Nos posts anteriores falamos sobre o possível excesso de diagnósticos de transtornos do comportamento, sobre o papel da família e da sociedade nestes transtornos e sobre a incerteza que existe nos manuais de diagnóstico de transtornos mentais.

Hoje concluímos nossa apresentação sugerindo algumas abordagens para as crianças com o TDDH.  Ainda não há um tratamento específico para esse transtorno, mas as sugestões dos Manuais  são:

  • A avaliação psicológica e psicoterapia deve ser a primeira abordagem da criança com suspeita de TDDH;
  • Os pais e mães (e quem mais for responsável por criar a criança) também devem participar de psicoterapia (para aprender a manejar seus próprios impulsos e raiva) e receber treinamento adequado para serem instrutores de suas crianças, e ajudarem no desenvolvimento do autocontrole e de manejos dos gatilhos que desencadeiam as crises;
  • A abordagem da hiperatividade com medicamentos pode ser útil, mas não é sempre eficaz (e nas crianças com NF1 a eficácia desses tratamentos é ainda menos estabelecida cientificamente: ver um estudo aqui e outro aqui).
  • Não há ainda estudos científicos que justifiquem o uso de estimulantes do sistema nervoso (por exemplo, metilfenidato) associados a antipsicóticos (risperidona, por exemplo).

Por fim, mas não por último, todas estas medidas serão pouco eficientes se não transformarmos a estrutura familiar, a escola e a sociedade num mundo com menos competição, menos foco em obediência e mais guiado pela felicidade humana e não pelo lucro e produtividade.

Crianças e adolescentes precisam de liberdade sem medo, de corpos e mentes livres, pelo menos um pouco longe das telas e das redes sociais, com atividades físicas lúdicas e prazerosas. Precisam também de alegria de viver e de esperança num futuro melhor, em um mundo menos desigual, mais justo e inclusivo.

Há muitos movimentos, de grupos da sociedade que estão preocupados com o futuro, que podem nos ajudar a mudar nossas ações hoje, apontando novos caminhos, como o Movimento Desconecta (https://www.movimentodesconecta.com.br/), o Movimento Infância Livre de Consumismo (https://milc.net.br/) e a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável (https://alimentacaosaudavel.org.br/).

E nós, pais e mães dos tempos atuais, precisamos encontrar mais leveza e mais alegria na nossa convivência em família e na educação de nossos filhos e filhas, pois eles crescem rápido demais, especialmente se estivermos muito ocupados trabalhando, alheios ao presente, muito distraídos pelos nossos celulares e muito preocupados com o futuro adulto que um dia eles serão (veja um livro interessante sobre gestão do tempo aqui https://a.co/d/8DvIxR6).

Talvez, nesse novo mundo, que podemos construir com as ações de hoje e de cada dia, serão mais raras as crianças e adolescentes (e talvez os adultos) com TDDH, depressão, TDAH, TOD etc… ?

Dra. Luiza De Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo C. Rodrigues

Agradecemos as leituras atentas e sugestões de Fabiana Amélia Reis Pantuzza, Felipe Pantuzza Santana , Maria Helena Rodrigues Vieira, Marcos Vinícius Soares Vieira e Rafael Cosenza.

 

Nos posts anteriores falamos sobre o possível excesso de diagnósticos de transtornos do comportamento, sobre o papel da família e da sociedade nestes transtornos e sobre a incerteza que existe nos manuais de diagnóstico de transtornos mentais.

Com estas perguntas em mente, vamos tentar compreender melhor o Transtorno Disruptivo de Desregulação do Humor (TDDH) (ver artigo aqui em inglês), a partir da leitura de uma revisão sobre esse transtorno.

Lembramos que esta é uma revisão do tipo”narrativa” e não “sistemática” (quem desejar saber a diferença, veja aqui  o que isso quer dizer).

É importante ressaltar que, o Manual Americano de Desordens Mentais (DSM) agrupou o (TDDH) junto com os transtornos do humor (dentro do grupo de Transtornos Depressivos) e não com os transtornos do Neurodesenvolvimento (como o TDAH ou TEA) ou os Transtornos de conduta, disruptivos e de controle de impulsos (como o TOD).

O diagnóstico do TDDH pode ser feito a partir dos critérios apresentados na tabela abaixo.

 

Tabela  – Sinais e sintomas para o diagnóstico de Transtorno Disruptivo de Desregulação do Humor (American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5 edição, Washington, DC, 2013).

  • Surtos frequentes e graves de raiva (verbais ou comportamentais) desproporcionais à provocação.
  • Os surtos são inadequados para a idade da criança.
  • Ocorrem 3 ou mais vezes por semana.
  • O comportamento habitual entre os surtos é continuamente irritado ou raivoso a maior parte do dia, quase todos os dias e são percebidos por outras pessoas.
  • Este problema tem duração maior que 12 meses, sem intervalo..
  • Estes comportamentos estão presentes em dois ou mais destes ambientes: em casa, na escola e com crianças da mesma idade) e são graves, pelo menos em um destes ambientes.
  • O início dos problemas está presente desde antes dos dez anos de idade.
  • O diagnóstico não é feito antes dos 6 e nem depois dos 18 anos.
  • Sintomas de comportamento bipolar típico (mania ou depressão) não duram mais do que um dia.

Observação: para se fazer o diagnóstico de TDDH, a criança não pode apresentar outros diagnósticos já definidos, como depressão grave, distimia, transtorno no espectro do autismo, desordem de estresse pós-traumático, desordem de ansiedade de separação, transtorno bipolar, desordem explosiva intermitente ou transtorno desafiador opositor e os sintomas não são decorrentes de efeitos de uso de drogas ou problemas neurológicos.

 

Lembrar que os sintomas de TDDH podem estar presente em outros problemas, por exemplo: com o diagnóstico de transtorno depressivo maior (TDM), transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtorno de conduta (TC) e transtorno por uso de substância (TUS). Aliás, o manual informa que é raro o diagnóstico isolado dessa condição.

Quantas crianças têm TDDH?

Como o transtorno só foi descrito recentemente, as informações não são muito precisas. Por exemplo, há relatos de que poderia estar presente em 1 a cada 100 crianças na população em geral, mas poderia acontecer em até 1 em cada 4 crianças atendidas por problemas de comportamento.

O que causa o TDDH nas crianças?

Ainda não sabemos exatamente. Os estudos genéticos ainda não encontraram hereditariedade definida, embora a presença de outras doenças mentais na família poderiam contribuir para o aparecimento do TDDH.

Ainda não foram realizados muitos estudos específicos (incluindo ressonância magnética funcional) em crianças classificadas com o TDDH. Dados preliminares sugerem que há uma resposta excessiva aos estímulos emocionais numa parte do cérebro chamada “amígdala”. Por exemplo, uma expressão facial neutra pode ser interpretada como sendo agressiva pela criança com transtorno de humor importante (ver estudo sobre isso aqui).

 

Amanhã, concluiremos nossa apresentação apresentando sugestões para o tratamento das crianças com o possível TDDH.

 

Dra. Luiza De Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo C. Rodrigues

Agradecemos as leituras atentas e sugestões de Fabiana Amélia Reis Pantuzza, Felipe Pantuzza Santana , Maria Helena Rodrigues Vieira, Marcos Vinícius Soares Vieira e Rafael Cosenza.

 

 

 

Nos posts anteriores falamos sobre a possibilidade de excesso de diagnósticos e sobre o papel das famílias e da sociedade nos transtornos mentais das crianças.

Hoje, vamos falar sobre os manuais internacionais de doenças mentais (DSM), que apresentam muitos rótulos para doenças que se confundem nos limites, porque os sintomas são parecidos.

Por exemplo, o Transtorno Disruptivo de Desregulação do Humor (TDDH) apresenta sintomas semelhantes ao Transtorno no Espectro do Autismo (TEA), ao Transtorno Bipolar (TBP) e ao Transtorno Opositor Desafiador (TOD).

Assim, são muitos rótulos e muitas “patologias” com sintomas em comum, com critérios diagnósticos que se confundem e com tratamentos medicamentosos semelhantes: estimulantes do sistema nervoso, antipsicóticos e estabilizadores do humor.

Qual é a verdadeira utilidade de separar os comportamentos das crianças em tantas caixas diferentes porém tão parecidas?

Se elas tivessem causas diferentes e bem conhecidas, as quais pudessem ser tratadas diretamente, poderia fazer sentido separá-las. Mas, a medicina ainda não sabe completamente a causa da maior parte dessas “doenças” e estamos, em geral, tratando somente os sintomas, com os mesmos “remédios”.

Algumas “novas” doenças mentais são mais divulgadas que outras, e parecem ser justamente aquelas tratadas com um medicamento caro (ver aqui nossas dúvidas sobre a indústria farmacêutica).

Inclusive, um dos principais autores do artigo de revisão do TDDH, que comentaremos a seguir, é justamente um psiquiatra que tem ligações profissionais com indústrias que produzem o medicamento metilfenidato, utilizado para ajudar a tratar os sintomas de hiperatividade e desatenção. Portanto, poderia haver interesse pessoal dele em promover o tratamento medicamentoso das crianças com este medicamento?

Amanhã continuaremos nossa discussão sobre problemas de comportamento em nossas crianças, abordando o novo diagnóstico denominado TDDH.

 

Dra. Luiza De Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo C. Rodrigues

Agradecemos as leituras atentas e sugestões de Fabiana Amélia Reis Pantuzza, Felipe Pantuzza Santana , Maria Helena Rodrigues Vieira, Marcos Vinícius Soares Vieira e Rafael Cosenza.

 

Ontem iniciamos nosso debate sobre transtornos de comportamentos nas crianças e discutimos se estamos vivendo um excesso de diagnósticos de problemas de comportamento.

Hoje, continuamos este assunto perguntando: é possível avaliar a saúde mental das crianças sem envolver sua família e sem levar em conta sua história de vida e a sociedade na qual elas vivem?

Como se diz, é preciso uma vila inteira para criar uma criança.

Sabemos que as doenças mentais são resultado de situações genéticas, sociais, econômicas e históricas. Assim, talvez essas “novas doenças” das crianças sejam um dos resultados das formas de viver que temos adotado, com mais competição, individualismo e todas as pessoas sequestradas pelas telas e redes sociais.

Talvez as crianças estejam percebendo e reagindo subconscientemente à insegurança de um mundo a caminho da crise climática (elas vêem as enchentes trágicas!), com aumento das desigualdades sociais, com menor oportunidade de emprego e ameaçado por guerras nucleares. Será que o caminho para entendermos os problemas de comportamento das crianças pode ser outro, que as ajude a compreender melhor a realidade difícil que estamos vivendo?

É possível esperarmos dos consultórios de neuropediatria e neuropsicologia uma abordagem mais fenomenológica, considerando o comportamento da criança dentro do seu contexto afetivo, familiar e social?

Quem sabe esta abordagem será mais útil, tanto para compreender quanto para tratar os sintomas da desorganização emocional e os transtornos do desenvolvimento das crianças?

Abordagens que incluam olhares mais amplos, para outras formas de lidar com as dificuldades das crianças, assumindo para nós mesmos, enquanto sociedade (família, amigos e amigas, médicos e médicas, escola), a responsabilidade de transformar o entorno da criança em um lugar mais generoso, aberto e divertido, ao invés de somente tentarmos encaixá-la no comportamento que se espera dela.

Amanhã continuaremos a falar de transtornos do comportamento infantil e abordaremos os “rótulos” que têm sido dados às nossas crianças pela medicina e pela psicologia.

 

Dra. Luiza De Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo C. Rodrigues

Agradecemos as leituras atentas e sugestões de Fabiana Amélia Reis Pantuzza, Felipe Pantuzza Santana , Maria Helena Rodrigues Vieira, Marcos Vinícius Soares Vieira e Rafael Cosenza.

 

 

 

 

 

Muitas crianças com NF1 apresentam dificuldades de aprendizado e de comportamento, o que tem merecido nossa atenção, e por isso disponibilizamos uma cartilha sobre este assunto (ver aqui).

Entre os problemas de comportamento, algumas crianças apresentam uma mistura de “mal humor (irritabilidade crônica), desatenção, hiperatividade, surtos de agressividade (verbal ou física) e comportamento desafiador e opositivo, com desobediência e teimosia frequentes”.

Uma destas famílias perguntou-nos se este conjunto de comportamentos seria o Transtorno Disruptivo de Desregulação do Humor (TDDH), um diagnóstico incluído nos manuais psiquiátricos internacionais desde 2013.

Se uma criança está apresentando esses sintomas de forma frequente e intensa, prejudicando o seu bem estar e a integração social, é importante uma avaliação clínica e psicológica para orientar a criança, sua família, a escola e demais pessoas envolvidas.

No entanto, antes de avançarmos na descrição deste novo diagnóstico, queremos levantar 3 perguntas importantes, que discutiremos hoje e nos próximos dias.

 

 

A primeira delas é: será que há um excesso de “diagnósticos” de problemas de comportamento em crianças?

Será que estamos diagnosticando em excesso o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o Transtorno no Espectro do Autismo (TEA), o Transtorno Desafiador Opositor (TOD), entre outros? (ver aqui um texto sobre isso: está em inglês, mas o tradutor automático do seu navegador de internet pode ser usado).

Há crianças, adolescentes e adultos que, de fato, têm comportamentos que prejudicam sua vida em sociedade (na família, com amigos e amigas, na escola, no trabalho etc.), algumas delas com graves problemas psiquiátricos e neurológicos. Estas pessoas precisam ser compreendidas e tratadas adequadamente, inclusive aquelas com NF1.

Mas, pode estar havendo também um excesso desses diagnósticos, que “explicam” as coisas, que acham uma “causa” (ou um responsável) e oferecem a possibilidade de um “tratamento” (especialmente medicamentoso).

É sobre esses excessos que nós nos interrogamos.

Há profissionais da educação que consideram que o sistema educacional onde estão nossas crianças é organizado para preparar pessoas dóceis e obedientes, para serem os futuros trabalhadores, a serviço da manutenção do funcionamento da nossa sociedade como nós a conhecemos, ou seja, para dar continuidade ao modo de produção no sistema capitalista (ver aqui).

Nesse tipo de escola, prefere-se a obediência, a instrução tecnológica e a restrição dos corpos do que a liberdade e a criatividade cultural. Assim, neste sistema de educação, as crianças mais ativas, independentes, autônomas, que precisam aprender também com a inteligência do corpo (como os atletas), podem ser percebidas como desobedientes, desafiadoras e hiperativas (ver aqui).

Se a obediência for o objetivo da educação (e achamos que ela não deveria ser), a desobediência então se torna um problema. Pense bem: quando você diz a uma criança, por exemplo, para ela calçar seus sapatos (para vocês saírem de casa), e ela se recusa, o objetivo real não é que ela te obedeça, e sim que ela calce os sapatos. Mas nós brigamos com a criança porque ela não nos obedece e deixamos de tentar outras maneiras diferentes de se conseguir esse mesmo objetivo.

Será que um pouco do excesso de diagnósticos médicos e psicológicos vem daí? Pois “tratar” algum “transtorno” nestas crianças seria mais “fácil” do que mudarmos o sistema de ensino das nossas sociedades ou a maneira como criamos nossos filhos e filhas?

Amanhã continuaremos este assunto, lembrando o papel da família nos transtornos de comportamento das crianças.

 Dra. Luiza De Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo C. Rodrigues

Agradecemos as leituras atentas e sugestões de Fabiana Amélia Reis Pantuzza, Felipe Pantuzza Santana , Maria Helena Rodrigues Vieira, Marcos Vinícius Soares Vieira e Rafael Cosenza.

 

 

Opinião pessoal

 

O colega oncologista Dr. Geraldo Felício enviou-nos gentilmente o mais novo artigo internacional sobre possíveis tratamentos para o chamado Tumor Maligno da Bainha do Nervo Periférico (TMBNP) – (ver aqui o artigo completo em inglês). 

Nas pessoas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1), sabemos que 8 a 13% dos neurofibromas plexiformes (NP) difusos e nodulares se transformam num TMBNP e isto se torna um motivo de grande preocupação por causa da agressividade desse tumor. 

Esta revisão está de acordo com outras informações já fornecidas neste site (ver aqui ) e ela mais uma vez indica que o TMBNP é muito agressivo (se expande rapidamente, invadindo outros tecidos e dando metástases) e, mesmo tratado, é recidivante em cerca de metade dos casos. 

A volta do tumor geralmente provoca a morte da maioria dessas pessoas em 5 anos depois de diagnosticado o TMBNP, apesar da cirurgia, radioterapia e quimioterapia

Portanto, é mais do que urgente a procura de tratamentos mais eficazes para o TMBNP.

É o que diz também o artigo acima, escrito a partir de revisão da literatura por um grupo de médicas e médicos, quase todas e todos comprometidos financeiramente com diferentes laboratórios farmacêuticos (verifique na declaração de conflitos no próprio artigo), o que nos preocupa (ver aqui nossas restrições aos estudos financiados pelos fabricantes dos medicamentos que estão sendo testados). 

O artigo compara diversos medicamentos que estão sendo testados nas pessoas com NF1 e TMBNP, que foram submetidas à cirurgia e os tumores voltaram. Autoras e autores sugerem que o resultado mais favorável (9 pessoas estáveis em 21 tratadas) foi uma combinação de selumetinibe com sirolimus (com o propósito de inibir duas vias metabólicas celulares: mTOR e MEK), mas o estudo final ainda não foi publicado. 

Seria apenas uma coincidência que o medicamento selumetinibe seja justamente aquele fabricado pelo laboratório que tem relações comerciais com a principal autora e outros colaboradores?

 

Sim, caro Dr. Geraldo Felício, é mais do que urgente o estudo de tratamentos mais eficazes para o TMBNP que sejam realizados por entidades públicas sem financiamento da indústria de medicamentos. 

Obrigado pelo artigo.

Dr Lor

 

 

Uma leitora deste blog (A.M.S. de São Paulo) pergunta porque a AMANF e o CRNF decidiram não aceitar financiamento ou patrocínio de laboratórios fabricantes de medicamentos para nossas pesquisas, eventos ou divulgação.

Temos duas fortes razões para isso.

A primeira, é chamada de regra de ouro: cientistas devem ter o compromisso de buscar os fatos, mesmo que a verdade sobre determinado assunto seja contra a opinião ou o desejo de quem estuda aquela questão. Por exemplo, apesar de todo nosso desejo de encontrarmos um tratamento que diminua ou cure os neurofibromas, temos que analisar com cuidado ético e estatístico os resultados do uso de qualquer tratamento ou droga, para saber se realmente beneficiam as pessoas.

A segunda regra é a do ouro: quem financia um estudo pode modificar nosso comportamento para beneficiar seus interesses. Em outras palavras, é muito difícil para qualquer pessoa se convencer de uma ideia que pode diminuir seu lucro ou salário.

Por isso, quase sempre as indústrias de medicamentos e outras grandes empresas influenciam a maneira como são planejados e analisados os estudos científicos financiados por elas, de forma que seus resultados e conclusões beneficiem os lucros de quem está pagando os cientistas ou seus laboratórios e universidades.

Quem quiser conhecer mais sobre esta grave situação deve ler o livro “O triunfo da dúvida”, do epidemiologista David Michaels, que mostra como as BIG indústrias (tabaco, petróleo, alimentos, medicamentos, mineradoras, agronegócio, comunicação etc.) promovem o negacionismo corrompendo a ciência e a democracia e com isso garantem seus lucros sem se importar com o fato de que suas ações (no duplo sentido) nos levam para a catástrofe climática.

E observem que David Michaels ele não é nenhum anticapitalista, pois foi secretário da Agência de Segurança e Saúde Ocupacional nos governos de Barack Obama.

Por isso, cara leitora, a AMANF e o CRNF não aceitam relações comerciais com fabricantes de medicamentos, pois está bem demonstrado que a verdade sobre a eficiência de tratamentos médicos somente pode ser verificada em estudos financiados de forma independente da indústria, ou seja, com recursos públicos e transparentes.

 Dr. Lor

 

 

Nesta semana recebi duas informações sobre resultados promissores de terapia gênica em seres humanos para três doenças genéticas até agora incuráveis.

A primeira informação veio no New England Journal of Medicine, mostrando o processo de cura de pessoas com anemia falciforme e talassemia (ver aqui artigo em inglês: “Benvindo à era da terapia gênica em medicina” ).

A outra informação foi enviada pela amiga Dra. Luciana Imaculada de Paula, uma reportagem do jornal Estado de Minas, mostrando a cura de um tipo de surdez hereditária com a terapia gênica (ver aqui o artigo em português ).

Além disso, a amiga Ieda Bussman informou que a ANVISA liberou recentemente o primeiro tratamento gênico para uma forma de hemofilia (ver aqui) e a Dra. Vanessa Waisberg informa que em oftalmologia a terapia genica também parece promissora para algumas doenças genéticas em especial a neuropatia óptica de Leber (ver aqui).

A reação natural de muitas pessoas é perguntar: e quando esta terapia estará disponível para pessoas com NF1 e Schwannomatoses?

Sou apenas aprendiz desse tipo de terapia, então quando surgiu o assunto pela primeira vez em nosso meio, pedi a uma especialista, Dra. Cinthia Vila Nova Santana, que nos explicasse o processo todo e respondesse à pergunta acima. Publicamos suas opiniões, que foram revisadas em 2021 (ver aqui).

Por enquanto, as respostas da Dra. Cinthia ainda me parecem satisfatórias para este novo momento de entusiasmo.

Dr Lor

 

Como pai e médico de pessoas com NF1, meu coração dispara de esperança sempre que surge alguma notícia em revistas científicas sobre a possibilidade de novos tratamentos, inclusive para os neurofibromas cutâneos que tanto sofrimento causam nas pessoas e suas famílias.

Foi assim hoje, quando recebi o artigo publicado na revista Science Advances na semana passada (ver aqui o artigo completo em inglês: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38691597/ ) intitulado “Efeito do Inibidor MEK NFX-179 sobre neurofibromas cutâneos em pessoas com neurofibromatoses do tipo 1”, de autoria de Kavita Y. Sarin e colaboradores.

Já comentamos sobre este medicamento NFX-179 em novembro de 2023 e mantenho nossas conclusões anteriores (ver aqui: https://amanf.org.br/2023/11/um-gel-para-reduzir-os-neurofibromas-cutaneos/ ).

Esta nova publicação provavelmente defende os interesses da indústria NFlection Therapeutics, porque 12 dos 17 autores do artigo publicado na Science Advances declaram que trabalham,  trabalharam, são ou foram consultores remunerados do fabricante do medicamento.

Com este alerta em mente, o que significam estes novos resultados apresentados?

A autora e colaboradores trazem informações que consideram importantes:

  • O medicamento na forma em gel penetrou no neurofibroma e reduziu a atividade da via metabólica que está hiperativa por falta da neurofibromina nas pessoas com NF1 e a redução do tumor foi relacionada com a penetração do medicamento e sua ação na via metabólica;
  • Com 28 dias de tratamento, a concentração de 0,5% do medicamento produziu redução de cerca de 50% dos tumores em 1 em cada 5 pessoas.
  • Pouco medicamento passou para a circulação sanguínea e não houve efeitos colaterais locais importantes.

Ponto 1. O medicamento funcionou como esperado no metabolismo dos tecidos retirados do corpo.

Esta resposta demonstra o potencial efeito terapêutico dos inibidores MEK, que já vem sendo observado em outros estudos.

Ponto 2. O tratamento por 28 dias foi capaz de produzir efeitos, sugerindo que mais tempo de tratamento seria ainda mais eficiente.

Esta conclusão ainda é apenas uma hipótese, mas fico intrigado porque não estudaram por mais tempo, uma vez que a pesquisa foi realizada de agosto de 2020 a abril de 2021?

Ou estudaram por mais tempo e os resultados não foram diferentes?

Por que publicaram os resultados apenas agora, 3 anos depois?

Outra dúvida é: por que usaram a dosagem de 0,5% se no estudo anterior a dose que produziu o melhor efeito foi 1,5% (redução em 44,2% comparada com 34,8% da concentração menor de 0,5%)?

Novamente, a indústria não divulgou o tamanho médio dos neurofibromas estudados, mas temos  observado que o tamanho médio da maioria deles é em torno de 3 a 5 mm de diâmetro. Como nenhum neurofibroma desapareceu completamente, o que teria sido comemorado no relato da indústria, um neurofibroma médio de 5 mm tratado com o NFX-179 passaria a ter cerca de 2 a 3 mm depois do tratamento. Diante desse resultado, nossa pergunta é se é possível a gente distinguir a olho nu esta diferença de 2 a 3 mm e se isto impactaria a aparência das pessoas com NF1 e sua qualidade de vida.

Ponto 3. Sem efeitos colaterais locais ou sistêmicos.

Isto é uma boa notícia, mas este estudo foi realizado com poucas pessoas, apenas 47 pessoas com NF1 distribuídas em vários centros de investigação nos Estados Unidos e novamente é um número pequeno de voluntários em cada clínica, o que dá margem a certos problemas.

Estudos realizados por consórcios (multicêntricos) são considerados de baixa qualidade científica (ver sistema GRADE) pois os critérios diagnósticos e os métodos de medida dos neurofibromas podem variar muito de uma clínica para outra.

 

Em conclusão, mais uma vez, apesar destas limitações, achamos que estes resultados com o NFX-179 justificam novas pesquisas, com um número maior de pessoas, para termos a segurança de que estes primeiros resultados não aconteceram por acaso e que o medicamento deve funcionar bem na maioria das pessoas.

 

Continuamos com o coração acelerado na esperança de que um dia este medicamento futuro estará acessível a toda a população com NF1.

Dra. Juliana Ferreira de Souza

Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Dr. Nilton Alves de Rezende

Dr. Bruno Cézar Lage Cota

Rosangela Milena da Silva tornou-se Mestra em Psicologia e Saúde pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto em São Paulo e acaba de publicar os resultados de sua pesquisa na revista “Contribuciones a las Ciencias Sociales” com o título: Neurofibromatose: mapeamento de associações, instituições e serviços existentes no Brasil (clique aqui para ver o artigo).

 

Para seu estudo, Rosangela contou com a colaboração e orientação de Nelson Iguimar Valerio, Eny Maria Goloni-Bertollo, Maria Jaqueline Coelho Pinto e Randolfo dos Santos Junior, docentes da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto.

 

Antes de tudo, em nome da AMANF, venho parabenizar Rosangela Milena da Silva e colaboradoras e colaboradores pela iniciativa de estudarem esta questão, pois precisamos conhecer a realidade das pessoas com NF de forma objetiva para podermos elaborar políticas públicas de saúde para esta população.

 

O estudo mostrou que pelo menos dez instituições no Brasil relataram atender ou prestar apoio a pessoas com neurofibromatoses, embora não tenha ficado claro para mim se os números de atendimentos se referem apenas a atendimentos clínicos a pessoas com NF ou aos atendimentos em geral naquela instituição. Outra dúvida é se os atendimentos relatados consideram a nova classificação do que antes chamávamos de “neurofibromatoses” (ver aqui texto esclarecendo esta questão).

 

De qualquer forma, estas dúvidas não diminuem o mérito do estudo e os resultados das entrevistas realizadas com representantes das instituições indicaram grandes diferenças no atendimento clínico, especialmente quanto à disponibilidade de recursos. Por questões consideradas éticas pelos autores e autoras, não foram identificadas as instituições de atendimento e associações de portadores, o que pode limitar as pessoas e familiares com NF que desejam encontrar, a partir deste estudo, a assistência que precisam mais próxima a suas residências.

Quem desejar mais informações sobre este assunto, entrar em contato com a Rosangela pelo e-mail: rmila2303@hotmail.com

O trabalho de Rosângela e equipe concluiu que é importante “ampliar e promover iniciativas que melhorem o atendimento das pessoas e suas famílias, visando a uma abordagem integral para essas condições complexas. Entretanto, para garantir atenção e cuidados igualitários e qualificados, é urgente a necessidade  de  direcionamentos  específicos,  tanto  públicos  quanto  privados,  para  abordar  a escassez de profissionais de saúde com conhecimento em doenças raras e a dificuldade de acesso a   serviços   e   recursos   tecnológicos,   essenciais   para   diagnósticos   e   tratamentos   precisos adequados”.

Estamos de acordo.

De nossa parte, reafirmamos todos os dias este caminho, que vem sendo construído há 20 anos pela AMANF e pelo Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Muito obrigado pela sua contribuição para nossa comunidade, Rosangela.

Dr. Lor

Diretor Administrativo