Este espaço é destinado a opinião de pessoas com experiência em diversos assuntos relacionados com as neurofibromatoses.
Nos últimos congressos sobre Neurofibromatoses, esta pergunta tem sido feita às pessoas que trabalharam no estudo que justificou o uso do selumetinibe em neurofibromas plexiformes com sintomas graves e que não podem ser operados: por quanto tempo devemos usar o selumetinibe?
Sabemos que naqueles casos em que não houve resposta ao selumetinibe, o medicamento geralmente é suspenso depois de 12 meses.
Por outro lado, nos casos em que houve a redução parcial do plexiforme e da dor, por quanto tempo deve ser continuado?
Para sempre?
E nessas pessoas, nas quais o selumetinibe reduziu parcialmente o plexiforme e a dor, o que acontece se o medicamento tiver que ser suspenso? Haveria retomada do crescimento dos neurofibromas e o retorno da dor?
Estas são questões importantes que vêm sendo comentadas em reuniões de especialistas, mas para as quais ainda não temos respostas seguras e não havia nenhuma publicação científica sobre o tema até que, em março de 2025, médicos do Iraque publicaram sua experiência no tratamento de uma menina de 9 anos, com plexiforme inoperável e com dor intensa (ver aqui artigo completo , em inglês).
A equipe médica observou que, em 10 meses de tratamento, o selumetinibe reduziu o volume do plexiforme em 31% e também a dor, permitindo melhor qualidade de vida.
No entanto, quando o medicamento teve que ser suspenso por falta de recursos financeiros, em 6 meses o plexiforme se tornou maior do que antes do tratamento (recuperou os 31% e cresceu + 10%) e a dor retornou.
E por que isto aconteceu?
Os autores suspeitam que o uso prolongado do selumetinibe aumentaria os receptores de kinases nas membranas celulares, de tal maneira que, quando o medicamento é suspenso, um pequeno estímulo nas membranas seria suficiente para desencadear uma resposta metabólica maior do que antes.
Este resultado reforçou a nossa dúvida: se iniciarmos um tratamento com selumetinibe e houver resposta (redução do volume e melhora da dor) teremos que usar o medicamento para sempre?
Este caso no Iraque traz grande preocupação com as condições financeiras da maioria da população brasileira, que também não pode sustentar um tratamento que custa na casa de um milhão de reais por ano. Este preço é um desafio mesmo para o SUS e para os planos de saúde suplementar.
Esperamos que novos estudos científicos respondam a estas questões e que o custo do medicamento se torne acessível àquelas pessoas que necessitam dele, para que possamos indicar com mais segurança o selumetinibe para os plexiformes inoperáveis e com sintomas.
Dr. Lor
Opinião pessoal
Tenho observado que muitas crianças e adolescentes com NF1 usam celulares e redes sociais por muitas horas todos os dias e de forma pouco controlada pelas mães e pelos pais.
O uso de celulares e redes sociais são muito perigosos para crianças e adolescentes (ver aqui informações científicas sobre isso): eles e elas estão adoecendo mentalmente, com mais angústia, ansiedade, agressividade, depressão, automutilação e tentativas de suicídio.
Ainda não há estudos científicos sobre celulares e redes sociais em crianças com NF1, mas já sabemos as crianças e adolescentes com NF1 apresentam mais ansiedade, baixa autoestima, isolamento social e depressão do que as crianças sem NF1.
Assim, o bom senso nos faz tomar mais cuidado ainda com os celulares nas mãos das crianças com NF1.
Série Adolescência
Para compreender melhor a profundidade do problema, recomendo que vejam a série da Netflix “Adolescência”, que mostra o impacto das redes sociais sobre o comportamento de um menino, um garoto comum, numa sociedade machista.
Entre as várias questões importantes despertadas pela série, uma delas poderia ser a falta de modelos de masculinidade não-machista para as novas gerações.
Mesmo nós, os que tentam desconstruir o machismo estrutural no qual fomos constituídos como homens, ainda não somos exemplos do novo homem.
Além disso, pode ser que ainda não haja muitos homens desprovidos dos valores machistas na atual sociedade capitalista, que funciona às custas da meritocracia e das desigualdades estruturadas em gênero, raças e fronteiras.
Mas provavelmente seria mais inspirador para meninos e adolescentes se eles tivessem mais exemplos de homens não-machistas para se espelharem do que somente serem estimulados a não se comportar como os machões atuais.
Então, como seriam estes exemplos dos novos homens?
Numa conversa, Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues e eu ficamos imaginando que este novo homem poderia ser alguém que, por exemplo:
– Considera o trabalho de reprodução da vida o mais importante
– Escuta e não só fala
– Nunca usa da sua força para impor sua vontade
– Sabe que é mortal e reconhece o valor da própria vida e da vida das outras pessoas
– Busca amar e ser amado e não o poder ou status
– Aprende que não existe bem estar próprio sem a participação das outras pessoas
– Descobre que a competição é solidão e a cooperação é encontro
Com isso, esse “novo homem” seria uma pessoa solidária, empática e respeitosa para com todas as demais.
Mas, veja só! – estas qualidades não são exclusivas de qualquer sexo ou gênero.
São as qualidades humanas fundamentais.
Uma sociedade baseada nestes valores será igualitária em termos de gênero.
Viva!
PS: Se desejar, mais informações sobre este tema veja aqui Mania de músculos e aqui Precisamos de mais professores homens professores no ensino básico
A nossa Coordenadora Clínica do Centro de Referência em Neurofibromatoses (CRNF), e também nossa Diretora Científica da AMANF, Dra. Juliana Ferreira de Souza apresentou alguns de seus conhecimentos sobre NF no IV Congresso Brasileiro de Neurogenética, em São Paulo, realizado de 13 a 15 de março de 2025.
Vejamos seu relato.
Foi um evento apoiado pela Academia Brasileira de Neurologia, voltado para a comunidade de neurologistas, neurologistas infantis, geneticistas clínicos e pesquisadores interessados na genética das doenças neurológicas.
O tema deste congresso foi “Analisando o passado, Construindo o futuro” e a proposta foi de discutir os conceitos fundamentais da genética úteis à prática de cuidado das síndromes clínicas clássicas, as principais técnicas diagnósticas e avanços terapêuticos. Foram convidados profissionais de destaque dos principais centros brasileiros e do exterior.
Como coordenadora do CRNF do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, fui convidada pela comissão organizadora a participar do evento, abordando o tema “Atualizações em Neurofibromatoses”.
Fui uma das palestrantes da sessão de Neurogenética Geral (crianças), que aconteceu na manhã do dia 14/03/25 e foi moderada pela Professora Vanessa Van Der Linden (Recife-PE). Esta sessão contou, ainda, com as palestrantes Dra. Carolina Moreno, de Paulina-SP, que abordou “As bases genéticas das cranioestenoses” e a Dra. Débora Bertola, de São Paulo-SP, que abordou “Rasopatias: muito além da síndrome de Noonan”.
Por tratar-se de módulo destinado aos acometimentos pediátricos, as atualizações que abordei ficaram praticamente restritas à Neurofibromatose tipo 1 (NF1), e somente mencionei a nova nomenclatura proposta para a “antiga” Neurofibromatose tipo 2 (NF2), agora denominada Schwannomatose relacionada ao gene NF2 e a “antiga” Schwannomatose, agora com 4 denominações distintas, a depender do gene envolvido.
Sobre a NF1, apresentei três temas:
- os critérios diagnósticos revistos em 2021;
- o surgimento de opções de tratamentos sistêmicos (inibidores da MEK) para os neurofibromas plexiformes sintomáticos e inoperáveis em crianças e, mais recentemente, a aprovação pelo FDA para seu uso em adultos;
- os avanços nas técnicas cirúrgicas para o tratamento da pseudoartrose de tíbia e da escoliose distrófica.
A discussão e os comentários que se desenrolaram após as apresentações demonstraram o interesse dos participantes do congresso pela NF1, bem como o reconhecimento da experiência acumulada pelos profissionais do CRNF ao longo destes 20 anos de atividades assistenciais e de pesquisa dedicados às “Neurofibromatoses”.
Minha impressão, ao participar pela primeira vez deste congresso, foi a de que o nosso CRNF compartilha alguns dilemas com outros serviços de referência em outras síndromes neurogenéticas, tais como:
- diagnóstico tardio, dificuldade de acesso a serviços de referência;
- dificuldade da APS em coordenar o cuidado destas pessoas;
- dificuldade de acesso aos exames complementares (quer para diagnóstico e/ou acompanhamento, no SUS ou na saúde suplementar);
- custo elevado das inovações destinadas ao diagnóstico e/ou tratamento e judicialização do acesso a estas inovações;
- limitações para incorporação da tecnologia pelo SUS.
Todos estes temas foram abordados durante o evento. Por outro lado, percebo a minha participação como uma oportunidade de abrir um canal de comunicação e colaboração com profissionais de uma área do conhecimento, a neurogenética, que tem grande potencial de oferecer avanços no cuidado de pessoas com NF1 e Schwannomatoses.
Novamente agradeço à comissão organizadora do IV Congresso Brasileiro de Neurogenética pelo convite e pela oportunidade de conversar sobre as “Neurofibromatoses”.
Foi uma ótima experiência!!