Atualizado em 18/10/2021

“Ontem li uma reportagem que me deixou intrigado, falando da cura das doenças raras em um método chamado de CRISPR. … como curar a doença genética? Mudar todas as células da pessoa? Li alguns artigos. Bem, estou certo em pensar que quando se falam desta cura é a modificação genética, ainda como óvulo? Ou seja, não é possível fazer isso em adultos? Veja o link para a reportagem AQUI “. RLB de Coimbra, Portugal.

Caro R, sua pergunta é muito interessante e foi feita também por outras pessoas que leram este blog. Para responder com segurança sobre esta questão, convidei a doutoranda Cinthia Vila Nova Santana, que submeteu suas respostas ao seu orientador Renan Pedra de Souza, do Programa de Pós-Graduação em Genética do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Veja abaixo o que eles responderam.

Além disso, vejam a reportagem que foi publicada em 2018 Clicar Aqui

Veja também novas informações experimentais de 2021 CLIQUE AQUI

Cinthia e Renan também enviaram referências de artigos e livros sobre cada etapa do seu pensamento e elas estão disponíveis comigo para quem se interessar, basta solicitar por e-mail.

Cinthia – O desenvolvimento da técnica de DNA recombinante em 1970 marcou o início de uma era importante na Biologia. Pela primeira vez, pesquisadores foram capazes de manipular moléculas de DNA (ativando e desativando, ou seja, editando os genes – Figura ilustrativa acima), o que tornou possível o estudo de genes de interesse medicinal e biotecnológico. Desde então, muitos avanços aprimoraram as técnicas de biologia molecular, possibilitando o estudo dos genes não apenas isolados, mas também no organismo como um todo.

Muitas das ferramentas para edição do genoma são baseadas no princípio da complementariedade de bases: a base Adenina é complementar à Timina e a Citosina é complementar à Guanina. Isto possibilitou o desenvolvimento de técnicas para multiplicação de fragmentos de DNA (chamada de reação da polimerase em cadeia, PCR), permitiu o silenciamento de genes (knockout) ou diminuição da expressão gênica (knockin) e também inserção de mutações em um gene, por exemplo.

Apesar das tecnologias disponíveis, nem sempre se consegue a recombinação desejada. Além disso, o genoma de eucariotos (como nós, seres humanos) contém milhões de bases de DNA, tornando difícil a sua manipulação.

A fim de superar estes desafios, novas técnicas para edição do DNA são constantemente desenvolvidas e, recentemente, o sistema CRISPR-Cas ganhou merecida atenção. Apesar de descrito em 1987, este sistema foi somente empregado como ferramenta biotecnológica em 2012 e em 2013 já foi eleito um dos destaques do ano pela revista científica Nature.

LOR – Mas o que vem a ser esta nova técnica CRISPR-Cas?

Cinthia – CRISPR é uma sigla em inglês que significa: Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas.

Aparentemente é algo complicado, mas se analisarmos com atenção não é tão difícil quanto parece. Como o próprio nome indica, CRISPR trata de sequências de bases palindrômicas, assim como ARARA, que é uma palavra palindrômica, ou seja, pode ser lida de trás para frente sem mudar o sentido. Elas são curtas e agrupadas e se repetem com espaços regulares entre elas, por exemplo, a cada 20 nucleotídeos há uma repetição (Figura 2).


Figura 2: Representação do sistema CRISPR-Cas. Em azul mais à esquerda estão os genes associados a CRISPR (“cas genes”) e mais à direita, os losangos pretos representam as repetições (“repeat”), enquanto que os quadrados coloridos são os espaçadores regulares (“spacer”). A este conjunto dá-se o nome de locus da CRISPR (Figura adaptada de http://rna.berkeley.edu/crispr.html).

O sistema CRISPR-Cas foi primeiramente descrito em bactérias como um mecanismo de defesa contra vírus.

Esta defesa acontece da seguinte forma: durante uma infecção virótica, o DNA do vírus é liberado dentro da célula bacteriana e é integrado ao sistema CRISPR como um novo espaçador (como se fosse um dos quadrados coloridos da Figura 2) (Figura 3, estágio 1). A sequência CRISPR é então transcrita (isto é, a informação é passada de DNA para RNA) e processada para gerar os CRISPR RNAs (crRNAs), cada um codificando a informação de uma sequência espaçadora específica (Figura 3, estágio 2). Cada crRNA associa-se com uma proteína Cas que usa o crRNA como molde para silenciamento de elementos genéticos externos (Figura 3, estágio 3).

 
Figura 3: Mecanismo de ação do sistema CRISPR-Cas9. Conferir corpo do texto para maiores detalhes. Fonte: http://rna.berkeley.edu/crispr.html

Em resumo, com o uso do CRISPR, a bactéria consegue impedir que o vírus seja bem-sucedido em sua infecção através de modificações do material genético do vírus. 


Se quiser entender um pouco melhor sobre CRISPR-Cas9, veja o vídeo https://www.youtube.com/watch?v=2pp17E4E-O8.

LOR – Mas como um mecanismo de defesa bacteriano contra vírus pode se tornar uma ferramenta biotecnológica em seres humanos?
Cinthia – A resposta vem em duas partes. Primeiro, o processo de defesa acontece por alteração genética que é controlável, ou seja, teoricamente é possível decidir qual a alteração que será realizada no material genético.

Segundo, embora outras técnicas de mutação regulada (ou dirigida) sejam conhecidas, o sistema CRISPR-Cas9 é consideravelmente mais simples em relação às técnicas anteriores.

LOR – Então, a técnica CRISPR-Cas9 pode ser usada em seres humanos?

Cinthia – Esta hipótese está em teste. Resultados experimentais ainda preliminares indicam que grupos de poucas células podem responder a esta metodologia de maneira satisfatória, mas ainda não se sabe qual é o efeito do CRISPR em um ser humano. Várias das metodologias anteriores capazes de gerar alterações no código genético de maneira regulada mostraram-se funcionais em grupos de poucas células, mas sem efeitos no ser humano.

Até abril de 2016 já foram publicados cerca de 1.200 artigos científicos citando o sistema CRISPR-Cas9, segundo o site de pesquisas biomédicas PubMed (disponível no endereço eletrônico http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed).

Diversos estudos já utilizaram esta técnica para edição do DNA em linhagens celulares, plantas (trigo, arroz, tabaco), fungos, Drosophila, peixes (zebrafish), camundongos, sapos e até mesmo macacos, nas mais diversas aplicações: agricultura (aumentar resistência a pragas nas lavouras de trigo), reprodução de modelos de câncer em camundongos para estudos de vias biológicas e de efeitos de medicamentos, identificação de genes essenciais para viabilidade celular especialmente em câncer, alteração de mutações responsáveis por doenças genéticas em modelos experimentais.

No entanto, estudos em seres humanos são praticamente inexistentes e o principal foco dos estudos neste momento é entender melhor como certas características são determinadas.

LOR – E em relação às neurofibromatoses? Existe algum trabalho publicado?

Cinthia – Em pesquisa feita no site do PubMed com os termos “CRISPR neurofibromatosis” (em inglês), apenas dois estudos são exibidos: Shalem e colaboradores (2014) e Beauchamp e colaboradores (2015). Os dois trabalhos utilizam a técnica CRISPR para regular os genes NF1 e NF2, somente em modelos experimentais, novamente com o objetivo de compreender melhor o desenvolvimento da neurofibromatose.

LOR – A técnica CRISPR-Cas9 poderia ser usada para alterar as mutações nos genes das neurofibromatoses? Caso afirmativo, qual seria o tempo de expectativa?

Cinthia – O primeiro problema desta questão é conceitual. O que representaria alterar o código genético de um paciente com neurofibromatose, assumindo que isto fosse possível? Seria possível recuperar a produção de neurofibromina?

No seu blog, você já abordou a dificuldade em se fazer um medicamento para reposição da neurofibromina (ver aqui). As mesmas dificuldades são pertinentes neste caso do CRISPR. Como você explicou, a neurofibromina é uma proteína necessária especialmente durante o desenvolvimento do bebê dentro do útero. Logo, não se espera que a alteração do código genético em pacientes fosse capaz de reverter uma série de sintomas associados à inexistência de neurofibromina ainda em estágios iniciais de desenvolvimento.

Bom, mas e se considerarmos então uma intervenção do código genético ainda durante a vida intrauterina? Essa questão nos leva a outra linha de raciocínio. Em cerca de metade dos casos de NF1 a mutação é nova, o que significa dizer que nenhum dos pais possuía em seu código genético aquela alteração e muito provavelmente não ficarão sabendo de sua existência antes do nascimento. Para os casais em que se conhece um histórico familiar da doença uma possibilidade seria o aconselhamento genético para que todas as opções sejam consideradas.

LOR – Mas então, neste momento, a técnica CRISPR-Cas9 não poderia ter utilidade para pacientes com neurofibromatoses?

Cinthia – Esta técnica é realmente uma revolução no campo da ciência e já é referida como uma possível “cirurgia do genoma”, mas ainda há muito que se descobrir quanto ao seu funcionamento.

Primeiro há de se entender como seria o resultado desta técnica em um indivíduo sem neurofibromatose para depois estudá-la como um tratamento. Grupos de pesquisadores também estão atrás de respostas para várias das perguntas feitas neste texto.

A ciência avança rapidamente, as técnicas estão aprimorando a cada dia e nós, pesquisadores das neurofibromatoses, investigaremos todos as técnicas que tenham um potencial, mesmo que mínimo, de melhorar a vida dos pacientes com neurofibromatoses.


Muitas pessoas perguntam se por terem nascido com neurofibromatose tem direito à aposentadoria por invalidez. Esta é uma pergunta importante e precisa ser respondida tendo em vista as leis existentes.

Por exemplo, ontem comentei sobre o Projeto de Lei Federal que está tramitando no Congresso Nacional em relação às pessoas com neurofibromatoses, encaminhado por um deputado federal pelo Espírito Santo, Sergio Vidigal (PDT). É um projeto bastante semelhante à lei que já está em vigor em Minas Gerais, segundo a qual as pessoas acometidas por neurofibromatoses já são consideradas portadoras de necessidades especiais (Lei 21.459, de 2014, fruto do PL 3.037/12, sancionada pelo governador de Minas Gerais em 2014).

A Lei mineira “inclui no grupo de pessoas com deficiência aquelas acometidas com neurofibromatose, doença incurável e degenerativa, também chamada de síndrome de Von Recklinghausen, que causa dores crônicas e desfiguração de partes do corpo. A norma assegura às pessoas com neurofibromatose os direitos e benefícios previstos na Constituição e na legislação estadual para a pessoa com deficiência, desde que ela se enquadre no conceito definido na Lei 13.465”.

Nesta semana, o professor Élcio Neves da Silva, uma pessoa que está exercendo grande liderança na organização da associação capixaba de apoio às pessoas com neurofibromatoses, também me informou que foi publicada uma nova Lei no Estado do Espírito Santo, semelhante à de Minas Gerais, que reconhece as necessidades especiais das pessoas com neurofibromatoses.

A nova Lei, de autoria do deputado estadual Doutor Homero (PMDB), recebeu o número 10.490/2015, e foi publicada no Diário Oficial do Espírito Santo no dia 18 de janeiro de 2016. Ela pretende assegurar a todas as pessoas com NF os cuidados diferenciados garantidos pela Constituição Estadual e demais legislações em vigor.

Estas leis e o projeto federal têm alguns pontos em comum, sobre os quais precisamos conversar. Primeiro, quero deixar claro que entendo que as pessoas que propuseram estas leis buscam a melhoria das condições de saúde das pessoas com neurofibromatoses. No entanto, alguns conceitos incluídos no texto das leis podem causar dificuldades na sua aplicação.

Primeiro, tanto a lei estadual como o projeto federal se destinam ao benefício de pessoas com o que eles denominam de Síndrome de Recklinghausen. É importante lembrar que os conhecimentos modernos sobre as neurofibromatoses não utilizam mais a denominação de Síndrome (ou Doença) de Recklinghausen desde o início da década de 90 no século passado.

Não é apenas uma questão de troca de nomes, mas já se decorreram mais de 26 anos desde o consenso internacional alcançado depois das descobertas dos genes causadores das neurofibromatoses. A partir daquela data, toda informação científica vem sendo construída dentro de um novo modelo científico, o qual não mais confunde as neurofibromatoses com a Doença de von Recklinghausen e nem com os sete tipos de NF propostos pelo Professor Riccardi.

Segundo, as leis dão a entender “A” neurofibromatose é uma doença genética rara que se manifesta por volta dos 15 anos e provoca o crescimento anormal de tecido nervoso pelo corpo, formando pequenos tumores externos chamados de neurofibromas.

Então, mais uma vez, para evitar confusões, é preciso lembrar que todas AS neurofibromatoses já estão presentes ao nascimento (nos genes) e que podem se manifestar em qualquer época da vida, desde os primeiros anos de idade (geralmente a NF1), no começo da vida adulta (geralmente a NF2) ou depois dos 30 anos (geralmente a Schwannomatose).

Terceiro, as leis mencionam que as pessoas acometidas têm de conviver com dores crônicas ou “desfiguramento” de partes do seu corpo, o que causa grande sofrimento ao indivíduo e a seus familiares.

De fato, para algumas pessoas, o principal problema de sua doença são as dores, como na Schwannomatose. No entanto, geralmente dor não é a principal queixa das pessoas com NF1 e NF2. Além disso, é preciso esclarecer, porque isso assusta e faz sofrer muitas famílias, que algum tipo de deformidade corporal pode acontecer em menos de 10% das pessoas com NF1 e praticamente estas complicações estão ausentes na NF2 e Schwannomatose.

Numa nota de divulgação da nova Lei no Espírito Santo, a Sra. Luísa Bustamante finaliza dizendo: “A intenção é chamar a atenção das autoridades para o problema. São inúmeras pessoas que estão nessa condição e que são perfeitamente capazes; porém, não são aproveitadas pelo mercado de trabalho pelo fato de terem essa patologia. Além da luta pela vida, o preconceito por causa das mudanças no corpo também é um desafio para quem tem essa doença incurável”.

Concordo plenamente que estas propostas são humanitárias e buscam o reconhecimento das neurofibromatoses por parte da sociedade e das autoridades.

No entanto, talvez seja interessante esclarecer a questão da capacidade ou não para o trabalho.

Existem pessoas com neurofibromatose que são capazes e outras que são incapazes para o trabalho. O simples fato de nascer com a doença não significa que haverá impedimento de sua capacidade funcional, mas serão certas eventuais complicações, que podem ou não ocorrer ao longo da vida, é que levarão ou não uma determinada pessoa às necessidades especiais.

Assim, temos que ver as limitações e potencialidades de cada caso, para não tornarmos incapaz uma pessoa produtiva ou não reconhecermos as necessidades especiais de alguém limitado pela doença. Não podemos tratar pessoas desiguais da mesma forma, assim como não podemos tratar pessoas semelhantes de forma desigual.

Parabéns Élcio e demais companheiros por mais este passo dado em mais um Estado brasileiro e contem com nosso apoio do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Continuo hoje a resposta para a AG, que perguntou se seria possível através da seleção de embriões (sem neurofibromatoses) “eliminar” as variantes genéticas que causam a doença e assim erradicar as neurofibromatoses.
A resposta é: sempre haverá pessoas com NF, porque entre as pessoas que têm uma das formas de NF metade delas é resultado de novas variantes, ou seja, elas não herdaram a variante de um de seus pais.
Então, mesmo que todas as pessoas que hoje têm NF decidissem não mais ter filhos ou se todos os seus filhos fossem resultado apenas de seleção de embriões sem a doença, ainda assim haveria novos casos causados por novas variantes genéticas, que acontecem na formação do espermatozoide ou do óvulo de pessoas sem a doença.
Estas variantes são aleatórias, ou seja, ocorrem completamente ao acaso, sem qualquer causa conhecida e acontecem nas seguintes frequências: para NF1 em 1 em cada 3 mil pessoas, para NF2 em 1 em cada 20 mil pessoas e para a Schwannomatose em 1 para cada 40 mil pessoas.
Como exemplo, hoje existem cerca de 80 mil pessoas com NF no Brasil e metade delas herdou a doença de um de seus pais e a outra metade é resultado de nova variante numa família onde ninguém tinha a doença.
Supondo que todas estas 80 mil pessoas decidissem não ter filhos ou apenas ter filhos selecionados sem a doença, ao longo dos anos haveria a ocorrência de novos casos aleatórios em qualquer família de brasileiros e teríamos novamente pessoas com a doença.
É interessante comentar que a ideia de “erradicar” uma doença pode parecer uma boa ideia, mas é preciso levar em conta que este desejo radical pode trazer consigo a rejeição social às pessoas que já possuem a doença.
Dentro do sistema capitalista em que vivemos, o valor de uma pessoa está associado à sua capacidade de produção e aqueles menos capazes são considerados peso morto para esta sociedade cruel e produtivista. Foi com ideias deste tipo que os nazistas mandaram esterilizar ou assassinaram as pessoas com doenças genéticas.
Infelizmente, há pessoas, inclusive médicos, que ainda defendem estas ideias de pureza racial, limpeza étnica, melhoramento genético ou seleção de embriões com determinadas características atribuídas às classes dominantes: homens, pele branca, olhos zuis, cabelos loiros, grande inteligência, porte atlético e etc.
É preciso lembrar que as pessoas com NF têm consciência de si mesmas, têm autoestima, desenvolvem relacionamentos afetivos, muitas podem trabalhar e vivem momentos de alegrias e tristezas. Possuem parentes e amigos que as amam e desejam a sua felicidade.
Mesmo aquelas pessoas com NF com complicações mais graves desejam continuar vivendo e serem mais felizes.
A vida das pessoas com qualquer doença não torna estas pessoas menos valiosas.
Cada ser humano é um acontecimento único em toda a história do universo e não precisa de qualquer justificativa para ser respeitado e valorizado.
Como diz a canção, somente as pessoas com NF sabem a dor e a alegria de serem o que elas são.

 

Olá, Dr. Sou portador da NF1 há aproximadamente 15 anos.
Pelas pesquisas que realizei, se trata de uma mutação nos genes de origem genética.
Ocorre que, ao pesquisar na família sobre algum caso parecido com o meu, não obtive informações sobre algum membro da família que tenha tido isso. Em minha infância, realizei um procedimento cirúrgico e tive que realizar uma transfusão de sangue em meu corpo.
Sou leigo em ciência biológica, mas essa mutação dos cromossomas poderia ser adquirida através de transfusão de sangue? TCL, sem localidade.
Caro TLC, obrigado pela sua pergunta que pode ser muito útil para compreendermos diversos fatos relacionados com as neurofibromatoses.
Primeira informação: embora você não tenha dito a sua idade, posso garantir que se você tem a NF1, você já nasceu com ela, porque todas as formas de neurofibromatoses são doenças genéticas e congênitas (ver neste blog um post sobre estas diferenças: clique aqui ).
A segunda questão: o fato de não ter encontrado nenhum parente com NF1, indica que, provavelmente, a sua mutação é uma nova mutação na sua família, que ocorreu no espermatozoide de seu pai ou no óvulo de sua mãe que deram origem a você.
Esta nova mutação acontece em metade dos casos com NF e a outra metade são pessoas que herdam a NF de um de seus pais.
A terceira pergunta: é possível adquirir NF por meio de uma transfusão de sangue? Para compreendermos que não é possível, temos que lembrar duas coisas:
1) a mutação genética que causa os sinais e sintomas da NF está presente em todas as células de seu corpo, e não apenas no sangue;
2) o sangue que você recebeu na transfusão foi completamente removido de seu corpo em poucas semanas e nada genético dele restou em seu organismo.
Assim, não me parece possível “adquirir” NF por transfusão de sangue.
Por outro lado, já comentei aqui a pergunta de um leitor com NF1 que sofreu rejeição ao tentar doar sangue.
De fato, qualquer forma de discriminação social é dolorosa e as pessoas com neurofibromatose passam por esta experiência com frequência.
Procurei resposta para sua pergunta nas principais fontes científicas que disponho e não encontrei qualquer estudo que tenha verificado algum risco na doação de sangue por parte de alguém com NF1.
Sabemos que todas as células de uma pessoa com NF1 carregam a mutação, incluindo os leucócitos e outras células que circulam pelo seu sangue.
Desconheço se algumas destas células (especialmente os mastócitos) poderiam sair do leito vascular e se alojar nos tecidos da pessoa que recebeu o sangue, onde poderiam agir de forma diferente do que seria esperado em condições normais.
Portanto, não posso dizer com segurança se há algum risco na doação de sangue por parte de alguém com NF, até que a questão seja respondida cientificamente.
Boa noite Dr. Estou escrevendo pois não estou mais aguentando tamanha aflição de saber que meu filho pode ter NF1. Logo após o nascimento percebemos que ele começou a apresentar várias manchas café com leite, hoje este está com 10 meses e continua surgindo manchas. A pediatra solicitou vários exames, oftalmológico, neurológico e com dermatologista e como graças a Deus todos os exames estão normais nos encaminhou a uma geneticista. Após a consulta, a geneticista disse que não estava parecendo NF1 em razão da tonalidade das manchas, mais clarinhas, e meu filho é loirinho, porém solicitou um exame genético para tirar a dúvida. Estou tentando a liberação do exame pelo plano de saúde, mas não está fácil e está demora está me consumindo por dentro. Meu filho vem se desenvolvendo normalmente, tamanho, peso, aprendizado etc. Gostaria de saber se a cor da mancha pode indicar se é ou não NF1? ES, de local não identificado.
Caro ES. Obrigado pela sua pergunta. Um dos critérios mais importantes para o diagnóstico das neurofibromatoses são as manchas café com leite (ver neste blog). Elas são tão comuns que podem até se transformar num tema de uma campanha de esclarecimento público nos postos de saúde e escolas: “Manchas café com leite podem ser neurofibromatose:  você pode ajudar! ”
Na maioria dos casos de pessoas com NF do tipo 1 elas estão presentes desde o nascimento ou são percebidas logo depois, e são em número de 5 ou mais, são ovaladas, com mais de meio centímetro de diâmetro, têm as bordas bem definidas e a cor é homogênea, ou seja, a tonalidade da mancha é uniforme.
Portanto, manchas na pele que surgem depois do primeiro ano de vida podem ter outras causas, que não as neurofibromatoses.
Quanto ao número: uma ou duas manchas podem ser encontradas em pessoas sem qualquer doença e até mesmo em vários membros de uma mesma família, a chamada mancha café com leite familial.
Menos de 5 manchas café com leite, visíveis ao nascimento ou logo depois, podem indicar outras doenças genéticas, por exemplo, neurofibromatose do tipo 2, schwannomatose e, portanto, precisam ser investigadas.
Existem outras poucas doenças nas quais podemos encontrar mais de 5 manchas café com leite, como nas Síndromes dos Cromossomos em Anéis, mas a criança apresenta problemas de desenvolvimento e deformidades mais acentuados do que na NF1.
Quanto à cor, em geral, quanto mais clara for a pele da pessoa, mais claras serão as manchas café com leite (mais leite do que café). No entanto, existem alguns casos com variações que podem nos confundir.
Quanto ao tamanho e forma: se a pigmentação varia em formato e coloração e apresenta as bordas irregulares e se espalha por grandes áreas do corpo, é preciso também considerar a possibilidade da Síndrome de Deficiência do Reparo do DNA e da Síndrome de McCune-Albright (ver diagnósticos diferenciais aqui).
Alguns especialistas em NF também consideram que filhos de pais de cor de pele muito diferentes entre si (negros e brancos, por exemplo) podem apresentar este tipo irregular de pigmentação da pele.
Se as manchas café com leite forem encontradas em apenas uma parte do corpo, por exemplo, em apenas uma perna, ou metade do tronco, podemos estar diante de pessoas com a forma segmentar de NF1 (ver neste blog sobre neurofibromatose segmentar).
Finalmente, a Síndrome de Legius apresenta manchas café com leite e sardas debaixo dos braços e/ou nas virilhas (indistinguíveis daquelas da NF1), dificuldade de aprendizagem e macrocrania, mas não apresentam neurofibromas nem Nódulos de Lisch.
Portanto, fica evidente que em alguns casos o diagnóstico da causa das pigmentações na pele se torna difícil, o que nos leva a pedir o teste genético para esclarecimento. Se o teste resultar em positivo para variante patogênica (ou deleção) do gene NF1, temos o diagnóstico confirmado. Se o teste resultar negativo, não podemos ainda afastar o diagnóstico de NF1 e temos que considerar as demais possibilidades comentadas acima.

 

Em conclusão, a maioria das pessoas com NF1 recebe seu diagnóstico com razoável segurança. Para os demais, a conduta é acompanhar clinicamente e continuar a investigação.
Continuando a resposta para IT, de Portugal.
Para compreendermos as chances de uma pessoa herdar a NF1 ou a NF2, é preciso lembrar que há duas formas destas doenças: a forma completa e a forma segmentar (ou parcial).
Na forma completa, a mutação defeituosa já estava presente no espermatozoide ou no óvulo quando a criança foi gerada, assim, todas as células do seu corpo carregam a mutação, incluindo seus testículos ou seu ovário. Por causa disto, nesta pessoa com a forma completa a metade dos seus espermatozoides (ou óvulos) carregam a mutação e como consequência a chance de transmitir a doença para um (a) filho (a) é de 50%, ou seja, como jogar uma moeda para cima e sair cara ou coroa em cada gestação.
Na forma segmentar, a mutação defeituosa ocorre somente depois que o óvulo foi fecundado e por isso apenas uma parte das células da nova criança carregam a mutação. Como consequência, em algumas partes do corpo a doença se manifesta e noutras não. Por exemplo, a mutação pode estar presente de um dos lados da cabeça e não no restante do corpo; pode estar num dos ovários (ou testículo) e não no outro. Assim, a chance de transmissão da doença vai depender se a mutação defeituosa está presente ou não nos ovários (ou testículos).
Na imensa maioria dos casos, de NF1 as pessoas têm a forma completa e são raros os casos de forma segmentar. No entanto, na NF2, a forma segmentar é menos rara. Por isso, as chances de transmissão da doença são diferentes entre a NF1 e a NF2.
Enquanto na NF1 a chance de transmissão é praticamente de 50% em cada gestação, na NF2 a herança depende da possibilidade do futuro pai ou mãe serem pessoas com a forma parcial, a qual pode ou não acometer os seus testículos (ou ovários).
Uma maneira de avaliar esta possibilidade de uma pessoa ter a forma completa ou a forma segmentar da NF2 é sabermos a idade na qual a pessoa apresentou os tumores no nervo vestibular e se os tumores são ou não dos dois lados do cérebro.
O quadro abaixo, que adaptei de um capítulo de livro escrito pelo Dr. Gareth Evans, um dos líderes do grupo de NF de Manchester, na Inglaterra, nos ajuda a entender estas chances de transmissão da NF2 antes da realização do teste genético.
Idade da pessoa com NF2 no momento do diagnóstico
Tumores vestibulares (Schwannomas)
Risco de transmitir a NF2 para um filho ou uma filha
Menos de 20 anos
Bilaterais
45%
Unilateral
33%
20-29 anos
Bilaterais
36%
Unilateral
19%
30-39 anos
Bilaterais
28%
Unilateral
12%
Mais de 40 anos
Bilaterais
22%
Unilateral
10%
Portanto, cara IT, considerando que seu irmão herdou a NF2 de sua mãe e que ela apresenta complicações importantes (perda da audição e da visão, assim como dificuldade para engolir alimentos), podemos supor que ela deva ter a forma completa da NF2. Neste caso, sua chance de ter herdado a NF2 seria próxima de 50% e, por isso, você deve realizar exames complementares (ressonância magnética do encéfalo em busca dos tumores do nervo vestibular e avaliação oftalmológica para verificar a presença de catarata subcapsular e membrana epirretiniana). Se forem negativos estes exames, creio que o teste genético pode ser realizado para aumentar sua segurança de que não tem a NF2.
Para não ficarmos com excesso de informações, noutro dia comentarei sobre os testes genéticos e sobre a transmissão na Schwannomatose.

 

“Minha sobrinha tinha 37 anos portadora da NF já nasceu com manchas café com leite no corpo. Faleceu no dia 09/03/2014. Foi internada e os médicos acharam um tumor de 20X16 cm pressionando o pulmão e rim. Ela sempre estava fazendo raio-x e outros exames: apareceu de repente, em uma semana ela morreu. Os médicos afirmam que foi da NF. Será que este tumor pode crescer tão rápido? Ela deixou um filho de 12 anos ele não tem nenhuma mancha. Será que ele corre risco de ter a NF também?” LBV
Cara LBV, obrigado pelas suas perguntas, pois elas ajudarão outras pessoas a entenderem melhor as neurofibromatoses.
Se a sua sobrinha tinha mais de 5 manchas café com leite pelo corpo, é provável que ela fosse portadora da Neurofibromatose do Tipo 1 (NF1).
Na NF1 existem vários tipos de tumores, entre eles os neurofibromas.
Entre os neurofibromas, os chamados plexiformes geralmente são congênitos, ou seja, já estão presentes no corpo da pessoa quando ainda ela está no útero de sua mãe. Alguns plexiformes são profundos, dentro do tórax ou do abdome. Cerca de metade das pessoas com NF1 possuem pelo menos um neurofibroma plexiforme.
Durante a vida, os plexiformes podem crescer ou não. Geralmente, a partir da vida adulta há um risco dos plexiformes se transformarem em tumores malignos (chamados de tumores malignos da bainha do nervo periférico, que, para facilitar, vamos chamar de TMBNP). Cerca de 10 a 15% dos plexiformes podem se transformar em TMBNP, por isso, devemos fazer o controle anual e observar os plexiformes com muita atenção.
Se acontecer a transformação de plexiforme para TMBNP, este tumor é muito agressivo e pode ter se desenvolvido em poucos meses em sua sobrinha, sem ter sido percebido. Quando foi visto pelos médicos, já estava na sua fase final. Ou o seu crescimento acelerado pode ter comprimido alguma artéria renal e causado problemas vasculares que levaram, infelizmente, sua sobrinha a falecer.
Sua última dúvida também é importante: será que o filho de sua sobrinha herdou a NF1? Sabemos que metade dos filhos de pessoas com NF1 podem herdar a doença de um de seus pais. No entanto, a falta de manchas nele sugere que ele não tenha herdado, mas, para termos certeza, seria bom que ele fosse examinado por um médico (a) com experiência em neurofibromatoses.