A NF Midwest lançou um folheto (em inglês) para profissionais da saúde. Seu conteúdo é bastante explicativo para facilitar o diagnóstico e acompanhamento das pessoas com NF1. Ver aqui: http://www.nfmidwest.org/wp-content/uploads/2012/10/Information-for-Medical-Professionals-2017.pdf

 

Muitas famílias que acessam este blog ainda permanecem com algumas dúvidas sobre as manchas café com leite e outras manchas cutâneas. O e-mail abaixo, enviado por S. de local desconhecido, é um exemplo desta situação e por isso vou tentar responder uma a uma as questões que ela nos trouxe e me autorizou a divulgar neste blog. Leia mais

“Tenho um filho de 6 anos com 4 manchas e outro de 5 meses com 2 manchas desde o nascimento, ambos sem qualquer outro sinal de NF1. Eu sou branca, italiana, mas meu marido tem a pele escura, pois é de origem indiana. Dois médicos aqui em Ruanda e na Itália, disseram que não se trata de NF1 e que a diferença na cor de nossa pele é a causa destas manchas em nossos filhos. Isto é verdade? ” Mensagem em inglês de LF, de Ruanda, África.


Cara L, obrigado pela sua pergunta.
Esta informação, de que a diferença na cor da pele dos pais poderia causar manchas café com leite nos filhos, circula entre pessoas de várias partes do mundo, pois já a ouvi de médicos no Brasil, nos Estados Unidos, na Inglaterra[1] e agora você me fala dos médicos na África e na Itália.

Primeiramente, preciso deixar bem claro que as manchas café com leite típicas da neurofibromatose NÃO SÃO CAUSADAS pela possível diferença de cor da pele entre os pais, inclusive este esclarecimento já consta de nossa cartilha “As manchinhas da Mariana” (ver AQUI).

No entanto, esta ideia, de que o casamento entre pessoas com diferenças na cor da pele possa causar problemas de saúde, precisa ser melhor compreendida.

Este conceito, que considero equivocado parece-me pertencer às ideias de “pureza racial”, de que existiriam “raças” humanas e que algumas seriam melhores e outras piores e que o casamento (ou a reprodução) entre pessoas de cor de pele diferente levaria a uma “degeneração” da espécie humana. Ver o excelente filme “Loving”, que mostra como a luta de um casal nesta situação levou a mudanças nas leis racistas norte-americanas (ver o trailer AQUI).

Infelizmente, estas ideias de fundo racista continuam a ser defendidas por muitas pessoas, apesar de todas as evidências científicas de que não existem raças humanas no sentido biológico. O que existem são diferenças no campo das ideias, dos costumes, da língua, da música, ou seja, diferentes culturas entre populações que se originaram em regiões climáticas distintas (sobre isto, veja a excelente palestra da socióloga Dorothy Roberts AQUI).

Atualmente (2021), penso que não existem raças biológicas, mas existe racismo, ou seja, os preconceitos contra pardos e pretos (negros) causa profunda desigualdade e injustiça social. Portanto, o problema social é mais importante do que o conceito biológico. O racismo discrimina, fere e mata. Ver aqui um texto sobre quando nos tornamos racistas.

A pele ficou diferente entre populações geográficas distantes entre si porque a maior ou menor exposição destas antigas populações à luz do sol fez com que a espécie humana (sem raças) se tornasse mais ou menos pigmentada para proteger sua saúde. Assim, em regiões de muita radiação ultravioleta, a pele mais escura protege uma vitamina importante no desenvolvimento neurológico, o ácido fólico; ao contrário, em regiões de pouca radiação ultravioleta, a pele mais clara permite a síntese de outra vitamina fundamental no desenvolvimento ósseo, a vitamina D.

Desta forma, as pessoas com pele mais pigmentada tiveram filhos mais saudáveis nos ambientes com muita radiação solar, enquanto as pessoas com pele mais clara tiveram filhos mais saudáveis em ambientes com pouca radiação solar. Ao longo de milhares de anos foram sendo selecionadas populações com diferentes cores de pele para cada uma das regiões climáticas do planeta.

Isto nada tem a ver com calor, nem mesmo com o câncer mais perigoso de pele, o melanoma, que não depende de exposição ao Sol. Também nada a ver com inteligência, caráter ou comportamento. São peles diferentes apenas pelos motivos evolutivos acima descritos. No entanto, a cor da pele tem servido para explicações racistas de afirmam que existem pessoas superiores e pessoas inferiores, explicações estas que são usadas para justificar a escravidão e a exploração das classes econômicas dominantes sobre o restante da população.

Assim, mais luz solar, pele negra; menor luz solar, pele branca. E se o casamento (ou a reprodução) acontecer entre pessoas de pigmentação diferente de pele, então múltiplas e maravilhosas variações na cor da pele surgem e aumentam a diversidade humana, que é a fonte principal de nossa riqueza, inclusive para nossa sobrevivência como espécie (ver o excelente livro de Pascal Picq AQUI ).

Ou seja, no casamento entre pessoas de diferentes cores de pele não há qualquer prejuízo à saúde dos filhos. Ao contrário, haverá maior diversidade biológica, fonte da resistência aos desafios do meio ambiente, ou seja, mais saúde.

Mas a sua pergunta ainda existe: nestes casamentos podem aparecer pequenas manchas atípicas?

Não encontrei qualquer estudo científico que tenha comprovado ou afastado esta ideia. No entanto, atendemos em nosso Centro de Referência uma população formada por cerca de um terço de genes de origem africana, um terço de origem indígena e um terço de origem europeia. Ou seja, somos uma população mestiça, onde há maior chance de casamento entre pequenas variações de cor da pele do que entre os extremos da pigmentação.

Portanto, para responder sua pergunta, teríamos que realizar um estudo científico adotando alguma das classificações de cor da pele e sair investigando todas as pessoas que se casam com outras de cor diferente para saber se em seus filhos aparecem ou não mais manchas cutâneas do que no restante da população. Vamos supor que o resultado mostrasse que sim, que haveria mais manchas ocasionais, qual seria a utilidade deste enorme esforço para a saúde das pessoas?

Não vejo utilidade médica ou clínica nesta divisão das pessoas pela cor da pele, exceto para algumas poucas doenças (como anemia falciforme, por exemplo). Ao contrário, penso que se dermos importância exagerada à cor da pele, além de seus efeitos biológicos de proteção do ácido fólico e da vitamina D, podemos aumentar os preconceitos, o racismo e a cruel divisão social que já existe entre os seres humanos.

[1] Ferner, Huson & Evans: Neurofibromatosis in Clinical Practice, Springer, London, 2011 ver AQUI

 

Temos um motivo de esperança para começarmos o novo ano: foram publicados ontem no New England Journal of Medicine, uma das mais importantes revistas médicas do mundo, os resultados dos estudos pré-clínico (em camundongos) e de Fase 1 (com 24 crianças e adolescentes entre 3 a 18 anos) obtidos com um novo medicamento chamado SELUMETINIBE no tratamento de neurofibromas plexiformes (ver AQUI o artigo em inglês).

Sabemos que até hoje não dispomos de um tratamento eficiente para os neurofibromas plexiformes que atingem metade das pessoas com NF1 e geralmente são congênitos, ou seja, estão presentes desde o nascimento embora possam se tornar visíveis apenas depois dos primeiros meses ou anos de vida. Os plexiformes geralmente apresentam sua maior taxa de crescimento no começo da infância e depois podem permanecer estáveis.

Os plexiformes variam em tamanho e profundidade, podem ser pequenos ou grandes, alguns não causam sintomas, mas outros podem provocar deformidades, dor e problemas funcionais. Além disso, cerca de 1 em cada 5 deles, especialmente os mais volumosos e profundos, pode se transformar em tumor maligno. Portanto, os plexiformes constituem uma preocupação para as famílias que esperam ansiosamente por uma forma de tratamento além da cirurgia, a qual geralmente não apresenta resultados plenamente satisfatórios.

Por isso, há uma busca intensa entre os especialistas em NF por um tratamento medicamentoso para os plexiformes e foi isso que fez a equipe liderada pela Dra. Brigit Widemann, do Instituto de Pesquisa em Câncer Pediátrico de Bethesda nos Estados Unidos. A equipe iniciou em 2011 um estudo com o medicamento SELUMETINIBE produzido pelo laboratório farmacêutico Astra-Zeneca em camundongos e em crianças e adolescentes com plexiformes e apresentaram seus resultados ontem.

A equipe observou que depois do uso oral do SELUMETINIBE por cerca de um ano e meio, TODOS os plexiformes apresentaram alguma redução com o medicamento, que diminuíram entre 5% até 45% de volume na ressonância magnética, além de apresentarem menos dor, menos disfunção e deformidade. Estes resultados permaneceram estáveis cerca de um ano depois de concluída a fase experimental.

Segundo os pesquisadores, o medicamento foi bem tolerado pelas pessoas (alguns poucos casos de acne, sintomas intestinais, baixa de neutrófilos no hemograma e aumento da creatinofosfoquinase) e apenas uma redução transitória da função cardíaca de um dos voluntários.

Como acontece com toda pesquisa científica, tenho algumas dúvidas sobre o estudo. Primeiro, o tamanho (volume) dos plexiformes estudados variou de 29 ml (ou seja, pouco maior que uma colher de sopa) até 8744 ml (ou seja, um tumor do tamanho de uma criança de seis meses de idade). Será que a causa e o comportamento destes tumores são semelhantes o bastante para tirarmos conclusões parecidas sobre o efeito do medicamento?

 

Segundo, tenho receio de que a participação do laboratório farmacêutico Astra-Zeneca no fornecimento da droga, na análise dos resultados da dosagem sanguínea e na redação e submissão do artigo científico, possa ter influenciado de alguma forma a seleção dos voluntários, a exclusão de outros e a interpretação dos resultados. Sabe-se que os interesses financeiros da indústria farmacêutica fazem com que ela se comporte de forma criminosa muitas vezes.

No entanto, na minha opinião, este é o resultado mais promissor de todos os estudos que conheço que testaram medicamentos no tratamento de neurofibromas plexiformes, o que me traz esperança de que num futuro breve as Fases 2 e 3 da pesquisa com o SELUMETINIBE confirmem estes resultados iniciais e o medicamento possa se constituir numa recomendação de consenso internacional.

Até lá, bom ano novo para todas as famílias que juntas enfrentam as NF.

PS: Agradeço o desenho da Alice, minha neta, que ilustra este post.

“Tenho NF1, estou com 26 anos e vou me casar em breve. Existe um meio de garantir que meus filhos biológicos não venham com a doença? “ JR, de Natal, RGN.

 
Caro J, obrigado pela sua pergunta, que é de interesse comum.


Primeiramente, vamos lembrar que a chance de seu filho (ou filha) herdar a sua mutação é de 50% em cada gestação. Ou seja, há uma chance em duas do bebê nascer sem NF1, ou como tirar coroa na moeda jogada para o alto.

Para garantir que uma mutação que causa a NF1 não seja passada adiante numa gestação existem técnicas de reprodução humana assistida, ou seja, métodos desenvolvidos por equipes especializadas. Estes métodos permitem a seleção daqueles embriões que não contém a mutação para NF1 e a sua inseminação artificial. Como isto é feito?

De forma resumida, é o seguinte. O casal interessado procura os centros de reprodução assistida, onde a mulher receberá hormônios que irão estimular o amadurecimento de vários de seus óvulos de uma só vez. No momento certo estes óvulos são recolhidos e colocados em contado com os espermatozoides do parceiro para que haja a fecundação. Geralmente, mais de um óvulo é fecundado e alguns embriões são obtidos, mas ainda não sabemos quais deles têm o diagnóstico de NF1.

Três dias depois de formados os embriões, uma biópsia muito delicada é feita retirando-se apenas uma célula de cada embrião e esta célula é levada para análise do DNA. Aqueles embriões que não apresentarem a mutação para NF1 são transferidos para o útero da mulher, onde darão continuidade à gestação. Assim, temos a garantia de que os bebês concebidos por esta técnica não apresentarão a NF1.

Desde 2002 este método vem sendo aplicado em pessoas com NF1 e NF2, mas nem sempre funciona bem e ainda são relativamente poucos casos realizados na experiência mundial. 


Sua pergunta seguinte provavelmente é querer saber onde poderá realizar este procedimento, chamado de diagnóstico pré-implantacional (DPI).

No momento, no Brasil, o DPI é permitido por lei, embora haja pessoas que não o aprovam por questões éticas, com o receio de que ele venha a ser usado para excluir embriões femininos, por exemplo. Existem clínicas privadas brasileiras que realizam estes procedimentos em parceria com clínicas internacionais, as quais ficam responsáveis pela análise da mutação NF1 (ou NF2) no DNA a partir daquela única célula retirada do embrião. Não conheço nenhum serviço público no Brasil que esteja realizando o DPI para pessoas com neurofibromatoses.

Em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais temos adotado a busca por soluções públicas para os problemas e questões apresentados pelas pessoas com neurofibromatoses, ou seja, defendemos o fortalecimento do Sistema Único de Saúde.

Por isso, temos elaborado propostas na Associação Mineira de Apoio às pessoas com Neurofibromatoses (AMANF) direcionadas ao SUS, no sentido de que este serviço seja oferecido às pessoas com NF. Estamos nesta luta neste momento (2021).

 

 

Atualizado em 18/10/2021

“Ontem li uma reportagem que me deixou intrigado, falando da cura das doenças raras em um método chamado de CRISPR. … como curar a doença genética? Mudar todas as células da pessoa? Li alguns artigos. Bem, estou certo em pensar que quando se falam desta cura é a modificação genética, ainda como óvulo? Ou seja, não é possível fazer isso em adultos? Veja o link para a reportagem AQUI “. RLB de Coimbra, Portugal.

Caro R, sua pergunta é muito interessante e foi feita também por outras pessoas que leram este blog. Para responder com segurança sobre esta questão, convidei a doutoranda Cinthia Vila Nova Santana, que submeteu suas respostas ao seu orientador Renan Pedra de Souza, do Programa de Pós-Graduação em Genética do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Veja abaixo o que eles responderam.

Além disso, vejam a reportagem que foi publicada em 2018 Clicar Aqui

Veja também novas informações experimentais de 2021 CLIQUE AQUI

Cinthia e Renan também enviaram referências de artigos e livros sobre cada etapa do seu pensamento e elas estão disponíveis comigo para quem se interessar, basta solicitar por e-mail.

Cinthia – O desenvolvimento da técnica de DNA recombinante em 1970 marcou o início de uma era importante na Biologia. Pela primeira vez, pesquisadores foram capazes de manipular moléculas de DNA (ativando e desativando, ou seja, editando os genes – Figura ilustrativa acima), o que tornou possível o estudo de genes de interesse medicinal e biotecnológico. Desde então, muitos avanços aprimoraram as técnicas de biologia molecular, possibilitando o estudo dos genes não apenas isolados, mas também no organismo como um todo.

Muitas das ferramentas para edição do genoma são baseadas no princípio da complementariedade de bases: a base Adenina é complementar à Timina e a Citosina é complementar à Guanina. Isto possibilitou o desenvolvimento de técnicas para multiplicação de fragmentos de DNA (chamada de reação da polimerase em cadeia, PCR), permitiu o silenciamento de genes (knockout) ou diminuição da expressão gênica (knockin) e também inserção de mutações em um gene, por exemplo.

Apesar das tecnologias disponíveis, nem sempre se consegue a recombinação desejada. Além disso, o genoma de eucariotos (como nós, seres humanos) contém milhões de bases de DNA, tornando difícil a sua manipulação.

A fim de superar estes desafios, novas técnicas para edição do DNA são constantemente desenvolvidas e, recentemente, o sistema CRISPR-Cas ganhou merecida atenção. Apesar de descrito em 1987, este sistema foi somente empregado como ferramenta biotecnológica em 2012 e em 2013 já foi eleito um dos destaques do ano pela revista científica Nature.

LOR – Mas o que vem a ser esta nova técnica CRISPR-Cas?

Cinthia – CRISPR é uma sigla em inglês que significa: Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas.

Aparentemente é algo complicado, mas se analisarmos com atenção não é tão difícil quanto parece. Como o próprio nome indica, CRISPR trata de sequências de bases palindrômicas, assim como ARARA, que é uma palavra palindrômica, ou seja, pode ser lida de trás para frente sem mudar o sentido. Elas são curtas e agrupadas e se repetem com espaços regulares entre elas, por exemplo, a cada 20 nucleotídeos há uma repetição (Figura 2).


Figura 2: Representação do sistema CRISPR-Cas. Em azul mais à esquerda estão os genes associados a CRISPR (“cas genes”) e mais à direita, os losangos pretos representam as repetições (“repeat”), enquanto que os quadrados coloridos são os espaçadores regulares (“spacer”). A este conjunto dá-se o nome de locus da CRISPR (Figura adaptada de http://rna.berkeley.edu/crispr.html).

O sistema CRISPR-Cas foi primeiramente descrito em bactérias como um mecanismo de defesa contra vírus.

Esta defesa acontece da seguinte forma: durante uma infecção virótica, o DNA do vírus é liberado dentro da célula bacteriana e é integrado ao sistema CRISPR como um novo espaçador (como se fosse um dos quadrados coloridos da Figura 2) (Figura 3, estágio 1). A sequência CRISPR é então transcrita (isto é, a informação é passada de DNA para RNA) e processada para gerar os CRISPR RNAs (crRNAs), cada um codificando a informação de uma sequência espaçadora específica (Figura 3, estágio 2). Cada crRNA associa-se com uma proteína Cas que usa o crRNA como molde para silenciamento de elementos genéticos externos (Figura 3, estágio 3).

 
Figura 3: Mecanismo de ação do sistema CRISPR-Cas9. Conferir corpo do texto para maiores detalhes. Fonte: http://rna.berkeley.edu/crispr.html

Em resumo, com o uso do CRISPR, a bactéria consegue impedir que o vírus seja bem-sucedido em sua infecção através de modificações do material genético do vírus. 


Se quiser entender um pouco melhor sobre CRISPR-Cas9, veja o vídeo https://www.youtube.com/watch?v=2pp17E4E-O8.

LOR – Mas como um mecanismo de defesa bacteriano contra vírus pode se tornar uma ferramenta biotecnológica em seres humanos?
Cinthia – A resposta vem em duas partes. Primeiro, o processo de defesa acontece por alteração genética que é controlável, ou seja, teoricamente é possível decidir qual a alteração que será realizada no material genético.

Segundo, embora outras técnicas de mutação regulada (ou dirigida) sejam conhecidas, o sistema CRISPR-Cas9 é consideravelmente mais simples em relação às técnicas anteriores.

LOR – Então, a técnica CRISPR-Cas9 pode ser usada em seres humanos?

Cinthia – Esta hipótese está em teste. Resultados experimentais ainda preliminares indicam que grupos de poucas células podem responder a esta metodologia de maneira satisfatória, mas ainda não se sabe qual é o efeito do CRISPR em um ser humano. Várias das metodologias anteriores capazes de gerar alterações no código genético de maneira regulada mostraram-se funcionais em grupos de poucas células, mas sem efeitos no ser humano.

Até abril de 2016 já foram publicados cerca de 1.200 artigos científicos citando o sistema CRISPR-Cas9, segundo o site de pesquisas biomédicas PubMed (disponível no endereço eletrônico http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed).

Diversos estudos já utilizaram esta técnica para edição do DNA em linhagens celulares, plantas (trigo, arroz, tabaco), fungos, Drosophila, peixes (zebrafish), camundongos, sapos e até mesmo macacos, nas mais diversas aplicações: agricultura (aumentar resistência a pragas nas lavouras de trigo), reprodução de modelos de câncer em camundongos para estudos de vias biológicas e de efeitos de medicamentos, identificação de genes essenciais para viabilidade celular especialmente em câncer, alteração de mutações responsáveis por doenças genéticas em modelos experimentais.

No entanto, estudos em seres humanos são praticamente inexistentes e o principal foco dos estudos neste momento é entender melhor como certas características são determinadas.

LOR – E em relação às neurofibromatoses? Existe algum trabalho publicado?

Cinthia – Em pesquisa feita no site do PubMed com os termos “CRISPR neurofibromatosis” (em inglês), apenas dois estudos são exibidos: Shalem e colaboradores (2014) e Beauchamp e colaboradores (2015). Os dois trabalhos utilizam a técnica CRISPR para regular os genes NF1 e NF2, somente em modelos experimentais, novamente com o objetivo de compreender melhor o desenvolvimento da neurofibromatose.

LOR – A técnica CRISPR-Cas9 poderia ser usada para alterar as mutações nos genes das neurofibromatoses? Caso afirmativo, qual seria o tempo de expectativa?

Cinthia – O primeiro problema desta questão é conceitual. O que representaria alterar o código genético de um paciente com neurofibromatose, assumindo que isto fosse possível? Seria possível recuperar a produção de neurofibromina?

No seu blog, você já abordou a dificuldade em se fazer um medicamento para reposição da neurofibromina (ver aqui). As mesmas dificuldades são pertinentes neste caso do CRISPR. Como você explicou, a neurofibromina é uma proteína necessária especialmente durante o desenvolvimento do bebê dentro do útero. Logo, não se espera que a alteração do código genético em pacientes fosse capaz de reverter uma série de sintomas associados à inexistência de neurofibromina ainda em estágios iniciais de desenvolvimento.

Bom, mas e se considerarmos então uma intervenção do código genético ainda durante a vida intrauterina? Essa questão nos leva a outra linha de raciocínio. Em cerca de metade dos casos de NF1 a mutação é nova, o que significa dizer que nenhum dos pais possuía em seu código genético aquela alteração e muito provavelmente não ficarão sabendo de sua existência antes do nascimento. Para os casais em que se conhece um histórico familiar da doença uma possibilidade seria o aconselhamento genético para que todas as opções sejam consideradas.

LOR – Mas então, neste momento, a técnica CRISPR-Cas9 não poderia ter utilidade para pacientes com neurofibromatoses?

Cinthia – Esta técnica é realmente uma revolução no campo da ciência e já é referida como uma possível “cirurgia do genoma”, mas ainda há muito que se descobrir quanto ao seu funcionamento.

Primeiro há de se entender como seria o resultado desta técnica em um indivíduo sem neurofibromatose para depois estudá-la como um tratamento. Grupos de pesquisadores também estão atrás de respostas para várias das perguntas feitas neste texto.

A ciência avança rapidamente, as técnicas estão aprimorando a cada dia e nós, pesquisadores das neurofibromatoses, investigaremos todos as técnicas que tenham um potencial, mesmo que mínimo, de melhorar a vida dos pacientes com neurofibromatoses.