Texto adaptado para a página da AMANF a partir da edição especial da Neurology por Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues e Sara de Castro Oliveira.

Outro grupo de cientistas está trabalhando na organização dos conhecimentos já existentes sobre a biologia dos neurofibromas cutâneos (NFc). Eles estão reunindo o que já sabemos sobre a história natural dos NFc, ou seja, as origens, os mecanismos genéticos, celulares e temporais na formação dos NFc.

  1. Origem dos neurofibromas cutâneos

As células mais importantes para o desenvolvimento dos NFc são o nervo, as células do sistema imunitário (mastócitos e macrófagos) e fibroblastos. Estas células que existem nos NFc são as mesmas que fazem parte dos tecidos das pessoas sem NF1, com a diferença de que as células nos NFc são mais desorganizadas e as proteínas ao redor são mais abundantes.

Sabe-se que, para haver a manifestação clínica da NF1, mutações patológicas devem estar presentes em pelo menos um dos alelos no gene NF1 no cromossomo 17 de todas as células de uma pessoa. Esta mutação em um dos alelos causa insuficiência da produção da proteína neurofibromina, o que leva à ativação descontrolada dos mecanismos que regulam o crescimento celular (denominado Ras-GTP).

No entanto, para haver a formação do neurofibroma não basta a mutação em um dos alelos, pois é preciso ocorrer uma segunda mutação patológica numa célula de Schwann, ou seja, a perda da função do outro alelo que mantinha a produção de alguma quantidade de neurofibromina normal.

Além disso, esta célula de Schwann que sofre a segunda mutação precisa estar cercada por outras células (mastócitos, fibroblastos e macrófagos) que também apresentam a primeira mutação original, para que surja o neurofibroma (ver figura).

A infiltração dos NFc por mastócitos, que são células do sistema imune que produzem histamina e são relacionadas com a alergia, é uma das características mais típicas dos NFc.

Sabe-se que os macrófagos são indicadores do crescimento tumoral, mas não sabemos ainda seu exato papel nos NFc.

Sabe-se que os fibroblastos estão envolvidos no processo de cicatrização e fibrose, assim como participam da regeneração dos nervos em conjunto com as células de Schwann e os macrófagos. No entanto, os fibroblastos ativados nos NFc parecem ser diferentes daqueles inflamatórios e cicatriciais (Observação pessoal: ao contrário, o processo de cicatrização nas pessoas com NF1 parece deficiente, dando origem a cicatrizes mais flácidas e não conheço casos de pessoas com NF1 com queloide em nossa experiência com mais de 1200 famílias com NF1).

É importante lembrar que o grupo de cientistas da força tarefa ainda está procurando saber se a célula que dá origem ao NFc é somente uma célula de Schwann da terminação nervosa ou se o NFc poderia ter origem numa célula precursora embrionária da pele ou células, como os melanócitos.

Modelo atual para o desenvolvimento dos neurofibromas

Figura que apresenta o possível mecanismo da formação dos neurofibromas plexiformes em modelos animais, talvez aplicável aos NFc humanos.

As células de Schwann (responsáveis pela regeneração e pela camada isolante que envolve os nervos) precisam do estímulo dos nervos para crescerem e se multiplicarem. Algum fator produzido pelo nervo (para a reparação de uma lesão, por exemplo) ativa a célula de Schwann [que já teria sofrido a segunda mutação (Nf1-/-) ] e ela, ao crescer, libera fatores de célula tronco que estimulam os mastócitos, os quais, por sua vez, estimulam de volta o crescimento da própria célula de Schwann. Os mastócitos também produzem o fator de crescimento tumoral (TGF-beta) que ativa o crescimento dos fibroblastos, os quais produzem proteínas da matriz celular (colágeno e muco). Estas proteínas podem estimular as células de Schwann e os próprios fibroblastos a crescerem. O resultado geral é a formação do neurofibroma cutâneo, que é composto por um excesso de células de Schwann, mastócitos, fibroblastos desorganizados e abundante quantidade de proteínas na matriz celular.

Outras células podem estar presentes nos NFc, como pericitos e adipócitos, mas seu papel ainda é desconhecido. Outras podem ser encontradas nas bordas do NFc, como melanócitos, ceratinócitos, glândulas sebáceas e écrinas, folículo piloso), mas não dentro do neurofibroma.

Na próxima semana continuamos com informações sobre o aparecimento dos primeiros NFc.

 

Segunda parte do texto adaptado para a página da AMANF  da edição especial da Neurology por Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues e Sara de Castro Oliveira.

Um grupo de cientistas e associações de neurofibromatose (VER AQUI ) vem trabalhando para a unificação internacional da definição científica dos neurofibromas cutâneos (NFc). Alguns conhecimentos já possuem consenso:

  1. Cerca de 99% das pessoas com NF1 apresentam NFc e eles crescem ao longo dos anos.
  2. Os NFc são tumores histologicamente benignos (Grau I WHO (ver aqui), compostos de vários tipos diferentes de células, incluindo células de Schwann, fibroblastos, células imunitárias (como mastócitos e macrófagos) e outros elementos dos nervos.
  3. Os NFc são localizados na pele, aqui compreendida como a derme e a epiderme (ver figura acima), não encapsulados, não se transformam em tumores malignos e não apresentam associação evidente com nervos mielinizados.
  4. Os NFc devem ser diferenciados dos neurofibromas que se desenvolvem profundamente e atingem a pele, como neurofibromas difusos e os plexiformes.

Uma pessoa com NF1 pode apresentar um ou mais das formas de NFc relacionadas abaixo (Figura acima).

Nascente/Latente

O NFc latente (ou nascente) não é visível a olho nu e apenas pode ser detectado por técnicas especiais, como Ultrassom de Alta Resolução ou Tomografia de Coerência Óptica.

Plano

Os NFc planos são visíveis e se caracterizam por discreta elevação da pele. A superfície pode parecer mais fina e um pouco pálida comparada com a pele ao redor, ou pode haver aumento da pigmentação e pelos (cerdas). Os NFc planos variam entre 0,5 a 12 milímetros.

Séssil

Os NFc sésseis são elevados em comparação com a pele adjacente e geralmente apresentam um cume. A sua altura pode atingir de 8 a 10 milímetros. A superfície e textura são as mesmas do NFc plano. Pode haver uma coloração mais avermelhada e podem existir pelos. Tipicamente, seu tamanho oscila entre 1 e 12 milímetros. Ultrassom e tomografia podem revelar um pouco do NFc abaixo da superfície da pele.

Globular

Os NFc globulares têm uma base na superfície da pele com cerca de 20 a 30 milímetros de diâmetro, com altura semelhante, causando um formato globular. Movendo-se a parte acima da pele, pode-se constatar a presenta do restante do tumor por debaixo.

Pedunculado

Os NFc pedunculados apresentam uma haste de 1 a 3 milímetros que une a parte acima da pele com a parte abaixo da superfície. O diâmetro da parte acima da haste é em torno de 5 a 25 milímetros.

No próximo post veremos como os NFc surgem e crescem ao longo da vida, ou seja, a história natural dos NFc.

 

 

Texto adaptado para a página da AMANF a partir da edição especial da Neurology por Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues e Sara de Castro Oliveira.

O primeiro passo para encontrarmos o tratamento para os neurofibromas cutâneos (NFc) é compreender a sua estrutura, o que os forma e quais são os diferentes tipos de neurofibromas: os cutâneos, os subcutâneos difusos e nodulares e os plexiformes.

Todos os neurofibromas são tumores compostos por uma mistura de células de diferentes origens: células de Schwann (neoplásicas), mastócitos, fibroblastos, células perineurais, células dos anexos da pele (folículos pilosos, glândulas sebáceas e sudoríparas) e ocasionalmente células de gordura (adipócitos) (ver Figura 1).

Estas células estão envolvidas por proteínas chamadas de colágeno e muco que são abundantes (estroma mixoide).

Os neurofibromas cutâneos (NFc) são semelhantes aos demais neurofibromas do restante do corpo, pois sua composição de células é a mesma. Assim, para sabermos se um neurofibroma é cutâneo é preciso que na biópsia haja uma pequena margem de pele associada.

Estudos com histoquímica e microscopia eletrônica revelam a presença de células de Schwann 100+, EMA+, células perineurais, mastócitos, linfócitos, fibroblastos CD34+, assim como elementos dos axônios. Os NFc pigmentados podem apresentar células melanocíticas.

Ainda há dúvidas sobre qual seria a célula inicial, ou seja, aquela que dá origem ao neurofibroma cutâneo (NFc), podendo ser a célula de Schwann ou uma célula precursora derivada da pele nas proximidades dos folículos pilosos.

Uma hipótese interessante é de que cada célula de origem nas diversas manifestações clínicas nas pessoas com NF1 teria tolerâncias diferentes à falta da neurofibromina. Assim, o melanócito teria maior tolerância à falta da neurofibromina, o que causaria as manchas café com leite; a célula precursora dos NFc teria uma tolerância intermediária, resultando nos neurofibromas cutâneos; as células de Schwann teriam pouca tolerância à falta de neurofibromina, o que resultaria nos neurofibromas plexiformes.

Diferenças entre NFc e outros neurofibromas

Já foram apresentadas muitas classificações dos tipos de neurofibromas propostas por diversos especialistas (ver Tabela 1 na página S7 do artigo  AQUI ), mas elas são contraditórias entre si, o que dificulta a transferência de conhecimento entre os diferentes cientistas clínicos e de laboratório.

À primeira vista, parece haver uma continuidade entre os diversos neurofibromas nas pessoas com NF1.

Esta continuidade ocorreria desde os neurofibromas cutâneos (NFc) (limitados à pele – epiderme e derme – que se movem junto com a pele ver figura abaixo), passando pelos neurofibromas subcutâneos (localizados na hipoderme – sobre os quais a pele se move), até os neurofibromas plexiformes (lesões profundas envolvendo muitos tecidos e feixes de nervos) (ver imagens: AQUI ).

No entanto, esta continuidade pode ser apenas aparente, pois os neurofibromas são diferentes entre si na sua origem, ou seja, no momento em que aparecem durante a vida e na sua estrutura anatômica (ver as diferenças entre os neurofibromas, segundo o Dr. Riccardi: AQUI).

Por exemplo, os NFc são clinicamente muito diferentes dos plexiformes: os NFc se restringem à derme e à epiderme, se tornam aparentes a partir da puberdade, crescem ao longo de toda a vida e nunca se tornam malignos; os plexiformes, ao contrário, estão presentes desde o nascimento, atingem diversos tecidos, crescem durante a infância e puberdade e podem se transformar em tumores malignos da bainha do nervo periférico.

Portanto, uma classificação racional dos neurofibromas precisa levar em conta todos os aspectos relacionados com seu aparecimento e evolução, como:

  • Aparência clínica e achados histológicos: padrão de crescimento (localizado, difuso ou infiltrativo);
  • Relação com os nervos: intraneural ou extraneural;
  • Localização anatômica: cutâneos ou subcutâneos.

A partir destes critérios chegou-se a uma subdivisão dos neurofibromas que está sendo proposta internacionalmente e vem sendo testada cientificamente:

  1. Neurofibromas cutâneos (geralmente são isolados, discretos, pequenos e envolvem apenas a derme e a epiderme); neste grupo se encontram as variantes clínicas dos NFc: os nascentes, os planos, os sésseis, os globosos e os pedunculados (ver Figura 2)
  2. Neurofibromas extensos (geralmente são difusos, grandes, envolvem diversos tecidos e podem apresentar ou não formas celulares atípicas); neste grupo se encontram as variantes histológicas dos NF: os difusos com ou sem diferenciação celular evidente, os difusos associados a plexiformes e os plexiformes intraneurais.

Nesta série de posts daremos atenção apenas aos neurofibromas cutâneos (NFc).

No próximo post (Parte 2) veremos quais são os tipos de neurofibromas cutâneos.

 

 

Convidamos a endocrinologista Dra. Sara Castro Oliveira para nos explicar como acontece o crescimento nas crianças e adolescentes com neurofibromatose do tipo 1. Dra. Sara está iniciando o seu mestrado em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Vejamos o que ela disse. Sua pesquisa será estudar o crescimento ou redução dos neurofibromas cutâneos com o uso de alguns medicamentos.

O crescimento corporal é um processo complexo e influenciado por diversos fatores que interagem não apenas para determinar a estatura final alcançada (que chamamos geralmente de altura), mas também o ritmo e o momento do crescimento. Muitas pesquisas tentam desvendar as complexidades hormonais e genéticas que explicam o crescimento normal e aqueles fora dos padrões.

Crianças com NF1 frequentemente apresentam alterações do crescimento e é importante ressaltar que nem sempre é possível identificar a causa deste crescimento inadequado na NF1.

Em certos casos algumas causas parecem estar envolvidas com o menor crescimento na NF1: deficiência de hormônio do crescimento (GH), tumores cerebrais, cirurgia ou radioterapia para tais tumores, escoliose, outros problemas esqueléticos que podem interferir com o desenvolvimento normal dos ossos e uso de algumas medicações como metilfenidato para déficit de atenção.

Por exemplo, um estudo com 89 pacientes com NF1 mostrou que 25% dos pacientes tinha estatura abaixo do esperado apesar de todos os exames serem normais. Esse fato sugere que existe um retardo do crescimento que está associado a doença em si, e para o qual até o momento não existe explicação.

Cerca 15% das crianças com NF1 apresentam tumores chamados de gliomas, que envolvem as vias ópticas e podem acometer a uma região do cérebro chamada hipotálamo. Esses tumores não são específicos da NF1, mas nas pessoas com NF1 apresentam um comportamento benigno e não progressivo. Na maioria das vezes, são assintomáticos e não requerem intervenção.

Em algumas pessoas com NF1, os gliomas são acompanhados de alterações hormonais que interferem com o crescimento reduzindo-o (deficiência do GH) ocasionando baixa estatura, ou acelerando-o (excesso de GH e puberdade precoce central).

Vejamos cada uma dessas alterações com mais detalhes:

 

Deficiência de GH

 

A deficiência de hormônio do crescimento é mais comum em indivíduos com NF1 em relação a população geral, embora não se saiba a incidência exata. A causa da deficiência também não é clara, mas parece estar relacionada a presença de tumores intracranianos, embora haja também casos de deficiência sem a coexistência de tumores. A deficiência desse hormônio pode levar a um grande atraso no crescimento.

É possível repor o GH, mas há uma grande preocupação de que a reposição do GH nas crianças com NF1 possa aumentar adicionalmente o risco de crescimento de tumores. Dados de acompanhamento de 102 crianças com NF1 e deficiência de GH que receberam tratamento mostrou alguma resposta em relação ao crescimento, mas menor do que a resposta que ocorre em crianças com deficiência de GH sem NF1.

Após cerca de dois anos de tratamento, 5 desses 102 pacientes tratados apresentaram reaparecimento de um tumor cerebral existente previamente ou desenvolveram um segundo tumor, taxa considerada similar a pacientes com NF1 que não foram tratados com GH. Apesar desses dados tranquilizadores em relação ao aparecimento de tumores, ainda precisamos de estudos de melhor qualidade sobre a eficácia e a segurança da reposição de GH em pacientes com NF1. Até o momento, a reposição desse hormônio é recomendada apenas em situações de pesquisa clínica (VER AQUI).

 

Excesso de GH

 

Embora muito mais raro, o excesso de GH ou gigantismo também pode ocorrer em pessoas com NF1. Essa produção excessiva de GH na NF1 está associada ao glioma de vias ópticas, é uma condição pouquíssimo frequente e pode trazer várias consequências como estatura acima do esperado, ganho excessivo de peso, hipertensão e alterações de glicose.

Desconfiamos da sua ocorrência quando observamos crescimento acima do esperado para a idade e padrão familiar. Diante da suspeita, exames de laboratórios, como a dosagem de IGF1 (substância produzida pelo fígado sob a ação do GH) e do GH após ingestão de um açúcar chamado dextrosol podem confirmar o diagnóstico.

Não sabemos exatamente o que leva à produção excessiva do GH em pessoas com glioma de vias ópticas na NF1. Sabemos apenas que a produção de GH não é feita pelo tumor em si. A suspeita principal é que o tumor, de alguma maneira, interfira com a regulação a parte do cérebro chamada hipotálamo e da glândula hipófise e essa passa, consequentemente, a secretar excesso de GH.

Uma das principais preocupações com o excesso de GH em pessoas com NF1 é o risco aumentado de tumores benignos e malignos. Acredita-se que a produção excessiva de GH possa aumentar ainda mais esse risco, contribuindo inclusive para o crescimento do próprio glioma. Dessa forma, apesar não sabermos ainda o tratamento ideal para esses casos, a recomendação é usar medicações para reduzir a secreção de GH. O tempo de tratamento deve ser individualizado para cada paciente, pois muitos apresentam melhora do quadro de gigantismo com o passar do tempo (VER AQUI).

 

Puberdade precoce central

 

Outra condição relacionada à NF1 que pode levar a alteração do crescimento e da estatura final é a puberdade precoce central. Ela é a disfunção hormonal mais comum na NF1 em crianças, com prevalência em torno de 3%. Geralmente está associada a glioma de vias ópticas.

As mudanças mais visíveis durante a puberdade são o aumento da velocidade de crescimento e o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, como aumento de mamas em meninas e aumento dos testículos em meninos. Quando essas alterações ocorrem antes de 8 anos nas meninas e antes dos 9 anos nos meninos, devemos ficar atentos para a possibilidade de puberdade precoce. Exames para avaliação dos hormônios da puberdade e do grau de maturação dos ossos da mão e punho auxiliam no diagnóstico.

Apesar de crescerem muito inicialmente, as crianças com puberdade precoce tendem a ser mais baixas quando adultas. Isso porque os hormônios sexuais levam a uma rápida maturação dos ossos e a criança interrompe o crescimento. Dessa forma, o diagnóstico e o tratamento devem ser feitos o mais rápido possível para que seja eficaz e evite a baixa estatura (VER AQUI ).

 

Conclusão

Podemos concluir que acompanhar o crescimento e o desenvolvimento da criança com NF1 é muito importante porque algumas das condições que resultam em alterações da estatura trazem repercussões sobre a saúde e podem ser tratadas.

 

Reproduzo abaixo a conversa interessante que tive por e-mail com a leitora SS, de Curitiba, sobre o uso de Vitamina D como possível prevenção do crescimento de neurofibromas em sua filha. Separei o texto por assuntos e irei respondendo passo a passo.

Agradeço à S pela pergunta, pelas questões muito bem ponderadas e pelo artigo que me enviou sobre Vitamina D.

Atraso no desenvolvimento?

“Há algum tempo atrás você me respondeu algumas perguntas sobre a NF1, que descobrimos em minha filha quando ela tinha uns 10 meses (que dias de aflição, meu deus). Atualmente ela está com 1 ano e 10 meses e por enquanto parece estar tudo bem. A única coisa que ainda me incomoda é a fala. As palavras que ela diz são: mamãe, papai, aqui, esse, au-au, mimi (o nome dela), mamá, papá, abi (abre), pepê (chupeta). A neuro nos disse que isso ainda não é motivo de preocupação, então continuamos estimulando. Ela se comunica bem, nos entende e se faz entender, mas falar mesmo, ainda não está lá essas coisas. Outra coisa que noto é que ela parece ser mais bebezinha do que as crianças da idade dela: ela é um pouco menos ágil: por exemplo, uma criança da idade dela já consegue pular e fazer movimentos mais rápidos, mas a M. parece não ter a mesma capacidade. Ela se ergue devagar, por exemplo. Ela não engatinhou e andou com 1 ano e 3 meses (e ambos os casos eu sei que não dá para considerar categoricamente como atraso no desenvolvimento). É difícil isso, não saber se essas constatações são fruto da NF1 ou se simplesmente são “o tempo dela”.

Resposta: Cara S, você descreveu um conjunto de manifestações frequentemente encontradas nas crianças com NF1, ou seja, um certo atraso no desenvolvimento psicomotor em relação às outras crianças da mesma idade. Independentemente da causa, nossa impressão é de que devemos oferecer apoio pedagógico adicional para estas crianças, como fonoterapia e terapia ocupacional (integração sensorial – VER AQUI) para que elas alcancem o seu potencial humano. Além disso, estimular em casa com brincadeiras que envolvam atividades físicas com ritmo, dança, cantos e equilíbrio.

 

Revelar ou não a doença?

“Ontem estivemos na escola para conversar sobre a mudança de turma. M. nasceu em outubro e por ser menorzinha, a diretora optou por mantê-la na turminha do berçário em lugar de passá-la para a próxima turma (nós não contamos à escola sobre a NF1, porque não queremos que ela seja tratada de forma diferente. Queremos ver como a escola vê o desenvolvimento dela sem saber de sua condição, já que sabendo, poderiam ser sugestionados e enxergar problema onde talvez não exista)”.

Resposta: Concordo com você, porque revelar a doença antes que ela seja evidente pode trazer tratamentos diferenciados para a criança (VER AQUI). Uma boa estratégia é oferecer o apoio pedagógico adicional, em paralelo à escola, que já mencionei acima. Se a escola pedir uma avaliação neurológica ou psicológica, será o momento de revelar e informar sobra a NF1.

Qual a turma ideal?

“Aparentemente a escola acredita que a M. tem condições de ir para a próxima turma, onde todas as crianças são maiores que ela. Acreditamos que ali ela vai desenvolver melhor a questão da independência, da convivência, da autodefesa, da linguagem, etc. Aparentemente eles não notaram qualquer problema no desenvolvimento dela, apenas sentem que ela “está no tempo dela”, o que, de alguma forma, é bom. Mesmo crianças sem NF1 não atingem todos os “marcos” no tempo esperado. ”

Resposta: Você tem razão, pois o desenvolvimento de cada criança segue ritmos próprios, apesar de haver uma média geral e limites aproximados. Temos notado que as crianças com NF1 preferem a convivência de outras com idade um pouco menor do que a sua, talvez porque se sintam mais capazes de acompanhar as atividades adequadamente.

Vitamina D e neurofibromas?

“Queria comentar com você é sobre vitamina D. Eu li todas as perguntas no seu blog e já sei que nos estudos que vocês conduziram não foram achadas diferenças significativas na dosagem entre o grupo controle e o NF1, diferente do estudo da Alemanha, no qual foi encontrada relação direta entre o número de neurofibromas e a dosagem da vitamina D. “

Resposta: De fato, observamos que tanto as pessoas com NF1 como as pessoas sem NF1 apresentaram níveis menores (do que o ideal) de Vitamina D nas dosagens que fizemos, mas não houve diferença entre as pessoas com NF1 e sem NF1.

Nosso interesse sobre a Vitamina D se refere à sua possível correlação com o número de neurofibromas, mas também com o desenvolvimento ósseo, pois as pessoas com NF1 apresentam maior tendência para a osteopenia (situação intermediária entre o osso normal e a osteoporose – VER AQUI )

Esclerose múltipla?

“O que me fez escrever foi que eu li bastante sobre o tratamento do Dr. Coimbra para esclerose múltipla que usa doses cavalares de vitamina D, sem os medicamentos que normalmente são prescritos para essa doença. Gosto muito dos relatos dos próprios pacientes. ”

Resposta: Não conheço cientificamente a esclerose múltipla, portanto não posso opinar com segurança sobre esta questão.

 

Qual a dose de suplementação de Vitamina D?

“Lendo sobre a vitamina D (e tentando achar fontes confiáveis), me parece já haver um consenso de que há uma defasagem praticamente mundial nos níveis da população em geral. E também vi um outro estudo (esse honestamente não li inteiro e também não sei o quanto é confiável) que menciona haver um erro estatístico nas doses diárias recomendadas para reposição da vitamina D, que deveriam ser maiores do que aquelas atualmente praticadas. Ei-lo: VER AQUI
Lendo um pouco sobre a relação da vitamina D e tumores e mais muitas e muitas outras condições em que ela tem papel relevante, eu me perguntei se simplesmente aumentar a dose de vitamina D que eu dou para a minha filha não poderia atuar como uma profilaxia para evitar algumas das complicações da NF1 no futuro. Atualmente estamos dando 200u.i. por dia, mas já li que deveria ser 600 ou mais.”

Resposta: Obrigado pelo artigo que enviou, que achei muito interessante. Ele se refere aos níveis de Vitamina D alcançados no sangue com a suplementação e não aos efeitos destes níveis sobre a saúde.

Tenho acompanhado este debate sobre os níveis ideais de Vitamina D para a saúde da população. De um lado, há pesquisadores que insistem em níveis acima de 50 mmol/L e recomendam suplementação diária, mas a maioria dos estudos foi feita em países com pouca radiação solar (o sol é fundamental para a síntese natural da Vitamina D) e alguns destes cientistas estão fortemente ligados à indústria farmacêutica (especialmente o Hollick VER AQUI).

Há também quem recomende a suplementação de Vitamina D em pessoas com NF1 (como VER AQUI) para melhorar a densidade óssea, mas o estudo foi feito pelo grupo do Dr. Mautner, na Alemanha, sabidamente um país com menor radiação solar do que o Brasil, por exemplo.

Por outro lado, há autores que questionam a necessidade de suplementação de Vitamina D, por exemplo, o Dr. Stevenson de Utah, nos Estados Unidos, que não encontrou relação entre Vitamina D e neurofibromas e nem com a densidade óssea em pessoas com NF1 (VER AQUI ).

Outro estudo multicêntrico, incluindo Europa e Estados Unidos, encontrou menor força muscular nas pessoas com NF1 mas sem relação com os níveis de Vitamina D ( VER AQUI ).

Em conclusão, temos recomendado em nosso Centro de Referência que as pessoas com NF1 tomem banhos de sol regularmente e meçam a Vitamina D ocasionalmente. Se os níveis de Vitamina D vierem menores do que 20 mmol/L recomendamos a suplementação com 400 UI diariamente.

 

O que está sendo estudado sobre Vitamina D e NF1?

“Entendo que se eu decidir suplementar diariamente e se por ventura minha filha não apresentar tantos sinais da doença no futuro, não necessariamente isso será por conta da vitamina D, pode ser simplesmente porque a NF1 dela era dos casos “leves”. Assim, pergunto: existe algum estudo sobre suplementação diária de vitamina D, com doses realmente significativas, sendo conduzido ou alguma criança que vocês acompanhem e que esteja recebendo doses de vitamina D como profilaxia (como aquele médico italiano fez com o cetotifeno)? E em relação às pessoas estudadas, as que tinham menos neurofibromas faziam uso de algum suplemento de vitamina D? As pessoas que foram diagnosticadas com casos mais “leves” tem níveis diferentes de vitamina D do que as demais?

Em suma, gostaria de saber se não é interessante a suplementação de vitamina D, em níveis maiores do que os atualmente recomendados, desde a mais tenra idade, como forma de mitigar/atrasar os sinais da NF1 no adulto. Tomar sol aqui em Curitiba não é fácil e essa é uma recomendação que realmente não dá para seguir, por isso, me parece que suplementar é ideal, não só para a NF1, mas para a saúde em geral. Mas quanto?

Resposta: Cara SS, lendo a sua pergunta imagino que tenha uma boa formação científica, pois você mencionou de forma lúcida as principais questões que devem ser levadas em consideração se quisermos responder com uma boa pesquisa experimental sobre os efeitos da Vitamina D sobra as pessoas com NF1.

Não conheço nenhum estudo científico neste momento que preencha todas estas condições que você mencionou. Talvez pelo fato da maioria dos centros de pesquisa em NF que possuem grandes recursos financeiros esteja interessada em outras questões mais urgentes e graves (como plexiformes e transformação maligna, por exemplo).

Nosso grupo de pesquisadores na UFMG está implementando uma técnica desenvolvida pelo grupo do Dr Mauro Geller para contar e medir o tamanho dos neurofibromas cutâneos (VER AQUI). Quem sabe poderemos avaliar os efeitos da Vitamina D num futuro breve? Quem sabe você poderia participar deste estudo?

No entanto, neste momento, não tenho respostas seguras baseadas em evidências científicas para todas as perguntas importantes e inteligentes que me fez.

“Tenho neurofibromatose e um filho de 4 anos de idade. Devo fazer exames nele para saber se ele herdou ou não a minha doença? ” ALB, de Mossoró, CE.

Cara A, obrigado pela sua pergunta que trata de um assunto muito importante.

Temos que colocar na balança os benefícios e os prejuízos de realizarmos o diagnóstico precoce das neurofibromatoses e a situação é diferente para cada uma delas, a NF do tipo 1, a NF do tipo 2 e a Schwannomatose.

Comecemos pela NF1

De um modo geral, a NF1 se manifesta nos primeiros anos de vida por meio das manchas café com leite, que são numerosas, mais de 5 com mais de meio centímetro de diâmetro. Portanto, o diagnóstico da NF1 é facilitado na primeira infância pelos sinais precoces, como as manchas café com leite, as sardas nas axilas e na região inguinal, os nódulos de Lisch no exame oftalmológico e, em alguns casos mais graves, a presença de um neurofibroma plexiforme ou uma displasia óssea.

Em raros casos teremos alguém com NF1 sem estes sinais evidentes e para estas pessoas podem ser necessários outros exames para confirmarmos o diagnóstico.

Parece valer a pena fazer o diagnóstico precoce da NF1, mesmo em quem não apresenta complicações evidentes, pois podemos atuar de diversas formas para melhorarmos a qualidade de vida das crianças. Por exemplo, sabendo que 70% das crianças com NF1 apresentam dificuldades cognitivas, podemos ficar atentos para a necessidade de apoio psicopedagógico, psicológico e fonoaudiológico.

Outro exemplo, sabendo que a criança tem NF1 ficaremos atentos à sua pressão arterial, pois 4% delas apresentará formas graves de hipertensão (displasia da artéria renal ou feocromocitoma), que podem ser praticamente curadas com os tratamentos cirúrgicos que dispomos.

Também podemos ficar atentos aos sinais de puberdade precoce, transtornos de comportamento, convulsões ou problemas na coluna vertebral, os quais podem trazer dificuldades adicionais às crianças com NF1.

Por estas razões creio que devemos fazer o diagnóstico precoce na NF1 de forma clínica e, em casos especiais, complementando com a análise genética.

 

E na NF2?

Embora a NF2 também seja uma doença congênita, ou seja, já está presente desde a vida intrauterina, as suas manifestações podem demorar muitos anos (às vezes décadas) para causar algum sintoma (baixa de audição, zumbido, desequilíbrio, catarata, etc.)VER AQUI ).

Sabemos que as crianças com NF2 podem apresentar alterações oculares desde a infância, as quais algumas vezes causam perdas funcionais. Neste caso, quando houver sintomas visuais ou oculares numa criança, cujo pai ou mãe sabidamente possui NF2, torna-se necessário o esclarecimento da causa do problema, porque ele pode ser decorrente da mutação no gene NF2 herdada.

No entanto, se uma criança, cujo pai ou mãe possui NF2, está assintomática, não parece haver vantagem em investigarmos para saber se ela tem NF2, pois este diagnóstico pode trazer sofrimento para toda a família, sem benefícios evidentes.

Além disso, a taxa de hereditariedade na NF2 é um pouco menor do que na NF1, ou seja, há uma chance maior da criança não ter herdado a doença de um dos seus pais acometido (VER AQUI).

Ao contrário da NF1, na qual podemos agir para melhorar a saúde da criança, na NF2 poderemos apenas ficar aguardando durante muitos anos (às vezes décadas) por manifestações clínicas (baixa audição, zumbido, etc.) para então iniciarmos os tratamentos, geralmente cirúrgicos, que é o que dispomos no momento.

Na Schwannomatose podemos ficar ainda mais reticentes para fazermos o diagnóstico precoce numa criança filha de um dos pais com a doença, porque as manifestações clínicas somente aparecem depois dos 30 anos de idade. Além disso, a taxa de hereditariedade ainda é menor do que na NF2 ( VER AQUI).

Por outro lado, quando uma pessoa que possui um pai ou mãe com NF2 ou Schwannomatose entrar na idade reprodutiva ela deve ser alertada para a possibilidade de ser portadora de uma mutação no gene NF2 ou no SMARCB1 (respectivamente), para que possa realizar seu planejamento familiar de forma segura. Neste momento pode ser importante confirmar ou afastar a possibilidade da pessoa ter herdado a NF2 ou a Schwannomatose.

De qualquer forma, assim que estiver disponível algum tratamento efetivo para qualquer uma das neurofibromatoses (ou todas elas), deveremos nos empenhar para fazermos diagnósticos precoces, pois teremos a certeza de que estaremos beneficiando a todos, pais e filhos com a doença.

“Queria esclarecer uma dúvida. Como as neurofibromatoses são causadas por mutações no cromossomo 17 e 22, é possível que ao longo da vida o DNA do portador pare de sofrer mutações ou sofra mutações ao ponto de produzir a merlina e neurofribromina, seja por fator biológico ou externo? ”

Caro CAA, obrigado pela sua pergunta.

Para responder, preciso distinguir o que é possível daquilo que é provável.

O possível se refere a coisas que podem acontecer sem levarmos em conta as suas chances reais de virem, de fato, a acontecer. Por exemplo, é possível ser sorteado na loteria.

O provável se refere às chances reais de algo vir a acontecer. Por exemplo, a chance de ser sorteado na loteria é muito pequena.

Vamos ver a seguir como isto se aplica às mutações nos genes da NF1 (O raciocínio seria semelhante para as mutações no gene NF2).

As mutações no gene NF1 ocorrem sem qualquer causa conhecida e ao acaso em cerca de uma vez em cada dez mil novos gametas (espermatozoides ou óvulos) que são produzidos (chamadas de mutações zigóticas). Assim, numa única ejaculação que contem em média 200 milhões de espermatozoides, qualquer homem sadio terá aproximadamente 20 mil espermatozoides com alguma mutação no gene NF1. (ver na figura a nova mutação em vermelho no espermatozoide)

Depois da fecundação com um espermatozoide (ou um óvulo) contendo esta nova mutação no gene NF1, todas as células do corpo do bebê conterão a mutação e por isso elas não produzirão quantidades adequadas (ou na forma correta) da proteína neurofibromina. Esta proteína é necessária para o desenvolvimento do embrião (especialmente do sistema nervoso), o que faz a doença NF1 se manifestar clinicamente (em vermelho em todas as células).

A criança assim formada possui em seu DNA do cromossomo 17 duas metades (alelos) que contém o gene NF1: um alelo paterno e outro materno. O alelo que contiver a mutação produzirá a neurofibromina defeituosa (ou não produzirá nenhuma neurofibromina). Assim, a criança conta apenas com metade da neurofibromina correta que é produzida no alelo sem a mutação no gene NF1.

A partir da formação do bebê, tanto nas crianças com NF1 quanto na população em geral, é possível ocorrer uma nova mutação no gene NF1 em alguma célula entre os trilhões de células que formam o nosso corpo (talvez com a mesma probabilidade das mutações nos gametas). Mas esta nova mutação não atingiria todo o corpo da pessoa e ficaria restrita àquelas células onde ela ocorreu (chamada de mutação pós-zigótica), por exemplo numa célula da pele.

Quanto mais cedo estas novas mutações ocorrerem, por exemplo durante a vida do embrião, maior a chance de acontecerem determinadas manifestações da NF1, por exemplo, neurofibromas plexiformes e displasias ósseas (ver segunda mutação em azul). Quanto mais tarde ocorrerem estas novas mutações, menores serão as suas consequências patológicas.

Uma das teorias que tentam explicar o aparecimento dos neurofibromas é justamente a ocorrência de uma nova mutação NO OUTRO ALELO, aquele que estava produzindo neurofibromina normalmente. A partir da segunda mutação (chamada de second hit) a célula passaria a não produzir nenhuma neurofibromina normalmente, o que desencadearia o crescimento do tumor.

No entanto, respondendo a sua pergunta, uma nova mutação que “corrigisse” a mutação patológica anterior, fazendo com que a célula voltasse a produzir neurofibromina adequadamente, parece-me teoricamente possível, mas altamente improvável. Além disso, se esta situação excepcionalíssima acontecesse, ficaria restrita àquela célula onde teria ocorrido este fenômeno, não se espalhando para o restante do corpo, ou seja, não haveria “cura” para a pessoa com NF1.

Em resumo, sabemos que podem ocorrer novas mutações aleatórias e patológicas no gene NF1 em quem não possui a NF1, sem consequências. Também podem ocorrer a segunda mutação em quem já possui uma primeira mutação, resultando nos sinais da doença. No entanto, acho praticamente impossível que novas mutações aleatórias depois da fecundação possam corrigir a mutação original, curando a doença.

 

Temos comentado neste blog que uma das dificuldades para o estudo de medicamentos para o tratamento dos neurofibromas cutâneos é a nossa falta de métodos científicos padronizados para a medida do número e do tamanho dos neurofibromas (VER AQUI ).

Sem esta informação não podemos afirmar com segurança se um medicamento (cetotifeno e anticoncepcionais hormonais orais, por exemplo) é capaz de alterar o crescimento (número e tamanho) dos neurofibromas.

Uma parte importante desta dificuldade foi superada, pois o grupo de cientistas brasileiros liderados pelo pioneiro Dr. Mauro Geller (VER AQUI  ), criador do Centro Nacional de Neurofibromatoses no Rio de Janeiro, publicou um estudo que propõe um novo método para a medida objetiva dos neurofibromas cutâneos (ver o artigo completo em inglês: AQUI).

No artigo, cuja primeira autora é nossa conhecida Dra. Karin SG Cunha da Universidade Federal Fluminense ( VER AQUI ), os autores propõem que a quantificação dos neurofibromas seja feita por meio de fotografias padronizadas e testaram o novo método em 92 pessoas com NF1, todas elas com idade acima da puberdade. A ideia original do estudo foi proposta pelo Dr. Bruce Korf  (VER AQUI) que sugeriu a demarcação padronizada como método de contagem dos neurofibromas.

As fotos foram realizadas de forma padronizada em determinadas áreas do corpo (costas, abdome e coxa – ver Figura 1, do próprio artigo), delimitadas por marcadores de papel com área definida e graduada em cm nas laterais. Os neurofibromas observados nas fotos foram contados numa tela de computador por duas das pesquisadoras e comparados com o número total de neurofibromas que também foram contados um a um por dois dos pesquisadores em cerca da metade das pessoas fotografadas.

Figura 1 – Reproduzida do artigo

Os resultados mostraram que o método fotográfico é rápido, fácil e confiável para o cálculo do total de neurofibromas que uma pessoa apresenta em seu corpo. Ou seja, se fotografarmos aquelas determinadas áreas do corpo e contarmos naquelas fotos os neurofibromas visíveis, o número médio encontrado (em neurofibromas por 100cm2) será proporcional ao total de neurofibromas existentes em todo o corpo daquela pessoa.

Além disso, os resultados obtidos por diferentes pessoas contando os neurofibromas são semelhantes, mostrando que o método pode ser empregado por diferentes pesquisadores com uma margem de variação pequena.

Como resultados adicionais, o grupo de pesquisadores mostrou que houve uma correlação entre a idade e o número de neurofibromas até a idade de 39 anos. Ou seja, quanto mais velha a pessoa, maior o número de neurofibromas, mas depois dos 39 anos a idade não aumentou a quantidade de neurofibromas.

Dra. Karin e colaboradores alertam que embora este novo método tenha sido destinado para contar o número de neurofibromas, ele constitui um passo também para a quantificação do tamanho dos neurofibromas, pois a área de cada tumor pode ser medida a partir das escalas laterais nas fotos.

Imaginamos que um passo seguinte para o aperfeiçoamento desta técnica seria o desenvolvimento de algum método que permitisse medir o volume dos neurofibromas, ou seja, o seu tamanho nas três dimensões, uma vez que eles se manifestam para fora da pele, mas também penetram nos tecidos.

De qualquer forma, com este novo método proposto pela Dra. Karin Cunha e colaboradores, poderemos estudar melhor os efeitos da puberdade, da gestação, do envelhecimento, de dietas, de medicamentos e outros procedimentos diversos sobre o crescimento dos neurofibromas cutâneos.

Todas as pessoas que trabalham e estudam as neurofibromatoses serão beneficiadas por este trabalho apresentado e por isso o grupo liderado pelo Dr. Mauro Geller merece o nosso agradecimento por mais esta brilhante contribuição científica.

“Meu filho nasceu com NF1… fico pensando se a radiação emitida pelos aparelhos de raio X e o contraste venham a desencadear algum problema. Ontem meu filho fez o raio x de ossos longos. Não colocaram colete e não protegeram o tórax e o órgão sexual… foram umas 12 chapas mais a ressonância no mesmo dia. Eu não pensei que fossem tantos exames. Quando ele havia feito o exame dos ossos com 3 anos foi só uma chapa. Li que o acúmulo da radiação no corpo tem chance de desenvolver um câncer. Minha pergunta é se os exames de ontem mais a panorâmica dos dentes e umas 3 chapas do braço, por conta de uma queda há dois meses, podem ter atingido um limite perigoso para saúde dele. MP de local não identificado. ”

 

Cara M,

Obrigado pelo contato e pela pergunta importante.

Compartilhamos sua preocupação com a possibilidade de acúmulo de radiação aumentar a chance de cânceres.

Em termos gerais sabemos que as pessoas com NF apresentam mutações genéticas que propiciam o desenvolvimento de tumores benignos e (raramente) de tumores malignos.

Por isso, evitamos a exposição excessiva de radiação ionizante, ou seja, ondas eletromagnéticas capazes de penetrar nos tecidos humanos e interferir no DNA, causando alterações genéticas celulares que induzem a formação de tecidos anormais. Estas ondas eletromagnéticas ionizantes possuem comprimentos de onda a partir da luz ultravioleta.

Para entender um pouco mais sobre ondas eletromagnéticas VEJA ESTE VÍDEO

As ondas ionizantes são produzidas por radiações nucleares (como aquelas provenientes do Sol ou de reatores nucleares e bombas atômicas) que geram os Raios X, os quais são usados nas radiografias e na tomografia computadorizada. De forma parecida, os equipamentos e materiais que envolvem energia atômica, como usina nucleares e cintilografias, emitem radiação ionizante e partículas subatômicas que podem causar alterações celulares.

Por outro lado, os aparelhos de ultrassom e as ressonâncias magnéticas não emitem radiação ionizante nem partículas subatômicas e por isso consideramos procedimentos mais inofensivos e mais indicados (quando necessários) nas pessoas com NF. O contraste usado nas ressonâncias magnéticas (gadolínio) não emite radiações ionizantes e por isso não nos preocupa neste sentido.

Sabe-se que quanto mais as pessoas são expostas a radiações ionizantes, maior a sua chance de desenvolver alguns tipos de câncer, e por isso foram estabelecidos limites oficiais para exposição individual, por exemplo, para aquelas pessoas que trabalham com aparelhos emissores de radiações ionizantes. Há detectores de radiação nos uniformes destas pessoas que indicam quanta radiação elas já receberam num determinado tempo. Se o limite perigoso for atingido, elas devem ficar afastadas de sua atividade por um período. Para mais informações sobre estes limites VER AQUI

A partir desta tabela, minha impressão é de que é pouco provável que uma pessoa que precisa realizar ocasionalmente radiografias, tomografia ou cintilografia atinja os limites de radiação considerados perigosos apenas com os exames habituais empregados na clínica.

No entanto, diante da maior susceptibilidade das pessoas com NF à formação de tumores, sempre que possível recomendamos a substituição do uso de Raios X (em tomografias especialmente) e cintilografia por ressonância magnética e ultrassom.

Além disso, é importante lembrar que não solicitamos exames “de rotina”, ou seja, somente pedimos exames complementares para esclarecer algum sintoma novo ou que possam mudar a nossa conduta clínica.

Muitas pessoas nos perguntam se alguns alimentos podem aumentar ou diminuir o crescimento dos neurofibromas.

Circulam pela internet informações de que comer carnes aumentaria os neurofibromas porque elas conteriam hormônios injetados pela indústria de alimentos.

Outras pessoas dizem que certos alimentos poderiam reduzir o crescimento dos neurofibromas.

 

Nutricionistas do nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, como a Aline Stanguerlin Martins e o Marcio Leandro Ribeiro de Souza estão empenhados em conhecer os aspectos nutricionais das pessoas com NF1, publicando resultados de seus trabalhos, por exemplo (AQUI) e (AQUI) e aqui (AQUI), mas até o momento eles não estabeleceram qualquer relação entre o crescimento dos neurofibromas e alguma forma de alimentação.

Aliás, mais um passo neste sentido será dado nesta próxima quarta-feira (11/7/2018), quando o nutricionista Márcio Leandro Ribeiro de Souza defenderá sua tese de doutorado intitulada “Estudo do gasto energético de repouso e total em indivíduos com Neurofibromatose tipo 1 e sua correlação com força muscular, composição corporal e consumo alimentar”. Mais um brilhante trabalho do Márcio, no qual ele encontrou alguns aspectos nutricionais importantes para as pessoas com NF1, que apresentam gasto maior de energia, menor força e massa musculares, menor densidade óssea e menor consumo de ferro e cálcio, entre outras conclusões.

A defesa é pública e está aberta a quem desejar assistir.

 

Volto às informações sobre alimentação e neurofibromas.

Em 2017, um estudo publicado pela italiana Teresa Spozito e colaboradores  informou que a chamada Dieta do Mediterrâneo associada com suplementação de curcumina teria reduzido o número de neurofibromas depois de seis meses de uso (VER AQUI EM INGLÊS). No entanto, o estudo foi realizado com um número muito pequeno de pessoas com NF1 e o método de contagem de neurofibromas que ela usou não está comprovado cientificamente. Minha impressão é de que este estudo precisa ser repetido com um número maior de pessoas e com métodos mais confiáveis.

Portanto, até o presente momento, não há nenhum estudo científico que comprove efeito importante da alimentação sobre os neurofibromas. Nem para melhorar, nem para piorar.

Pode ser que, no futuro, algum estudo científico bem feito venha a mostrar que determinado alimento ou alimentos podem aumentar ou diminuir os neurofibromas, mas, por enquanto, isto não existe.

Já comentei nesta página da AMANF outros assuntos relacionados com esta dúvida, como, por exemplo, sobre suplementos alimentares (AQUI) sobre força e dieta (AQUI) e tratamentos alternativos para os problemas das neurofibromatoses (AQUI).

Em conclusão, vamos torcer para que as pesquisas científicas venham a esclarecer esta questão de uma forma mais definitiva.

No entanto, mesmo na ausência de estudo científicos relacionando um ou outro alimento ou nutriente a crescimento de neurofibromas, uma alimentação saudável e variada evitando excesso de alimentos industrializados, de sal, de açúcar e de gordura saturada é importante para qualidade de vida das pessoas com NF1, pois esta alimentação pode não ter um efeito direto no crescimento dos neurofibromas mas tem efeito cientificamente comprovado sobre a saúde cardiovascular, a composição corporal o desenvolvimento de câncer e outras doenças.

 

(*) Agradeço as sugestões da Professora Ann Cristine Jansen e do Professor Nilton Alves de Rezende.