Momentos do Congresso em Paris – Esquerda: Dr. Vincent Riccardi e sua esposa Susan e Dr. Lor e sua esposa Thalma. Direita: Dr. Vincent Riccardi conversando com Dr. Bruno Cota sobre sua pesquisa sobre a música como tratamento na NF1.

Impressão geral

Essa foi a minha primeira participação em um congresso internacional de neurofibromatoses, portanto algumas impressões podem estar superestimadas por algum encantamento inicial, enquanto outras possam estar subestimadas por eu não ter destinado a merecida atenção a temas possivelmente relevantes, dentre tantos trabalhos interessantes que foram apresentados.

Primeiramente, o congresso motivou-me desde a sua abertura, quando ao longo de toda a manhã foi realizado um ciclo de palestras, com pesquisadores de diferentes áreas, sobre os avanços científicos sobre os aspectos genéticos e fisiopatológicos, avaliação e manejo dos neurofibromas cutâneos.

Além dos pesquisadores presentes, ressalto a importante participação de um paciente e de uma mãe de um paciente com NF1, que compuseram a mesa de debate que se seguiu às palestras.

Uma verdadeira nuvem de palavras composta por siglas, termos e jargões técnicos por parte dos cientistas, entremeadas com números e índices percentuais, foi enriquecida com a opinião daqueles a quem mais importa toda a discussão proposta: as pessoas e famílias com NF1.

Ao final dessa seção surgiram-me inúmeras reflexões: Estamos desenvolvendo aquilo que o paciente realmente deseja? Nossos anseios são coerentes com o anseio do paciente e de seus familiares? Aquilo que consideramos ter maior impacto sobre as suas vidas tem o mesmo impacto atribuído por eles? Creio que essas questões devem ser norteadoras no desenvolver da ciência.

 

Tratamentos para neurofibromas cutâneos

Embora não tenha sido apresentado nenhum estudo com algum medicamento comprovadamente eficaz no manejo dos neurofibromas cutâneos, muitos avanços têm sido obtidos com a melhor compreensão dos mecanismos biológicos que levam ao surgimento desses tumores benignos, bem como na avaliação da quantidade e crescimento dessas lesões, de modo que, respectivamente, drogas mais eficazes possam ser desenvolvidas, bem como parâmetros mais fidedignos para a análise dessa eficácia possam ser obtidos.

Quanto ao tratamento cirúrgico dos neurofibromas cutâneos, uma técnica que parece ganhar mais adeptos e que realmente sugere melhores resultados, especialmente na quantidade de lesões que podem ser tratadas em um único procedimento, é a eletrodissecção. No entanto, não devemos nos esquecer que a sua execução demanda um profissional bem habilitado, além da disponibilidade de bloco cirúrgico e necessidade de anestesia geral.

 

Diagnóstico das NF

Em relação ao diagnóstico das NF, muito se estuda quanto às mutações genéticas específicas e marcadores biológicos, mas nenhum ainda se mostrou com acurácia e viabilidade suficiente para determinar isoladamente o diagnóstico de certeza da NF1, NF2 e schwannomatose.

No entanto, a utilização da análise genética como auxílio ao diagnóstico é uma das propostas apresentadas na revisão dos critérios diagnósticos, ainda em construção. Um ponto, ao meu ver positivo, foi a cautela na discussão sobre a construção de um novo modelo de definição diagnóstica, na qual foi mantida a relevância dos critérios clínicos, bem como a viabilidade para a aplicação dos critérios diagnósticos, inclusive por aqueles não são especialistas em NF.

Neurofibromas plexiformes

Outro ponto chave foi referente aos avanços no desenvolvimento de drogas para o tratamento de tumores plexiformes inoperáveis. Alguns estudos foram apresentados, com resultados promissores com o uso de fármacos imunoterápicos, mas que ainda carecem de comprovação do efeito e tolerabilidade do medicamento em um número maior de pessoas, para que possam ser criteriosamente utilizados fora do âmbito da pesquisa.

Além da redução dos tumores plexiformes inoperáveis em parte considerável dos pacientes, foi observado em um desses estudos uma melhora em alguns parâmetros cognitivos e de qualidade de vida, mas que também carecem de observação por um tempo maior e em maior número de pessoas, além de uma metodologia direcionada para esse desfecho.

O valor dado ao parâmetro “qualidade de vida” como objetivo dos tratamentos propostos foi sem dúvida um dos pontos positivos do congresso, sendo inclusive proposto em um dos estudos a utilização de um questionário específico para mensurá-lo nas pessoas com NF1.

 

Problemas psicológicos e de aprendizado

Problemas de caráter psicológico também foram temas recorrentes, não somente em relação àqueles já conhecidos na doença, que compõe os problemas cognitivos, mas também relacionados aos transtornos do humor, como a depressão.

Quanto à parte cognitiva, também há um enorme contingente de pesquisadores no mundo inteiro dedicados tanto com à avaliação, diagnóstico e estratificação desses problemas, inclusive com a utilização de modelos animais, bem como com a investigação da correlação desses problemas com determinantes genéticos específicos.

No entanto, poucos estudos referentes ao tratamento dos problemas cognitivos foram apresentados, dentre os quais se incluem modelos de terapias cognitivas não farmacológicas, realizadas por neuropsicólogos ou por meio de programas computadorizados, que apresentaram alguns resultados animadores, mas que por outro lado carecem de metodologias mais robustas e replicação em outros estudos;  e as terapias farmacológicas, dentre as quais ainda não se observou grandes avanços, exceto com o uso do metilfenidato para os sintomas específicos da TDAH, em alguns grupos de pacientes com NF1. A lovastatina, como já descrito anteriormente em outro tema específico desse blog, ainda não demonstrou benefício significante para os problemas cognitivos na NF1.

Música e NF1

O único estudo apresentado envolvendo a música e a sua possível utilidade como recurso terapêutico para os problemas cognitivos e de socialização na NF1 foi o que apresentamos, de autoria dos pesquisadores do CRNF e de outros pesquisadores e estudantes de diversas áreas, como a musicoterapia, fonoaudiologia, psicologia, e, é claro, da música.

Esse estudo encontra-se em seus estágios iniciais, ainda como projeto piloto, do qual participam adolescentes de 12 a 18 anos com NF1.  O projeto consiste em aulas semanais de música, com enfoque no desenvolvimento da rítmica musical, que além de construir um modelo de treinamento musical específico para as pessoas com NF1, tem o objetivo de investigar se esse treinamento pode resultar em benefícios para alguns aspectos da cognição, para a socialização e qualidade de vida dos pacientes.

O trabalho despertou o interesse de pesquisadores da área da cognição de outros países, sendo que um deles já considerará como uma das ferramentas a ser utilizada no seu próximo estudo. Um notável pesquisador que demonstrou interesse especial pelo tema foi um dos nossos grandes mentores em pesquisas na NF, doutor Vincent Riccardi, com o qual tive a honra e o prazer de conversar pessoalmente, e ainda o privilégio de ouvir algumas de suas ideias motivadoras (ver foto, Dr. Riccardi conversando comigo sobre o projeto).

Tendência para alguns tipos de câncer

Outros temas do congresso também me despertaram muita atenção, seja por sua relevância clínica ou por seu caráter inovador, dentre os quais destaco, todos referentes à NF1: a incidência aumentada de câncer de mama; a proposta de um novo modelo animal para os estudos experimentais; o uso de técnicas modernas de neuroimagem nos estudos de avaliação cognitiva; os problemas na cavidade oral, descritos pela Dra. Karin Cunha; além, obviamente, dos excelentes trabalhos apresentados pelos pesquisadores do CRNF, alguns já descritos nesse blog.

Peço desculpas por não ter abordado o tema NF2 e Schwannomatose aqui, uma vez que a minha área de estudo até o momento abrange somente a NF1, e como foram muitos os trabalhos apresentados no congresso, na maioria das vezes simultâneos e em salas diferentes, precisei dirigir o meu foco de atenção ao meu campo de pesquisa atual.

Convite

Obrigado a todos que tiveram paciência de ler até aqui, e aproveito para convidar os adolescentes de 12 a 18 anos que têm NF1 para participarem das aulas de música, à partir de fevereiro de 2019, compondo um novo grupo do estudo que citei acima. O contato pode ser feito diretamente comigo, pelo email brucezar@hotmail.com.br, ou pelo telefone 31-99851-8284.

Bruno

 

 

Hoje trazemos as impressões sobre o congresso enviadas pelo Professor Marcio Leandro Ribeiro de Souza, Nutricionista, Doutor e Mestre em Saúde do Adulto pela Faculdade de Medicina da UFMG.

A Joint Global Neurofibromatosis Conference, conferência mundial sobre as neurofibromatoses, que aconteceu em novembro de 2018 em Paris, foi o maior evento realizado com pesquisadores sobre a doença. Já tive oportunidade de participar em anos anteriores nos Estados Unidos, mas essa foi diferente, com mais participantes e mais trabalhos científicos apresentados.

Como nutricionista, eu fiquei ainda mais feliz em ver que cada vez mais outras áreas da saúde, além da Medicina, também se destacam no evento, como Fonoaudiologia, Odontologia, Psicologia e, claro, a Nutrição.
Os aspectos nutricionais começaram a ser estudados aqui no Brasil em 2011-2012 por nosso grupo de pesquisa e hoje percebemos que é uma área que passou a receber a atenção de outros pesquisadores. Pude ver trabalho científico testando nutrientes ou alterações dietéticas na doença. Ainda são trabalhos em modelo animal, mas que reforçam que a Nutrição é uma área a ser melhor explorada nas neurofibromatoses, especialmente a NF1, que é a doença que estudei em meu mestrado e doutorado.
Essa conferência teve uma importância ainda maior para mim, pois pude apresentar os resultados finais do meu doutorado. Levei dois trabalhos científicos.
Um deles verificava a associação entre consumo alimentar dos indivíduos com NF1 com as características ósseas, comumente alteradas na doença e também demonstradas na minha pesquisa de doutorado.
O outro trabalho avaliou a taxa metabólica de repouso na NF1 e sua associação com a composição corporal e força muscular. Essa taxa metabólica de repouso corresponde à energia que o nosso corpo gasta para manter as funções vitais, como respiração, circulação, entre outras.
Em nossa pesquisa, encontramos menor força muscular e menor massa magra apendicular na NF1 e, pensando nisso, esperava-se que a taxa metabólica de repouso fosse menor na doença. Porém o que encontramos foi o contrário: maior taxa metabólica de repouso em indivíduos com NF1. Os mecanismos dessa alteração precisam ser estudados daqui para frente.
Mas esse resultado aparentemente contraditório e intrigante chamou a atenção dos pesquisadores da doença de diferentes países, com os quais pude conversar durante a apresentação do trabalho. Além disso, esse trabalho foi selecionado como finalista para concorrer ao prêmio de Melhor Trabalho Clínico da conferência, o que torna esse evento ainda mais especial para mim. Fazer pesquisa no Brasil não é algo simples, pois temos algumas limitações financeiras, mas ter um trabalho brasileiro e de Nutrição dentre os melhores do congresso, é algo para se comemorar.
Foi uma ótima forma de fechar esse ciclo do doutorado. Em breve teremos os artigos científicos publicados sobre esses temas. Esse evento nos mostrou que estamos no caminho certo e que muitas pesquisas ainda precisam ser realizadas sobre Nutrição na Neurofibromatose. Ainda temos muitas dúvidas para serem respondidas.
Abraços a todos.

Convidamos a endocrinologista Dra. Sara Castro Oliveira para nos explicar como acontece o crescimento nas crianças e adolescentes com neurofibromatose do tipo 1. Dra. Sara está iniciando o seu mestrado em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Vejamos o que ela disse. Sua pesquisa será estudar o crescimento ou redução dos neurofibromas cutâneos com o uso de alguns medicamentos.

O crescimento corporal é um processo complexo e influenciado por diversos fatores que interagem não apenas para determinar a estatura final alcançada (que chamamos geralmente de altura), mas também o ritmo e o momento do crescimento. Muitas pesquisas tentam desvendar as complexidades hormonais e genéticas que explicam o crescimento normal e aqueles fora dos padrões.

Crianças com NF1 frequentemente apresentam alterações do crescimento e é importante ressaltar que nem sempre é possível identificar a causa deste crescimento inadequado na NF1.

Em certos casos algumas causas parecem estar envolvidas com o menor crescimento na NF1: deficiência de hormônio do crescimento (GH), tumores cerebrais, cirurgia ou radioterapia para tais tumores, escoliose, outros problemas esqueléticos que podem interferir com o desenvolvimento normal dos ossos e uso de algumas medicações como metilfenidato para déficit de atenção.

Por exemplo, um estudo com 89 pacientes com NF1 mostrou que 25% dos pacientes tinha estatura abaixo do esperado apesar de todos os exames serem normais. Esse fato sugere que existe um retardo do crescimento que está associado a doença em si, e para o qual até o momento não existe explicação.

Cerca 15% das crianças com NF1 apresentam tumores chamados de gliomas, que envolvem as vias ópticas e podem acometer a uma região do cérebro chamada hipotálamo. Esses tumores não são específicos da NF1, mas nas pessoas com NF1 apresentam um comportamento benigno e não progressivo. Na maioria das vezes, são assintomáticos e não requerem intervenção.

Em algumas pessoas com NF1, os gliomas são acompanhados de alterações hormonais que interferem com o crescimento reduzindo-o (deficiência do GH) ocasionando baixa estatura, ou acelerando-o (excesso de GH e puberdade precoce central).

Vejamos cada uma dessas alterações com mais detalhes:

 

Deficiência de GH

 

A deficiência de hormônio do crescimento é mais comum em indivíduos com NF1 em relação a população geral, embora não se saiba a incidência exata. A causa da deficiência também não é clara, mas parece estar relacionada a presença de tumores intracranianos, embora haja também casos de deficiência sem a coexistência de tumores. A deficiência desse hormônio pode levar a um grande atraso no crescimento.

É possível repor o GH, mas há uma grande preocupação de que a reposição do GH nas crianças com NF1 possa aumentar adicionalmente o risco de crescimento de tumores. Dados de acompanhamento de 102 crianças com NF1 e deficiência de GH que receberam tratamento mostrou alguma resposta em relação ao crescimento, mas menor do que a resposta que ocorre em crianças com deficiência de GH sem NF1.

Após cerca de dois anos de tratamento, 5 desses 102 pacientes tratados apresentaram reaparecimento de um tumor cerebral existente previamente ou desenvolveram um segundo tumor, taxa considerada similar a pacientes com NF1 que não foram tratados com GH. Apesar desses dados tranquilizadores em relação ao aparecimento de tumores, ainda precisamos de estudos de melhor qualidade sobre a eficácia e a segurança da reposição de GH em pacientes com NF1. Até o momento, a reposição desse hormônio é recomendada apenas em situações de pesquisa clínica (VER AQUI).

 

Excesso de GH

 

Embora muito mais raro, o excesso de GH ou gigantismo também pode ocorrer em pessoas com NF1. Essa produção excessiva de GH na NF1 está associada ao glioma de vias ópticas, é uma condição pouquíssimo frequente e pode trazer várias consequências como estatura acima do esperado, ganho excessivo de peso, hipertensão e alterações de glicose.

Desconfiamos da sua ocorrência quando observamos crescimento acima do esperado para a idade e padrão familiar. Diante da suspeita, exames de laboratórios, como a dosagem de IGF1 (substância produzida pelo fígado sob a ação do GH) e do GH após ingestão de um açúcar chamado dextrosol podem confirmar o diagnóstico.

Não sabemos exatamente o que leva à produção excessiva do GH em pessoas com glioma de vias ópticas na NF1. Sabemos apenas que a produção de GH não é feita pelo tumor em si. A suspeita principal é que o tumor, de alguma maneira, interfira com a regulação a parte do cérebro chamada hipotálamo e da glândula hipófise e essa passa, consequentemente, a secretar excesso de GH.

Uma das principais preocupações com o excesso de GH em pessoas com NF1 é o risco aumentado de tumores benignos e malignos. Acredita-se que a produção excessiva de GH possa aumentar ainda mais esse risco, contribuindo inclusive para o crescimento do próprio glioma. Dessa forma, apesar não sabermos ainda o tratamento ideal para esses casos, a recomendação é usar medicações para reduzir a secreção de GH. O tempo de tratamento deve ser individualizado para cada paciente, pois muitos apresentam melhora do quadro de gigantismo com o passar do tempo (VER AQUI).

 

Puberdade precoce central

 

Outra condição relacionada à NF1 que pode levar a alteração do crescimento e da estatura final é a puberdade precoce central. Ela é a disfunção hormonal mais comum na NF1 em crianças, com prevalência em torno de 3%. Geralmente está associada a glioma de vias ópticas.

As mudanças mais visíveis durante a puberdade são o aumento da velocidade de crescimento e o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, como aumento de mamas em meninas e aumento dos testículos em meninos. Quando essas alterações ocorrem antes de 8 anos nas meninas e antes dos 9 anos nos meninos, devemos ficar atentos para a possibilidade de puberdade precoce. Exames para avaliação dos hormônios da puberdade e do grau de maturação dos ossos da mão e punho auxiliam no diagnóstico.

Apesar de crescerem muito inicialmente, as crianças com puberdade precoce tendem a ser mais baixas quando adultas. Isso porque os hormônios sexuais levam a uma rápida maturação dos ossos e a criança interrompe o crescimento. Dessa forma, o diagnóstico e o tratamento devem ser feitos o mais rápido possível para que seja eficaz e evite a baixa estatura (VER AQUI ).

 

Conclusão

Podemos concluir que acompanhar o crescimento e o desenvolvimento da criança com NF1 é muito importante porque algumas das condições que resultam em alterações da estatura trazem repercussões sobre a saúde e podem ser tratadas.