Este espaço é destinado a opinião de pessoas com experiência em diversos assuntos relacionados com as neurofibromatoses.
Este texto foi publicado no jornal Estado de Minas pelo médico e meu amigo Carlos Starling (ver aqui: Blog do Dr. Carlos Starling ) em 9/1/20121
Bom dia,
Recebemos uma série de recomendações sobre como evitar ou tratar a COVID, escritas por um grupo de pessoas que se dizem “profissionais da saúde”, mas que não se identificaram.
Várias pessoas da nossa Associação Mineira de Apoio aos Portadores de Neurofibromatose (AMANF) perguntaram-me, por ser médico, o que eu acho delas.
Antes de responder a cada uma das recomendações, preciso dizer meu sentimento.
Estamos com medo de uma doença causada por um vírus que não conseguimos ver, que pode ser transmitida pelo ar por pessoas sem sintomas, que pode ser benigna em alguns casos, mas que pode ser fatal em outros ou deixar sequelas.
Estamos confusos porque o presidente diz que é uma gripezinha, diz que somente os fracos é que ficam doentes, mas milhares de pessoas continuam morrendo.
Estamos cansados de tentarmos manter o isolamento social, sem poder encontrar as pessoas queridas.
Estamos tristes porque muitos perderam seus empregos, outros fecharam suas lojas e nossas crianças estão presas em casa sem educação adequada.
Estamos confusos porque há médicos que dizem uma coisa e outros dizem outra. Em quem podemos confiar?
Então vou dizer o que estamos fazendo na minha família (onde já ocorreram casos) e como oriento meus pacientes, nossas dez regras básicas, que foram construídas a partir das orientações da Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues, minha filha médica e especialista em Avaliação em Novas Tecnologias em Saúde:
- Mantemos o isolamento social, especialmente para os grupos de risco (idosos, diabéticos, hipertensos, obesos). Somente saímos de casa para atividades essenciais.
- Usamos máscaras de forma correta em todas as ocasiões que temos que nos aproximar de outras pessoas que não fazem parte do nosso isolamento familiar.
- Lavamos a mão com frequência e não tocamos a boca, nem os olhos e nem o nariz sem lavar as mãos antes.
- Lavamos produtos e alimentos trazidos da rua.
- Mantemos atividades físicas regulares pelo menos três vezes por semana.
- Evitamos aumentar o peso controlando a dieta.
- Cuidamos das nossas doenças crônicas (no meu caso, tomo remédios para o coração).
- Lemos e confiamos nas notícias divulgadas nos sites dos jornais de grande circulação (Folha de São Paulo, G1), com jornalistas profissionais, e não no Facebook, nem Instagram. Além disso, como médico, leio diariamente o Boletim da Faculdade de Medicina sobre a COVID (ver aqui) e outras revistas científicas e sites científicos.
- Tomamos banhos de sol, nos horários adequados, sempre que possível.
- Desta forma, esperamos receber qualquer uma das vacinas já desenvolvidas, para podermos fazer parte da sociedade mundial que está tentando controlar a pandemia.
Agora, podemos conversar sobre a pergunta que me foi feita no WhatsApp da AMANF, da qual sou o presidente atual.
Primeiro, é preciso dizer que a lista de recomendações que nos enviaram, contém informações corretas, como a descrição de alguns dos sinais e sintomas da COVID, e outras incorretas.
Vou tentar dar a minha visão como médico sobre cada uma delas.
É preciso lembrar que a medicina aumentou tremendamente os conhecimentos sobre a COVID desde o começo da pandemia e que hoje temos mais certezas do que antes. Apesar disso, novos conhecimentos poderão ser alcançados à medida que as pesquisas científicas continuarem nas universidades.
A – Sinais e sintomas da COVID
Como o tal documento apresenta sinais e sintomas de forma confusa, vou rever como a COVID geralmente acontece:
- De cada 100 pessoas infectadas por contato com outras pessoas infectadas, todas elas podem transmitir o vírus para outras. No momento, em Belo Horizonte, cada 100 pessoas infectadas transmitem para outras 106 pessoas. Por isso a pandemia está crescendo.
- Entre as 100 pessoas infectadas:
- 40 delas não vão apresentar nenhum sintoma (mas podem transmitir o vírus para outras pessoas)
- 40 delas vão apresentar sintomas entre o terceiro e o sétimo dia da infecção (febre, tosse, dor de cabeça, dor no corpo, perda do olfato e do paladar).
- As outras 20 pessoas vão apresentar cansaço e falta de ar e devem ser levadas ao hospital:
- 15 delas vão poder ser tratadas na enfermaria
- 5 delas vão precisar de ser levadas para o Centro de Tratamento Intensivo (CTI ou UTI)
- Destas 5 internadas no CTI, 3 delas sobrevivem.
B – Devo usar antibióticos, como Azitromicina?
Não existe nenhum estudo científico sério e bem conduzido que tenha recomendado o uso de qualquer antibiótico contra o vírus da COVID.
C – Devo usar vermífugos, como a Ivermectina?
Não existe nenhum estudo científico sério e bem conduzido que tenha recomendado o uso de ivermectina contra o vírus da COVID.
D – Devo ingerir bastante líquido?
O melhor a fazer é seguir a sede. Somente pessoas que não podem se alimentar sozinhas é que precisam de ingestão controlada de líquidos.
E – Devo usar Vitamina C e Vitamina D?
A Vitamina C é abundante em frutas e toda a Vitamina C ingerida além das necessidades diárias contidas na alimentação saudável é jogada fora na urina. Junto com a Vitamina C em excesso, vai o dinheiro que gastamos para comprar a Vitamina C na farmácia.
A Vitamina D é sintetizada nos banhos de sol e armazenada no nosso organismo. A imensa maioria das pessoas não precisa de Vitamina D suplementar na dieta. Somente pessoas acamadas, em uso de certos medicamentos, especialmente onde não há muito sol é que precisam de Vitamina D suplementar.
F – Devo usar xarope Acetilcisteína para a tosse?
Não existe nenhum estudo científico sério e bem conduzido que tenha recomendado o uso de acetilcisteina pra controlar a tosse provocada pelo vírus da COVID.
G – Devo ingerir apenas alimentos quentes?
Os alimentos adquirem a temperatura do corpo assim que são ingeridos e alimentos frios não produzem qualquer dano à saúde.
O mito de que a temperatura fria cause resfriado é muito difundido em todo o mundo, mas não tem qualquer comprovação científica. Nós confundimos o reflexo do espirro em ambientes frios (normal, ocasional) com os espirros causados pelas viroses (persistentes, acompanhados de coriza e outros sintomas).
H – Devo ingerir alimentos alcalinos?
Não existe nenhum estudo científico sério e bem conduzido que tenha recomendado o uso de alimentos especiais como parte do tratamento da COVID.
Uma dieta habitual, saudável é suficiente para fornecer TODOS os nutrientes que seu corpo precisa para enfrentar o vírus da COVID.
O que acabei de escrever é aquilo que é recomendado pela Organização Mundial da Saúde e que estudei com especialistas em doenças infecciosas, como a Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues (especialista em Avaliação de Novas Tecnologias em Saúde) e o Professor Unaí Tupinambás (Infectologista) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
É o melhor que posso recomendar à minha família e aos meus pacientes.
Espero que seja útil a você.
Não se desespere: há milhares de cientistas estudando maneiras de controlarmos esta pandemia. Vamos construir uma nova maneira de conviver. Vamos voltar a encontrar as pessoas queridas, a festejar, a viajar e aproveitar as alegrias da vida.
Abraço com esperança.
Eu sou Dr Lor (Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues), sou médico (CRMMG 6725) e Coordenador Clínico do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais
Caso queira entrar em contato comigo, meu e-mail é rodrigues.loc@gmail.com
Belo Horizonte, 7 de janeiro de 2021
Se você chegou até aqui é porque está considerando seriamente o uso do selumetinibe para tratar seu neurofibroma plexiforme sintomático e inoperável, apesar das incertezas e riscos que foram apresentados nos passos anteriores.
Então você deseja saber o preço, ou seja, o custo financeiro do medicamento.
Ainda não temos o preço definido pelo fabricante em reais, mas se usarmos os preços disponíveis no mercado norte-americano, seria algo entre 50 mil reais por mês (para uma criança de dez anos, por exemplo) a 100 mil reais por mês (para uma pessoa de 20 anos, por exemplo), por tempo indeterminado (se desejar, veja abaixo como chegamos a este valor).
Como definimos anteriormente, a duração do tratamento não seria inferior a 12 meses, a não ser que houvesse algum efeito colateral que obrigasse a suspensão da droga, ou o plexiforme voltasse a crescer mesmo com a medicação, o que aconteceu com cerca de metade daqueles que iniciaram o tratamento no estudo da Dra. Gross.
Assim, teríamos um custo de cerca de 600 mil reais a um milhão e duzentos mil reais por pessoa, por ano de tratamento. Este custo, portanto, provavelmente é muito caro para o benefício limitado que o medicamento traria para a sociedade brasileira como um todo.
Além disso, há uma série de procedimentos clínicos (ver no passo 8 as reavaliações periódicas) e protocolos que precisam ser seguidos para o acompanhamento dos pacientes durante seu uso, que também envolve custos financeiros.
Talvez esses custos do próprio medicamento e dos adicionais (relacionados ao protocolo de cuidados necessários e ao manejo dos eventos adversos) sejam insustentáveis para o Sistema Único de Saúde e para os Planos de Saúde.
Esta questão provavelmente vai provocar questões jurídicas que ainda não podemos prever neste momento.
Aqui terminamos nossos passos no Relógio de Cuidados que propomos para as pessoas que consideram a possibilidade de usarem o selumetinibe.
Nós do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais estamos comprometidos com nossos pacientes.
Portanto, se a ANVISA, o CONITEC e o Sistema Único de Saúde aprovarem o uso do selumetinibe para neurofibromas plexiformes sintomáticos e inoperáveis, nós faremos todo o esforço possível para criarmos as condições no Hospital das Clínicas para podermos cumprir este relógio de cuidados com cada pessoa com NF1 que nos procurar.
Belo Horizonte, 24 de dezembro de 2020
Nota final – Como calculamos o preço do selumetinibe?
Realizamos uma estimativa do custo do selumetinibe a partir de dados de outros países, pois ainda não temos seu preço fixado no Brasil.
- Considerando que a dose recomendada do medicamento foi de 25 mg por metro quadrado de superfície corporal duas vezes por dia, em ciclos de 28 dias;
- Considerando que a idade mediana das crianças incluídas foi de 10,2 anos; portanto, pode ser estimada uma superfície corporal mediana inicial de 1,171 m2 (meninos), crescendo até o final do estudo para 1,43 m2 e podendo chegar numa pessoa de 20 anos a 1,87 m2;
- Considerando que o preço mais baixo (em busca online, em sites dos EUA) foi de cerca de US$ 8.680,00 por caixa com 120 comprimidos de 10 mg = US$ 7,23 dólares por mg;
- Considerando que a conversão do dólar para reais seria de 5,4;
- Podemos estimar o custo mediano mensal do medicamento (ver tabela abaixo), que pode variar de cerca de 50 mil reais (para uma criança de 10 anos) a cerca de 100 mil reais (para um adulto de 20 anos) por mês.
Ver abaixo planilha com cálculo do custo do selumetinibe em termos médios.
Idade | área SC
a partir de peso e altura (DuBois) |
dose/m2 | dose diária mg | dias de uso | preço U$/mg | valor U$ | custo mensal
R$ |
custo anual
R$ |
menina 10,2 anos (início) | 0,914 | 25 | 45,7 | 28 | 7,23 | 5,4 | 49.969,13 | 599.629,62 |
menino 10,2 anos (inicio) | 0,932 | 25 | 46,6 | 28 | 7,23 | 5,4 | 50.962,90 | 611.554,79 |
menina (13,4 anos) final | 1,469 | 25 | 73,4 | 28 | 7,23 | 5,4 | 80.272,51 | 963.270,15 |
menino (13,4 anos) final | 1,475 | 25 | 73,8 | 28 | 7,23 | 5,4 | 80.638,22 | 967.658,63 |
adulto feminino | 1,621 | 25 | 81,0 | 28 | 7,23 | 5,4 | 88.576,67 | 1.062.919,99 |
adulto masculino | 1,875 | 25 | 93,7 | 28 | 7,23 | 5,4 | 102.468,84 | 1.229.626,12 |
Qual seria o impacto deste medicamento sobre o Sistema Único de Saúde?
- Considerando que dentre a população brasileira estimada com NF1 (cerca de 80 mil pessoas) haveria um grupo de 10% da população com plexiformes sintomáticos e inoperáveis (ou seja, 8 mil pessoas potencialmente usuárias do selumetinibe);
- Considerando que o custo médio mensal seria de cerca de 80 mil reais (entre 50 e 100 mil reais como calculado acima);
- Teríamos o custo estimado para o SUS de 640 milhões de reais por mês.
- Considerando que o tempo mediano de tratamento para metade dos voluntários que sustentaram o efeito do medicamento foi de 3,2 anos no estudo da Dra. Gross e col. 2020;
- Teríamos o custo total de cerca de 11 bilhões de reais para o tratamento de metade das pessoas com plexiformes sintomáticos e inoperáveis por três anos.
Este é um passo importante, pois você deve estar se perguntando por quanto tempo deve usar o medicamento selumetinibe, caso ele produza uma redução de 30 a 40% do volume do seu neurofibroma plexiforme ou melhore sua dor ou sua disfunção.
Infelizmente, ainda não sabemos esta resposta, pois no estudo da Dra. Gross e colaboradores (2020) as pessoas com plexiformes que responderam ao selumetinbe continuaram em uso por tempo indeterminado.
Algumas pessoas que estavam observando redução do plexiforme e tiveram que suspender o selumetinibe por algum motivo, apresentaram volta do crescimento do tumor.
Assim parece que o selumetinibe teria que ser usado continuamente para sustentar os efeitos positivos observados.
Por outro lado, ainda não sabemos os efeitos do uso prolongado do selumetinibe sobre alguns aspectos importantes da vida das pessoas:
- Qual o impacto do selumetinibe no aprendizado, na função cognitiva, na inteligência?
- Qual a chance do selumetinibe produzir alterações no crescimento, no desenvolvimento sexual e na fertilidade?
- Qual a chance do selumetinibe propiciar o aparecimento de doenças malignas?
Em conclusão, aguardamos novos estudos científicos para podermos responder estas questões com segurança.
Assim, se você acha que mesmo com esta incerteza deveria experimentar o selumetinibe, vamos ao passo seguinte, que é o custo do medicamento.