apresenta boa cognição no geral. Os sintomas que ele apresenta (abaixo) justificam o risco da anestesia para fazer a ressonância? RK, de Santa Catarina.

Ficou sentado na cama com 1 ano e 4 meses quando começou a fazer fisioterapia e começou a engatinhar de bunda com 1 ano e 5 meses; não engatinha de quatro, só em lugares macios como colhão/colchonete…

Não gosta de os brinquedos só de garrafas tampas de garrafas e coisas pequeninas como grãos e sementes;

Atira todos os objetos ao chão (quando está sentado em lugares altos ou no colo);

Não fala nem uma palavra, não aponta para objetos;

É muito temeroso, tem medo de ruídos fortes, como máquina de cortar grama… quando está no chão gosta de ficar junto ao pai ou mãe (nunca sozinho no quarto, por exemplo);

É observador e tem a visão e audição aguçadas (tapa os olhos com a mão ao se expor ao sol);

É extremamente sentimental e carente de afeto, quer colo O DIA TODO;

Não é muito curioso por abrir gavetas ou descobrir o desconhecido dentro de casa;

Não sabe segurar os talheres, não come com a própria mão e nunca segurou a mamadeira;

Nunca frequentou a creche ou teve contato prolongado com crianças, mas interage melhor com crianças maiores que ele – de 3 a 5 anos;

Quando confrontado ou agredido por outra criança, deseja sair do locar imediatamente, caso contrário, estará com febre pouco tempo depois;

Gosta muito de água e de brincar com coisas roliças.

Cara R, obrigado pela sua descrição minuciosa daquilo que você relatou como “sintomas neurológicos” em seu filho com NF1. Tomei a liberdade de reproduzir todos, porque isto poderá ser útil a outras famílias.

Primeiramente, devo lembrar que em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais não solicitamos ressonâncias magnéticas “de rotina” ou SEM sintomas a serem esclarecidos. Há crianças com NF1 que acompanho há mais de dez anos para as quais nunca houve a necessidade de pedir uma ressonância magnética.

Além disso, na NF1 a ressonância magnética do encéfalo não costuma mostrar qualquer alteração que explique problemas de aprendizado ou comportamento: há pessoas com grandes alterações nas imagens, mas sem problemas cognitivos e, ao contrário, graves problemas mentais em nenhuma alteração visível na ressonância magnética comum. Por favor, comente isto com o médico de seu filho (se ele quiser, peça a ele para ver este ARTIGO clicando aqui ).


Você me enviou a lista de alterações de comportamento observadas em seu filho, que, claro, têm origem no estágio de desenvolvimento neurológico, e que muitas delas são comuns nas crianças com NF1.

Não sou especialista em desenvolvimento cognitivo de crianças, mas tentarei aproveitar suas informações para aumentarmos nosso conhecimento sobre a NF1 de um modo geral. Aliás, se leitoras ou leitores mais capacitados em psicopedagogia desejarem completar ou corrigir minhas observações, por favor, ajudem-nos.

Revendo os comportamentos de seu filho de 1 ano e 6 meses, um olhar clínico mais flexível poderá considerar que ele está dentro da margem de tolerância em torno do desenvolvimento médio das crianças sem NF1. O que provavelmente deve ter sido a impressão do neuropediatra que afirmou que seu filho possui boa cognição no geral.

Com um olhar um pouco mais rigoroso e sabendo que as crianças com NF1 tendem a prolongar alguns destes atrasos cognitivos ao longo do seu desenvolvimento, minha tendência é considerar que há, sim, sinais de problemas cognitivos relacionados com a NF1, até porque sabemos que 100% das pessoas com NF1 apresentam algum grau de déficit cognitivo e a média da capacidade intelectual das pessoas com NF1 está um pouco abaixo da população em geral.

Alguns dos comportamentos do seu filho apontam na direção do espectro do autismo (ausência de fala, retraimento social, medo generalizado e de ruídos, envolvimento com objetos pequenos e água), enquanto outros contrariam as características autistas (desejo de contato, colo e proximidade com os pais, sentimentalidade). 


Por isso, por causa de comportamentos semelhantes ao do seu filho, 1 em cada 3 crianças com NF1 são consideradas autistas nos testes especializados, outro terço fica no limite do diagnóstico e o restante das crianças não apresenta traços autistas. Mas, é importante frisar, a NF1 não causa o verdadeiro autismo (ver livro interessante sobre isto AQUI ). O que acontece é apenas uma superposição de alguns sintomas que as duas doenças têm em comum (ver post anterior sobre isto AQUI ).

Portanto, creio que seu menino apresenta comportamentos comuns às demais crianças com NF1 (ver post anterior AQUI), e não espero que a ressonância magnética do encéfalo venha a trazer qualquer esclarecimento neste sentido. 


Nem mesmo o exame oftalmológico comum, que foi solicitado, costuma ser confiável nesta idade, a não ser que seu filho pudesse realizar um exame complementar relativamente simples (porém não disponível ainda para todos pelo SUS), chamado de Tomografia de Coerência Óptica. Ele pode ser feito por oftalmologistas especializados e traz boas informações sobre a visão nas crianças pequenas com NF1.

Finalmente, você deve estar perguntando: e o que podemos fazer com estes comportamentos de seu filho que estão um pouco abaixo da média? Na próxima semana voltaremos a este assunto. Até lá.


Desde 2005, o grupo de pesquisadores coordenados pelo Dr. Alcino J. Silva, do Departamento de Neurobiologia da Universidade da Califórnia nos Estados Unidos, tem estudado os efeitos da Lovastatina sobre as dificuldades de aprendizado nas pessoas com NF1. Primeiro, eles estudaram camundongos geneticamente modificados com NF1 (estes animais apresentam dificuldades cognitivas semelhantes às nossas) e recentemente a pesquisadora Carrie E. Bearden, sob a orientação do Dr. Alcino, concluiu mais um estudo com Lovastatina em seres humanos com NF1.

Os resultados foram publicados recentemente ( VER AQUI o artigo completo), e reforçam um pouco mais nossa sugestão de tratamento experimental com Lovastatina para algumas pessoas com NF1 e com dificuldades importantes de aprendizado. Em 2015, publicamos uma justificativa para este tratamento experimental, que está em documento disponível neste blog (VER AQUI).

O estudo da Dra. Bearden durou 14 semanas e começou com 44 voluntários com NF1, com a média de idade de 26 anos, sendo metade homens e metade mulheres. As pessoas com NF1 foram divididas por sorteio entre dois grupos: o grupo que recebeu a Lovastatina e o outro grupo que recebeu cápsulas semelhantes, mas que continham apenas amido (placebo).

Nem os voluntários com NF1, nem os médicos e nem as pessoas encarregadas de realizarem os testes cognitivos não sabiam quem recebia Lovastatina ou placebo. Somente ao final do estudo os códigos foram revelados para se saber quem usou o medicamento e quem pertenceu ao grupo controle.

A dose de Lovastatina usada foi de 80 mg por dia para adultos e 40 mg por dia para crianças. Quero chamar a atenção para estas doses porque elas são muito maiores do que a dose de 20 mg por dia que temos usado em crianças e adultos em nosso tratamento experimental.

Todos foram submetidos a testes antes e depois de 14 semanas de uso de Lovastatina ou placebo. Os testes mediram principalmente o aprendizado não-verbal e a memória de trabalho, mas também foram avaliados os níveis de atenção, a memória verbal e relatos pessoais ou dos pais sobre problemas comportamentais.

Além disso, os voluntários foram submetidos a uma ressonância magnética funcional que permite medir a atividade neurológica em diferentes áreas do cérebro.

Ao final das 14 semanas 12 voluntários haviam desistido (8 no grupo placebo e 4 no grupo Lovastatina). A Lovastatina foi bem tolerada, sem efeitos colaterais importantes. Curiosamente, o grupo placebo (que estava ingerindo apenas amido) apresentou mais efeitos colaterais leves do que o grupo que recebeu Lovastatina.

Os resultados mostraram que a Lovastatina melhorou a memória de trabalho, a memória verbal e os problemas comportamentais, mas não afetou o aprendizado não-verbal. Além disso, a ressonância magnética funcional mostrou aumento da atividade mental, do grupo que usou Lovastatina, na área frontal e de forma correlacionada com os efeitos verificados nos testes.

Em conclusão, os autores consideram que estes resultados (que eles definem como preliminares) sugerem um efeito benéfico da Lovastatina sobre algumas funções do aprendizado e da memória, assim como na redução de problemas de comportamento em pessoas com NF1.

Eles lembram também que já estamos acumulando evidências de que as estatinas (grupo ao qual a Lovastatina pertence) exercem efeito protetor em outros problemas neurológicos, como Alzheimer, doenças neuroinflamatórias e esclerose múltipla.

Apesar de ser um número relativamente pequeno de pessoas com NF1 que concluíram o estudo (apenas 17 receberam a Lovastatina durante 14 semanas), esta pesquisa foi realizada de forma cuidadosa por cientistas respeitados entre aqueles que trabalham com as NF. 

Creio que seus resultados nos chegam mais próximos do momento em que haverá consenso na comunidade científica internacional de que a Lovastatina deve ser experimentada em pessoas com NF1 com problemas de aprendizado e de comportamento.

Além de dizer se a Lovastatina deverá ser usada ou não, precisaremos estabelecer a idade ideal para o início do tratamento, assim como a melhor dose diária.

Vamos torcer para este dia chegar.

“Quando uma pessoa, vamos supor, de 60 anos de idade, tem 10 manchas café com leite maiores que 15 mm de diâmetro, sem quaisquer outros problemas de saúde, você chamaria isto de Neurofibromatose do tipo 1, ou só denomina NF1 quando há outros critérios? Minha pergunta veio do fato de alguns médicos não ”chamarem” de NF1 quando tem só as manchas café com leite e, inclusive, como você bem sabe, eles sequer informam aos pais sobre o “palavrão” neurofibromatose tipo 1. Enquanto a pessoa tiver só as manchas (admitindo que sejam 5 ou mais manchas café com leite maiores do que 15 mm), já deveríamos chamar de NF1 (e informar isto aos pais), ou não? ” SR, do Paraná.

Caro S. Muito obrigado pela sua interessante questão.

Comecemos pelo exemplo inicial, aquela pessoa de 60 anos com cerca de 10 manchas café com leite (MCL) maiores do que 15 mm. É importante saber se aquelas manchas estão presentes desde a infância ou se foram adquiridas ao longo da vida, porque as MCL relacionadas com a NF1 são congênitas, ou aparecem nos primeiros meses e tendem a desaparecer ao longo da vida.

Supondo que as MCL estivessem presentes desde a infância, a probabilidade de ser NF1 é de cerca de 95% quando temos 5 ou mais manchas café com leite maiores do que 15 mm.

Para termos certeza de que NÃO se trata mesmo de NF1, teríamos que afastar com segurança TODOS os demais 6 critérios: 2 nódulos de Lisch, glioma óptico, 2 neurofibromas cutâneos ou um plexiforme, displasia da asa menor do esfenoide ou da tíbia ou um parente de primeiro grau com NF1.

Talvez esta pessoa aos 60 anos e sem nenhum dos demais critérios para NF1 seja uma daquelas formas mínimas da NF1, nas quais mal se percebe a doença.

Por outro lado, se nenhum dos demais critérios para NF1 for encontrado num rigoroso exame clínico, as alternativas diagnósticas seriam outras doenças mais raras sobre as quais já comentei neste blog (VER AQUI ).

Quanto a falar ou não com os pais sobre o diagnóstico de NF, concordo com você que devemos manter prudência, delicadeza e escolhermos o momento adequado para falarmos em neurofibromatose para as famílias. Da mesma forma, saber quando falar com a criança sobre a NF requer cuidado e simpatia (VER AQUI).

Tento fazer isto da forma mais suave possível, mas quando temos apenas as MCL tenho preferido dizer que temos 95% de probabilidade de ser NF1 do que não tocar no assunto.

Isto porque algumas possíveis complicações das NF de um modo geral podem ser monitoradas mais adequadamente e tratadas a tempo se a família estiver informada previamente sobre seus sinais e sintomas iniciais. Entre elas as dificuldades de aprendizado, a discriminação social, o crescimento dos tumores, as convulsões, os problemas de comportamento, a transformação maligna e o aconselhamento genético.

Nossa cartilha “As Manchinhas da Mariana” (VER AQUI) tem ajudado a facilitar a compreensão do diagnóstico inicial, que é sempre difícil.

Ainda assim, uma parte das famílias não reage bem e sempre é interessante marcar um retorno para dentro de um mês para mais uma conversa de esclarecimento, passado o susto inicial.

De qualquer forma, saber é sempre melhor do não saber. Agir sem saber é caminhar no escuro. Os conhecimentos científicos são luzes que cada vez mais aumentam nossa capacidade de iluminar o caminho das pessoas com NF.

 

“No dia 14 de novembro de 2015 meu filho O. faleceu no hospital X com glioblastoma multiforme e um diagnóstico de neurofibromatose dado pelo oncopediatra. 

 

Gostaria de saber como proceder para realizar uma avaliação genética se a doença foi herdada ou foi uma mutação uma vez que somos do interior de Minas Gerais, onde não há esse tipo de atendimento pelo SUS. Temos outra filha de 8 anos. Além disso, desejamos tentar nova gestação mas temos medo de repetir essa situação. Aguardo considerações uma vez que ainda enlutados, ansiamos por diagnóstico genético.” J, de Minas Gerais.

Cara J. Obrigado pela confiança em compartilhar suas dúvidas conosco. Lamento profundamente sua perda e creio que talvez o que possa nos confortar um pouco é sabermos que seu filho deve ter recebido a melhor orientação disponível por parte da equipe que o atendeu, a qual sabemos que tem grande experiência em oncologia.

O tumor que acometeu seu filho (glioblastoma) constitui uma complicação que pode acontecer em pessoas com NF1 um pouco mais frequentemente do que na população em geral. Ainda não sabemos ao certo o como e o porquê estes tumores fora das vias ópticas acontecem e como devem ser tratados, mas há grande esforço dos especialistas internacionais na busca de uma solução para este problema (VER AQUI).

Respondendo a sua dúvida sobre a possibilidade de virem a ter outra criança com NF1, a recomendação é de que o casal que já tem um filho com mutação nova deve ser examinado por alguém com experiência em neurofibromatoses, para afastarmos a possibilidade de um dos dois possuir a forma em mosaicismo da NF1 (ver no blog no campo de assunto NF1 em mosaicismo) antes de decidirem por uma nova gestação.

Ou seja, se nesta avaliação especializada nem você e nem seu marido possuírem critérios para o diagnóstico de NF1 (por exemplo, não têm manchas café com leite nem outros “critérios para o diagnóstico de NF1” – ver no blog), são muito pequenas as chances de terem outro filho com variante nova (como deve ter sido o caso do seu filho, provavelmente a primeira variante patogênica na família).

Assim, existe esta pequena chance de menos de 1% porque, sem o saberem, pais e mães podem ser portadores de uma forma em mosaicismo de NF1, ou seja, a variante estaria localizada apenas em áreas corporais que incluam testículos ou ovários, os quais produziriam metade dos espermatozoides ou dos óvulos com a variante genética.

Uma das condutas simples e imediatas que podem ser tomadas, no sentido de esclarecimento da situação genética de vocês, seria um exame oftalmológico de toda a família (pais e sua filha de 8 anos), no qual deve ser pesquisada a presença de nódulos de Lisch, um sinal na íris que somente está presente em pessoas com NF1.

Se ainda houver alguma dúvida depois do exame clínico, restaria ainda a alternativa de realizarmos um teste genético, pesquisando alguma mutação no gene NF1 dos pais, para esclarecermos melhor a questão.

 

Mas, em geral, o exame clínico com especialista em neurofibromatose é suficiente.

 


A pesquisadora Karen CL Torres publicou na semana passada os resultados do seu estudo sobre o perfil imunológico de pessoas com Neurofibromatose do tipo 1. Provavelmente, seu estudo é o mais amplo já realizado em todo o mundo neste sentido.

A pesquisa foi realizada numa colaboração entre cientistas do serviço de Medicina Molecular da Faculdade de Medicina e do nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais. Seus resultados fazem parte da sua pós-graduação realizada sob a orientação da Dra. Débora Marques de Miranda.

O artigo está publicado no Journal of Neuroimmunology e é bastante sofisticado em termos bioquímicos. O conteúdo é destinado a especialistas em neurofibromatoses e em mecanismos do câncer. Em português, o título é “Marcadores imunológicos na neurofibromatose do tipo 1 uma patologia-RAS” (Immune markers in the RASopathy neurofibromatoses type 1). Quem desejar ver o artigo em inglês pode CLICAR AQUI .

Em termos simplificados, podemos compreender a importância deste estudo recordando algumas informações.

Sabemos que o sistema imunológico nos protege contra infecções (por exemplo, bacterianas e virais) e também contra o crescimento de células anormais, como são as células nos diversos tipos de câncer. Assim, uma pessoa com deficiência imunitária (na infecção pelo HIV, por exemplo) torna-se vulnerável às infecções e também aos cânceres.

A produção de anticorpos, de substâncias inflamatórias e de células de defesa do sistema imunológico depende de ajustes biológicos adequados, que são realizado por diversos fatores reguladores da atividade celular, entre eles uma via metabólica chamada “via-RAS”.

Em cerca de 20 a 30% dos cânceres humanos o controle do crescimento celular pela via-RAS está anormal, ou seja, mais ativado do que deveria. Coincidentemente, a falta da proteína neurofibromina nas pessoas com NF1 também faz com que este sistema RAS fique hiperativo.

Também sabemos que as pessoas com NF1 possuem uma doença genética com maior propensão ao aparecimento de câncer do que o restante da população, especialmente a transformação maligna de neurofibromas plexiformes. 


Então, as perguntas que a Dra. Karen Torres formulou na sua pesquisa foram: o perfil imunológico das pessoas com NF1 estaria alterado, o que poderia favorecer uma tendência para o câncer? Este perfil imunológico estaria relacionado com a transformação dos plexiformes em neurofibrossarcomas?

Para responder estas questões, ela coletou o sangue de 25 pessoas com NF1 (atendidas em nosso Centro de Referência) e de 19 pessoas sem NF1 e analisou diversas substâncias, proteínas e células que são indicadores de atividade do sistema imunológico.

Em resumo, os resultados mostraram que as pessoas com NF1 apresentaram menor atividade imunológica e também sugeriram uma possível correlação entre um dos marcadores (TGFbeta) com a transformação maligna dos neurofibromas plexiformes. No entanto, este é um estudo inicial e precisamos aumentar o número de indivíduos para aprofundar a segurança sobre estes conhecimentos.

Os resultados da Karen Torres e colaboradores abrem caminho para novos estudos que, ao final, quem sabe, resultem em novas formas de tratar ou prevenir as complicações da neurofibromatose do tipo 1.

Parabéns a todas as pessoas que participaram deste estudo e obrigado àquelas, com ou sem NF1, que foram voluntárias.

Vamos em frente.


“Sou mãe de BC, que tem NF2 (…seguem diversas informações sobre o estado de saúde da menina). Fazemos parte de um grupo no Facebook de neurofibromatose 2, e ficamos sabendo do tratamento com Avastin. Fomos no Dr. X, do centro de oncologia da rede de dor, que faz esse tratamento. O plano não aceitou, e no momento estamos entrando na justiça. Minha dúvida é com relação ao tratamento adequado, e se o Avastin é o caminho correto. Tem como nos ajudar nesse sentido? ” EM, de local não informado.

Cara E., obrigado pelo seu contato e confiança no nosso trabalho.

Você relatou diversos aspectos da doença de sua filha (NF2) sobre os quais não posso opinar diretamente sem examiná-la pessoalmente, e para isto estou à sua disposição pelo SUS, e basta agendar uma consulta pelo e-mail: adermato@hc.ufmg.br

Vejamos, então, sua pergunta sobre a indicação ou não do medicamento Avastin® (a substância bevacizumabe) para a redução dos tumores na NF2.

Considerando os comentários que já fiz sobre este medicamento neste blog (ver AQUI e AQUI e AQUI ), percebemos que não há ainda consenso internacional de que o bevacizumabe deva ser prescrito para todas as pessoas com NF2, pois os riscos prováveis ainda não superam os benefícios incertos.

Diante disso, minha impressão é de que entrar com um processo na justiça para obter um medicamento, sobre o qual não há ainda a comprovação de seus benefícios, pode se transformar num esforço familiar muito grande, gerando grandes expectativas sem o respectivo sucesso terapêutico tão desejado.

Talvez, toda esta energia da família pudesse trazer maior satisfação se vier a ser empregada nos cuidados gerais que sua filha necessita, incluindo os tratamentos fonoaudiológicos, reabilitação motora e acompanhamento médico, além do apoio pessoal, carinho e atenção que ela sempre irá precisar, pois a NF2 continuará a fazer parte de sua vida, com ou sem o tratamento com o bevacizumabe.


Até a próxima semana.


“Dr, minha filha de 12 anos é portadora de NF1. Muitas vezes nos questiona o porquê de ter os “caroços “. Ela é muito esperta. Gostaria de saber pela sua experiência qual a melhor idade para esclarecer sobre a doença. Ficamos receosos, pois com certeza ela irá procurar na Internet e aparecerá imagens que não condizem com a realidade dela. ” Remetente não identificada (o).

Prezada (o), obrigado por trazer esta questão que aflige tantos pais e mães.

Vou responder como pai e não como médico, pois não conheço nenhum estudo científico que tenha estabelecido o melhor momento psicológico para revelar a uma criança que ela tem uma das formas de neurofibromatose.

Creio que conhecer é sempre melhor do que desconhecer, ainda que aquilo que ficamos sabendo seja um problema a ser enfrentado. Conhecer melhor as causas e consequências de um problema nos ajuda a enfrentá-lo de forma mais eficiente. Desconhecer nos leva a atitudes tomadas às cegas, as quais podem, inclusive, agravar o problema.

Além disso, a capacidade de conhecimento e compreensão dos problemas vai aumentando aos poucos a cada etapa do desenvolvimento mental de uma criança. Então, o desafio é saber qual o nível de compreensão que cada pessoa tem num dado momento para receber de forma construtiva uma certa informação.

Juntando estes dois pensamentos acima, penso que o momento de explicar sobre as manchas café com leite é quando a própria criança as percebe ou um coleguinha chama sua atenção sobre elas. O momento de falar sobre os neurofibromas é quando surge um neurofibroma, nunca antes da criança perguntar por eles.

Acho que devemos dizer com todas as letras para a criança que ela possui uma doença (ou problema) que a torna um pouco (ou muito, dependendo do caso) diferente das outras pessoas, e tentar explicar para ela as consequências, sem aumentar nem diminuir as dificuldades. Creio que assim ela pode encontrar suas próprias saídas, para as situações que terá que enfrentar, de forma natural.

Por exemplo, uma de minhas netas tem a pele muito clara, é loira e de olhos azuis. Então, desde os primeiros momentos em que ela podia entender esta diferença, sua mãe Ana explicou a ela que mais do que a irmã e os primos, ela precisava de usar protetor solar, boné e às vezes uma roupa especial para permanecer mais tempo sob o sol. Hoje, ela mesma, com 4 anos de idade é a primeira a nos lembrar dos cuidados que devemos ter para que ela não tenha queimaduras de pele.

Minha filha Maria Helena, que nasceu com a NF1, desde os primeiros anos de vida soube que as manchinhas faziam parte de um problema com o qual ela havia nascido e explicavam algumas de suas dificuldades (de aprendizado) ou necessidades (ir ao tratamento com a querida fonoaudióloga Dilza Antunes, por exemplo).

Na última reunião da AMANF, sábado passado, Maria Helena, hoje com 38 anos, comentou que o mais importante para uma criança é saber que ela conta com a família e que ela havia recebido este apoio em sua infância.

Bem, pelo menos na minha casa, parece que foi bom ter falado sobre a NF desde o início.

 

“Olá Doutor LOR, me deparei com um grupo de pessoas com NF dos Estados Unidos no Facebook, onde muitas estão comentando e postando sobre o uso de um suplemento alimentar de Curcuma longa, a princípio achei duas fotos de pessoas que estão fazendo uso e que aparentemente parece ter melhorado um pouco o tamanho dos neurofibromas, sou um pouco cético com esse tipo de medicina natural e evito ao máximo qualquer tipo de medicamento, então gostaria de saber a sua opinião sobre, já tinha visto? ” AF, de local não identificado.

Caro A, obrigado pela sua pergunta, que também foi feita a mim por outras pessoas, pois me parece que o assunto dominou as páginas do Facebook recentemente entre as pessoas com neurofibromatoses.

Revi meus arquivos científicos e procurei atualizar as informações que dispunha sobre os possíveis efeitos da curcumina (a substância química diferuloilmetano) sobre as neurofibromatoses.

A meu ver, há apenas dois estudos plenamente confiáveis sobre o tema: um do grupo alemão coordenado pelo Dr. Victor Mautner (ver o artigo completo AQUI) e outro do grupo norte americano coordenado pela Dra. Nancy Ratner (ver o artigo completo AQUI ). Mautner e Ratner são pesquisadores envolvidos com as neurofibromatoses há muitos anos e muito respeitados no meio científico.


Ambos são estudos de laboratório, realizados em cultura de tecidos (Mautner) e enxertos de tecidos em animais (Ratner). Ambos trabalharam apenas com células retiradas de neurofibrossarcomas (tumor maligno da bainha do nervo periférico), que podem acontecer em pessoas com neurofibromatose do tipo 1.

Ambos os estudos mostraram que a adição de curcumina diretamente sobre as células aumentou o efeito de agentes inibidores do crescimento das células cancerosas.

Além desses dois estudos, encontrei outros três, sobre os quais precisamos de manter cautela pois seus autores possuem interesses comerciais em produtos vendidos com a curcumina.

Dois deles são da autoria de Hiroshi Maruta, sobre o qual já comentei neste blog suas ideias sobre o uso de própolis nas neurofibromatoses (ver AQUI ).

O Dr. Maruta é sócio do Instituto NF Cure localizado na Austrália, que produz e vende produtos fitoterápicos à base de curcumina e outras ervas. Dr. Maruta apresenta suas ideias sobre uma causa única para as mais variadas doenças, misturando num pacote estranho e confuso o diabetes, as neurofibromatoses, a asma, a artrite, a epilepsia, a depressão, as infecções viróticas, a esquizofrenia, a dificuldade de aprendizado e etc. e promete tratar todas elas com seus produtos comerciais.

Mais uma vez, penso que o Dr. Maruta busca lucrar com o desespero das pessoas em busca de uma cura para as NF com dois novos artigos envolvendo a curcumina (ver AQUI e AQUI). Sinceramente, não creio ser possível confiar nas afirmativas do Dr. Maruta, pois ele nunca apresenta resultados de estudos cientificamente controlados.


Um último estudo que encontrei no PubMed, que menciona a curcumina relacionada com as NF, foi publicado por um grupo de cientistas sob a coordenação de Razelle Kurzrock, do Departamento de Investigação de Terapias para o Câncer, do Anderson Cancer Center, localizado em Houston, Texas, nos Estados Unidos (ver o artigo completo AQUI).

Este estudo do grupo de Kurzrock foi realizado com cultura de tecido criado a partir de células com mutação para o gene NF2 e os autores encontraram que a curcumina adicionada a um inibidor da formação da proteína do estresse induzida pelo calor (HSP70) reduziu o crescimento das células tumorais.

O estudo também observa que a biodisponibilidade (capacidade de uma substância atingir os tecidos alvo) da curcumina comercializada atualmente ainda é um fator limitante para seu uso em seres humanos e que novos produtos estão sendo testados para superar este problema. Curiosamente, o Dr. Kurzrock possui uma patente e recebe rendimentos dos lucros gerados pelas vendas de um produto que pretende exatamente resolver esta dificuldade.

Em resumo, apesar destes poucos resultados positivos da curcumina em estudos de laboratório, ainda estamos distantes do momento em que poderemos recomendar o seu uso em seres humanos com a segurança de que estaremos prescrevendo um medicamento eficiente.

“Boa noite doutor, gostaria de saber se tem alguma contraindicação em eu fazer cirurgia de silicone nas mamas, já fui em diversos cirurgiões e todos falaram que não tinha problema. E também se posso fazer criolipólise, me falaram que não tinha problema mas queria tirar essa dúvida. E o senhor atende convênio? Gostaria de me consultar com o senhor. ” G, de local não identificado.

Cara G., obrigado pelo seu contato. Busquei informações científicas sobre possíveis problemas de implantes de silicone em pessoas com neurofibromatoses, mas não encontrei qualquer estudo que tenha abordado esta questão.

Assim, não posso responder a você com segurança sobre as possíveis complicações de uma cirurgia de implante de silicone numa pessoa com NF.

Quanto à “criolipólise”, procurei saber do que se trata e descobri apenas dois artigos de revisão (ver AQUI e AQUI) em revistas de cosmética, que nos informam de que se trata de uma técnica de resfriamento de pequenas partes da pele que atingem o subcutâneo e talvez possam reduzir o acúmulo de gordura localizada durante algum tempo.

Mais uma vez, nada encontrei sobre o uso desta técnica nas pessoas com neurofibromatoses. Portanto, novamente não tenho como responder com segurança científica a sua pergunta.

É interessante notar que suas duas perguntas iniciais estão relacionadas com objetivos estéticos, que vão além da remoção de neurofibromas cutâneos ou outras complicações das neurofibromatoses, como geralmente acontece com as pessoas com neurofibromatoses que nos procuram. Creio que suas perguntas demonstram que o fato de possuir algum tipo de neurofibromatose não a impede de sonhar em atingir os padrões estéticos que têm sido estabelecidos em nossa sociedade.

Somente nos últimos 30 dias, duas pessoas próximas a mim tiveram que ser internadas em CTI por causa de embolia pulmonar como complicação (que não é rara) no pós-operatório de cirurgia plástica com finalidade estética. Uma delas veio a falecer e a outra continua internada, recuperando-se. Portanto, é compreensível que eu esteja ainda mais preocupado do que habitualmente em relação aos riscos cirúrgicos.

Então, quem faz a pergunta sou eu: será que vale a pena submetermos nosso corpo a procedimentos às vezes arriscados ou desconhecidos para tentarmos alcançar um ideal de beleza apenas para agradar os outros? Não seria uma forma triste de aceitarmos os padrões machistas de nossa sociedade, que são usados para nos convencer a consumir os produtos lucrativos da indústria da estética?

A terceira e última pergunta que me fez é a única que posso responder com segurança: nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais realiza atendimentos apenas pelo Sistema Único de Saúde, um serviço público que Dr. Nilton e eu prestamos como voluntários, pois somos ambos aposentados.

Para agendar uma consulta conosco, basta enviar um e-mail para adermato@hc.ufmg.br e trazer o seu cartão do SUS na primeira consulta.