Este espaço é destinado a opinião de pessoas com experiência em diversos assuntos relacionados com as neurofibromatoses.
Tenho grande satisfação em publicar mais um dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em dezembro de 2024, com o texto da psicóloga Alessandra Cerello, profissional experiente e uma das cientistas pioneiras no atendimento psicoterápico de pessoas com NF1. Muito obrigado, em nome de toda a equipe do CRNF.
Dr. Lor
Alessandra Craig Cerello
Psicóloga e Mestre
pelo Programa de Pós Graduação
em Saúde do Adulto da FM da UFMG
Nos capítulos já publicados, foi discutido como a NF1 afeta física e cognitivamente, por acometer diversos sistemas do organismo: nervoso, musculoesquelético, cardiovascular e endócrino. Neste capítulo, veremos como essas alterações podem afetar as pessoas com NF1 e seus familiares no que se refere aos aspectos psicoemocionais.
O funcionamento psicológico do ser humano é multideterminado, sendo influenciado por fatores intrínsecos genéticos (biológicos) e fatores extrínsecos ambientais atrelados ao contexto histórico, que são aprendidos socialmente. Nos últimos 30 anos, diversos autores vêm buscando a interface entre a NF1 e aspectos psíquicos 1,2,3,4 e efeitos na qualidade de vida 5,6.
Desde o nascimento, o ser humano é incluído em grupos sociais: a família, inicialmente, posteriormente escola, comunidade, grupo do trabalho e outros. A partir da interação com o outro, as percepções experimentadas pelos sentidos dos objetos do mundo e de si mesmo são nomeadas e, assim, progressivamente diferenciadas e classificadas.
Essas informações vão se somando, e o indivíduo vai absorvendo e ajustando como as características atribuídas a ele se assemelham ou se diferenciam das outras pessoas, para que a construção daquilo que é conhecido por “eu”, por “mim”, por “mim mesmo” seja formada 7.
Por ser um processo construído nas e pelas relações ao longo da vida, essas informações assimiladas não são nem apenas passivas e nem puramente objetivas, mas contém valores e outros aspectos subjetivos dos outros. Segundo Mead (2018), a formação da identidade é um processo de interiorização do julgamento do outro 8.
Como isso, seus derivados – o autoconceito e a autoestima – também adquirem valorização ou desvalorização, seja geral ou específica para algumas habilidades ou pela falta delas a partir das experiências vividas com essas interações.
A avaliação do autoconceito nos domínios geral e habilidades específicas demonstrou pior escore no domínio de habilidades físicas em crianças com NF1 9,10 e competência social, com aumento das chances de problemas sociais e emocionais 9. Para adolescentes, o autoconceito também foi pior em habilidades físicas, matemática e autoestima geral, tanto para os grupos com NF1 apenas e nos grupos com NF1 associada a dificuldades de aprendizagem e TDAH 10.
Pior autoestima nas pessoas com NF1 em relação a pessoas sem NF1 e irmãos sem a doença 11,12 foi descrita e associada a dificuldade de aprendizagem 10. Apesar disso, autoestima elevada em alguns participantes foi observada 12,13, e esteve associada a ter amigos com NF1, frequentar grupos de apoio para pessoas com NF1 e ter recebido orientação genética 12.
A preocupação com as alterações estéticas pode ser intensificada em algumas situações, como na puberdade, período em que as pessoas jovens estão mais preocupadas com seu corpo e quando os neurofibromas cutâneos costumam aumentar e ficar mais visíveis 1,10. Pode também ser diferente de acordo com algumas culturas, como caso descrito por Rozario (2007) de uma mulher indiana em que os impactos sociais da NF1 tiveram efeitos amplificados em suas vivências incluindo na de escolha de parceiros e casamento na vida adulta 14.
As vivências de estigmatização são uma forma de discriminação na qual a falta de aceitação social do indivíduo por uma comunidade ou cultura implica que o outro enxerga a diferença como uma inferiorização 15. A NF1 pode aumentar a chance de que isso ocorra tanto pela questão estética das alterações físicas, como pela redução da funcionalidade no que diz respeito a alterações cognitivas e de linguagem, impactando na autoestima.
Um artigo de Koerling (2020) traz um relato que ilustra outra situação comum a pessoas com NF1: a dificuldades para se ter amigos 16. Após já ter sido examinado por quatro estudantes de medicina em um hospital-escola, David respondeu a uma estudante que identificou que ele poderia ter NF1:
“Ou como eu chamo, Sem Amigos 1” Koerling (2020) (‘or as I call it, No Friends 1’ – pág 2) 16.
Hummelvoll & Antonsen (2013) avaliaram que em geral os adultos consideraram ter amigos e que muitos deles descreveram que a questão das amizades melhorou na vida adulta em relação à infância, incluindo a presença de amigos com NF1 17.
O retraimento social descrito na NF1 2,14,17 ainda não está completamente explicado na literatura. Não se sabe se resulta exclusivamente das vivências de estigmatização e bullying ou se alguma alteração na expressão genética interfere 3, por exemplo, a partir de problemas cognitivos gerais derivados de dificuldade na velocidade do processamento de informações e déficit do controle cognitivo, resultando em pior performance 4.
A influência em aspectos psicoemocionais, de forma geral, não aparentam estar necessariamente associados com a gravidade física da doença 5,6,9,10,11,17,19,20 exceto em quando a gravidade foi relacionada ao funcionamento neurocognitivo 4,18.
Já quando a avaliação da doença é comparada com a visibilidade dos sintomas, os dados são mais concordantes em apontar associações 1,2,6,17,19. Ainda assim, há discordâncias. Enquanto para Caballo et al. (2023) a maior visibilidade dos sintomas foi associada a ansiedade severa 21, outros resultados não associaram os sintomas emocionais à visibilidade do sintoma, mas a dificuldades de aprendizagem 12,18.
Em estudo qualitativo realizado com perguntas semiestruturadas realizado no Centro de Referência em Neurofibromatose-MG (CRNF-MG) no Brasil, alguns entrevistados descreveram o enfrentamento da doença como sendo “normal, natural”, enquanto outros focaram em sentimentos negativos de medo e consequências negativas da doença por limitações e constrangimentos sociais, reforçando que a experiência com NF1 varia de sujeito para sujeito 22.
Sintomas psicológicos classificados como internalizantes (que são aqueles nos quais a reação é voltada da pessoa para ela mesma) como ansiedade, depressão e retraimento social 5,9,18,19 foram descritos com mais frequência e concordância entre os autores, que sintomas classificados como externalizantes (aqueles em que a reação é direcionada principalmente a uma ação que repercute no ambiente de um indivíduo), como impulsividade e agressividade 18 que foram menos presentes ou presente apenas em idades mais precoces 4.
A depressão e a ansiedade são condições presentes na população em geral. O aumento dos transtornos ansiosos e depressivos vem sendo associado a questões contemporâneas, como o estilo de vida atual da sociedade, centrada em alta performance, em padrões estéticos e comportamentais, nos quais há valorização da pessoa multitarefas, extrovertida e comunicativa. Na NF1, a presença de doenças psiquiátricas, como depressão, ansiedade e estresse foi associada a reações subjetivas diante das desfigurações decorrentes das alterações estéticas, vivências de estigmatização e alterações no estilo de vida 19.
Enquanto a ansiedade tem se mostrado como um achado concordante entre os autores, os dados relativos à depressão apresentaram menos concordância 4,9,18,23. Possíveis explicações apresentadas são diferentes delineamentos dos estudos, como faixa etária estudada e critérios para a mensuração dos dados. Por exemplo, há diferenças entre as respostas quando as escalas de avaliação são preenchidas pelos profissionais, pelos familiares, pelos professores ou pela própria pessoa com NF1 18,24,25.
Uma alteração mais branda do humor, a distimia, foi avaliada como diagnóstico psiquiátrico mais comum em avaliação longitudinal de 12 anos 13, que também indicou que vivências de estigmatização podem estar envolvidas. Sinais mais graves de depressão com ocorrências de ideações de autoextermínio (IAE) foram descritas em 16% das crianças com NF1 em comparação com 6% dos irmãos sem a doença 9 e em 45% de entrevistados adultos com NF1 contra 10% dos controles sem NF1 26.
Há ainda muito desconhecimento sobre a NF1, o que dificulta a identificação de sinais e sintomas por familiares e o diagnóstico da NF1 por profissionais 22,27. Essa falta de informações e referências sobre a NF1 para a sociedade leva a uma situação de invisibilidade social da doença apesar da visibilidade dos sintomas físicos e comportamentais 22.
Alguns centros de tratamento têm utilizado mídias sociais como instrumento de divulgação de informações técnicas e mesmo como meio para favorecer o encontro de pessoas com NF1 e familiares, como a Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses (AMANF). Isso é importante, sobretudo no que se refere à ampliação do acesso a informações e construção de redes de suporte e troca de experiência.
Se por um lado a tecnologia pode aproximar as pessoas e há ganhos válidos com isso (teleconsultas, facilitação do acesso de pessoas com menor mobilidade etc.), algumas pessoas que não se sentem capazes de se utilizar dela podem sentir o efeito contrário, aumentando o sentimento de auto culpabilização e solidão para quem já se sentia à margem. Além disso, a exposição maior pode ser mais um canal para que se experimente bullying, o cyberbullying 21.
Em resumo, apesar das diferenças individuais, em geral o impacto psicológico da NF1 para as pessoas com NF1 é:
- Avaliado de forma diferente por profissionais, familiares ou a própria pessoa;
- Menos afetado pela gravidade da doença do que pelas dificuldades de aprendizagem, pela visibilidade dos sintomas os constrangimentos sociais vividos em situações de estigmatização, discriminação e bullyng;
- Diferente ao longo das etapas da vida (infância, adolescência, vida adulta);
- Manifestado mais comumente por sintomas psicológicos internalizantes, em destaque para a ansiedade, do que sintomas externalizantes.
Propostas
Diante dos impactos psicossociais da NF1, Johnson et al. (1999) propõe quatro ações 9:
1 – orientar os pais de crianças com NF1 quanto risco aumentado de problemas sociais e afetivos;
2 – avaliar periódica das crianças com NF1 e tratamento dos problemas de linguagem, motores e cognitivos, visando à possível redução de problemas sociais e emocionais;
3 – encaminhar para avaliação psiquiátrica e/ou psicológica padronizada nos casos de problemas sociais e afetivos;
4 – ampliar as possibilidades de intervenção terapêutica pelos centros de tratamento, buscando prevenir e tratar esses problemas.
Tendo em vista que os familiares também estão sob estresse e respondem emocionalmente às questões atreladas à NF1 17,27 faz-se importante um espaço de escuta e acolhimento para eles. Além disso, um suporte familiar adequado favorece que o apoio social para a pessoa com NF1 seja de melhor qualidade, possibilitando efeitos protetores na qualidade de vida das crianças e adolescentes com NF1 5 e mesmo de adultos 23.
A imprevisibilidade do desenvolvimento da doença é um fator que a torna difícil para se compreender e para se enfrentar 1 além de mais ansiogênico 2. Por essa razão, o olhar dos profissionais é fundamental na identificação dos sinais psicoemocionais, para orientação e encaminhamentos adequados. O relato de David 16 relembra de uma ação simples, mas nem sempre bem utilizada. Uma pergunta cotidiana: “como você está se sentindo?” acompanhada por uma abertura sincera pelo profissional a uma escuta atenta da pessoa é indispensável na identificação precoce ou mesmo a tempo de fatores que possam sugerir sofrimento psíquico, incluindo aqueles com maior intensidade. Essas respostas podem incluir as IAE. Nesse caso, o profissional deve estar preparado e conhecer sobre a rede de atendimento psicossocial local para referenciar a pessoa ao cuidado necessário.
Acerca das IAE alguns mitos precisam ser desfeitos, como orienta a Cartilha de Prevenção ao Suicídio do Ministério da Saúde: falar sobre morrer não incentiva um ato de tentativa de autoextermínio, ao contrário, pode auxiliar a apaziguar a pessoa com uma escuta acolhedora e mesmo prevenir o ato 28.
Referências
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22- Cerello AC, Gianorlodi-Nascimento IF, Moreira AH, Rocha VS, Ribeiro LM, Rezende NA. Representações sociais de pacientes e familiares sobre neurofibromatose tipo 1. Ciênc. saúde coletiva. 2013; 18 (8) Ago.
23- Buono FD, Sprong ME, Paul E, Martin S, Larkin K, Garakani A. The mediating effects of quality of life, depression, and generalized anxiety on perceived barriers to employment success for people diagnosed with Neurofibromatosis Type 1. Orphanet J. Rare Dis. 2021; 16, 234.
24- Pasini A, Lo-Castro A, Di Carlo L, Pitzianti M, Siracusano M, Rosa C, Galasso C. Detecting anxiety symptoms in children and youths with neurofibromatosis type I. American Journal of Medical Genetics, Part B: Neuropsychiatric Genetics. 2012; 159B(7), 869–873.
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26- Berardelli I, Maraone A, Belvisi D, Pasquini M, Giustini S, Miraglia E, Iacovino C, Pompili M, Frascarelli M, Fabbrini G. The importance of suicide risk assessment in patients affected by neurofibromatosis. International Journal of Psychiatry in Clinical Practice. 2021; 25(4), 350–355.
27- Quintais ALS. Neurofibromatose Tipo 1: Principais Preocupações de Doentes e Cuidadores de Doentes. (Dissertação) Mestrado Integrado em Psicologia. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. Luísa Barros (orientadora). 2008. 56p.
28- Brasil. Cartilha de Prevenção ao Suicídio. Sem data. Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/consulado-miami/assistencia-a-brasileiros/cartilha-de-prevencao-ao-suicidio
Recebemos duas perguntas de uma leitora de Curitiba:
“No caso do câncer de mama relacionado à neurofibromatose, há responsividade a hormônios (como o estrogênio, por exemplo), como no caso de alguns tipos de cânceres de mama?
Para mulheres com neurofibromatose há alguma contraindicação no uso de alguns tipos de anticoncepcionais devido ao risco aumentado de câncer de mama que essas mulheres já apresentam?”
Solicitamos a ajuda da Dra. Luiza de Oliveira Rodrigues e Dra. Débora Balabram que responderam abaixo. Para informações gerais sobre câncer de mama nas pessoas com NF1 clique aqui.
São ótimas perguntas.
Sobre os subtipos de câncer de mama na NF1:
Um estudo de 2016, do grupo da Dra. Juha Peltonen (ver aqui, em inglês), resume bem o problema e sugere que, assim como em outras condições genéticas que aumentam risco de câncer de mama (BRCA1/2, Li-Fraumeni (TP53), PTEN etc.), os tumores tendem a ser mais agressivos nas mulheres com NF1, com menor percentual de tumores responsivos ao estrogênio, conforme a leitora nos perguntou. Outro estudo, da Dra. Ann Lee e colaboradores (2018, ver aqui em inglês) confirma estas informações.
Sobre os anticoncepcionais:
Embora haja evidências sugerindo um risco modestamente aumentado de câncer de mama com o uso atual ou recente de anticoncepcional oral, esse risco diminui ao longo do tempo após a cessação do uso.
O aumento absoluto do risco é relativamente pequeno, e os benefícios dos anticoncepcionais orais, incluindo eficácia contraceptiva e redução potencial no risco de câncer de ovário, devem ser ponderados em relação a esse risco. Em mulheres sem mutações genéticas, o aumento de risco de câncer foi de mais um caso para casa 7690 mulheres que fizeram uso da medicação por um ano (ver referência 3 abaixo).
Mais pesquisas são necessárias para esclarecer o risco associado a formulações de anticoncepcionais orais mais recentes e em populações específicas, como portadoras da mutação BRCA1/2 (ver referência 1 abaixo).
A literatura médica não aborda especificamente o risco de câncer de mama associado ao uso de anticoncepcionais orais em mulheres com neurofibromatose tipo 1 (NF1). Mas, considerando seu aumento de risco de CA de mama semelhante ao do BRCA2, parece-nos prudente seguir as recomendações para esse grupo.
Além disso, a expressão de receptores de progesterona em neurofibromas foi observada, mas a maioria das mulheres com NF1 que usam anticoncepcionais orais não relataram crescimento significativo de neurofibroma.
Contraceptivos orais, incluindo preparações de estrogênio-progestogênio e progestogênio puro, têm sido usados por mulheres com NF1 sem crescimento significativo de neurofibromas associados na maioria dos casos.
No entanto, houve relatos de crescimento tumoral significativo em uma pequena porcentagem de mulheres usando contraceptivos de depósito contendo altas doses de progesterona sintética [ver referência 2 abaixo]. Isso sugere que, embora os contraceptivos orais possam ser uma opção viável, pode ser necessário cuidado com formulações de depósito.
Dado o aumento do risco de câncer de mama, métodos contraceptivos não hormonais, como dispositivos intrauterinos de cobre (DIUs), podem ser considerados, pois não envolvem exposição hormonal.
Além disso, métodos de barreira ou soluções permanentes, como laqueadura, podem ser alternativas, dependendo dos planos reprodutivos e do perfil de risco do indivíduo.
Referências
- Oral Contraceptives and Risk of Breast Cancer and Ovarian Cancer in Women With a BRCA1 or BRCA2 Mutation: A Meta-Analysis of Observational Studies. Park J, Huang D, Chang YJ, Lim MC, Myung SK. Carcinogenesis. 2022;43(3):231-242. doi:10.1093/carcin/bgab107
- Care of Adults With Neurofibromatosis Type 1: A Clinical Practice Resource of the American College of Medical Genetics and Genomics (ACMG). Stewart DR, Korf BR, Nathanson KL, Stevenson DA, Yohay K. Genetics in Medicine: Official Journal of the American College of Medical Genetics. 2018;20(7):671-682. doi:10.1038/gim.2018.28.
- Contemporary hormonal contraception and the risk of breast cancer. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29211679/
Dando prosseguimento à nossa divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em dezembro de 2024, apresentamos o texto fundamental da Dra. Luciana Baptista Pereira, professora de Dermatologia na Faculdade de Medicina da UFMG, com informações muito importantes que faltavam em nosso site, o que vem ampliar nosso conhecimento sobre a NF1. Muito obrigado, em nome de toda a equipe do CRNF.
Dr. Lor
Professora Luciana Baptista Pereira
Dermatologista e Professora da
Faculdade de Medicina da UFMG
MANCHAS CAFÉ COM LEITE
As manchas café com leite (MCL) estão presentes no primeiro ano de vida em 99% das crianças que posteriormente serão diagnosticadas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1). São o sinal mais comum e mais precoce, seguidas pelas efélides axilares ou inguinais (Nunley et al. 2009). Apesar disso, as MCL não são patognomônicas da NF1. Uma única MCL está presente em cerca de 2,5% dos neonatos em estudos populacionais (Shah 2010) e, em um estudo brasileiro, percentual semelhante foi encontrado: as MCL foram encontradas em 2,8% dos recém-nascidos examinados nas primeiras 36 horas de vida. (Pereira 1999)
As MCL podem aumentar em número até os 2 a 4 anos de idade, sendo incomum surgirem após os 6 anos a não ser em pacientes com NF1, cujo número pode aumentar até a adolescência e vida adulta. (Boyd 2010; Shah 2010) A possibilidade das MCL estarem presentes de forma isolada, sem associação com outras alterações, é inversamente proporcional ao seu número. Uma criança com 3 ou mais MCL deve ser avaliada cuidadosamente pela possibilidade de haver associação com síndromes, pois a presença de mais que 3 MCL são detectadas em apenas 0,3% das crianças sem evidência de desordem genética. (Nunley et al. 2009) Quanto maior for o número de MCL, maior a probabilidade do diagnóstico ser NF1. A presença de seis ou mais MCL maiores que 5 mm em indivíduos pré-puberais e 15 mm em adultos é um dos critérios diagnósticos da NF1.
Além do número, as características morfológicas das MCL são importantes para o diagnóstico. As MCL se tornam visíveis ao nascimento ou nas primeiras semanas de vida. A cor geralmente é uniforme, variando do marrom claro ao escuro. A cor pode variar entre as manchas do mesmo indivíduo e entre indivíduos diferentes, tendendo a ser mais escuras nos negros e mais claras nas pessoas brancas. (Shah 2010) (Friedman 2016)
As MCL são maculares, sem nenhuma alteração do relevo. Se houver alguma alteração no relevo, o diagnóstico de neurofibroma plexiforme se torna mais provável. (Friedman 2016) – Figura 1 A – As máculas hipercrômicas com alteração de relevo subjacente no tórax em paciente com NF1 – o diagnóstico é neurofibroma plexiforme e não, mancha café com leite. Manchas café com leite podem ser vistas no abdome
Figura 1 – Lesões hipercrômicas. A – Neurofibroma plexiforme; B e C: Nevos de Becker mácula hipercrômica com bordas irregulares encimadas por micropápulas: a alteração de relevo afasta o diagnóstico de mancha café com leite; D: Mácula hipercrômica também chamada de mancha café com leite atípica.
O tamanho geralmente varia de 5 a 30 mm de diâmetro, mas podem ser maiores chegando a 20 cm. Crescem de forma proporcional ao crescimento da criança. A distribuição parece ser randomizada, poupando apenas o couro cabeludo, palmas e plantas, e são menos comuns na face. A cor e a distribuição das MCL não apresentam relação com a exposição solar (Boyd et al., 2010).
As MCL típicas da NF1 são ovaladas e apresentam bordas regulares, mesmo quando de tamanho maior. As manchas hipercrômicas que apresentam bordas irregulares, denteadas, são denominadas de MCL atípicas por não serem características da NF1. (Nunley 2009; Kehrer-Sawatzki 2022) Estas máculas hipercrômicas de bordas irregulares, denteadas, chamadas de MCL atípicas por vários autores, (Figura 1 D) são também denominadas de lesões hipermelanóticas segmentares e refletem um mosaicismo pigmentar e quando pequenas, são denominadas de nevos hipercrômicos. (Torrelo 2005) Essas lesões hipercrômicas de bordas irregulares correspondem ao inverso do nevo despigmentado.
Figura 2 – Outras lesões hipercrômicas: nevos hipercrômicos – também denominados de manchas café com leite atípicas – são máculas hipercrômicas de bordas irregulares, denteadas, segmentares – são o inverso do nevo despigmentado, também denominadas de lesões hipermelanóticas segmentares.
Figura 3 – Manchas café com leite típicas da NF1: máculas hipercrômicas com bordas regulares, ovaladas, de tamanhos variados, em grande número, com tonalidades diferentes entre pacientes ou mesmo, na mesma pessoa.
Do ponto de vista histológico, considera-se que a diferença de cor das MCL estaria na maior concentração de melanina nos melanócitos e nos queratinócitos e na presença de macromelanossomas. (Shah 2010, De Shepper et al, 2006). Questiona-se se há ou não diferenças histológicas entre as MCL da NF1 das demais MCL.
As MCL não apresentam tendência a malignização e os tratamentos tentados têm apenas objetivo cosmético. (Shah 2010) Vários tipos de laser têm sido tentados para clareamento das manchas, com resultados variáveis: pulsed dye laser, Er:YAG (erbium doped yttrium aluminum garnet), QS Nd:Yag (Q-switched neodymium-dopet yttrium aluminum garnet), QSRL (Q-switched ruby laser) e QSAL (Q-switched alexandrite laser). Um resultado satisfatório ocorre em cerca de 75% dos pacientes com uma taxa de clareamento maior que 50%. O laser QS-1064-nm Nd:YAG parece ser o mais eficaz com poucos efeitos colaterais. (Zi-Zhen 2023)
OUTRAS SÍNDROMES ASSOCIADAS COM MANCHAS CAFÉ COM LEITE
SÍNDROME DE LEGIUS
Na síndrome de Legius há múltiplas MCL em associação com efélides axilares e/ou inguinais, macrocefalia, pectus excavatum ou carinatum, polidactilia, lipomas, dificuldades de aprendizado, comportamento autista, dismorfismos faciais Noonan símile. Mas os pacientes não apresentam nódulos de Lisch, alterações ósseas, neurofibromas ou outros tumores de nervos periféricos como na NF1. A síndrome de Legius é indistinguível da NF1 em relação ao número, morfologia e padrão de distribuição das MCL. (Shah 2010)
SCHWANNOMATOSE (NF TIPO 2)
Embora os pacientes com Schwannomatose apresentem um número menor de MCL quando comparados com os pacientes com NF1, o número ainda é maior que o da população geral. As MCL não estão entre os critérios diagnósticos para a Schwannomatose, mas estão presentes em 33 a 43% dos pacientes. Além dos schwannomas vestibulares que são característicos dessa desordem, meningiomas, schwannomas espinhais e cutâneos podem estar presentes.
MÚLTIPLAS MANCHAS CAFÉ COM LEITE FAMILIARES
MCL múltiplas familiares são observadas em famílias sem outras características de NF1 ou outras síndromes. A ausência de neurofibromas, nódulos de Lisch e outras alterações fenotípicas nos faz pensar neste diagnóstico. Do ponto de vista genético não há mutações nos genes conhecidos das demais síndromes que cursam com MCL. Anteriormente eram categorizadas como NF6 na classificação de Riccardi.
SÍNDROME DE NOONAN
A síndrome de Noonan é uma desordem autossômica recessiva com mutações descritas em vários genes que pertencem a via RAS-MAPK. Caracteriza-se pelas seguintes alterações: baixa estatura, anomalias cardíacas, defeitos no tórax como pectus excavatum ou carinatum, retardo mental, hipertelorismo, ptose palpebral, fendas palpebrais inclinadas para baixo, orelhas com implantação baixa e rodadas posteriormente, fronte proeminente, filtro labial largo com bordas labiais proeminentes, pescoço largo, alterações hemorrágicas, presença de lentigos e manchas café com leite.
SÍNDROME DO CROMOSSOMO EM ANEL
MCL múltiplas tem sido relatadas em pacientes com síndromes do cromossomo em anel envolvendo os cromossomos 7, 11, 12, 15 e 17. Essas crianças tendem a apresentar uma variedade de outras anomalias congênitas, incluindo dismorfismo facial, microcefalia, clinodactilia, baixa estatura e déficits neurocognitivos. A possibilidade de didimose (“Twin spotting”) é sugerido pelo relato de crianças com MCL múltiplas associadas com máculas hipopigmentadas.
Figura 4: A: Manchas gêmeas (“twin spotting”) – manchas hipocrômicas (nevo despigmentado ou hipopigmentado) associadas com hipercrômicas; B: Mancha café com leite segmentar e terminando na linha média; C, D e E: Piebaldismo.
SÍNDROME MCCUNE-ALBRIGHT
As características principais incluem displasia fibrosa poliostótica, puberdade precoce, outras endocrinopatias como hipertireoidismo, hiperparatireoidismo, síndrome de Cushing, acromegalia, MCL grandes, segmentares e com bordas irregulares. As MCL têm uma predileção para áreas com proeminência óssea (fronte, nuca, tórax, nádegas e região sacral) e geralmente são unilaterais, não ultrapassando a linha média (padrão de mosaicismo em tabuleiro de xadrez).
SÍNDROME DE DEFICIÊNCIA CONSTITUCIONAL DO REPARO DO DNA
A síndrome da deficiência constitucional do reparo do DNA é causada por mutações em genes que fazem o reparo no DNA e caracteriza-se por uma alta prevalência de cânceres sincrônicos e metacrônicos na infância. Várias neoplasias podem ser detectadas antes dos 18 anos de idade: neoplasias hematológicas; carcinomas colorretais, do endométrio, intestino delgado, ureter, pelve renal, trato biliar, estômago, bexiga; tumores embriológicos, entre outros. Esses pacientes podem apresentar MCL, neurofibromas e efélides axilares de forma semelhante aos pacientes com NF1.
PIEBALDISMO
O piebaldismo é uma desordem autossômica dominante que se caracteriza pelas seguintes características fenotípicas: mecha branca frontal nos cabelos, mácula acrômica triangular na fronte, máculas acrômicas bilaterais no tronco e membros e manchas hipercrômicas (MCL) dentro das manchas acrômicas e na pele normal.
Figura 5 – A e B: Síndrome de Bloom; C e D: Anemia de Fanconi; E, F e G: Síndrome de Leopard.
SÍNDROME DE BLOOM
A síndrome de Bloom é uma doença autossômica recessiva causada por mutação no gene BLM 15q26.1. Caracteriza-se pela tríade: eritema telangiectásico na face, fotossensibilidade e retardo de crescimento. Os pacientes apresentam uma face estreita, pequena, triangular com nariz proeminente (face de passarinho). Podem apresentar também hipogonadismo, imunodeficiências e predisposição para desenvolvimento de malignidades. As MCL podem estar presentes em 50% dos casos e geralmente junto com manchas hipocrômicas, especialmente no tronco.
ANEMIA DE FANCONI
Caracteriza-se por baixa estatura, distúrbios pigmentares na pele (hipermelanose difusa, manchas café com leite, manchas hipocrômicas) presentes em 40% dos casos, malformações ósseas (defeitos no polegar e antebraços), renais, cardíacas, TGI, SNC, hipogonadismo, endocrinopatias. A falência da medula óssea ocorre em 90% dos casos e malignidades não hematológicas podem ocorrer em 20 a 30% dos casos.
SÍNDROME LEOPARD (LENTIGOS MÚLTIPLOS)
LEOPARD é um acrônimo que significa: Lentigos simples; alterações no Eletrocardiograma; hipertelorismo Ocular; cardiomiopatita Obstrutiva; estenose Pulmonar; Anomalias genitais e reprodutivas; Retardo de crescimento; surdez (Deafness).
Trata-se de uma doença autossômica dominante, alélica a síndrome de Noonan, caracterizada pela presença de lentigos que surgem após 4-5 anos de idade, aumentam em número até a puberdade e não acometem as mucosas. As MCL surgem antes dos lentigos e estão presentes em 70 a 80% dos pacientes. Nesta síndrome há também manchas mais escuras e maiores que os lentigos denominadas manchas café noir.
OUTRAS MANIFESTAÇÕES DERMATOLÓGICAS PRESENTES NA NF1 ALÉM DAS MCL
EFÉLIDES NAS DOBRAS CUTÂNEAS (SINAL DE CROWE)
As efélides são a segunda característica mais comum na NF1. Geralmente surgem entre 2 a 3 anos de idade, nas axilas e/ou virilhas, surgindo portanto, mais tardiamente, quando comparadas com as MCL. Cerca de 90% dos adultos com NF1 tem efélides nas axilas e virilhas. Podem ocorrer também no pescoço, mamas, região perioral, proximal dos membros e mesmo tronco, mas nestes locais não são consideradas critério diagnóstico para NF1. Variam de 1 a 3 mm, distinguindo assim, das MCL. (Boyd et al., 2009)(Friedman 2016)
O termo efélides é utilizado para descrever manchas pequenas, hiperpigmentadas encontradas apenas em áreas expostas ao sol, principalmente em indivíduos de pele clara. Contrariando esta descrição, na NF, a mesma denominação é utilizada para manchas de aspecto similar, mas presentes principalmente em áreas de dobras e não expostas ao sol.
Os achados histológicos são idênticos aos das MCL e alguns autores as consideram como MCL pequenas e agrupadas. Quando apenas as MCL e efélides axilares /inguinais estão presentes, o diagnóstico de síndrome de Legius deve ser considerado.
Figura 6 – A e B: Manchas café com leite e efélides axilares e cervicais; C: disseminadas.
HIPERPIGMENTAÇÃO DIFUSA GENERALIZADA
Uma hiperpigmentação generalizada é encontrada nos pacientes com NF1 quando comparados com pais e irmãos não acometidos. Uma hipótese para explicar esta alteração é que essa hipercromia seria pela mutação nas células germinativas e as MCL seriam secundárias a pelo menos uma segunda mutação (mutações nas células germinativas e somáticas). Nos pacientes com neurofibromatose segmentar pode haver uma hiperpigmentação de base no seguimento anatômico acometido. (Boyd 2009)
NEUROFIBROMAS
Os neurofibromas são outro sinal marcante da NF1. Podem ocorrer em qualquer lugar do corpo e apresentam grande variação na forma e tamanho. (Boyd 2009) Os neurofibromas dérmicos geralmente surgem na adolescência e raramente são detectados na infância.
Há 3 tipos histológicos de neurofibromas: endoneurais, perineurais e epineurais e sua distinção é importante pois sua evolução natural é bastante diferente. Os axônios com sua bainha de mielina se agrupam formando feixes interligados por uma membrana de tecido conjuntivo chamada endoneuro. Em volta destes feixes, há o perineuro. E vários feixes são cobertos por uma membrana mais externa, denominada epineuro.
Figura 7 – Diagrama dos diferentes tipos de neurofibromas e fotos correspondentes.
Neurofibromas cutâneos
Neurofibromas endoneurais (cutâneos ou dérmicos ) derivam do endoneuro dos nervos sensitivos terminais cutâneos e são constituídos de células de Schwann, fibroblastos, células endoteliais, perícitos e mastócitos. Podem ser sésseis, achatados ou pedunculados; macios ou com a consistência de borracha; cor da pele a ligeiramente hipercrômicos; tamanhos variados (alguns mm a vários cm). Podem ser dolorosos e/ou pruriginosos. Geralmente surgem na puberdade e podem aumentar de tamanho e número na vida adulta. Além da puberdade, a gravidez é outro período que propicia aumento no número e tamanho dos neurofibromas. (Friedmann 2016)
Os neurofibromas cutâneos provocam grandes problemas para os pacientes com NF1, dependendo da visibilidade, do número e tamanho desses tumores. (Boyd 2009) A excisão cirúrgica com fechamento primário pode ser realizada. A eletrodissecção é uma técnica que permite retirar um número maior de lesões. (Lutterodt 2016)
Neurofibromas subcutâneos
Neurofibromas subcutâneos são revestidos pelo perineuro. Podem formar cordões com vários neurofibromas ao longo do trajeto de um nervo, como contas de um rosário. Apresentam consistência mais endurecida que os neurofibromas cutâneos. Geralmente surgem nos primeiros 5 anos de vida portanto, mais precocemente quando comparados com os neurofibromas cutâneos. Podem crescer ao longo da vida, causar desconforto como dor e/ou prurido e sofrer transformação maligna.
Neurofibromas plexiformes
Os neurofibromas plexiformes (epineurais) ocorrem em cerca de 30-50% dos pacientes com NF1. (Hirbe 2014) São congênitos, o que ajuda diferenciá-los dos neurofibromas cutâneos e subcutâneos. Apresentam pele sobrejacente hipercrômica, com ou sem hipertricose, podendo ser confundido com uma MCL ou nevo melanocítico congênito. (Hernández-Martin 2016). Crescem principalmente nas primeiras 3 décadas de vida no trajeto de um nervo. Podem ser muito grandes e pesados, desfigurantes e interferirem com a função da área acometida. A malignização dos tumores neurais da NF1 usualmente ocorrem em neurofibromas plexiformes, em cerca de 8 a 15% dos pacientes. Dor e crescimento rápido destes tumores é um sinal de alerta importante. A malignização geralmente ocorre na adolescência ou vida adulta. Os neurofibromas plexiformes podem ser internos. (Boyd 2009, Riccardi 2016, Friedman 2016)
NEUROFIBROMAS NA CAVIDADE ORAL
Neurofibromas na cavidade oral ocorrem em 4-7% dos pacientes com NF1 e se apresentam como tumores de tamanhos variados, não dolorosos, localizados principalmente na língua, palato, mucosa bucal e alveolar e assoalho da boca. Quando traumatizados, podem causar sintomas. Exérese cirúrgica, eletrocauterização ou laser diodo ou erbium podem ser realizados. (Angiero 2016)
MÁCULAS PSEUDOATRÓFICAS E AZUL AVERMELHADAS
São variantes incomuns dos neurofibromas. A mácula azul avermelhada foi descrita como uma lesão de limites mal definidos, consistência macia, localizada no tronco. Surgem um pouco antes ou durante a adolescência e ficam levemente elevadas com o tempo. Histologicamente, caracterizam-se pela presença de vasos com parede espessada e lúmen largo e células neurais na derme papilar e reticular. (Boyd 2009)
As máculas pseudoatróficas são lesões ovais, levemente deprimidas, medindo 5 a 10 cm. A cor e textura são semelhantes às da pele normal, mas quando comprimidas, demonstram uma perda do tecido subcutâneo subjacente. O exame histológico demonstrou redução do colágeno na derme reticular e substituição por tecido neuroide composto por células de Schwann, fibroblastos e vasos (hipoplasia dérmica neurofibromatosa). (Boyd 2009)
XANTOGRANULOMA JUVENIL
A tripla associação, NF1, xantogranuloma juvenil e leucemia mielomonocítica, é questão de debate. Há relatos na literatura demonstrando uma prevalência de xantogranuloma juvenil em 9 a 30% dos pacientes com NF1. Esta prevalência muda com a idade, porque os xantogranulomas podem já ter regredido na época em que o diagnóstico de NF1 é definido. A maioria dos xantogranulomas regride antes dos 5 anos de idade. (Jans 2015; Fenot 2014). O risco de desenvolver leucemia mieloide mielomonocítica juvenil é 200 a 500 vezes maior em crianças com NF1. A leucemia mieloide mielomonocítica juvenil surge habitualmente antes dos 6 anos de idade, portanto deve ser pensada em crianças que tenham sinais sugestivos ou diagnósticos de NF1 e lesões de xantogranuloma juvenil. (Jans 2015) (Boyd 2009)
Figura 8. Outras lesões cutâneas que podem ser encontradas nas pessoas com NF1. A: nódulos amarelo-hipercrômicos, um xantogranuloma juvenil; B: nevo anêmico.
OUTROS TUMORES
Postula-se uma maior chance dos pacientes com NF1 em ter tumor glômico. O reconhecimento é importante por ser um tumor doloroso e a exérese cirúrgica é curativa. (Boyd 2009) Rabdomiossarcoma, feocromocitoma, tumores no trato gastrintestinal, câncer de mama em mulheres abaixo de 50 anos são mais frequentes em pacientes com NF1. (Friedman 2016) Em relação ao melanoma, a relação é controversa. A presença de melanomas mais espessos em pacientes com NF1 pode ser pela grande quantidade de lesões pigmentadas nestes pacientes, o que pode ocasionar demora no diagnóstico. (Boyd 2009) Lipomas também ocorrem mais frequentemente em pacientes com NF1.
NEVO ANÊMICO
Embora a primeira descrição da associação entre nevo anêmico e NF1 ter sido feita por Naegeli em 1915 e novamente relatada por outros autores em 1969 e 1970, essa associação recebeu pouca atenção até há poucos anos. (Hernández-Martín 2015) A partir de 2013, séries com grande número de pacientes com NF1 e nevo anêmico foram publicadas, demonstrando uma prevalência dessa associação em cerca de 50% dos pacientes. O nevo anêmico encontra-se especialmente no tronco, principalmente na região anterior da parede torácica e esternal, mas pode estar presente em qualquer local do corpo. O tamanho é variável, sendo frequentemente múltiplo. Anormalidades vasculares tem sido descritas em pacientes com NF1, principalmente nas artérias renais e cerebrais. (Hernández-Martín et al., 2015) A presença do nevo anêmico pode ser útil para diferenciar NF1 de outras genodermatoses que apresentam MCL e efélides.
PRURIDO
O prurido é uma manifestação relativamente comum na NF1, estimado ser uma queixa em cerca de 20% dos pacientes. (Brenaut 2016). Quando generalizado, parece estar associado a um maior número de mastócitos nos neurofibromas. Pode ser localizado, considerado como uma causa de prurido neuropático, por tumores no sistema nervoso central (medular ou encefálico). Geralmente está associado a outros sintomas como dor, alodinia, parestesias, hiperestesias ou sensações de choque. (Boyd 2009; Brenaut 2016)
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