Dra. Letícia Carvalho Neuenschwander (Especialista em Clínica médica, Oncologista)
Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues (Especialista em Clínica Médica e em Avaliação de Tecnologias em Saúde)
O câncer de mama é o tumor mais comum em mulheres em todo o mundo e atingiu no Brasil cerca de 73 mil novos casos em 2023.
Vários estudos científicos têm confirmado que as pessoas com Neurofibromatose do tipo 1 (NF1), quando comparadas com a população geral, apresentam risco aumentado de desenvolverem câncer de mama.
Por exemplo, um estudo multinacional publicado em 2020 (clique nos links para ver os artigos citados: https://www.nature.com/articles/s41436-019-0651-6) mostrou que mulheres com NF1 têm risco aumentado (em 4 a 11 vezes) de apresentar um primeiro câncer de mama em idade menor que 50 anos.
Além disso, os resultados mostraram que as mulheres com NF1 apresentam mais chance de ter câncer nas duas mamas e de sobreviver menos.
Exames precoces antes dos sintomas
O estudo concluiu que o início precoce dos exames de rastreamento em mulheres com NF1 ainda sem sintomas do câncer de mama pode ser uma forma de melhorar a sobrevida, como já ocorre para outras mulheres com outros tipos de risco aumentado para câncer de mama (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31233143/).
No entanto, é importante lembrar que a mamografia é um exame com radiação ionizante (potencialmente cancerígena) e talvez sejam necessárias formas alternativas à mamografia de rastreamento nas mulheres com NF1.
Por exemplo, considerar a possibilidade de usar a ressonância magnética e o ultrassom e periodicidades diferentes. Essas formas alternativas de rastreamento já são recomendadas para outras mulheres, sem NF1, e com risco aumentado de desenvolver um outro câncer relacionado à radiação (https://www.nice.org.uk/guidance/cg164 ).
Depois do diagnóstico de câncer de mama
Depois de diagnosticado o câncer de mama, uma outra questão se apresenta para as mulheres com a NF1: elas devem ou não fazer a radioterapia, depois de retirado o tumor cirurgicamente?
Um estudo tentou responder esta dúvida (clique aqui para ver o artigo completo em inglês).
Este estudo mostra que o tratamento cirúrgico do câncer de mama pode envolver a remoção total da mama (mastectomia) ou a cirurgia conservadora da mama, que remove somente o tumor de forma segura, preservando o restante da glândula mamária, com bom resultado estético.
De forma geral, após a cirurgia, dependendo do tipo de tumor e dos resultados da cirurgia, o tratamento complementar pode incluir radioterapia, quimioterapia, anticorpo monoclonal e terapia endócrina. Além da cirurgia de reconstrução da mama, após a finalização dos tratamentos.
Todas as pacientes que são submetidas à cirurgia conservadora das mamas, salvo em situações específicas, devem ser submetidas a radioterapia na área da mama, e por vezes também na axila.
A radioterapia das mamas apresenta um risco mínimo de formação de tumor maligno (sarcoma) nas mulheres em geral, por isso a radioterapia das mamas não é uma grande preocupação nas mulheres sem NF1.
Mas, e nas pacientes com NF1?
Devemos ter uma preocupação especial?
Se a NF1 é uma condição que aumenta a chance de alguns cânceres (como o de mama) a radioterapia pode ser um risco maior de sarcomas nas mulheres com NF1 do que nas mulheres sem NF1?
Em outras palavras, do ponto de vista do tratamento do câncer de mama, a radioterapia é uma abordagem usada para reduzir o risco de recorrência do câncer de mama, mas, qual é o risco de outro câncer com o uso da radioterapia (chamado de câncer radio induzido) na NF1?
Como existem poucos dados científicos para respondermos com segurança esta pergunta, sugerimos algumas questões que precisam ser consideradas por mastologistas, ginecologistas e oncologistas diante de mulheres com NF1 e câncer de mama:
- Definir as características do tumor na mama (tamanho e marcadores tumorais) e da pessoa (idade, se está ou não na menopausa etc.) e se há ou não indicação de radioterapia para completar o tratamento.
- Em mulheres com NF1 com tumores de baixo risco de recorrência, diante da incerteza sobre a relação entre o risco de câncer radio induzido e o potencial benefício de redução de recorrências, poderia ser considerada como alternativa a realização da mastectomia total para tratar o câncer de mama, ou mesmo a omissão da radioterapia após cirurgias conservadoras, evitando assim a radioterapia?
Em resumo, para as mulheres com NF1 e tumores de baixo risco, a mastectomia total é possivelmente uma forma de garantir um tratamento adequado para o câncer de mama, pois não precisariam passar pela radioterapia complementar.
Dessa forma, estaríamos minimizando o risco de recidiva, mas sem correr o risco (ainda desconhecido) de um outro câncer, o qual poderia ser induzido pela radiação nessas pacientes.
No entanto, é importante respeitar a decisão da pessoa de fazer ou não uma cirurgia de retirada completa das mamas. Por enquanto, na ausência de dados robustos da literatura, esta decisão deve ser individualizada.
Outras situações
Num outro cenário, há casos em que a radioterapia estaria indicada mesmo depois da mastectomia total (tumores acima de 5 cm, acometimento de linfonodos, margens cirúrgicas positivas, invasão da pele pelo tumor).
Assim, nestas formas mais grave do câncer de mama e após remoção completa das mamas, a relação entre o risco e o benefício da radioterapia em mulheres com NF1 pode compensar.
Conclusões
A decisão do melhor tratamento, portanto, precisa ser bem discutida, de forma clara e pormenorizada, entre as pessoas com NF1 e as pessoas que participam do seu cuidado de saúde.
As dúvidas que ainda temos merecem novos estudos científicos bem controlados para serem respondidas de forma segura, para beneficiar cerca de 40 mil mulheres brasileiras com NF1.
Esperamos que este tema motive nossas pesquisadoras e pesquisadores.