Este espaço é destinado a opinião de pessoas com experiência em diversos assuntos relacionados com as neurofibromatoses.
Algumas famílias têm perguntado se suas crianças já devem voltar às aulas por causa da pandemia de COVID-19.
Todos sabemos que a escola é fundamental nas vidas das crianças, não apenas no aspecto do conhecimento, mas principalmente na sua socialização, amadurecimento e desenvolvimento da personalidade. Além disso, para cerca de 30 milhões de crianças no mundo, a escola é sua única fonte de alimentação regular.
Consultei colegas que estão estudando esta questão de forma sistemática e vejam abaixo que seus comentários (por ordem de chegada) mostram que não há uma única resposta para quando e como deve ser feito o retorno presencial às aulas.
Precisamos discutir esta questão de forma racional, científica e política.
Professor Unaí Tupinambás (Infectologista)
Respondeu verbalmente que considera que as crianças mais pobres devem retornar às escolas em Belo Horizonte, porque elas estão em condições de vulnerabilidade por falta de alimentação, violência doméstica, e outras dificuldades sociais que se agravaram com o aumento da pobreza e desigualdade.
No entanto, ele acha que se a família tem condições financeiras adequadas para realizar o ensino remoto emergencial, o retorno presencial deve ser adiado até controle adequado da pandemia. Este controle adequado seria quando tivéssemos menos de 50 casos por 100 mil habitantes. Para se ter uma ideia, hoje estamos em mais de 300 casos por 100 mil habitantes em BH.
Além disso, ele cobra que os professores e outros trabalhadores da educação deveriam ser considerados grupo prioritário para receber a vacinação.
Dr. Unaí enviou também um artigo científico que apresenta argumentos neste sentido (ver aqui: https://doi.org/10.1016/j.cell.2021.01.044 )
Dra. Maria das Graças Rodrigues de Oliveira (Pediatra e Sanitarista)
Respondeu por escrito:
“Tenho visto e lido muitas discussões sobre este assunto.
Claro que é muito importante que as crianças voltem para a escola, pela sua socialização, pelo aprendizado, para a sua alimentação nos casos das famílias pobres, para que os pais possam trabalhar e para a redução da violência doméstica.
Entretanto, neste momento, quando estamos com um alto índice de transmissão do coronavírus (como a situação em Rondônia, por exemplo, que está muito grave), acho que não é o momento de volta às aulas.
Primeiramente, por causa do risco de adoecimento para as próprias crianças e seus familiares, para os professores e demais funcionários das escolas. Além disso, as escolas públicas não têm estrutura física para aplicar as medidas corretas de biossegurança exigidas neste momento.
Em São Paulo, por exemplo, os professores entraram em greve nesta semana, porque teriam que voltar às aulas.
Destaco no documento da Sociedade Mineira de Pediatria, divulgado em 05/12/2020, um parágrafo que considero pertinente na situação atual: “As evidências técnico-científicas sustentam que a situação epidemiológica de baixa transmissão comunitária consistente é indispensável para um retorno seguro ao ambiente escolar. É perfeitamente plausível que este retorno ocorra em momentos diferentes para cada município ou região considerada, mas sempre obedecendo a critérios rigorosos de cuidados e segurança em relação à possível transmissão da doença. Consideramos que determinar o momento ideal para a volta às aulas deve ser responsabilidade das autoridades, baseado nas situações e condições epidemiológicas locais, na capacitação das escolas para adoção e prática das medidas sanitárias, e no isolamento dos contatos e doentes” (ver aqui documento completo: https://www.smp.org.br/arquivos/site/posicionamento-smp-de-retorno-as-escolas_final.pdf )
Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues (Clínica Médica)
Respondeu por escrito:
“Diante de algumas evidências e de muito debate sobre o assunto, tenho a impressão de que muitas pessoas usam os problemas que a COVID-19 só revela, e não os causa, para criticar as medidas sanitárias necessárias contra a pandemia.
Por exemplo, o feminicídio aumentou. Por causa das medidas de distanciamento social? Não. Por causa da misoginia! As mulheres e as crianças estão mais expostas à violência doméstica sim, muito mais. Mas isso tem diversos fatores. Além de estarmos mais restritos ao domicílio, a pandemia aumentou o desemprego, a pobreza e o consumo de álcool (Abuso de álcool cresce na pandemia de coronavírus), que são fatores relacionados à violência doméstica (Violência doméstica, álcool e outros fatores associados: uma análise bibliométrica e Interface entre a violência conjugal e o consumo de álcool pelo companheiro). A solução não é evitar essas medidas de distanciamento social em momentos de alta transmissão comunitária, como o fechamento do comércio e das escolas, o que só nos exporia também à COVID, mas criar mecanismos efetivos para proteger as mulheres e as crianças, o que já era necessário antes da pandemia.
As crianças não estão sofrendo acidentes domésticos por causa da quarentena, mas porque estão mais tempo em casa sem supervisão adequada. A solução não é expô-las também à COVID-19, mas sim criar redes efetivas de apoio, viabilizar uma licença parental remunerada para as famílias com crianças até 12 anos e outras medidas legais, sociais e econômicas.
A grande falácia da pandemia é que os problemas que ela revela seriam resolvidos se a vida “voltasse ao normal”. Não serão. E podem ser ainda agravados pelo adoecimento e morte pela COVID-19. Temos que nos lembrar que quase metade das pessoas que morreram de COVID-19 no Brasil têm menos de 60 anos (https://www.thelancet.com/journals/lanres/article/PIIS2213-2600(20)30560-9/fulltext). E a pobreza é um fator de risco para violência doméstica e também para a morte por COVID-19.
As crianças estão de fato em muito menor risco de morte por COVID-19, mas grande parte de seus pais e responsáveis não estão. As evidências ainda não são claras, mas parece que as crianças menores de 10 anos também não são grandes transmissores de COVID-19 (Prevalence of SARS-CoV-2 Infection in Children and Their Parents in Southwest Germany), porém, as maiores de 10 talvez sejam tanto quanto os adultos (ver aqui Factors Associated with Positive SARS-CoV-2 Test Results in Outpatient Health Facilities and Emergency Departments Among Children and Adolescents Aged 18 Years — Mississippi, September–November 2020 | MMWR e aqui Susceptibility to SARS-CoV-2 Infection Among Children and Adolescents Compared With Adults).
As crianças de baixa renda estão passando fome porque dependem da merenda escolar e porque sua fome é decorrente da pobreza e da ausência de distribuição adequada de renda. Expor as crianças e suas famílias também à COVID-19 é a solução? Não. A solução é garantir uma cesta básica para essas crianças, pelo menos enquanto durarem as medidas sanitárias, e melhorar a distribuição de renda.
As medidas de saúde pública necessárias, inclusive, protegem muito mais essas mesmas pessoas vulneráveis. Não dá pra culpar a pandemia por problemas que tem outras causas, que precedem a pandemia e que não se resolve criando outro problema, que é expor as pessoas vulneráveis a uma doença como a COVID-19.
Claro que a retomada das aulas presenciais é desejável, por todos os benefícios que a escola pode oferecer às crianças. Mas os dados disponíveis até o momento deixam bem claro que a segurança da retomada depende de baixos níveis de transmissão comunitária, o que não está ocorrendo ainda na maior parte das cidades brasileiras, além de medidas de biossegurança nas escolas, o que também não está assegurado na maior parte das escolas, especialmente as públicas.
Para garantir a redução da transmissão comunitária, diversos estudos demonstram que as autoridades deveriam fechar bares, restaurantes e academias de ginástica (Restaurantes e academias são os lugares com maior chance de transmissão da Covid entre pessoas sem máscara, dizem cientistas de Stanford), e outras atividades não essenciais e, aí sim, abrir as escolas! Mas é justamente o oposto do que se tem feito, demonstrando que colocar as crianças de volta nas escolas presencialmente, com segurança, não é uma prioridade dos governos.
Dessa maneira, acredito que o debate social e político precisa focar nas soluções efetivas (como as que eu sugeri acima, cesta básica, redes de apoio, distribuição de renda, licença parental remunerada, fechamento de atividades e ambientes de alta transmissibilidade, etc.) para os problemas que a pandemia tem revelado. Senão, corremos o risco de, mesmo com muitas boas intenções e pensando somente no bem-estar das crianças e adolescentes, defender o mecanismo que de fato causa esses problemas (veja uma reflexão interessante aqui: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232020006702469&lng=en&nrm=iso&tlng=en).
Afinal, toda crise humanitária expõe as feridas e os problemas de uma sociedade. A pandemia de COVID-19 expõe a miséria e a desigualdade causadas pelo capitalismo, especialmente em países como o nosso.”
Dra. Luíza também enviou textos sobre suas reflexões:
Community Transmission Index – COVID-19 | Coastal Health District
CDC finds scant spread of coronavirus in schools with precautions in place
https://www.scientificamerican.com/article/schools-have-no-good-options-for-reopening-during-covid-19/
Desigualdade social cresce nas metrópoles brasileiras durante a pandemia
Conclusão
Como podemos ver, além das medidas imediatas e urgentes de apoio às pessoas vulneráveis e para o controle da pandemia, precisamos enfrentar a estrutura injusta em que vivemos, senão a COVID será apenas mais uma entre outras crises humanitárias que devem surgir cada vez mais no futuro próximo.
Obrigado colegas Graça, Luíza e Unaí.
Lor
Pessoas com neurofibromatose têm me perguntado se poderiam estar entre os primeiros a tomar a vacina contra a COVID, porque temem que seriam de um grupo de risco e estão com medo de não haver vacina para todo mundo.
Sabemos que muitos países já estão vacinando há várias semanas e os brasileiros ainda estão tendo que disputar as poucas doses que temos.
Conversei sobre isso com o professor Leonardo Maurício Diniz, da Faculdade de Medicina da UFMG e reunimos algumas informações úteis.
Vejam como compreendemos a questão.
Em abril de 2020 o Brasil foi convidado a fazer parte da Covax, a Aliança Mundial de Vacinas, uma reunião de 165 países para garantir a vacina contra a COVID. Pelas normas da Covax, o Brasil poderia encomendar mais de 200 milhões de doses (daria para metade da população brasileira). Pela sua população o país automaticamente estaria entre os 5 primeiros países a receber as vacinas.
Mas em 4 de maio o presidente Jair Bolsonaro se recusou a fazer parte da Covax.
Em 15 de agosto de 2020 o laboratório Pfizer procurou o governo brasileiro para oferecer 70 milhões de doses da vacina. No e-mail enviado pela Pfizer havia a garantia que estes 70 milhões estariam à disposição do Brasil ainda em dezembro de 2020.
Segundo Carlos Murillo, presidente da Pfizer, a empresa nunca obteve uma resposta do governo brasileiro.
Em 20 de outubro de 2020 o Ministro da Saúde general Eduardo Pazuello anunciou a compra de 46 milhões de doses da Coronavac.
Em menos de 24 horas após o anúncio do Ministro da Saúde, o presidente da República, Jair Bolsonaro desautorizou Pazuello e suspendeu compra da vacina CoronaVac.
Algumas pessoas comemoraram os 6 milhões de doses iniciais, mas elas não foram suficientes nem para vacinar metade dos profissionais da saúde na linha de frente.
6 milhões de doses foram suficientes para vacinar menos de 2 em cada 100 pessoas!
Nós poderíamos estar realmente saindo desta pandemia com os 316 milhões de doses que o presidente Bolsonaro se recusou a comprar!
316 milhões de doses seriam suficientes para vacinar 8 em cada dez brasileiros e brasileiras e conter a epidemia!
Com estes 316 milhões de vacinas importadas, o Instituto Butantã e a Fiocruz teriam tempo de sobra para produzir as doses que faltariam para vacinar todos no Brasil (e ainda aquecer a economia com a exportação das doses excedentes).
Ou seja, se ainda não temos ideia de quando seremos vacinados, esta situação é responsabilidade do presidente Bolsonaro.
É isso mesmo: estamos sofrendo as consequências de um crime de responsabilidade por parte do governo Bolsonaro, que deve ser motivo de abertura de um impeachment no Congresso.
Basta de mortes!
Vacina para todos, já!
Dr. Lor
Presidente da Amanf
Muitas pessoas com neurofibromatose têm me perguntado se devem tomar a vacina contra a COVID-19, se são de grupo de risco maior e se devem tomar a vacina antes de outras pessoas.
Respondo que podem e DEVEM TOMAR QUALQUER UMA DAS VACINAS APROVADAS PELA ANVISA
Abaixo, vamos tentar entender o porquê.
Mas, antes, devo lembrar que raramente me perguntavam se as pessoas com neurofibromatose deviam tomar outras vacinas, como, por exemplo, contra sarampo ou gripe.
O que mudou nesta pandemia?
Acho que ficamos mais inseguros por algumas razões.
Por exemplo, talvez a maioria de nós não entenda o que é uma média, ou média móvel, ou taxa de mortalidade e tantos outros termos técnicos que ouvimos na TV e nos jornais.
Talvez muitos de nós não sejamos capazes de saber a diferença entre um vírus e uma bactéria ou um fungo.
Mais complicado ainda é saber a diferença entre um vírus de DNA (da gripe) e um vírus de RNA (da COVID).
Talvez boa parte da população se sinta abandonada quando ouve dizer que os médicos ainda não sabem isso ou aquilo, que não sabem como tratar a COVID, que a pesquisa tal mostrou resultado diferente da outra pesquisa científica. Em quem confiar?
Talvez seja difícil compreender que, por mais estudos que sejam feitos, sempre existem incertezas diante de qualquer doença.
Apesar de sabermos o que geralmente acontece no curso de uma certa doença numa população, não sabemos exatamente o que vai acontecer com uma determinada pessoa que apresenta aquela doença, especialmente uma doença nova como a COVID.
Talvez seja penoso para muitos (inclusive para a maioria dos médicos) entender que a medicina deve ser baseada em evidências científicas e não em opinião pessoal do médico.
Mas o que são essas evidências científicas? Como elas são obtidas? A maioria da população não sabe.
Precisamos estudar para saber essas coisas acima, mas a maioria de nós não teve acesso à educação de boa qualidade, nem às universidades, muito menos às faculdades de biologia e medicina.
Sim, há muitas incertezas que nos fazem ficar inseguros.
Mas elas existiam ANTES da pandemia de COVID. O que mudou, então?
O que mudou nesta pandemia foi que muitas pessoas estão sendo muito confundidas por informações falsas sobre a COVID e sobre as vacinas.
São mentiras espalhadas nas redes sociais, inclusive pelo governo federal, pelo presidente Bolsonaro e seus apoiadores.
Eles mentiram sobre a gravidade da pandemia, debochando das vítimas, com o presidente (sem nenhuma empatia pelo sofrimento das pessoas) dizendo que era uma gripezinha, que quem morria eram “maricas”, que ele não é coveiro e com o cinismo com o seu famoso “e daí?”.
Eles mentiram sobre a cloroquina, ivermectina e azitromicina, medicamentos que nunca tiveram qualquer efeito comprovado sobre o vírus.
Eles mentiram sobre as máscaras, dizendo que não protegiam.
Eles mentiram sobre o distanciamento social, dizendo que não era necessário.
O resultado dessas mentiras foram mais de 200 mil mortes (em 11 de janeiro de 2022 já são 610 mil) e talvez mais da metade delas pudesse ter sido evitada se tivéssemos um governo responsável.
É uma tragédia terrível que continuará matando brasileiras e brasileiros por causa das trapalhadas de ministros da saúde incapazes de orientar corretamente e garantir a quantidade de vacina para a população.
Por esse crime de responsabilidade espero que Bolsonaro e seus auxiliares respondam a processos criminais (ver resultados da CPI).
Que a sociedade brasileira tenha coragem de fazer justiça.
Voltemos à neurofibromatose e às vacinas.
Risco maior de COVID?
Já comentei sobre a possibilidade da neurofibromatose colocar as pessoas em grupo de risco maior para COVID em outro post, que você pode rever CLICANDO AQUI
Minha conclusão atual é que ainda não temos informação científica suficiente para afirmar com segurança que as neurofibromatoses aumentem ou diminuam o risco da COVID.
Enquanto isso, parece prudente que todas as pessoas com NF devem ser vacinadas contra a COVID.
Vacinas
As vacinas são uma forma de proteção coletiva e individual.
Quanto mais pessoas são vacinadas, mais rapidamente uma epidemia pode ser controlada.
Uma pessoa vacinada tem menor chance de ser infectada ou de sofrer as formas mais graves da doença ou mesmo morrer.
Por outro lado, as vacinas apresentam pouquíssimos efeitos colaterais (raros casos de dor no local da injeção ou de febre ou de manifestações alérgicas).
Portanto, o balanço entre custo e benefício é claramente a favor da vacina.
Ou seja, vamos vacinar!
A última parte da pergunta é se pessoas com NF devem ser vacinadas antes, junto com outros grupos de risco.
Para isto acontecer, as autoridades sanitárias deveriam estar convencidas cientificamente de que as NF tornam seus portadores um grupo de risco maior.
Como ainda não temos esta informação científica segura, é natural que as autoridades não façam uma escala especial para as pessoas com NF.
No entanto, creio que, se você decidir tentar se vacinar mais cedo, você pode levar aos postos de vacinação o laudo que nós emitimos após todas as consultas em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do HC-UFMG e apresentá-lo à equipe de saúde.
Afinal, as NF são doenças crônicas, incuráveis e de gravidade variável, que tornam algumas pessoas portadoras de necessidades especiais.
Abraço a todas e todos,
Dr. Lor
Presidente da Amanf
Abaixo um link para a escala de vacinação em Belo Horizonte