
No terceiro dia da Conferência do CTF em Washington (Estados Unidos), a Dra. Juliana Souza e o Dr. Bruno Cota participaram de painéis e palestras e apresentaram os dois trabalhos científicos desenvolvidos em nosso CRNF aprovados pela comissão científica (ver aqui nos anais do Congresso os resumos em inglês).
Na foto, Dra. Juliana diante do pôster do Dr. Bruno (ver abaixo o pôster mais nítido).
Apresentamos abaixo o relato da Dra. Juliana Souza, pois o Dr. Bruno Cota teve que retornar ao Brasil por problema de saúde em sua família, para quem desejamos pronta melhora.
Domingo 22/06
Minha impressão geral é de que foi um dia dedicado aos esforços atuais e às inovações que podem auxiliar no tratamento de manifestações tumorais da Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) e Schwannomatoses (SWN), especialmente dos tumores malignos da bainha do nervo periférico (TMBNP) e schwannomas vestibulares.
- Algumas informações podem ser destacadas em estudos com modelos animais:
- As células cancerosas podem se recuperar da senescência induzida por quimioterapia e radioterapia e voltar a se dividir e crescer o tumor. A droga ABT-236 em estudo (ver resumo nos anais) pode promover a apoptose (morte da célula cancerosa).
- Foram apresentadas diferentes associações de compostos, que atuam em diferentes pontos das cascata RAS/ERK, testados in vitro e em modelos animais, com avaliação do efeito na proliferação e crescimento celular.
- A inibição da proteína do estresse térmico tipo 2 (iSHP2) no tratamento do TMBNP e a combinação do iSHP2 e CDK4 foi efetiva no modelo animal com TMBNP, parecendo conferir atividade antitumoral mais profunda e duradoura.
- A inibição da Quinase de Adesão Focal no crescimento dos schwannomas e preservação da audição está sendo estudada, assim como o Brigatinib, mencionado anteriormente.
- Inibição da via FAK tem relação com inativação dos mastócitos e pode haver sinergismo na inibição FAK e inibidores da via MEK (iMEK)
- Alguns destaques foram mencionados na prevenção do câncer foram discutidos, utilizando biomarcadores para detectar mais cedo, o que seria desejável, mas o que temos atualmente é biópsia com limitações e o PET, que é sensível mas inespecífico.Outras possibilidades apresentadas foram:
- Detectar o DNA tumoral na circulação (biópsia líquida) com múltiplas classes de potenciais marcadores.
- Menção a uma abordagem multi-ômica, ou seja, integrando a análise de DNA, RNA, proteínas e outros produtos do metabolismo celular.
- Como anda a terapia gênica na NF1?
- Pergunta-se: corrigir a expressão gênica da NF1 seria suficiente para corrigir as alterações teciduais da NF1?
- Um modelo animal está em construção, mas há limitações para a terapia gênica, como o fato de haver muitas variantes patogênicas, ser um gene grande, grande expressão na vida embrionária e outras.
- Inteligência Artificial pode ser usada na definição de biomarcadores?
- Questões sobre a habilidade de digitalizar a histopatologia;
- A possibilidade de identificar subtipos histológicos e moleculares, que podem individualizar o tratamento.
- Usou o exemplo dos gliomas de baixo grau.
- Papel do exercício físico na NF1
- Exercício voluntário atenua crescimento tumoral em modelo animal (ca de mama) – modelo animal heterozigoto
- Nf1 4,9 vezes mais chances de ca de mama
- 30% dos ca de mama têm mutação somática do gene nf1
- Atividade física de alta intensidade diminui o risco de Ca de mama em 20% ( população geral)
- No estudo apresentado por ela, animais sedentários e ativos não apresentaram alteração no peso;
- Perda do gene nf1 não modificou a composição corporal basal (há controvérsias…)
- A atividade física voluntária atrasou o surgimento dos tumores de mama e atenuaram seu crescimento
Abaixo apresentamos a versão em português do trabalho do Dr. Bruno sobre os benefícios da prática musical sobre as dificuldades cognitivas de pessoas com NF1. Amanhã apresentaremos o trabalho apresentado pela Dra. Juliana e os comentários que foram feitos sobre o pôster.
Em resumo, Dr. Bruno e sua equipe de colaboradores realizaram práticas musicais num grupo de pessoas com NF1 durante seis meses e mediram diversos indicadores cognitivos e da atividade cerebral relacionada ao processamento dos sons. Comparando os testes realizados antes e depois da prática musical, os resultados mostraram melhora significativa das funções cognitivas. Este estudo sugere que a prática musical seja útil no tratamento das pessoas com NF1.
Veja abaixo o resumo que foi apresentado em Washington (em português).

Foto do poster do Dr. Bruno exposto no CTF
Título
Efeitos da Prática Musical nas Funções Auditivas e Executivas em Indivíduos com Neurofibromatose Tipo 1
Autores: Bruno Cezar Lage Cota (PhD), Luciana Macedo Resende (PhD), Juliana Ferreira Souza (PhD), Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues (PhD), Julia Lemes de Medeiros, Maila Araújo Pinto, Marina Silva Corgosinho, Vitória Perlin Santiago, Jamile Noeli Andrade, Gabriela Poluceno Pereira, Thais Andreza Oliveira Barbosa, Ana Letícia Ferreira Santos de Ávila, Nilton Alves de Rezende (PhD).
Instituição: Centro de Referência em Neurofibromatose, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Financiamento: AMANF
Conflitos de interesse: nenhum
Introdução
A neurofibromatose tipo 1 (NF1) é um distúrbio genético multissistêmico frequentemente associado a prejuízos nas funções executivas e no processamento auditivo, incluindo a percepção musical.
Objetivo
Examinar a relação entre déficits de função auditiva e executiva em indivíduos com NF1 e avaliar os potenciais efeitos terapêuticos da prática musical nesses domínios.
Métodos
Vinte e cinco indivíduos com NF1, com idades entre 13 e 25 anos, foram submetidos a um programa de treinamento musical de seis meses e foram avaliados pré e pós-intervenção por meio de uma bateria abrangente de testes.
O processamento auditivo foi avaliado com o teste Gaps in Noise (GIN), Pitch Pattern Sequence (PPS) e potenciais evocados auditivos de longa latência (P1-N1-P2 e Mismatch Negativity – MMN).
A percepção musical foi medida usando a Bateria de Avaliação de Amusia de Montreal (MBEA). As funções executivas foram avaliadas com o Teste de Fluência Verbal Switch (SVFT), Span de Dígitos, Tarefa de Toque de Bloco de Corsi, Teste de Cinco Dígitos (FDT), Teste de Cinco Pontos (T5P) e Teste de Rede de Atenção (ANT).
Resultados
Foram observadas correlações significativas entre as medidas musicais, auditivas e de função executiva, incluindo: MBEA e T5P (p = 0,013, r = 0,509), latência MBEA e MMN (p = 0,009, r = -0,669), GIN e Corsi (p = 0,017, r = -0,515), PPS e ANT (p = 0,006, r = -0,563) e PPS e Digit Span (p = 0,019, r = 0,506).
O treinamento musical levou a melhorias nas funções executivas, particularmente flexibilidade cognitiva (FDT: p = 0,015, η² = 0,124), troca de tarefas (FDT: p = 0,030, η² = 0,155) e fluência verbal (SVFT: p = 0,011, η² = 0,158).
O processamento auditivo também melhorou, evidenciado pelo aumento dos escores do GIN (p = 0,017, η² = 0,042) e redução da latência do MMN (p = 0,001, η² = 0,365).
Conclusão
Os achados sugerem uma forte relação entre as funções auditivas e executivas em indivíduos com NF1 e indicam que a prática musical pode ter efeitos benéficos sobre esses sistemas cognitivos, apoiando seu uso como estratégia terapêutica complementar.

Relatos da Dra. Juliana Souza e do Dr. Bruno Cota
Sábado (21/06/25)
CTF presta homenagem ao nosso amigo e pioneiro Vincent Riccardi
A homenagem póstuma ao Dr. Vincent M. Riccardi (falecido em 2024 aos 83 anos) foi um momento de grande emoção para todas as pessoas que tiveram a oportunidade de conviver com aquele que, antes de todo mundo, se envolveu profundamente com as pessoas com NF.
Riccardi esteve por duas vezes em nosso CRNF (ver aqui um desses momentos) onde deixou lições de sabedoria e espírito científico. Veja a homenagem da comunidade NF dos Estados Unidos ao Riccardi, com uma fotografia que fiz dele e de sua querida Susan no Parque Lagoa do Nado em Belo Horizonte.
Além de ser um referência internacional, estimulou nossas linhas de pesquisa e nos apoiou internacionalmente.
Vamos continuar nosso trabalho com a mesma dedicação que Riccardi nos ensinou, como uma forma de homenagear esta pessoa que tanto nos inspira.
Riccardi vive em nossos corações e mentes.
Dr. Lor
Os outros assuntos do dia foram comentados pela Dra. Juliana e Dr. Bruno foram: :
- Aula espetacular da Dra. Nancy Ratner sobre neurofibromas
- Preservação da audição nas pessoas com NF2
- Inteligência artificial – usos e limitações nas NF
- Tratamento da transformação maligna dos neurofibromas
- Como medir o volume dos neurofibromas
Confira abaixo nossos resumos
Formação dos neurofibromas, segundo a Dra. Nancy Ratner
Inicialmente, ela mostrou que a perda do segundo alelo do gene NF1 na célula de Schwann dá início aos neurofibromas (que podem ser plexiformes), mas isto não é suficiente para a transformação maligna, pois é preciso a ocorrência de outros fatores.
Em seguida, mostrou a importância dos estudos pré clínicos no avanço na utilização dos inibidos MEK (iMEK) nos estudos clínicos. Chamou a atenção para as vias SHP2 e KRAS, para as quais já há uma droga (BI-6674) em estudo pré-clínico, em preparação para publicação, assim como outros potenciais alvos.
Mostrou um diagrama com diversas drogas que tentam bloquear outras etapas da cascata e que foram capazes de encolher os neurofibromas plexiformes em modelos animais.
Relatou que a ideia atual é começar a associar estas drogas, embora ainda não haja efeito durável ou combinação que possa produzir um encolhimento maior dos neurofibromas plexiformes.
Mostrou que os neurofibromas plexiformes têm cerca de 30% de células do sistema imunitário: macrófagos, células dendríticas e células T e que tanto os iMEK quanto os iSHP2 diminuem a população de macrófagos e células dendríticas. De maneira um pouco menos dramática nos humanos do que no modelo animal, mas ainda assim importante
Destacou o fato de que as células de Schwann Nf-/Nf- expressam fatores que atraem células T e células dendríticas, enquanto os macrófagos estão dentro das células tumorais no início da sua formação e promovem seu crescimento. Drogas anti macrófagos no início da formação inibem o surgimento dos plexiformes e diminuem um pouco seu tamanho depois de formados.
Quando células B e T não estão presentes, neurofibromas plexiformes não se formam e os macrófagos estão diminuídos. Se você oferece anticorpos anti células T (ver poster de Jay Pandavela nos anais do evento), ou seja, o mecanismo seria assim: NF1(-/-) → macrófagos → citocinas → CD8 células T → neurofibromas.
Lembrou que a mesma variante patogênica tem fenótipos diferentes por causa de genes diferentes e modificadores genéticos diferentes (epigenética). Sugeriu que esta informação poderá ser útil no tratamento dos plexiformes e que já há variantes germinativas ATM germline em estudo.
Finalmente, disse que um microambiente heterozigoto não é necessário para a formação de um neurofibroma plexiforme, ao contrário do que tem sido pensado nos últimos anos.
Preservação da audição nas pessoas com Schwannomatose relacionada ao gene NF2 (NF2-SWN)
De início, o palestrante Bradley Welling apresentou uma opinião controversa, a sua preferência em operar os schwannomas vestibulares o mais precocemente possível (quando ainda tem apenas milímetros de tamanho), pois a evolução a médio e longo prazo dos implantes cocleares e de tronco cerebral não é um resultado tão satisfatório.
(Comentário nosso: ver aqui nossa sugestão de tratamento para schwannomas vestibulares nas pessoas com NF2-SWN, na qual evitamos a abordagem cirúrgica o máximo possível)
Foi ressaltada a importância de se realizar a ressecção dos schwannomas com monitorização direta do nervo coclear para preservação da audição, mas não foram apresentados dados comparativos com esse desfecho entre procedimentos com ou sem monitoração.
Sobre os mecanismos para perda auditiva na swn-nf2, foram citados o comprometimento da vasculatura, a compressão direta da cóclea pelo tumor e a secreção de proteínas citotóxicas pelo tumor.
Relatou que 75% dos pacientes com NF2-SWN não são candidatos à cirurgia com preservação auditiva no momento da cirurgia. Dos 25% que se submetem à cirurgia, 70% têm tumores menores que 1cm, e metade deles evolui com preservação da audição no pós-operatório. Contudo, pela própria evolução da doença, a taxa de preservação da audição a longo prazo não tem melhora significativa.
A discrepância entre tamanho do schwannoma e perda auditiva foi novamente destacada, estando de acordo com o protocolo proposto pelo nosso CRNF (ver acima).
Alguns fatores intra-operatórios que determinam o resultado da cirurgia para a preservação da função auditiva:
- nervo de origem anatômica do tumor (ramo coclear, nervo vestibular superior ou inferior);
- suprimento vascular da cóclea;
- expertise do cirurgião;
- extensão do tumor;
- monitorização intra-operatória da função coclear (novamente sem dados apresentados);
Como tratamento paliativo para perda da audição na NF2-SWN, apresentaram os óculos de captura de fala em tempo real, nos quais a pessoa pode ler na lente as palavras ditas no ambiente em tempo real.
Concluiu com a apresentação de um gráfico (abaixo) sobre a preservação da função auditiva a longo prazo em diferentes trabalhos que avaliaram o efeito do tratamento dos schwannomas com radioterapia, todos de retrospectivos, mostrando que em todos os casos a audição teve piora progressiva, independente do efeito da radioterapia no tamanho do tumor.

Inteligência Artificial nas NF
Os três palestrantes do painel falaram sobre a IA e diagnósticos por imagem de tumores em oncologia, comentando as limitações para validação das ferramentos de IA, por parte dos pacientes e médicos, quanto ao seu uso na prática médica.
Existe uma IA, já disponível, que faz uma medida volumétrica em 3D dos schwannomas vestibulares na NF2-SWN. Foi questionada a capacidade de identificação pela IA de artefatos e para indicação do implante coclear.
Nos neurofibromas cutâneos ficou a impressão de que a IA teria utilidade, essencialmente, para medir a eficácia de intervenções terapêuticas.
Tratamento da transformação maligna dos neurofibromas
A Dra, Blakeley apresentou um estudo recém iniciado para tumor maligno da bainha do nervo periférico associando imunoterapia com quimioterapia com cirurgia e com radioterapia se cirurgia deixar margem com tumor.
As drogas em questão seriam:
- Nivolumabe + Ipilimumabe: imunoterapia para estudo histológico com resultado de tumor atípico ou TMBNP, cujo foco seriam PD-L1 e células T CD8 (CTLA4 e PD1);
- TMBNP recentemente diagnosticado por biópsia: 2 doses dos medicamentos nas 8 semanas entre a biópsia e o tratamento tradicional;
- Quimioterapia citotóxica pré cirurgia para melhorar as margens
- Cirurgia em busca de margem negativa.
- Se não conseguir margem negativa, radioterapia após a cirurgia.
Aguardaremos os resultados.
Análise do volume dos neurofibromas plexiformes
Este painel foi moderado por Andrea M Gross e Brigitte Widmann, ambas relacionadas aos estudos com Selumetinibe sob o patrocínio da Astrazeneca.
Foram lembradas as diversas características dos chamados neurofibromas plexiformes (de maneira generalizada), mas sem a proposta de separá-los para avaliação em nodulares, difusos e na forma espinhal.
Mostraram a diferença da medida em 1D, 2D e 3D, sendo a 3D mais precisa e, portanto, a indicada de acordo com as recomendações da “REINS Consensus Recommendation” para a medida dos neurofibromas plexiformes.
No painel mostrou-se que a definição do contorno pode ser: manual, semi automática ou por meio de IA, mas há limitações na definição de qual é o contorno para a medida do volume. A variabilidade de medida é grande entre observadores (tabela apresentada pela Eva Dombi).
Os diferentes tipos de neurofibromas plexiformes (sem distinção de difusos ou nodulares) foram mostrados como exemplos que são medidos com 3D e se apresentam para os estudos clínicos.
Foram discutidas as possibilidade sobre o que acontece quando um neurofibroma plexiforme “encolhe” com o tratamento (com iMEK, por exemplo):
- Remodelamento (a forma nodular se torna quase que o “resto” de um difuso) mas sem desaparecer;
- Mudança (diminuição) no sinal em T2 (até que ponto esta alteração modifica a definição do contorno e a medida pós iMEK? (dúvida nossa);
- Mudança na densidade do tumor.
Discutiu-se também se a precisão da medida 3D refletiria a realidade, pois há certo grau de incerteza, sendo dependente do examinador e como capta o processo de mudança. Diante disso, considerando os vieses na análise volumétrica, que uma diferença de 10% no volume deve ser considerada dentro de uma possível “margem de erro”.
Também se comentou sobre variação volumétrica e seu impacto estético: será que uma redução de 20% de volume pode representar pouco em relação a uma redução linear de um tumor (~6%)?
Nessa discussão, um dos participantes, Frank Buono (que é portador de NF2-SWN), ressaltou a relevância de se considerar a melhora dos sintomas em contraposição somente à redução do volume. Esta posição se opôs aos demais participantes do painel, envolvidos nos estudos com iMEK, que defenderam que uma diminuição de 20% no volume é um bom resultado.
Finalmente, foi debatida a relação entre a superfície dos tumores e o volume dos tumores, que pode ser extrapolada para os tumores plexiformes nodulares e difusos. Dois tumores com o mesmo volume podem ter superfícies muito diferentes (maior nos difusos), com diferente repercussão pela extensão do tumor, especialmente estética. Portanto, clinicamente, o impacto de uma pequena redução de volume (por ex, 20%) em um tumor plexiforme difuso, pode ser muito menor do que em um neurofibroma nodular.

A definição do contorno dos plexiformes sofre muitos vieses nos plexiformes difusos (mistura de tumor com tecidos sadios, estruturas normais com características de imagem semelhantes ao tumor, qualidade da imagem) impactando na variabilidade inter-examinadores.
AMANHÃ ENVIAREMOS MAIS NOTÍCIAS!!!

Notícias do Congresso NF – Dia 1
Dra Juliana Souza e Dr. Bruno Cota
Temas da Tarde (26/6)
- Schwannomatoses
A programação da tarde incluiu uma palestra sobre os meningiomas na schwannomatose relacionada ao gene NF2 (NF2-SWN) – ver abaixo os detalhes da palestra, – uma nova classificação para as variantes patogênicas de significado incerto, o papel das variantes do gene LZTR1 nos schwannomas e em seguida a discussão de casos clínico de schwannomatose e gliomas das vias ópticas em crianças com NF1.
Os aspectos mais relevantes debatidos foram a indicação ou não da radioterapia na NF2-SWN, o uso do Bevacizumabe (ver aqui nossa opinião sobre este medicamento) e a possibilidade do uso compassivo do Brigatinibe em crianças, uma vez que esta droga ainda não foi estudada nessa população e teve melhor resultado com schwannomas não vestibulares e meningiomas (ver aqui nossa opinião sobre este medicamento).
Destacou-se a importância do seguimento clínico, no mínimo anual, dos pacientes com NF2-SWN, com exame físico e audiometria tonal e logoaudiometria. Foi recomendada a ressonância (RM) de crânio a partir dos 10 anos, sendo duas por ano no primeiro ano ou antes, se identificado crescimento rápido de algum tumor intracraniano. Se houver sintomas ou genótipos de alto risco, iniciar RM de coluna a cada 2-3 anos.
Radiocirurgia: ainda controversa para schwannomas na NF2, especialmente pelo risco ainda não bem elucidado de formação de novos tumores e pouco efeito sobre a preservação da audição, embora possa controlar o crescimento do tumor.
Sobre o uso do Bevacizumabe, a discussão também ressaltou o seu uso compassivo, quando não temos outras opções, baseado nos estudos de Plotkin e col. de 2009, com 10 pacientes com NF2-SWN, dos quais seis tiveram alguma redução no tumor, quatro alguma melhora na audição, sendo a metade (somente dois) com esta melhora sustentada após seis meses.
Para o Brigatinibe, como mencionado anteriormente, o estudo INTUITT-NF2 identificou um melhor efeito sobre os schwannomas não vestibulares, com redução da dor, e houve melhora da audição em 35% das pessoas, embora não se saiba se, de fato, melhorou a sua capacidade funcional.
- Caso clínico – Glioma das vias ópticas em criança de 3 anos
Na sessão de gliomas de vias ópticas (GVO) relacionados à NF1, foi apresentado o caso de uma criança com 3 anos, com GVO bilateral, acometendo quiasma e radiação óptica, assintomático. Fundoscopia com palidez do nervo óptico, bilateralmente.
Foi ressaltada a dificuldade em se avaliar clinicamente a visão desse paciente, com os testes padronizados para essa faixa etária, especialmente no contexto de que a criança tinha uma maior dificuldade para cooperar com a realização dos testes devido ao diagnóstico concomitante de autismo.
Foram debatidos o uso da ressonância nuclear volumétrica, considerando os riscos da sedação e contraste, como um parâmetro para se definir a conduta (tratamento quimioterápico ou conduta expectante).
Dentro desse contexto, foi apresentada a baixa precisão da ressonância para se definir tratamento baseado no aumento da captação do contraste pela lesão (45% dos tumores com captação aumentada não se associam a declínio da acuidade visual). Quanto ao volume, por si só, também não é um bom preditor de gravidade clínica em boa parte dos pacientes.
Por outro lado, a OCT pode ser uma boa opção na avaliação de casos como esse, uma vez que a avaliação da camada de fibras nervosas da retina tem uma correlação mais confiável com a qualidade da visão.
Outros pontos debatidos foram a benignidade da evolução da maioria dos casos de glioma das vias ópticas na NF1, diferente da população geral.
Por fim, os estudos recentes com inibidores MEK, mTOR (Everolimus) e Bevacizumabe, como drogas de uso potencial em casos refratários à quimioterapia convencional, uma vez que esta tenha sido bem indicada. Acrescente-se que está em andamento um estudo que visa comparar os resultados da quimioterapia tradicional com o uso de inibidores MEK (iMEK) no glioma óptico.
Detalhes da palestra sobre tratamento de meningiomas na NF2-SWN
Apresentada por Brian Na, da Universidade da Califórnia
Introdução com aspectos gerais, como:
- Prevalência (50% dos pacientes com NF2-SWN),
- Risco de 80% ao longo da vida;
- Maioria intracranianos, mas podendo ocorrer na coluna;
- Localização predominantemente supratentorial, sendo os de base do crânio mais comumente observados em crianças.
Acompanhamento dos pacientes
Reforçou a ideia de que o seguimento dos pacientes deve ser individualizado, diante não somente da variabilidade interindividual em relação às manifestações tumorais, especialmente quanto à quantidade de tumores, localização, tamanho e velocidade de progressão.
Embora a maioria dos meningiomas tende a apresentar crescimento lento, foi levantado o questionamento de um possível comportamento um pouco mais agressivo na NF2-SWN, na qual mais da metade dos tumores possuem Grau 2 ou 3 da WHO (ver abaixo nota sobre esta classificação).
Foi reforçado, ainda, a variedade de comportamento dos meningiomas para um mesmo indivíduo, de modo que um ou mais tumores podem apresentar padrões de progressão diferentes.
- Sobre o risco de desenvolvimento dos meningiomas, apresentou o risco de desenvolvimento dos meningiomas baseado na localização da variante patogênica no gene NF2.
- Mostrou que alguns outros genes relacionados ao desenvolvimento dos meningiomas (gene NF2 presente em 50-60% dos meningiomas)
- Sobre o padrão de crescimento, mencionou um estudo de 2023 que distingue os meningiomas em quatro classes baseadas na velocidade de crescimento em 6 meses:
- quiescente (<0,03 cm2);
- linear (>0,03 cm2 em duas medidas subsequentes);
- alternante (quiescente e linear) e
- exponencial.
- Sobre vigilância da progressão, disse que não há um consenso claro sobre a periodicidade das RM, permanecendo a sugestão de individualizar, conforme a velocidade de crescimento, sintomas, e grau WHO (semelhante ao que fazemos no CRNF).
- Sobre tratamento: escassas evidências e pouco consenso para o tratamento além da ressecção dos tumores, apesar de haver 9 ensaios clínicos em andamento, a maioria em fase II, com tratamento imunobiológico direcionado para alguns alvos moleculares (mTOR (3 estudos); RTK (2 estudos); MEK (selumetinibe, 1 estudo); FAK (dois estudos, sendo um deles com Brigatinib) e PI3K/AKT (único de fase II/III).
- Dentre os estudos finalizados, destacou
- Kumthekar, 2022, que investigou o Bevacizumabe para meningiomas recorrentes e refratários (não especificou se ao tratamento cirúrgico ou ao tratamento com radioterapia). Mas não apresentou os resultados claramente desse estudo.
- Outro estudo, com Vistusertib (basket trial para diferentes tumores da SWN NF2, publicado em 2024 – Jordan et al, Neuro-Oncology, com 18 participantes, nos quais a maioria dos meningiomas se manteve estável ou reduziu de tamanho, contudo 12 dos 18 participantes desistiram, por eventos adversos ou “escolha do participante”.
- Mencionou um ensaio clínico de fase III que compara observação pós operatória dos meningiomas grau 2 versus radioterapia (NRG BN-003 e ETORC-1308/ROAM)
- Fez um comentário interessante elucidando que o desfecho na maioria dos estudos tem como principal variável de desfecho a sobrevida em 6 meses (o que não é a principal questão na NF2-SWN, pois não se trata de câncer), ressaltando a importância de ter isso em mente quando se propõe o tratamento clínico vs expectante, considerando a importância de se deixar claro as expectativas realistas para o paciente.
- Propôs considerar a radiocirurgia estereotáxica para alguns casos, citando um estudo que não identificou a ocorrência de neoplasias potencialmente provocadas pela radiação em uma coorte de 267 pacientes com NF2 (mas nesse caso o tratamento direcionado para schwannomas vestibulares, e não para meningiomas); e em análise de outros estudos para tratamento dos meningiomas em progressão destacou em um deles a taxa de controle do tamanho em 5 anos > 90%, mas o controle a longo prazo (>5 anos) variando entre 27% e 51%.
- Ao final, destacou que tais estudos são de baixo valor de evidência devido ao desenho, a maioria deles séries de casos e apresentou um algoritmo baseado no estudo de Wang et al, Neuro-Oncology 2024, para manejo dos meningiomas, baseado em sintomas, risco de compressão e crescimento (discutiremos no CRNF este algoritmo e em breve publicaremos nesta página).
Nota
Classificação da OMS (WHO – World Health Organization) para os meningiomas
Esta classificação é baseada principalmente em critérios histopatológicos e define o grau de agressividade e o risco de recorrência tumoral. A última atualização oficial da OMS é a Classificação de Tumores do SNC de 2021 (WHO CNS 5 edição).
Simplificadamente classifica os meningiomas em:
Grau 1 → Benigno
Grau 2 → Atípico
Grau 3 → Maligno (Anaplásico)
Ver abaixo os detalhes.
Classificação WHO para Meningiomas (2021)
| Grau OMS | Características Principais | Exemplos de Subtipos Histológicos | Prognóstico Geral |
| Grau 1 (Benigno) | Crescimento lento, baixa taxa de recorrência | Meningioma meningotelial, fibroso, transicional, microcístico, secretor, metaplásico, angiomatóide | Excelente |
| Grau 2 (Atypical) | Maior celularidade, mitoses aumentadas (≥4 mitoses por 10 campos de grande aumento), perda da arquitetura típica, necrose focal, maior risco de recorrência | Meningioma atípico, claro, cordóide | Prognóstico intermediário, risco moderado de recorrência |
| Grau 3 (Anaplásico ou Maligno) | Alta atividade mitótica (≥20 mitoses por 10 CGA), atipias marcadas, crescimento invasivo, comportamento agressivo | Meningioma anaplásico, papilar, rabdoide | Prognóstico ruim, alta taxa de recorrência e risco de metástase |
Principais Novidades da Classificação WHO 2021:
- Critérios moleculares começam a ganhar importância, como por exemplo:
- Alterações em NF2, TERT mutações promotoras, CDKN2A/B deleções, etc.
- Essas alterações moleculares podem modificar a classificação prognóstica mesmo dentro de um mesmo grau histológico.
- Subtipos histológicos foram reorganizados, mas os três grandes grupos (Grau 1, 2 e 3) permanecem.
- Classificação baseada também em risco biológico, considerando que nem todo Grau 1 se comporta como benigno a longo prazo (ex: meningiomas localizados em áreas críticas como base de crânio ou com alterações moleculares de alto risco).
AMANHÃ TEMOS MAIS NOTÍCIAS DE WASHINGTON!!!

