Este espaço é destinado a opinião de pessoas com experiência em diversos assuntos relacionados com as neurofibromatoses.
Os testes genéticos podem ser úteis na orientação clínica das pessoas com neurofibromatose (ver aqui) e diante do resultado do painel genético indicando o diagnóstico de Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) as pessoas querem saber o que ele significa em termos de gravidade e quais as consequências e complicações que podem ocorrer.
Para conhecer os diferentes níveis de gravidade da NF1 clique aqui e para lembrar as complicações possíveis clique aqui.
A NF1 é causada por alterações no DNA de uma pessoa, ou seja, no seu código genético.
Para quem conhece pouco sobre genética, faço uma rápida explicação sobre o código genético na NF1.
O código genético são sequências de letras (que representam substâncias químicas chamadas bases nitrogenadas A, C, T e G), que formam os genes que estão incluídos no DNA de uma pessoa.
Os genes são instruções para a produção das proteínas necessárias para a vida, por exemplo, a proteína neurofibromina, que é fundamental para o desenvolvimento do cérebro, da pele, dos ossos e músculos.
Imagine que numa criança o código do gene para formar a neurofibromina seriam as duas sequências de letras abaixo (vou trocar as letras A, C, T e G, por letras comuns do nosso alfabeto).
A primeira (em negrito), a criança recebeu de sua mãe (no óvulo) e a segunda recebeu de seu pai (no espermatozoide):
A NEUROFIBROMINA É UMA PROTEÍNA IMPORTANTE
A NEUROFIBROMINA É UMA PROTEÍNA IMPORTANTE
Para a formação adequada da criança, as duas cópias (as duas frases) precisam estar escritas corretamente.
Agora, imagine que houve um erro de cópia do DNA na formação do espermatozoide e o código paterno veio faltando algumas letras, o que chamamos de variante (antes era chamada de mutação):
A NEUROFIBROMINA É UMA PROTEÍNA IMPORTANTE
UMA PROTEÍNA IMPORTANTE
Quando isso acontece, o código materno sozinho precisa produzir neurofibromina correta para o desenvolvimento da criança. Mas essa quantidade de neurofibromina materna geralmente não é suficiente e então surgem as manifestações da NF1 (manchas, dificuldades de aprendizado, tumores etc.).
No exemplo acima, a variante foi a perda de um pedaço do gene (que chamamos de deleção) no material genético paterno (90% das vezes), mas pode ocorrer também no material genético materno (10% das vezes) e, nesse caso, geralmente a NF1 se manifesta de forma mais grave.
Além das deleções, as variantes podem ser de outros tipos, como a troca ou inclusão de uma ou mais letras, que também produzem proteínas defeituosas.
Quando a variante não atrapalha muito a neurofibromina e o funcionamento das células é normal, chamamos de variante benigna. Ou seja, a NF1 não se manifestará.
Quando a variante causa a neurofibromina defeituosa, ela produz sinais e sintomas da NF1, então chamamos de variante patogênica (“pato” quer dizer doença e “gênica” quer dizer que dá origem).
Entre as variantes benignas e patogênicas existem outras com menor certeza de que produzirão a NF1 e são chamadas de “provavelmente benignas (90% de chance)”, ou “de significado incerto (50% de chance)” ou “provavelmente patogênicas (90% de chance de aparecerem manifestações da NF1)”.
Com estes conhecimentos acima, podemos compreender se existe relação entre a alteração genética encontrada no exame e as manifestações da NF1.
Sim, em cerca de 10 a 15% das pessoas com NF1 o exame genético pode oferecer informações sobre como a doença pode evoluir (ver aqui o artigo original em inglês sobre isso).
Dentre as 3.197 variantes já conhecidas no gene NF1 (até 2022), apenas 4 tipos de alterações genéticas são variantes que comprovadamente indicam manifestações clínicas mais graves ou menos graves.
Além destas 4, a maioria das demais variantes produz proteínas defeituosas que geram as manifestações clínicas variáveis e imprevisíveis nas pessoas com NF1.
Manifestações clínicas mais graves
- Deleções completas do gene são as mais conhecidas e causam os casos mais graves (5 a 10% de todas as pessoas com NF1). Para saber mais sobre as manifestações clínicas mais graves das deleções clique aqui (artigo em inglês).
- Um grupo de variantes nos códons 844-848, que ocorrem em 1,6% das pessoas com NF1 e que mudam o sentido da proteína (misense). Isto causa manifestações clínicas mais graves em 75% das pessoas que possuem estas variantes. Para saber mais clique aqui (artigo em inglês).
Manifestações clínicas menos graves
- A variante descrita nos laudos como 2970-72delATT – p.Met992del é encontrada em cerca de 0,78% das pessoas com NF1. Elas apresentam apenas manchas café com leite, efélides axilares e metade delas apresenta dificuldades cognitivas, mas não apresentam neurofibromas, nem gliomas e nem transformações malignas (ver aqui mais informações – artigo em inglês). Assim, as manifestações desta variante são muito semelhantes às das pessoas com Síndrome de Legius, então, sempre que pensarmos em Legius podemos considerar a análise genética.
- Variante descrita no laudo como 5425C>T – p.Arg1809Cys – encontrada em cerca de 1,2% das pessoas com NF1, que produz apenas manchas café com leite, baixa estatura, dificuldades cognitivas e estenose pulmonar, mas sem neurofibromas (Ver aqui e aqui mais informações sobre as manifestações clínicas desta variante – artigos em inglês).
Se não for uma destas 4 variantes acima, por enquanto, todas as demais podem apresentar as diversas manifestações clínicas da NF1, além das manchas café com leite e efélides.
É importante lembrar que, independentemente do tipo de variante, a maioria das pessoas apresenta apenas algumas das manifestações da NF1 e raríssimas pessoas apresentam todas as manifestações da doença (ver aqui).
Outras variantes com possível relação com as manifestações clínicas, mas ainda não confirmadas:
- Variante p.Met1149 apenas manchas café com leite (aqui)
- Variante p.Arg1038Gly apenas manchas café com leite (ver aqui).
- Variante p.Arg1276 relacionada com neurofibromatose espinhal familial (ver aqui).
- Pessoas com NF1 e com gliomas ópticos e determinado tipo de variante (ver aqui).
- Pessoas com NF1 e estenose pulmonar (ver aqui).
- Algumas variantes talvez relacionadas com dificuldades cognitivas (ver aqui)
- Variantes p.Arg1276 e p.Lys1423 talvez associadas a características da Síndrome de Noonan com anormalidades cardiovasculares (aqui)
- Variante p.R1241* associada com alterações cerebrais estruturais (ver aqui)
- Variante p.Y2285* relacionada com muitos nódulos de Lisch e problemas endocrinológicos (ver aqui)
- Veja outras estão em estudo (ver aqui), além de uma série de variantes já descritas nas pessoas com NF1 ( clique aqui).
Outras correlações genéticas com a NF1
Um estudo realizado na China recentemente que tentou encontrar relações entre as manifestações clínicas com as variantes conhecidas no gene NF1 (ver aqui – em inglês).
No geral, a equipe de cientistas chegou às mesmas conclusões acima, mas apresentou algumas correlações da clínica com a genética que resumo abaixo e que precisam ser discutidas:
- Sugerem realizar sempre o painel genético em toda criança menor de 2,5 anos e com manchas café com leite.
- Suspeitam que a presença de Nódulos de Lisch seja sugestiva de variantes mais patogênicas.
- Os neurofibromas plexiformes volumosos (mais de 3 litros) são 16 vezes mais comuns nas deleções e a presença de variante patogênica no gene SUZ12 aumenta a chance de transformação maligna.
- As dificuldades cognitivas parecem relacionadas com a isoforma 1 da neurofibromina expressa em alguns exons específicos.
- A displasia periapical do cemento dentário ocorre em 35% das mulheres com NF1, mas não em homens.
- Gliomas ópticos são mais comuns em mulheres.
- Alterações ósseas graves estão associadas com deleções e com variantes que mudam o sentido da proteína (frameshift).
- Retomaram a relação entre Vitamina D baixa e neurofibromas cutâneos.
- Sugerem relação entre transformação maligna e variantes nos códons 844-848 (ver acima).
- A relação entre câncer e NF1 parece clara no câncer de mama, mas ainda é controversa na leucemia mieloide crônica e precisa ser mais estudada.
Agradeço ao geneticista Dr. Salmo Raskin, que me inspirou e orientou nesta revisão
Telemedicina para pessoas com neurofibromatoses
Relato da experiência durante a pandemia de COVID (2020 – 2022) [1]
Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues (Dr. Lor)
Médico e Diretor Administrativo da Associação Mineira de Apoio aos Portadores de Neurofibromatose (AMANF) – Gestão 2022-2026
Nos seus primeiros meses, a pandemia de COVID interrompeu o atendimento médico no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRNF), localizado em Belo Horizonte, Minas Gerais, que vinha ocorrendo desde 2004 [2]. A solução para atender à grande demanda por atendimento foram as consultas por videoconferência, a chamada telemedicina, que passei a realizar alguns dias por semana, e que resultou no atendimento de cerca de 600 famílias, entre novas consultas e retornos.
A análise desta experiência, aparentemente inédita, pelo menos no Brasil, fornece alguns dados sobre a utilidade ou não da telemedicina para as pessoas com neurofibromatoses (ver aqui mais informações sobre as características clínicas deste grupo de doenças genéticas que apresentam em comum manifestações cutâneas e neurológicas).
Para tornar estas informações mais objetivas, revi os prontuários de 130 pessoas (27%) escolhidas de forma aleatória entre 478 novos atendimentos, mantendo o anonimato e privacidade das pessoas atendidas.
Na Parte 1 estão os principais resultados e, para quem desejar mais informações, na Parte 2 estão mais detalhes sobre como as consultas eram realizadas.
Parte 1
Fatores favoráveis
A principal vantagem das teleconsultas foi oferecer o atendimento médico parcial – sem exame físico – durante a pandemia, contornando as dificuldades impostas pelo isolamento social que foi necessário para conter a propagação da doença e das mortes enquanto não havia vacinas.
Este atendimento permitiu o esclarecimento diagnóstico e orientações para exames e tratamentos para (69%) das pessoas, provisoriamente, até o fim do distanciamento social.
No entanto, em 31% das vezes, as limitações do atendimento virtual (ver adiante) impediram a orientação clínica segura, exigindo um exame médico presencial.
Por meio da telemedicina foi possível atender pessoas residentes em outros estados brasileiros (71%) ou em locais distantes (ver mapa) sem condições econômicas para realizarem a viagem até o CRNF (39% das pessoas relataram renda mensal de zero a menos de 2 salários-mínimos).
Também foram atendidas algumas famílias – principalmente brasileiras emigrantes – em outros países: Argentina, Bulgária, Canadá, Estados Unidos, Hungria, Indonésia, Itália, Japão, Nigéria, Portugal e Rússia.
As consultas foram realizadas sem qualquer custo financeiro por parte das famílias, uma vez que elas foram vinculadas à agenda do CRNF, onde os atendimentos são realizados pelo Sistema Único de Saúde.
Outra característica do atendimento online foi a oportunidade de conhecer brevemente a intimidade das casas das pessoas atendidas, invertendo o padrão habitual, no qual os pacientes comparecem ao consultório. Este tipo de contato permitiu uma compreensão melhor do ambiente familiar, o que me parece ter ajudado na orientação de algumas condutas clínicas.
As teleconsultas permitiram a emissão de laudos técnicos para a maioria das pessoas (95%), os quais eram encaminhados a médicas e médicos locais ou a instituições de saúde ou previdência social. Aparentemente, estes laudos foram úteis para a orientação clínica à distância e obtenção de benefícios legais, incluindo as declarações de necessidades especiais.
Finalmente, as teleconsultas permitiram o aconselhamento genético para 70% das pessoas atendidas, as quais ainda não possuíam informações seguras sobre a hereditariedade das NF.
NF1
Na maioria das pessoas (92%) realizamos o diagnóstico de neurofibromatose do tipo 1 (NF1) e o atendimento online parece ter sido útil para aquelas que apresentavam as formas menos graves da doença, pois suas principais demandas eram esclarecimento diagnóstico (38%), orientações gerais e laudos técnicos.
As pessoas com as formas mais graves da NF1, que apresentavam demandas como dor, problemas neurológicos, suspeita de transformação maligna etc., geralmente não puderam ser avaliadas com segurança por videoconferência e exigiram novos exames clínicos presenciais (31%) para orientação adequada.
Schwannomatoses
As pessoas com Schwannomatoses (ligadas ao gene NF2 ou ao gene SMARCB1 ou ao gene LZTR1) corresponderam a 5,6% dos atendimentos. Ao contrário das pessoas com NF1, todas elas apresentavam problemas complexos que não puderam ser avaliados de forma segura por telemedicina, exigindo novo exame médico presencial ou o acompanhamento da teleconsultas por uma (o) colega médica (o) presente no local durante a videoconferência.
Fatores desfavoráveis
Sem dúvida, a principal desvantagem da teleconsulta é a impossibilidade do contato pessoal, que deve acontecer no atendimento presencial. O distanciamento físico na internet dificulta o relacionamento humano e o estabelecimento da confiança entre as pessoas, o que é fundamental para a orientação médica segura, especialmente quando envolve decisões delicadas e de risco.
A falta do exame físico (toque, ausculta, palpação, percussão, medidas neurológicas etc.) reduziu a observação clínica a uma inspeção visual por meio da câmera. Esta limitação da consulta online parece-me insuperável nos casos em que há outras manifestações clínicas (tumores, displasias, déficits neurológicos etc.), além das manchas café com leite e efélides.
Os problemas técnicos com o atendimento online limitaram em algum grau cerca de 30% das consultas e impediram totalmente cerca de 10% dos atendimentos. A maioria destes casos aconteceu em famílias de baixa ou nenhuma renda. Além da internet insuficiente e telefones celulares antigos, muitas pessoas não tinham habilitação digital suficiente para manter a conversação inteligível.
Solicitei pedidos de painel para os genes NF (NF1, NF2 e SPRED1) em 27% dos atendimentos, o que indica um aumento em relação à taxa habitual de cerca de 5% nas consultas presenciais no CRNF. Este aumento de exame genético provavelmente decorre da minha insegurança em geral com o atendimento online.
Conclusão
Minha experiência de telemedicina, provocada pela pandemia de COVID, mostrou que este tipo de atendimento para pessoas com neurofibromatoses pode ser útil em determinadas situações, mas apresenta limitações importantes.
Diante disso, penso que a teleconsulta para pessoas com NF deva ser realizada apenas quando o atendimento presencial não for possível ou, no máximo, como pré-consulta, enquanto se aguarda um atendimento presencial.
Parte 2 – Como as consultas eram realizadas
Agendamento
A maior parte da procura por consultas (66%) ocorreu após uma visita na página da AMANF ou a partir conhecimento do CRNF (14%). As demais procuras foram por indicações de profissionais da saúde e grupos de WhatsApp.
O contato inicial foi feito a partir de meu e-mail pessoal até que conseguimos um telefone da AMANF ou WhatsApp (31 99074 3011) e em seguida pelas secretárias da AMANF (Josiane Nery e Giorgete Viana).
Foi criada uma agenda por ordem de chegada e links para videoconferência para as 2 ou 3 consultas por dia, com uma hora de duração na plataforma Google Meeting, em 3 dias da semana, links estes que eram enviados por e-mail para as pessoas interessadas.
A maior parte dos atendimentos que realizei ocorreu nos dois primeiros anos da pandemia, quando não havia ainda a resolução do Conselho Federal de Medicina para telemedicina.
As consultas foram atendidas sem qualquer custo financeiro por parte das famílias, uma vez que elas foram vinculadas ao CRNF, onde os atendimentos são realizados pelo Sistema Único de Saúde.
Características das pessoas atendidas
Apresento, a seguir, algumas informações recolhidas dos prontuários de 130 pessoas escolhidas de forma aleatória (27%) dentre 478 novos atendimentos, mantendo o anonimato e privacidade das pessoas atendidas.
História familiar
Nesta amostra, que pode ser representativa dos demais atendimentos por telemedicina que realizei, observa-se que 25% das pessoas atendidas possuía um parente de primeiro grau com NF1.
Sabendo que em metade das famílias a NF1 ocorre como resultado de variantes herdadas, este dado acima sugere que a procura por telemedicina ocorreu mais frequentemente entre famílias com variantes novas do que naquelas nas quais o diagnóstico já era conhecido. Se isto for verdade, este dado parece coerente com a demanda principal da telemedicina por diagnóstico de variantes novas e em pessoas com formas menos graves.
Idade
A idade da população atendida foi de 9 anos (mediana), ou seja, basicamente crianças (56% do sexo feminino), cujas consultas foram agendadas geralmente por suas mães (que, por sua vez, tinham a mediana de idade de 41 anos). O pai destas crianças raramente estava presente à consulta.
Esta ausência paterna (masculina) tem sido observada também nos atendimentos presenciais no CRNF, provavelmente decorrente da estrutura patriarcal de nossa sociedade, que delega o cuidado da saúde da família às mulheres.
Renda
A renda das famílias atendidas foi próxima a 3 salários-mínimos (mediana) e variou de 0 a mais de 40. Cerca de 40% das famílias atendidas possuía renda inferior a 2 salários-mínimos.
Estes dados refletem a desigualdade social em nosso país e indicam que a condição econômica de grande parte das pessoas com NF faz com que elas dependam exclusivamente do SUS para os cuidados com a sua saúde.
Além disso, minha impressão atual é de que a baixa renda atrasa os diagnósticos e impede tratamentos complementares, aumentando a gravidade das manifestações e complicações das doenças.
Raça autodeclarada
A maioria das pessoas atendidas se declarou parda, embora muitas delas não soubessem responder à pergunta “qual é sua raça autodeclarada?” Algumas vezes, percebi desconhecimento e/ou desconforto com este assunto, provocando respostas do tipo: “como assim?” “ah, sei lá!”, “põe aí: moreninha”, “queimada de sol”, “mulata” e outras designações imprecisas.
Esta postura parece-me decorrente do racismo estrutural existente em nosso país, que dificulta a compreensão do significado social de raça e cor da pele.
Escolaridade
A faixa etária mediana (9 anos) das pessoas atendidas indica que a maioria ainda não havia frequentado escolas ou creches ou cursava os primeiros anos do ensino fundamental.
Vacinas
É importante registrar que mesmo estando numa epidemia que resultou em mais de 700 mil mortes no Brasil, apenas 67% das pessoas atendidas se declaram vacinadas contra a COVID – depois que as vacinas estavam disponíveis. As não-vacinadas alegaram desconfiança na “pressa” com que as vacinas foram oferecidas e em outras informações confusas e falsas disseminadas por negacionistas.
Motivos para as consultas
Os principais problemas mencionados para a realização das consultas estão apresentados na tabela abaixo e uma mesma pessoa podia apresentar mais de um motivo.
Tabela 1 – Motivos para as consultas
Diagnóstico e informações sobre NF1 | 38% |
Dificuldades cognitivas | 56% |
Desatenção e hiperatividade | 33% |
Transtorno no Espectro do Autismo | 24% |
Tratamento para neurofibromas: | |
cutâneos e subcutâneos | 34% |
nodulares | 40% |
plexiformes (*) | 34% |
Gliomas | 19% |
Escolioses | 12% |
(*) Destes, 2% em busca especificamente do quimioterápico selumetinibe.
Esta tabela demonstra que os problemas comportamentais e cognitivos são tão frequentes e importantes quanto os tumores nas pessoas com NF1.
Diante da grande demanda, fica evidente o quanto ainda precisamos de tratamentos efetivos para os diversos problemas causados pelas NF.
Perguntas, dúvidas e sugestões para completarmos esta análise serão bem vindas.
Enviar para rodrigues.loc@gmail.com
Grato
Dr. Lor
[1] Agradeço as leituras atentas e sugestões dos médicos Bruno CL Cota e Nilton A de Rezende.
[2] O atendimento médico no CRNF foi iniciado em 2004 pelos médicos e professores da UFMG Nilton Alves de Rezende e Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues e, a partir de 2018, também pelo médico do HC Bruno Cezar Lage Cota. A partir de 2021, o CRNF passou a ser coordenado pela médica e professora de pediatria da UFMG Juliana Ferreira de Souza.
Agradecemos à família que pediu informações sobre um estudo com uma droga chamada trametinibe para os neurofibromas plexiformes, que foi registrado na Suécia em 2019 – e deveria estar apresentando seus resultados em julho de 2023 (ver aqui detalhes do registro do estudo) .
ATENÇÃO – Por favor, leia com atenção o texto abaixo, ANTES DE NOS PEDIR RECEITA para usar este medicamento – como aconteceu com algumas pessoas nas primeiras horas depois que postamos esta informação.
O trametinibe é uma quimioterapia que age no organismo da mesma forma que o selumetinibe (são inibidores da via metabólica MEK1/2). O selumetinibe, já foi aprovado pela ANVISA, e sobre ele a equipe de médicas e médicos do Centro de Referência em Neurofibromatoses (CRNF) realizou um trabalho de esclarecimento (enviado inclusive para a ANVISA) que pode ser consultado aqui.
Trametinibe
Já existem alguns estudos sobre o uso do trametinibe no tratamento de pessoas com NF1 e neurofibromas plexiformes sintomáticos graves (com risco de vida) e que não podem ser tratados cirurgicamente.
O trametinibe também já foi utilizado em algumas pessoas com NF1 e gliomas sintomáticos graves, ou seja, tumores que estão reduzindo a visão e/ou produzindo puberdade precoce e outros problemas neurológicos.
Alguns casos raros graves de neurofibromas plexiformes podem ser beneficiados por medicamentos como o selumetinibe ou o trametinibe. Por isso, já indicamos para 2 crianças em cerca de 2 mil famílias no CRNF.
No entanto, aguardamos resultados de outros estudos científicos mais amplos sobre a verdadeira eficácia destes medicamentos e ainda não estamos convencides de sua indicação nos gliomas ópticos nas pessoas com NF1.
A informação mais objetiva que dispomos sobre o trametinibe, até o presente, é uma metanálise, ou seja, uma revisão de 8 estudos realizada em 2022, envolvendo o total de 92 pessoas com NF1 tratadas com trametinibe (ver aqui o trabalho original em inglês).
Esta revisão mostrou que o trametinibe parece estabilizar o crescimento dos tumores sem diminuir seu volume, e que a segurança do medicamento seria satisfatória, mas a qualidade científica destas pesquisas foi muito baixa ou, no máximo, moderada.
Em conclusão, precisamos de estudos científicos sobre trametinibe realizados com mais cuidados nas pessoas com NF1 para indicarmos o seu uso com segurança.
Quer entender por que os estudos com selumetinibe e trametinibe, até agora, são insuficientes?
Para compreendermos por que algumas pesquisas ainda são pouco conclusivas, vamos comentar o estudo sueco enviado pela família, porque ele é muito parecido com outros estudos realizados com o mesmo objetivo.
Começamos reproduzindo as palavras com as quais este novo estudo é descrito:
“Este estudo, Treatment of NF1-related plexiforme neurofibroma with trametinib; um estudo aberto de braço único com os objetivos de remissão parcial volumétrica e alívio da dor (EudraCT 2018-001846-32, protocolo patrocinador número BUS2018-1, número de referência relacionado da Novartis CTMT212ASE01T) é um ensaio clínico pediátrico que investiga o uso potencial de o medicamento trametinibe (Mekinist®) como tratamento para neurofibromas plexiformes (PN) sintomáticos ou com probabilidade de se tornarem sintomáticos relacionados à NF1 em crianças entre 1 ano e 17 anos e 11 meses de idade.”
Vamos entender o significado destas palavras destacadas em negrito, que geralmente são complicadas para a maioria das pessoas.
- Estudo aberto de braço único
Isto quer dizer que haverá apenas um grupo de 15 pessoas voluntárias, as quais receberão apenas o medicamento trametinibe, mas não haverá nenhum outro grupo de voluntários recebendo um placebo – num comprimido sem nenhum medicamento -, para que possa ser comparado o efeito da droga com o efeito psicológico, o chamado efeito placebo.
Em outras palavras, as pessoas voluntárias e os médicos saberão que elas estão usando o medicamento trametinibe, ou seja, pode haver uma sugestão psicológica que favoreça a resposta positiva das pessoas sobre um dos objetivos do estudo que é aliviar a dor.
Também não haverá a comparação dos possíveis efeitos do trametinibe com os efeitos de outra droga já usada para a mesma finalidade (o selumetinibe, por exemplo). Assim, não saberemos se nas mesmas condições o trametinibe é melhor, igual ou pior do que o selumetinibe.
Portanto, este estudo aberto de braço único é cientificamente fraco.
- Remissão parcial volumétrica é suficiente?
Isto quer dizer que não se espera que o trametinibe possa eliminar o neurofibroma plexiforme, mas apenas reduzir o seu volume.
A redução de volume considerada satisfatória nestes estudos tem sido igual ou maior do que 20% do volume do tumor antes de iniciar a medicação.
Temos chamado a atenção para o fato de que alguns plexiformes gravíssimos podem de fato ameaçar a vida (comprimindo a traqueia e impedindo a respiração, por exemplo).
Nestes casos, raríssimos (apenas 2 pacientes em cerca de 2 mil famílias atendidas no CRNF), sim, a redução de 20% pode salvar a vida.
No entanto, para a grande maioria das pessoas com NF1 e plexiformes a redução de apenas 20 – 30% do volume do tumor (como aconteceu para metade das pessoas com o selumetinibe) isso pode representar um efeito que não muda a sua qualidade de vida.
Portanto, se o resultado for apenas a redução volumétrica parcial não será um desfecho relevante para a maioria dos pacientes.
- Alívio da dor é real?
O objetivo do estudo indica que querem saber se o trametinibe pode reduzir o volume E aliviar a dor? Ou são objetivos separados? Alguém com plexiforme, mas sem dor, pode participar do estudo?
A avaliação da dor, já comentamos acima, é altamente influenciada pelo estado psicológico da pessoa doente (e de sua família).
Se as pessoas envolvidas com o estudo (laboratório fabricante, médico que receita, família da criança e a própria criança com o plexiforme) estiverem TORCENDO para o trametinibe “dar certo”, é possível que aconteça o que observamos com a redução da dor no estudo do selumetinibe (em média um ponto na escala de dor (de 0 a 10), sem que a gente tenha certeza se foi o trametinibe ou se um placebo faria o mesmo efeito.
- Plexiformes sintomáticos ou potencialmente sintomáticos – o que é isso?
Sabemos que os plexiformes podem ser:
- Assintomáticos, ou seja, a pessoa não relata qualquer problema relacionado com o neurofibroma.
- Outros podem apresentar dor ao toque ou com o uso de roupas.
- Outros podem apresentar dor frequente, espontânea (se for forte e persistente, temos que pensar em transformação maligna).
- Outros causam deformidades ósseas.
- Outros causam problemas estéticos.
- Alguns permanecem estáveis a vida toda, outros crescem sem qualquer razão aparente ou param de crescer, e outros até diminuem de tamanho, também sem razão aparente.
Portanto, diante de uma determinada pessoa com um plexiforme, NENHUM MÉDICO DO MUNDO SABE o que irá acontecer nos próximos meses ou semanas.
Assim, como podemos dizer que um plexiforme é POTENCIALMENTE SINTOMÁTICO? Este conceito não possui uma base científica.
Portanto, neste estudo proposto para o trametinibe não estão bem definidos quais os sintomas que são SEGURAMENTE relacionados ao plexiforme e quais serão usados como critérios para inclusão das pessoas no estudo.
- Outro problema: quais serão os plexiformes estudados?
Sabemos que existem neurofibromas plexiformes nodulares e neurofibromas plexiformes difusos e que eles são estruturalmente diferentes e com evolução e sintomas muito distintos.
Este estudo com o trametinibe não deixa claro quais os tipos que serão estudados.
Este é um problema que já denunciamos no estudo com o selumetinibe e que enfraquece ainda mais os resultados com o trametinibe, financiados por laboratórios que fabricam medicamentos de altíssimo custo e efeitos irrelevantes ou duvidosos para doenças raras.
Conclusão
Precisamos de melhores estudos científicos que tragam resultados relevantes para a maioria das pessoas com neurofibromatose do tipo 1, as quais sofrem com seus neurofibromas plexiformes.
Dra. Juliana Ferreira de Souza
Dra. Luiza de Oliveira Rodrigues
Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues
Dr. Nilton Alves de Rezende
Enf. Marina Silva Corgosinho
Outubro de 2023