Penso ser tarefa das mais difíceis ocupar um lugar que por muitos anos foi preenchido pela pessoa certa. Todos os que acompanham as atividades da AMANF, seja participando das reuniões, dos encontros festivos ou buscando apoio e informações através do Blog, sabem que o Dr. LOR se tornou a principal referência para muitos de nós que convivemos com as NEUROFIBROMATOSES.

Não seria exagero dizer que, sendo a pessoa certa que é, o Dr. LOR se confunde com a própria AMANF e é graças ao trabalho cuidadoso que ele desenvolveu à frente da nossa associação e do zelo com que atende seus pacientes no Centro de Referência que hoje estamos aqui.

Foi com imensa honra que recebi, do próprio Dr. LOR, o convite para compor a chapa que hoje preside a AMANF. Ao aceitar o convite, tive consciência dos desafios de suceder alguém tão admirado e competente.

Também tive clareza de que a vontade de dividir a responsabilidade e repartir com a nova gestão o conhecimento e a experiência adquiridos nos muitos anos em que presidiu a AMANF era, antes de mais nada, uma forma corajosa e generosa de dizer sim para nossa existência enquanto associação.

Ao nos convidar a ocupar o seu lugar, comprometendo-se a nos acompanhar durante os quatro anos que virão, o Dr. LOR nos ensina que a AMANF precisa ser maior do que cada um de nós, precisa, até mesmo, ser maior do que o próprio LOR para, aí sim, ser capaz de representar a todos nós.

Acho que esse é o maior desafio da nossa gestão, e nosso principal desejo, radicalizar o princípio do associativismo que nos trouxe até aqui.

Isso implica que devemos apostar na consolidação de uma associação em cada um de nós se sinta representado; uma associação em que os portadores de NF e seus familiares, que convivem de forma singular com a sua doença, possam se identificar, encontrar ali o eco das suas necessidades e sentir-se acolhidos.

Mais do que isso, a AMANF, enquanto instituição que está para além de nós porque representa a todos nós, deve promover o sentido de pertencimento, a consciência de sermos iguais mesmo diante das nossas diferenças e o efetivo reconhecimento social das nossas necessidades enquanto cidadãos de direito e deveres.

Não tenho dúvidas de que é na singularidade dos impactos causados pelas NEUROFIBROMATOSES que devemos encontrar a força propulsora da nossa união.

É nas múltiplas formas de viver e enfrentar os problemas causados pela doença que devemos desenvolver nosso senso de coletividade e que é no enfrentamento por vezes solitário das nossas dificuldades e sofrimentos que devemos buscar a construção de um grupo coeso e solidário que lute unido pelos nossos direitos e interesses.

Eu, Adriana Venuto, mãe, filha, mulher, profissional da educação e, hoje, presidenta da AMANF, convido a todas e todos a se juntarem a nós, fazendo do ideal associativista, tão caro ao nosso querido Dr. LOR, o elo que nos moverá para uma sociedade mais justa, solidária e colaborativa.

Espero vocês nas nossas reuniões que acontecem todos os últimos sábados do mês.

Até breve!

Adriana Venuto

 

 

 

Nosso Parecer Técnico sobre Selumetinibe 

Nós, da equipe técnica e científica  do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRNF-HC/UFMG), avaliamos detalhada e criticamente a evidência acerca do medicamento selumetinibe.

O selumetinibe ainda não tem registro no Brasil e então produzimos um Parecer Técnico Científico (veja o resumo executivo abaixo), baseado nos modelos preconizados pelas diretrizes do Ministério da Saúde, que foi revisado e endossado pelo Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde do HC/UFMG (NATS-HC/UFMG).

Visando ao cuidado das pessoas com NF1 e à equidade e à sustentabilidade do SUS, diante das incertezas da evidência e do provável baixo valor clínico do medicamento selumetinibe, queremos auxiliar os órgãos reguladores nacionais a evitar que a medicação seja precificada de maneira desproporcional a seu valor clínico, que é o que costuma acontecer nestes contextos de medicamentos antineoplásicos e para doenças raras.

Assim, procuramos nos antecipar à indústria farmacêutica, que é quem pode solicitar o registro da droga (a partir do qual ela é precificada).

Por isso, enviamos à CMED da ANVISA nosso Parecer Técnico completo (em 29/01/2021), antes que a droga seja registrada e precificada de forma abusiva no Brasil.

Sabemos que, depois que a droga recebe seu preço, não há maneiras eficazes de melhorar a custo-efetividade dos medicamentos, para a sua incorporação racional nos sistemas de saúde.

Nosso parecer foi encaminhado à área técnica da CMED e aguardamos resposta, para saber se e como poderemos ser parceiros neste processo.

Resumo executivo

 

Convido você para participar comigo, hoje à tarde (17:15 horas) de uma palestra on-line, na qual vou mostrar como evoluiu a grande capacidade aeróbica humana e suas relações com algumas doenças, entre elas a neurofibromatose do tipo 1.

É um evento patrocinado pelo Laboratório do Movimento da Faculdade de Medicina da UFMG, coordenado pela professora Ivana Montandon e pelo professor Diego Campos.

Mostrarei como nos tornamos humanos e porque evoluímos com uma grande capacidade aeróbica e de termorregulação, apesar de possuirmos menos força do que outros primatas.

O resultado é que somos uma espécie fisicamente ativa e o sedentarismo está relacionado a algumas doenças.

Também apresentarei algumas de nossas pesquisas realizadas no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG, nas quais descobrimos a redução da força muscular e da capacidade aeróbica e de termorregulação nas pessoas com NF1, além de algumas propostas terapêuticas para esta condição.

A reunião é aberta e gratuita e qualquer pessoa pode participar.

Este é o link para ter o ingresso da reunião:

https://www.sympla.com.br/gemces—reuniao-academica-reunioes-de-marco-e-abril-2021__1140257?token=c2a554ba48638d611dbf8b0411deb34f

Quem quiser participar é só se cadastrar.

A confirmação chega no e-mail junto com o link de acesso a reunião.

A reunião é organizada como evento no Sympla Streaming, uma plataforma gratuita, dinâmica e fácil de usar.

Ela funciona a partir de uma integração com a plataforma Zoom, onde a conferência será realizada (por isso é necessário ter o Zoom instalado).

Ver mais informações aqui

https://www.instagram.com/p/CMRv3HRJxhb/?igshid=1injln4hteb5b

Tenho a satisfação de apresentar a vocês um texto do Dr. Daniel Kumpinsky (médico psiquiatra e portador de neurofibromatose do tipo 1) que aceitou nosso convite para traduzir e adaptar um trabalho de revisão sobre o manejo dos neurofibromas cutâneos, recentemente publicado (ver aqui o artigo completo em inglês: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32642736/ ).

As informações estão resumidas em duas Tabelas no final do texto.

Esperamos que esta revisão seja útil para todas as pessoas que nos leem e aos profissionais de saúde que as atendem.

Boa leitura.

Dr Lor

 

Introdução

Apesar dos neurofibromas cutâneos (Nfc) serem tumores benignos, os portadores de NF1 consideram o problema estético causado por eles como a característica mais penosa da doença. Evidências científicas correlacionam os Nfc com diminuição da qualidade de vida devido a sentimentos de vergonha, interferência com as atividades diárias, incluindo compras, problemas com afeto direcionado a parceiros, dificuldades sexuais e consequências sociais desfavoráveis.

Uma classificação anatômica dos Nfc pode ser ordenada de acordo com sua aparência. (ver neste site mais informações sobre isso clicando aqui: https://amanf.org.br/neurofibromas-cutaneos/ )

Durante seu estágio de nascimento, os Nfc não podem ser vistos a olho nu, mas a ultrassonografia ou outras formas de imagem já podem detectar alguma massa na derme. No próximo estágio eles podem ser chamados de planos, quando sua aparência na pele mostra hiperpigmentação ou moderado afinamento da camada epidérmica. O estágio séssil é atingido quando uma pápula (um relevo suave) se torna visível na pele. Subsequentemente o neurofibroma progride para o estágio globular, em que adquire um formato de nódulo com 20 a 30mm de altura e igual diâmetro da base. E o estágio final é o peduncular, quando o neurofibroma se projeta para acima da pele, permanecendo conectada a ela por um pedúnculo (um talo ou caule).

Sabe-se que os Nfc aumentam rapidamente de tamanho no estágio inicial, mas por fim se tornam quiescentes em um estágio maduro, assim que cessam a proliferação de sua massa. Nesse momento, quando atingem certo tamanho, permanecem imutáveis por anos. O mecanismo por trás da aquiescência ainda é desconhecido.

  • Remoção física

A remoção física ainda permanece o principal tratamento para os Nfc. Embora ela não impeça o surgimento e crescimento de novos tumores, a melhora na aparência estética dos pacientes diminui as repercussões negativas na qualidade de vida.

A remoção física abrange modalidades como a remoção cirúrgica convencional e a biópsia excisional modificada ou as destruições com laser de CO2, fotocoagulação, eletrodissecção e ablação com alça de alta frequência.

 

Remoção Cirúrgica Convencional

Foi a primeira técnica utilizada. Consiste numa incisão oval removendo as camadas profundas do tumor junto com a epiderme (camada superficial da pele), que depois é fechada com sutura.

Geralmente pode ser feita com anestesia local, mas existe uma modalidade em que se faz anestesia geral quando se extrai uma quantidade muito grande de lesões de uma vez só (“mega sessão”).

Vantagens: resultado pós-operatório com mínima cicatriz e boa satisfação do paciente; permite retirada de tumores maiores que 4cm; permite abordagem em áreas muito sensíveis como pálpebras, mamilos, genitália ou estruturas vasculares ou nervosas (onde não se poderia utilizar os métodos destrutivos de remoção); permite análise histopatológica da lesão.

Desvantagens: custo alto; requer especialistas médicos altamente treinados como dermatologistas, cirurgiões gerais ou plásticos que estão familiarizados com a anatomia; requer estrutura física em clínicas ou blocos cirúrgicos; a remoção de cada lesão leva mais tempo devido à necessidade de incisão e sutura, limitando a quantidade de lesões tratadas em cada procedimento.

 

Laser de CO2

Permite a destruição de tecidos pelo aquecimento rápido e vaporização da água intracelular. O laser é mirado sobre o tumor, queimando tanto as camadas profundas quanto a camada superficial da pele. O ferimento fica em formato arredondado e cauterizado, impedindo o sangramento e permitindo que a lesão cicatrize por segunda intenção (sem fazer sutura).

A técnica é aplicada em neurofibromas em estágio séssil, globular ou pedunculado menores que 2cm. Deixa uma cicatriz plana hipopigmentada ou despigmentada do tamanho do neurofibroma original.

Vantagens: Como não exige sutura, permite tempo para cauterizar centenas de lesões em uma única sessão; causa menos dor pós-operatória.

Desvantagens: recorrência ou crescimento do tumor em 3 a 10% dos casos; não serve para tumores maiores que 2cm; exige maquinário de alto custo e treinamento especializado para utilizá-lo; não permite análise histopatológica da lesão;

 

Biópsia Excisional Modificada

É uma modificação da técnica dermatológica de biópsia por raspagem (“shaving”). Serve para tumores de até 2cm. Consiste em remover o neurofibroma em duas etapas com uma espécie de navalha (Dermablade). Inicialmente se raspa apenas a porção que se projeta acima da pele. Logo em seguida se pinça através do orifício a porção profunda do neurofibroma e se puxa ela para fora para cortar o restante com a mesma navalha. O resultado é um buraco aberto com o mesmo tamanho da base do neurofibroma, que pode ser fechado com sutura, cola cirúrgica ou grampos dependendo do local da lesão. Permite remover um pouco mais de 10 tumores por procedimento.

Vantagens: deixa cicatrizes menores do que a remoção cirúrgica convencional; não requer uso de antibióticos pós-operatório; requer apenas anestesia local e não necessita de bloco cirúrgico muito equipado; os equipamentos são baratos e acessíveis; permite análise histopatológica da lesão.

Desvantagens: Se usada sutura, diminui o número de lesões que podem ser retiradas em cada procedimento, exigindo múltiplas sessões conforme a quantidade.

 

Fotocoagulação

Estudos contemporâneos têm usado laser Er-YAG e Nd-YAG para o tratamento de neurofibromas cutâneos. A técnica consiste em mirar o laser sobre o tumor para provocar destruição tecidual por necrose térmica. Serve para tumores menores que 1cm. Um estudo comparou o laser Er-YAG com o laser de CO2, mostrando que possui melhores resultados pós-operatórios: menos dor, menor período de eritema (vermelhidão), reepitelização mais rápida e menor área de necrose.

Vantagens: alta satisfação dos pacientes com os resultados cosméticos; é um procedimento ambulatorial; permite extração de centenas de lesões em um só procedimento.

Desvantagens: o maquinário é extremamente caro, sendo encontrado apenas em centros bem financiados e grandes hospitais universitários; não permite análise histopatológica da lesão

 

Exérese por Alça Diatérmica ou LEEP

(ou loop eletrocirurgical excision procedure em inglês)

É a mesma técnica usada para remoção de alguns tumores de colo uterino (popularmente chamada de “conização” pelos ginecologistas. Consiste em uma alça de metal aquecida, que permite ao mesmo tempo destruir e retirar o tecido do neurofibroma, deixando um orifício cauterizado aberto que cicatriza por segunda intenção (sem sutura).

Vantagens: permite extração de centenas de lesões em um único procedimento.

Desvantagem: Não é recomendada para áreas de pele cosmeticamente sensíveis, pois deixa cicatriz despigmentada; o equipamento não é encontrado em qualquer centro clínico.

 

Eletrodissecção

Trata-se de uma forma de ablação (destruição) por radio-frequência. Consiste em uma agulha cuja ponta funciona como um eletrocautério, que alterna correntes elétricas que provocam pouco dano térmico, porém com hemostasia instantânea, cicatrizando por segunda intenção e permitindo retirada de centenas de lesões em um único procedimento. Serve, porém, para tumores menores pequenos de até 5mm.

Desvantagens: deixa cicatriz despigmentada; não pode ser usada no tronco, peito ou costas de pacientes que usam marcapasso cardíaco.

 

Resumo

As modalidades destrutivas incluindo os lasers de CO2, fotocoagulação, eletrodissecção, alça diatérmica e são efetivos no tratamento de centenas de neurofibromas em procedimento único, mas alguns deles podem deixar cicatrizes pouco pigmentadas ou despigmentadas. Os procedimentos não destrutivos como a cirurgia convencional e a biópsia modificada deixam cicatrizes com melhor resultado estético, porém permitem retirada de poucas lesões por procedimento. Também possuem a vantagem de serem o melhor método quando o neurofibroma cutâneo se encontra perto de estruturas que não podem ser danificadas, como pálpebras, mamilos, genitais e feixes nervosas ou vasculares.

 

2) MEDICAMENTOS

Até o momento não existem medicamentos tópicos ou sistêmicos (via oral ou injetável) recomendados para o tratamento dos neurofibromas cutâneos. É importante esclarecer que não serão mencionados aqui os tratamentos específicos para neurofibromas plexiformes.

Os Nfc derivam inicialmente da proliferação descontrolada das células de Schwann (as células especiais que formam a bainha que encapa os nervos). Entretanto, apesar da origem dos neurofibromas cutâneos ser a mutação dessas células, o tumor final é uma combinação de células de naturezas diferentes, de um meio extracelular desorganizado e da liberação de uma série de substâncias que contribuem para o crescimento do tumor.

Células do sistema imunológico fazem parte da constituição dos neurofibromas cutâneos, especialmente os mastócitos que são recrutados para o local através da ativação química (via receptores kit em sua superfície). Uma vez no local, os mastócitos liberam inúmeras substâncias que contribuem para o crescimento tumoral.

Macrófagos são outras células do sistema imunológico encontradas nos neurofibromas cutâneos, mas seu efeito é desconhecido.

Fibroblastos (as células que fabricam colágeno), estão presentes em grande quantidade e reagem à substância TGF-B (transforming growf factor beta), liberada pelos mastócitos, produzindo quantidades excessivas e desorganizadas de colágeno.

Outros tipos de células como queratinócitos, melanócitos e adipócitos são encontradas em torno dos neurofibromas cutâneos, mas parecem não ter participação no seu desenvolvimento e crescimento.

Embora o mecanismo de formação do Nfc não seja completamente conhecido, a teoria primária é que os Nfc se desenvolvem a partir de uma resposta imunológica mal adaptada e descontrolada e um excesso de fibrose de colágeno que surge em torno das células de neoplásicas Schwann afetadas pela mutação do gene NF1.

Os medicamentos já testados para tratamento dos neurofibromas procuram agir em uma ou mais das diferentes rotas químicas que regulam esses processos acima citados.

 

Cetotifeno

Os mastócitos são células do sistema imunológico presentes na pele que liberam uma série de substâncias (num fenômeno chamado degranulação) que contribuem para o crescimento e manutenção dos neurofibromas cutâneos. Dentre elas, pode-se citar o TGF-B (transforming growf factor beta) que estimula a produção de colágeno pelos fibroblastos; a histamina; o VEGF (vascular endotelial growf fator); o fator de crescimento derivado de plaquetas; e o fator de crescimento de fibroblastos.

O cetotifeno é um medicamento que quimicamente funciona como um antagonista dos receptores H1 presentes nos mastócitos, funcionando como um estabilizador dessas células, diminuindo o fenômeno de degranulação que libera essas substâncias. Em um estudo com 10 pacientes, esse medicamento mostrou-se útil para diminuição de dor e coceira associado aos neurofibromas cutâneos.

O estudo também sugeriu, embora com resultados não-consistentes, que possa ter ocorrido uma diminuição da velocidade de crescimento dos tumores ao longo de 3 anos de tratamento contínuo (essa hipótese ainda carece de mais estudos para confirmação). Em um relato de caso de uma criança que iniciou uso de cetotifeno e manteve o tratamento por 30 anos, sugere-se que o tratamento provocou uma escassez de neurofibromas cutâneos e um padrão monótono e uniforme daqueles presentes, os quais eram pequenos e em sua maioria planos ou levemente sésseis.

Ainda não foram realizados ensaios clínicos duplo-cegos controlados por placebo (um tipo de pesquisa científica ideal) para avaliar a eficácia do cetotifeno no tratamento dos neurofibromas cutâneos, mas pode-se imaginar que não seria útil para neurofibromas já maduros e sim para amenizar o estágio de crescimento nas fases bem iniciais.

 

Imiquimode

O imiquimod é um modificador da resposta imune que age como um agonista (estimulador) dos receptores TLR-7 (toll-like receptor 7). Um estudo avaliou uma aplicação tópica (sobre a pele) de imiquimod com concentração de 5% para depois medir o tamanho dos tumores com paquímetro e avaliar a intensidade da infiltração por células inflamatórias ao redor do local de aplicação.

Depois de 4 meses, os neurofibromas cutâneos mostraram 15% de redução do volume no grupo que usou o medicamento contra 10% de redução do volume no grupo placebo. A inflamação da pele (representando a presença de células de defesa) após tratamento prolongado foi baixa (5-10%), sugerindo que almejar uma melhora da resposta imunogenética com imiquimod não foi eficaz. Essa pesquisa desaconselha o uso de imiquimod para o tratamento de neurofibromas cutâneos.

 

Aintiinflamatórios não-esteroides (AINEs)

Células inflamatórias, incluindo leucócitos e macrófagos estão presentes nos neurofibromas cutâneos, mas seu papel é ainda desconhecido. Os AINEs agem inibindo as enzimas COX-1 e COX-2 e assim prevenindo a liberação das prostaglandinas (substâncias mediadoras da inflamação) pelos leucócitos e macrófagos.

Uma pesquisa que promoveu a injeção do anti-inflamatório diclofenaco mostrou que 48% dos tumores apresentaram uma resposta completa ou parcial, enquanto outros tiveram crescimento durante o tratamento. Outra pesquisa está avaliando a aplicação tópica (sobre a pele) de diclofenaco após abrir micro poros com um dispositivo a laser. O resultado em 7 pacientes ainda não foi publicado.

 

Everolimus e Sirolimus (rapamicina)

Alguns medicamentos são direcionados para agir diretamente sobre as células tumorais de Schwann. Essas células utilizam a cascata de reações químicas induzidas pela proteína RAS para estimular a rota de sobrevivência chamada m-TOR e as rotas de proliferação e transcrição chamadas RAF-MERK-ERK, todas elas responsáveis pela proliferação descontrolada das células de Schwann. A proteína NF1 (que infelizmente está ausente nas células tumorais) é responsável por inibir a ativação excessiva da proteína RAS, assim inibindo a ativação dessas cascatas químicas de multiplicação celular. A rota m-TOR é a principal reguladora do crescimento e metabolismo e, portanto, é importante na sobrevivência das células de Schwann tumorais.

O Sirolimus (rapamicina) e o everolimus são medicamentos que inibem a rota m-TOR. Ambos foram pesquisados em ensaio clínico para tratamento de neurofibromas plexiformes e tumor maligno da bainha de nervos periféricos, respectivamente. Embora o objetivo dos estudos não tenha sido avaliar os neurofibromas cutâneos, não foi reportada mudança durante o tratamento. Uma pesquisa sem grupo controle, avaliou que o everolimus não diminuiu o tamanho ou modificou o crescimento de neurofibromas cutâneos durante o tratamento. Ficou dúbio se não houve crescimento devido ao medicamento ou porque os neurofibromas estavam em estado maduro de aquiescência. Outro estudo avaliou que a aplicação de Sirolimus tópico duas vezes ao dia durante 6 meses reduziu efeitos colaterais. Entretanto, o uso dos medicamentos inibidores da rota m-TOR parece não ter impacto significativo nos neurofibromas cutâneos.

 

Selumetinibe

A rota RAF-MEK-ERK é importante reguladora da transcrição e crescimento celular, sendo fortemente correlacionada com desenvolvimento dos neurofibromas provocado pela ativação descontrolada da proteína RAS. O Selumetinibe é um medicamento oral que inibe a rota MEK e tem mostrado atividade contra muitos tipos de câncer. Está atualmente em andamento um ensaio clínico de fase II para o seu uso específico nos neurofibromas cutâneos. Um estudo recente investigou o uso do medicamento em 24 crianças que possuíam neurofibromas plexiformes inoperáveis, mostrando mais de 20% de redução no volume dos plexiformes em 70% das crianças.

 

Ranibizumabe e Sorefenibe

A substância sinalizadora de angiogênese (surgimento de novos vasos sanguíneos) chamada VEGF é altamente encontrada nos neurofibromas. O Ranibizumabe, um anticorpo contra a VEGF, foi injetado em neurofibromas cutâneos e comparado com tumores não injetados, avaliando seu volume e a pressão intersticial. Ainda não sabemos os resultados deste estudo, pois ainda não foram publicados.

O Sorefenibe, outro inibidor da VEGF, mostrou resultados significativos em diminuir o volume de neurofibromas plexiformes observados em ressonância nuclear magnética, mas a resposta nos neurofibromas cutâneos não foi avaliada. Um estudo avaliando a inibição simultânea da rota m-TOR pelo everolimus e da VEGF pelo bevacizumabe para avaliar o crescimento de neurofibromas plexiformes e tumores malignos da bainha dos nervos mostrou mínimos mudanças no crescimento dos neurofibromas cutâneos. Ficou dúbio se essa ausência de resposta se deve ao estudo não ter sido sensível o suficiente para medir a mudança nos neurofibromas cutâneos ou ao fato de eles se encontrarem no estágio de aquiescência (hibernação após o crescimento), quando a manutenção da sua existência não depende mais dessas rotas químicas.

 

Hormônios

Hormônios têm um papel significativo no desenvolvimento de neurofibromas cutâneos. Mulheres portadoras de NF1 podem apresentar rápido crescimento dos tumores durante a puberdade e a gravidez. As células de Schwann tumorais respondem ao estrógeno e progesterona com aumento da velocidade de proliferação in vitro.

Entretanto, em uma pesquisa com 59 mulheres portadoras de NF1 que usaram contraceptivos orais (apenas progesterona ou combinação estrógeno-progesterona) não revelou associação com o crescimento dos neurofibromas cutâneos. Assim, a relação entre os hormônios e os neurofibromas cutâneos é altamente evidente em alguns estudos, mas não em outros, sendo necessárias mais pesquisas para elucidar a questão.

Secreção aumentada de hormônio do crescimento foi observada em alguns pacientes, mas outros estudos mostraram diminuição da sua secreção, portanto o papel desse hormônio ainda é indeterminado.

 

Terapia Fotodinâmica (PDT)

Tem sido utilizada para tratar uma variedade de doenças dermatológicas proliferativas como ceratose actínica, carcinoma basocelular e linfoma cutâneo de células T, além de provocar morte de bactérias, fungos e vírus que causam verrugas ou molusco contagioso. Consiste em administrar uma substância fotossensibilizadora chamada ALA (ácido 5-aminiolevulínico) e depois iluminar as lesões com uma luz vermelha de banda larga. As células que captam a substância, ao serem iluminadas, morrem devido a uma reação química que causa destruição tecidual, recrutamento de células inflamatórias e dano vascular. Dois estudos estão sendo conduzidos para avaliar a terapia fotodinâmica com ALA para os neurofibromas cutâneos.

 

RESUMO GERAL

Devido a sua natureza benigna, os neurofibromas cutâneos não afetam a mortalidade dos pacientes com NF1, portanto as lesões assintomáticas ou sem preocupação estética devem ser manejadas apenas com aconselhamento.

Lesões sintomáticas que causam dor ou prurido devem ser fisicamente removidas.

Lesões que incomodam o paciente por causar problemas estéticos devem ser removidas em virtude da forte correlação entre os neurofibromas cutâneos e a diminuição da qualidade de vida.

Para lesões maiores que 2cm em estágio globular deve ser realizada remoção cirúrgica convencional com fechamento por sutura.

Para áreas cosmeticamente sensíveis como face, pescoço e busto, deve ser preferida a remoção cirúrgica convencional ou a biópsia modificada, pois diminuem a formação de cicatriz.

Foto coagulação pode substituir a biópsia modificada quando estiver disponível, embora a remoção completa da lesão fique incerta. Dado o número muito grande de lesões que acometem o abdome, peito e costas, sessões prolongadas com técnicas de resultado menos cosmético podem ser realizadas. Dentre essas, o laser de CO2 serve para lesões maiores que 5mm e a eletro dissecção para lesões menores de 5mm, sem a necessidade de sutura. Os riscos e benefícios devem ser discutidos com cada paciente.

Ainda são necessárias novas pesquisas e ensaios clínicos visando a intervenção nos neurofibromas cutâneos no primeiro estágio de desenvolvimento, antes de se tornarem tão evidentes.

O tratamento ideal para os neurofibromas cutâneos em pacientes com NF1 deveria prevenir o crescimento dos tumores antes do seu surgimento.

Como dito antes, se sabe que os neurofibromas cutâneos aumentam rapidamente de tamanho no estágio inicial, mas por fim atingem um estado de aquiescência permanecendo com tamanho imutável por anos. O estudo do fenômeno da aquiescência, do microambiente celular e imunológico e da deposição exagerada de colágeno nos neurofibromas cutâneos podem ser o alvo das futuras pesquisas na descoberta de medicamentos eficientes para diminuir ou evitar o crescimento da massa tumoral.

 

Tabela 1

Lista de estudos relacionados com a remoção física dos neurofibromas cutâneos

Tipo de remoção física Uso, características e eficácia Limitações e efeitos colaterais
Cirurgia Nfc maiores do que 4 cm; para áreas esteticamente importantes; histológico possível Pode necessitar de anestesia geral; requer especialista treinado; requer remoção da sutura; mais cara
Laser com CO2 Nfc pequenos até 2 cm; pode remover até 100 Nfc de uma vez; rapidez Alto risco de cicatrizes, equipamento caro; requer especialista treinado; histológico inviável
Biópsia modificada Nfc pequenos/médios até 2 cm; equipamento acessível; pode ser realizado por outros profissionais da saúde; para áreas esteticamente importantes; histológico possível; pode retirar mais de 10 Nfc por vez Requer remoção da sutura
Foto coagulação Nfc pequenos/médios menores que 1 cm; desconforto mínimo; anestesia local; baixo risco de cicatriz; para áreas esteticamente importantes; cicatrização por segunda intenção Equipamento caro; requer especialista treinado; histológico inviável
Eletro dissecação Nfc muito pequenos até 5 mm; pode retirar mais de 100 Nfc por vez; equipamento acessível; pode ser realizado por outros profissionais da saúde; cicatrização por segunda intenção Alto risco de cicatrizes; histológico inviável
Ablação por radiofrequência /diatermia Cirurgia rápida; cicatrização por segunda intenção Alto risco de cicatrizes; histológico inviável

 

 

Tabela 2

Lista de estudos realizados ou em andamento com medicamentos e seus efeitos sobre os neurofibromas cutâneos

Medicamento Alvo Benefícios Limitações
Cetotifeno mastócitos Diminuição da dor e coceira; relatos isolados de redução dos Nfc Sonolência
Imiquimode Receptor   toll Mudanças mínimas no tamanho dos Nfc Eritema, irritação
Antinflamatórios

(diclofenaco injetável)

COX1/COX2 Redução em metade dos casos Eritema, irritação
Terapia fotodinâmica necrose Resultados ainda não publicados Eritema, irritação
Imatinibe c-KIT Sem efeito Alteração hemograma, riscos cardiovasculares, desconforto gástrico, complicações pulmonares
Rapamicina, Sirolimus e Everolimus mTOR Sem efeito Relativamente seguros
Selumetinibe MEK Nfc não estudado ainda ver nossa página
Ranibizumabe VEGF Efeitos mínimos Alteração da visão
Sorefenibe VEGF Nfc não estudado ainda Alteração da visão
Everolimus e bevacizumabe mTOR, VEGF Efeitos mínimos Hemorragias
Progesterona em alta dose Receptor progesterona Aumento dos Nfc Aumento da pressão arterial, alteração de humor e nausea

 

Algumas famílias têm perguntado se suas crianças já devem voltar às aulas por causa da pandemia de COVID-19.

Todos sabemos que a escola é fundamental nas vidas das crianças, não apenas no aspecto do conhecimento, mas principalmente na sua socialização, amadurecimento e desenvolvimento da personalidade. Além disso, para cerca de 30 milhões de crianças no mundo, a escola é sua única fonte de alimentação regular.

Consultei colegas que estão estudando esta questão de forma sistemática e vejam abaixo que seus comentários (por ordem de chegada) mostram que não há uma única resposta para quando e como deve ser feito o retorno presencial às aulas.

Precisamos discutir esta questão de forma racional, científica e política.

 

Professor Unaí Tupinambás (Infectologista)

Respondeu verbalmente que considera que as crianças mais pobres devem retornar às escolas em Belo Horizonte, porque elas estão em condições de vulnerabilidade por falta de alimentação, violência doméstica, e outras dificuldades sociais que se agravaram com o aumento da pobreza e desigualdade.

No entanto, ele acha que se a família tem condições financeiras adequadas para realizar o ensino remoto emergencial, o retorno presencial deve ser adiado até controle adequado da pandemia. Este controle adequado seria quando tivéssemos menos de 50 casos por 100 mil habitantes. Para se ter uma ideia, hoje estamos em mais de 300 casos por 100 mil habitantes em BH.

Além disso, ele cobra que os professores e outros trabalhadores da educação deveriam ser considerados grupo prioritário para receber a vacinação.

Dr. Unaí enviou também um artigo científico que apresenta argumentos neste sentido (ver aqui: https://doi.org/10.1016/j.cell.2021.01.044  )

 

Dra. Maria das Graças Rodrigues de Oliveira (Pediatra e Sanitarista)

Respondeu por escrito:

“Tenho visto e lido muitas discussões sobre este assunto.

Claro que é muito importante que as crianças voltem para a escola, pela sua socialização, pelo aprendizado, para a sua alimentação nos casos das famílias pobres, para que os pais possam trabalhar e para a redução da violência doméstica.

Entretanto, neste momento, quando estamos com um alto índice de transmissão do coronavírus (como a situação em Rondônia, por exemplo, que está muito grave), acho que não é o momento de volta às aulas.

Primeiramente, por causa do risco de adoecimento para as próprias crianças e seus familiares, para os professores e demais funcionários das escolas. Além disso, as escolas públicas não têm estrutura física para aplicar as medidas corretas de biossegurança exigidas neste momento.

Em São Paulo, por exemplo, os professores entraram em greve nesta semana, porque teriam que voltar às aulas.

Destaco no documento da Sociedade Mineira de Pediatria, divulgado em 05/12/2020, um parágrafo que considero pertinente na situação atual: “As evidências técnico-científicas sustentam que a situação epidemiológica de baixa transmissão comunitária consistente é indispensável para um retorno seguro ao ambiente escolar. É perfeitamente plausível que este retorno ocorra em momentos diferentes para cada município ou região considerada, mas sempre obedecendo a critérios rigorosos de cuidados e segurança em relação à possível transmissão da doença. Consideramos que determinar o momento ideal para a volta às aulas deve ser responsabilidade das autoridades, baseado nas situações e condições epidemiológicas locais, na capacitação das escolas para adoção e prática das medidas sanitárias, e no isolamento dos contatos e doentes” (ver aqui documento completo: https://www.smp.org.br/arquivos/site/posicionamento-smp-de-retorno-as-escolas_final.pdf )

 

Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues (Clínica Médica)

Respondeu por escrito:

Diante de algumas evidências e de muito debate sobre o assunto, tenho a impressão de que muitas pessoas usam os problemas que a COVID-19 só revela, e não os causa, para criticar as medidas sanitárias necessárias contra a pandemia.

 Por exemplo, o feminicídio aumentou. Por causa das medidas de distanciamento social? Não. Por causa da misoginia! As mulheres e as crianças estão mais expostas à violência doméstica sim, muito mais. Mas isso tem diversos fatores. Além de estarmos mais restritos ao domicílio, a pandemia aumentou o desemprego, a pobreza e o consumo de álcool (Abuso de álcool cresce na pandemia de coronavírus), que são fatores relacionados à violência doméstica (Violência doméstica, álcool e outros fatores associados: uma análise bibliométrica e Interface entre a violência conjugal e o consumo de álcool pelo companheiro). A solução não é evitar essas medidas de distanciamento social em momentos de alta transmissão comunitária, como o fechamento do comércio e das escolas, o que só nos exporia também à COVID, mas criar mecanismos efetivos para proteger as mulheres e as crianças, o que já era necessário antes da pandemia.

 As crianças não estão sofrendo acidentes domésticos por causa da quarentena, mas porque estão mais tempo em casa sem supervisão adequada. A solução não é expô-las também à COVID-19, mas sim criar redes efetivas de apoio, viabilizar uma licença parental remunerada para as famílias com crianças até 12 anos e outras medidas legais, sociais e econômicas.

 A grande falácia da pandemia é que os problemas que ela revela seriam resolvidos se a vida “voltasse ao normal”. Não serão. E podem ser ainda agravados pelo adoecimento e morte pela COVID-19. Temos que nos lembrar que quase metade das pessoas que morreram de COVID-19 no Brasil têm menos de 60 anos (https://www.thelancet.com/journals/lanres/article/PIIS2213-2600(20)30560-9/fulltext). E a pobreza é um fator de risco para violência doméstica e também para a morte por COVID-19.

 As crianças estão de fato em muito menor risco de morte por COVID-19, mas grande parte de seus pais e responsáveis não estão. As evidências ainda não são claras, mas parece que as crianças menores de 10 anos também não são grandes transmissores de COVID-19 (Prevalence of SARS-CoV-2 Infection in Children and Their Parents in Southwest Germany), porém, as maiores de 10 talvez sejam tanto quanto os adultos (ver aqui Factors Associated with Positive SARS-CoV-2 Test Results in Outpatient Health Facilities and Emergency Departments Among Children and Adolescents Aged 18 Years — Mississippi, September–November 2020 | MMWR e aqui Susceptibility to SARS-CoV-2 Infection Among Children and Adolescents Compared With Adults).

 As crianças de baixa renda estão passando fome porque dependem da merenda escolar e porque sua fome é decorrente da pobreza e da ausência de distribuição adequada de renda. Expor as crianças e suas famílias também à COVID-19 é a solução? Não. A solução é garantir uma cesta básica para essas crianças, pelo menos enquanto durarem as medidas sanitárias, e melhorar a distribuição de renda.

 As medidas de saúde pública necessárias, inclusive, protegem muito mais essas mesmas pessoas vulneráveis. Não dá pra culpar a pandemia por problemas que tem outras causas, que precedem a pandemia e que não se resolve criando outro problema, que é expor as pessoas vulneráveis a uma doença como a COVID-19.

 Claro que a retomada das aulas presenciais é desejável, por todos os benefícios que a escola pode oferecer às crianças. Mas os dados disponíveis até o momento deixam bem claro que a segurança da retomada depende de baixos níveis de transmissão comunitária, o que não está ocorrendo ainda na maior parte das cidades brasileiras, além de medidas de biossegurança nas escolas, o que também não está assegurado na maior parte das escolas, especialmente as públicas.

 Para garantir a redução da transmissão comunitária, diversos estudos demonstram que as autoridades deveriam fechar bares, restaurantes e academias de ginástica (Restaurantes e academias são os lugares com maior chance de transmissão da Covid entre pessoas sem máscara, dizem cientistas de Stanford), e outras atividades não essenciais e, aí sim, abrir as escolas! Mas é justamente o oposto do que se tem feito, demonstrando que colocar as crianças de volta nas escolas presencialmente, com segurança, não é uma prioridade dos governos.

 Dessa maneira, acredito que o debate social e político precisa focar nas soluções efetivas (como as que eu sugeri acima, cesta básica, redes de apoio, distribuição de renda, licença parental remunerada, fechamento de atividades e ambientes de alta transmissibilidade, etc.) para os problemas que a pandemia tem revelado. Senão, corremos o risco de, mesmo com muitas boas intenções e pensando somente no bem-estar das crianças e adolescentes, defender o mecanismo que de fato causa esses problemas (veja uma reflexão interessante aqui: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232020006702469&lng=en&nrm=iso&tlng=en).

 Afinal, toda crise humanitária expõe as feridas e os problemas de uma sociedade. A pandemia de COVID-19 expõe a miséria e a desigualdade causadas pelo capitalismo, especialmente em países como o nosso.”

Dra. Luíza também enviou textos sobre suas reflexões:

Community Transmission Index – COVID-19 | Coastal Health District

CDC finds scant spread of coronavirus in schools with precautions in place

https://www.scientificamerican.com/article/schools-have-no-good-options-for-reopening-during-covid-19/

Desigualdade social cresce nas metrópoles brasileiras durante a pandemia

 

Conclusão

Como podemos ver, além das medidas imediatas e urgentes de apoio às pessoas vulneráveis e para o controle da pandemia, precisamos enfrentar a estrutura injusta em que vivemos, senão a COVID será apenas mais uma entre outras crises humanitárias que devem surgir cada vez mais no futuro próximo.

Obrigado colegas Graça, Luíza e Unaí.

Lor

 

 

 

 

 

Pessoas com neurofibromatose têm me perguntado se poderiam estar entre os primeiros a tomar a vacina contra a COVID, porque temem que seriam de um grupo de risco e estão com medo de não haver vacina para todo mundo.

Sabemos que muitos países já estão vacinando há várias semanas e os brasileiros ainda estão tendo que disputar as poucas doses que temos.

Conversei sobre isso com o professor Leonardo Maurício Diniz, da Faculdade de Medicina da UFMG e reunimos algumas informações úteis.

Vejam como compreendemos a questão.

Em abril de 2020 o Brasil foi convidado a fazer parte da Covax, a Aliança Mundial de Vacinas, uma reunião de 165 países para garantir a vacina contra a COVID.  Pelas normas da Covax, o Brasil poderia encomendar mais de 200 milhões de doses (daria para metade da população brasileira). Pela sua população o país automaticamente estaria entre os 5 primeiros países a receber as vacinas.

Mas em 4 de maio o presidente Jair Bolsonaro se recusou a fazer parte da Covax.

 

Em 15 de agosto de 2020 o laboratório Pfizer procurou o governo brasileiro para oferecer 70 milhões de doses da vacina. No e-mail enviado pela Pfizer havia a garantia que estes 70 milhões estariam à disposição do Brasil ainda em dezembro de 2020.

Segundo Carlos Murillo, presidente da Pfizer, a empresa nunca obteve uma resposta do governo brasileiro.

 

Em 20 de outubro de 2020 o Ministro da Saúde general Eduardo Pazuello anunciou a compra de 46 milhões de doses da Coronavac.

Em menos de 24 horas após o anúncio do Ministro da Saúde, o presidente da República, Jair Bolsonaro desautorizou Pazuello e suspendeu compra da vacina CoronaVac.

 

Algumas pessoas comemoraram os 6 milhões de doses iniciais, mas elas não foram suficientes nem para vacinar metade dos profissionais da saúde na linha de frente.

6 milhões de doses foram suficientes para vacinar menos de 2 em cada 100 pessoas!

Nós poderíamos estar realmente saindo desta pandemia com os 316 milhões de doses que o presidente Bolsonaro se recusou a comprar!

316 milhões de doses seriam suficientes para vacinar 8 em cada dez brasileiros e brasileiras e conter a epidemia!

 

Com estes 316 milhões de vacinas importadas, o Instituto Butantã e a Fiocruz teriam tempo de sobra para produzir as doses que faltariam para vacinar todos no Brasil (e ainda aquecer a economia com a exportação das doses excedentes).

 

Ou seja, se ainda não temos ideia de quando seremos vacinados, esta situação é responsabilidade do presidente Bolsonaro.

É isso mesmo: estamos sofrendo as consequências de um crime de responsabilidade por parte do governo Bolsonaro, que deve ser motivo de abertura de um impeachment no Congresso.

Basta de mortes!

Vacina para todos, já!

Dr. Lor

Presidente da Amanf

Muitas pessoas com neurofibromatose têm me perguntado se devem tomar a vacina contra a COVID-19, se são de grupo de risco maior e se devem tomar a vacina antes de outras pessoas.

 

Respondo que podem e DEVEM TOMAR QUALQUER UMA DAS VACINAS APROVADAS PELA ANVISA

Abaixo, vamos tentar entender o porquê.

 

Mas, antes, devo lembrar que raramente me perguntavam se as pessoas com neurofibromatose deviam tomar outras vacinas, como, por exemplo, contra sarampo ou gripe.

O que mudou nesta pandemia?

Acho que ficamos mais inseguros por algumas razões.

Por exemplo, talvez a maioria de nós não entenda o que é uma média, ou média móvel, ou taxa de mortalidade e tantos outros termos técnicos que ouvimos na TV e nos jornais.

Talvez muitos de nós não sejamos capazes de saber a diferença entre um vírus e uma bactéria ou um fungo.

Mais complicado ainda é saber a diferença entre um vírus de DNA (da gripe) e um vírus de RNA (da COVID).

Talvez boa parte da população se sinta abandonada quando ouve dizer que os médicos ainda não sabem isso ou aquilo, que não sabem como tratar a COVID, que a pesquisa tal mostrou resultado diferente da outra pesquisa científica. Em quem confiar?

Talvez seja difícil compreender que, por mais estudos que sejam feitos, sempre existem incertezas diante de qualquer doença.

Apesar de sabermos o que geralmente acontece no curso de uma certa doença numa população, não sabemos exatamente o que vai acontecer com uma determinada pessoa que apresenta aquela doença, especialmente uma doença nova como a COVID.

Talvez seja penoso para muitos (inclusive para a maioria dos médicos) entender que a medicina deve ser baseada em evidências científicas e não em opinião pessoal do médico.

Mas o que são essas evidências científicas? Como elas são obtidas? A maioria da população não sabe.

Precisamos estudar para saber essas coisas acima, mas a maioria de nós não teve acesso à educação de boa qualidade, nem às universidades, muito menos às faculdades de biologia e medicina.

 

Sim, há muitas incertezas que nos fazem ficar inseguros.

Mas elas existiam ANTES da pandemia de COVID. O que mudou, então?

 

O que mudou nesta pandemia foi que muitas pessoas estão sendo muito confundidas por informações falsas sobre a COVID e sobre as vacinas.

São mentiras espalhadas nas redes sociais, inclusive pelo governo federal, pelo presidente Bolsonaro e seus apoiadores.

Eles mentiram sobre a gravidade da pandemia, debochando das vítimas, com o presidente (sem nenhuma empatia pelo sofrimento das pessoas) dizendo que era uma gripezinha, que quem morria eram “maricas”, que ele não é coveiro e com o cinismo com o seu famoso “e daí?”.

Eles mentiram sobre a cloroquina, ivermectina e azitromicina, medicamentos que nunca tiveram qualquer efeito comprovado sobre o vírus.

Eles mentiram sobre as máscaras, dizendo que não protegiam.

Eles mentiram sobre o distanciamento social, dizendo que não era necessário.

O resultado dessas mentiras foram mais de 200 mil mortes (em 11 de janeiro de 2022 já são 610 mil) e talvez mais da metade delas pudesse ter sido evitada se tivéssemos um governo responsável.

É uma tragédia terrível que continuará matando brasileiras e brasileiros por causa das trapalhadas de ministros da saúde incapazes de orientar corretamente e garantir a quantidade de vacina para a população.

Por esse crime de responsabilidade espero que Bolsonaro e seus auxiliares respondam a processos criminais (ver resultados da CPI). 

Que a sociedade brasileira tenha coragem de fazer justiça.

 

Voltemos à neurofibromatose e às vacinas.

 

Risco maior de COVID?

Já comentei sobre a possibilidade da neurofibromatose colocar as pessoas em grupo de risco maior para COVID em outro post, que você pode rever  CLICANDO AQUI

Minha conclusão atual é que ainda não temos informação científica suficiente para afirmar com segurança que as neurofibromatoses aumentem ou diminuam o risco da COVID.

Enquanto isso, parece prudente que todas as pessoas com NF devem ser vacinadas contra a COVID.

 

Vacinas

As vacinas são uma forma de proteção coletiva e individual.

Quanto mais pessoas são vacinadas, mais rapidamente uma epidemia pode ser controlada.

Uma pessoa vacinada tem menor chance de ser infectada ou de sofrer as formas mais graves da doença ou mesmo morrer.

Por outro lado, as vacinas apresentam pouquíssimos efeitos colaterais (raros casos de dor no local da injeção ou de febre ou de manifestações alérgicas).

Portanto, o balanço entre custo e benefício é claramente a favor da vacina.

Ou seja, vamos vacinar!

 

A última parte da pergunta é se pessoas com NF devem ser vacinadas antes, junto com outros grupos de risco.

Para isto acontecer, as autoridades sanitárias deveriam estar convencidas cientificamente de que as NF tornam seus portadores um grupo de risco maior.

Como ainda não temos esta informação científica segura, é natural que as autoridades não façam uma escala especial para as pessoas com NF.

No entanto, creio que, se você decidir tentar se vacinar mais cedo, você pode levar aos postos de vacinação o laudo que nós emitimos após todas as consultas em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do HC-UFMG e apresentá-lo à equipe de saúde.

Afinal, as NF são doenças crônicas, incuráveis e de gravidade variável, que tornam algumas pessoas portadoras de necessidades especiais.

 

Abraço a todas e todos,

Dr. Lor

Presidente da Amanf

 

Abaixo um link para a escala de vacinação em Belo Horizonte

APRESENTAÇÃO Plano Vacinação

 

Maria Graziela Malevichi é mãe de uma criança com neurofibromatose e a partir de sua experiência familiar teve a ideia de formar uma REDE de informação e compartilhamento para ajudar outras pessoas. Publicamos recentemente sua proposta aqui:  https://amanf.org.br/2021/01/uma-grande-ideia/

Recebi nova carta da Graziela, com perguntas importantes e compartilho aqui por achar que são do interesse de outras pessoas.

Caro Dr. Lor, estou tentando enxergar esse projeto da REDE, onde estamos e para onde queremos chegar.

Gostaria de ter um Centro de referência de Neurofibromatose e doenças raras no Brasil. O que acha?

 

Resposta Dr. Lor

Cara Graziela, obrigado pela sua importante pergunta.

 

Chamamos de Doença Rara qualquer doença que afete menos de 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos. Esta definição é da Organização Mundial de Saúde.

Vamos lembrar algumas informações sobre as Doenças Raras.

  1. Existem mais de 7 mil doenças raras nos seres humanos, a maioria delas causadas por problemas genéticos (Brasil e colaboradores, Genes 2019, 10, 978; doi:10.3390/genes10120978)
  2. Em cada dez doenças raras, menos de uma delas tem tratamento comprovado neste momento (Austin e colaboradores, Clin Transl Sci (2018) 11, 21–27; doi:10.1111/cts.12500)
  3. As neurofibromatoses (NF1, NF2 e Schwannomatose) são apenas 3 entre as milhares de doenças raras.
  4. Individualmente, as doenças são raras, mas somadas fazem com que o total de pessoas com doenças raras no Brasil seja em torno de 11 milhões de pessoas.
  5. As pessoas com NF formam um grupo de cerca de 80 mil indivíduos no Brasil, ou seja, um grupo pequeno, formado por menos de 1% das pessoas com doenças raras.
  6. Portanto, apesar das NF serem mais comuns do que a maioria das outras doenças raras, ainda assim as neurofibromatoses atingem apenas uma pequena parte das pessoas com doenças raras.

Todas as doenças raras possuem duas necessidades em comum:

1)      Precisam ser reconhecidas pelos profissionais da saúde como possíveis portadoras de uma doença rara.

Ou seja, os profissionais de saúde devem ser habilitados, treinados para suspeitar de uma doença rara.

2)      Diante da suspeita, elas precisam ser encaminhadas a especialistas capazes de confirmar ou afastar o diagnóstico de uma doença rara.

Ou seja, é preciso que algumas médicas e médicos se dediquem a conhecer as doenças raras, especialmente geneticistas, e que sejam profissionais com fácil acesso por parte da população.

A partir do diagnóstico realizado, cada uma das pessoas com doenças raras possui necessidades completamente diferentes entre si em termos de condutas clínicas, tratamentos, suporte e acompanhamento. 

Há doenças raras com tratamentos comprovados (menos de uma em cada dez), há outras para as quais há tratamentos paliativos e outras para as quais não há qualquer tratamento específico e a conduta médica deve promover a melhor qualidade de vida possível.

Temos defendido que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, por isso, compreendemos que todas as etapas acima (a suspeita do diagnóstico, a confirmação do diagnóstico e o tratamento) devem ser realizadas dentro do Sistema Único de Saúde (SUS).

Somente o SUS seria capaz de habilitar todos os profissionais de saúde para suspeitar de uma doença rara. Por exemplo, as unidades básicas de saúde deveriam ter acesso a um sistema informatizado de diagnóstico preliminar que poderia sugerir alguma doença rara a partir de determinados sintomas e sinais fora do comum.

No entanto, como existem mais de 7 mil doenças raras, provavelmente é humanamente impossível que uma médica ou médico seja capaz de diagnosticar todas elas. Assim, parece ser necessária a ajuda de programas de computador com Inteligência Artificial para tornar o diagnóstico de uma doença rara mais preciso e rápido (Brasil e colaboradores, Genes 2019, 10, 978; doi:10.3390/genes10120978).

Uma vez suspeitada a doença rara, mais uma vez, somente o SUS seria capaz de criar uma rede de especialistas para oferecer o diagnóstico e os possíveis tratamentos para as pessoas com doenças raras.

Quais os especialistas seriam necessários?

Sabendo que cerca de 8 em cada 10 doenças raras são de origem genética, e as outras duas de origem imunológica, os especialistas para o diagnóstico deveriam ser geneticistas e imunologistas. No entanto, mesmo com a participação de geneticistas e imunologistas, é possível que somente a inteligência artificial seria capaz de oferecer diagnóstico rápido e seguro para as mais de 7 mil doenças raras.

Além disso, apesar de apenas cerca de 500 doenças raras apresentarem algum tratamento comprovado, as condutas mais adequadas para cada uma delas podem demandar diversas outras especialidades, o que talvez exija a participação da inteligência artificial cada vez mais no futuro.

Quantas médicas e médicos formariam esta rede? 

Apesar de serem alguns milhões de pessoas com doenças raras, ainda assim elas são doenças raras, então, não é possível haver especialistas disponíveis em todas as cidades.

Por exemplo, vamos considerar a neurofibromatose do tipo 1 (NF1), que acontece em 1 em cada 3 mil pessoas. Numa cidade como Belo Horizonte, com 3 milhões de pessoas, devem viver cerca de mil pessoas com NF1. Quantos médicos especialistas são necessários para atender clinicamente a esta população?

Imagine que uma médica especialista possa atender, de forma ideal, cerca de 6 consultas (com uma hora de duração) por dia. Ela atenderia 24 consultas numa semana, o que daria cerca de 100 num mês e um total aproximado de mil consultas em dez meses. Portanto, poderia ver TODAS as pessoas com NF1 de Belo Horizonte pelo menos uma vez num ano.

Este cálculo acima está de acordo com nossa experiência no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Temos atendido (Dr. Bruno Cota, Dr. Nilton Rezende e eu) cerca de 16 consultas por semana (incluindo retornos), o que resulta num total de 600 consultas por ano.

Além disso, mesmo atendendo pessoas de outras cidades e estados, nossa agenda demora, no máximo, um mês para a marcação de consulta. Portanto, nem todas as mil pessoas com NF1 residentes em Belo Horizonte têm demandado uma consulta por ano em nosso Centro.

É preciso lembrar que atendemos apenas pessoas com NF, porque não somos geneticistas nem imunologistas, mas clínicos. Portanto, desde 2014, já manifestamos nossa total adesão e disponibilidade para fazermos parte de um centro de referência em doenças raras, o que ainda não aconteceu no nosso Hospital das Clínicas.

O mesmo raciocínio pode ser feito para outras doenças raras, como a Epidermólise Bolhosa, por exemplo, uma doença que causa bolhas na pele e nas membranas mucosas, que afeta 1 em cada 50 mil pessoas. Em todo o Brasil deve haver 4 mil pessoas com epidermólise bolhosa e bastariam 4 especialistas nesta doença, em todo o Brasil, para atender a todas elas uma vez por ano.

O que quero dizer é que não faz sentido haver especialistas em epidermólise bolhosa ou neurofibromatose em cada município ou região com 50 mil pessoas, pois ele cuidaria apenas de uma pessoa com epidermólise bolhosa ou cerca de 15 pessoas com neurofibromatose. 

Portanto, não há por que fazermos centros de especialistas em cada uma das doenças raras em todas as capitais dos estados e muito menos em cada cidade. O que precisamos é de alguns poucos centros de referência com especialistas em determinadas doenças, os quais, em conjunto, possam orientar TODAS as doenças raras.

Assim, considerando o tamanho da população e a diversidade clínica entre as doenças raras, creio que uma solução para o diagnóstico seria a criação de uma rede digital de especialistas no SUS, que permitisse uma consulta inicial por videoconferência a partir da suspeita de uma doença rara na unidade básica de saúde. Daí em diante, os especialistas podem indicar os tratamentos disponíveis para cada caso.

Portanto, cara Graziela, como percebe, estou de acordo com sua ideia básica de uma rede nacional de doenças raras na qual estejam incluídas as neurofibromatoses.

Mas compreendo que esta rede deve fazer parte do SUS.

Vamos conversando.

Abraço

Dr Lor

 

Este texto foi publicado no jornal Estado de Minas pelo médico e meu amigo Carlos Starling (ver aqui: Blog do Dr. Carlos Starling ) em 9/1/20121

 

 

Bom dia,

Recebemos uma série de recomendações sobre como evitar ou tratar a COVID, escritas por um grupo de pessoas que se dizem “profissionais da saúde”, mas que não se identificaram.

Várias pessoas da nossa Associação Mineira de Apoio aos Portadores de Neurofibromatose (AMANF) perguntaram-me, por ser médico, o que eu acho delas.

Antes de responder a cada uma das recomendações, preciso dizer meu sentimento.

 

Estamos com medo de uma doença causada por um vírus que não conseguimos ver, que pode ser transmitida pelo ar por pessoas sem sintomas, que pode ser benigna em alguns casos, mas que pode ser fatal em outros ou deixar sequelas.

Estamos confusos porque o presidente diz que é uma gripezinha, diz que somente os fracos é que ficam doentes, mas milhares de pessoas continuam morrendo.

Estamos cansados de tentarmos manter o isolamento social, sem poder encontrar as pessoas queridas.

Estamos tristes porque muitos perderam seus empregos, outros fecharam suas lojas e nossas crianças estão presas em casa sem educação adequada.

Estamos confusos porque há médicos que dizem uma coisa e outros dizem outra. Em quem podemos confiar?

 

Então vou dizer o que estamos fazendo na minha família (onde já ocorreram casos) e como oriento meus pacientes, nossas dez regras básicas, que foram construídas a partir das orientações da Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues, minha filha médica e especialista em Avaliação em Novas Tecnologias em Saúde:

  • Mantemos o isolamento social, especialmente para os grupos de risco (idosos, diabéticos, hipertensos, obesos). Somente saímos de casa para atividades essenciais.
  • Usamos máscaras de forma correta em todas as ocasiões que temos que nos aproximar de outras pessoas que não fazem parte do nosso isolamento familiar.
  • Lavamos a mão com frequência e não tocamos a boca, nem os olhos e nem o nariz sem lavar as mãos antes.
  • Lavamos produtos e alimentos trazidos da rua.
  • Mantemos atividades físicas regulares pelo menos três vezes por semana.
  • Evitamos aumentar o peso controlando a dieta.
  • Cuidamos das nossas doenças crônicas (no meu caso, tomo remédios para o coração).
  • Lemos e confiamos nas notícias divulgadas nos sites dos jornais de grande circulação (Folha de São Paulo, G1), com jornalistas profissionais, e não no Facebook, nem Instagram. Além disso, como médico, leio diariamente o Boletim da Faculdade de Medicina sobre a COVID (ver aqui) e outras revistas científicas e sites científicos.
  • Tomamos banhos de sol, nos horários adequados, sempre que possível.
  • Desta forma, esperamos receber qualquer uma das vacinas já desenvolvidas, para podermos fazer parte da sociedade mundial que está tentando controlar a pandemia.

Agora, podemos conversar sobre a pergunta que me foi feita no WhatsApp da AMANF, da qual sou o presidente atual.

Primeiro, é preciso dizer que a lista de recomendações que nos enviaram, contém informações corretas, como a descrição de alguns dos sinais e sintomas da COVID, e outras incorretas.

Vou tentar dar a minha visão como médico sobre cada uma delas.

É preciso lembrar que a medicina aumentou tremendamente os conhecimentos sobre a COVID desde o começo da pandemia e que hoje temos mais certezas do que antes. Apesar disso, novos conhecimentos poderão ser alcançados à medida que as pesquisas científicas continuarem nas universidades.

A – Sinais e sintomas da COVID

Como o tal documento apresenta sinais e sintomas de forma confusa, vou rever como a COVID geralmente acontece:

  • De cada 100 pessoas infectadas por contato com outras pessoas infectadas, todas elas podem transmitir o vírus para outras. No momento, em Belo Horizonte, cada 100 pessoas infectadas transmitem para outras 106 pessoas. Por isso a pandemia está crescendo.
  • Entre as 100 pessoas infectadas:
    1. 40 delas não vão apresentar nenhum sintoma (mas podem transmitir o vírus para outras pessoas)
    2. 40 delas vão apresentar sintomas entre o terceiro e o sétimo dia da infecção (febre, tosse, dor de cabeça, dor no corpo, perda do olfato e do paladar).
  • As outras 20 pessoas vão apresentar cansaço e falta de ar e devem ser levadas ao hospital:
    1. 15 delas vão poder ser tratadas na enfermaria
    2. 5 delas vão precisar de ser levadas para o Centro de Tratamento Intensivo (CTI ou UTI)
    3. Destas 5 internadas no CTI, 3 delas sobrevivem.

B – Devo usar antibióticos, como Azitromicina?

Não existe nenhum estudo científico sério e bem conduzido que tenha recomendado o uso de qualquer antibiótico contra o vírus da COVID.

C – Devo usar vermífugos, como a Ivermectina?

Não existe nenhum estudo científico sério e bem conduzido que tenha recomendado o uso de ivermectina contra o vírus da COVID.

D – Devo ingerir bastante líquido?

O melhor a fazer é seguir a sede. Somente pessoas que não podem se alimentar sozinhas é que precisam de ingestão controlada de líquidos.

E – Devo usar Vitamina C e Vitamina D?

A Vitamina C é abundante em frutas e toda a Vitamina C ingerida além das necessidades diárias contidas na alimentação saudável é jogada fora na urina. Junto com a Vitamina C em excesso, vai o dinheiro que gastamos para comprar a Vitamina C na farmácia.

A Vitamina D é sintetizada nos banhos de sol e armazenada no nosso organismo. A imensa maioria das pessoas não precisa de Vitamina D suplementar na dieta. Somente pessoas acamadas, em uso de certos medicamentos, especialmente onde não há muito sol é que precisam de Vitamina D suplementar.

F – Devo usar xarope Acetilcisteína para a tosse?

Não existe nenhum estudo científico sério e bem conduzido que tenha recomendado o uso de acetilcisteina pra controlar a tosse provocada pelo vírus da COVID.

G – Devo ingerir apenas alimentos quentes?

Os alimentos adquirem a temperatura do corpo assim que são ingeridos e alimentos frios não produzem qualquer dano à saúde.

O mito de que a temperatura fria cause resfriado é muito difundido em todo o mundo, mas não tem qualquer comprovação científica. Nós confundimos o reflexo do espirro em ambientes frios (normal, ocasional) com os espirros causados pelas viroses (persistentes, acompanhados de coriza e outros sintomas).

H – Devo ingerir alimentos alcalinos?

Não existe nenhum estudo científico sério e bem conduzido que tenha recomendado o uso de alimentos especiais como parte do tratamento da COVID.

Uma dieta habitual, saudável é suficiente para fornecer TODOS os nutrientes que seu corpo precisa para enfrentar o vírus da COVID.

 

O que acabei de escrever é aquilo que é recomendado pela Organização Mundial da Saúde e que estudei com especialistas em doenças infecciosas, como a Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues (especialista em Avaliação de Novas Tecnologias em Saúde) e o Professor Unaí Tupinambás (Infectologista) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.

É o melhor que posso recomendar à minha família e aos meus pacientes.

Espero que seja útil a você.

Não se desespere: há milhares de cientistas estudando maneiras de controlarmos esta pandemia. Vamos construir uma nova maneira de conviver. Vamos voltar a encontrar as pessoas queridas, a festejar, a viajar e aproveitar as alegrias da vida.

Abraço com esperança.

 

Eu sou Dr Lor (Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues), sou médico (CRMMG 6725) e Coordenador Clínico do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais

Caso queira entrar em contato comigo, meu e-mail é rodrigues.loc@gmail.com

Belo Horizonte, 7 de janeiro de 2021

 

Se você chegou até aqui é porque está considerando seriamente o uso do selumetinibe para tratar seu neurofibroma plexiforme sintomático e inoperável, apesar das incertezas e riscos que foram apresentados nos passos anteriores.

Então você deseja saber o preço, ou seja, o custo financeiro do medicamento

Ainda não temos o preço definido pelo fabricante em reais, mas se usarmos os preços disponíveis no mercado norte-americano, seria algo entre 50 mil reais por mês (para uma criança de dez anos, por exemplo) a 100 mil reais por mês (para uma pessoa de 20 anos, por exemplo), por tempo indeterminado (se desejar, veja abaixo como chegamos a este valor).

Como definimos anteriormente, a duração do tratamento não seria inferior a 12 meses, a não ser que houvesse algum efeito colateral que obrigasse a suspensão da droga, ou o plexiforme voltasse a crescer mesmo com a medicação, o que aconteceu com cerca de metade daqueles que iniciaram o tratamento no estudo da Dra. Gross.

Assim, teríamos um custo de cerca de 600 mil reais a um milhão e duzentos mil reais por pessoa, por ano de tratamento. Este custo, portanto, provavelmente é muito caro para o benefício limitado que o medicamento traria para a sociedade brasileira como um todo. 

Além disso, há uma série de procedimentos clínicos (ver no passo 8 as reavaliações periódicas) e protocolos que precisam ser seguidos para o acompanhamento dos pacientes durante seu uso, que também envolve custos financeiros. 

Talvez esses custos do próprio medicamento e dos adicionais (relacionados ao protocolo de cuidados necessários e ao manejo dos eventos adversos) sejam insustentáveis para o Sistema Único de Saúde e para os Planos de Saúde. 

Esta questão provavelmente vai provocar questões jurídicas que ainda não podemos prever neste momento.

 

Aqui terminamos nossos passos no Relógio de Cuidados que propomos para as pessoas que consideram a possibilidade de usarem o selumetinibe.

Nós do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais estamos comprometidos com nossos pacientes.

Portanto, se a ANVISA, o CONITEC e o Sistema Único de Saúde aprovarem o uso do selumetinibe para neurofibromas plexiformes sintomáticos e inoperáveis, nós faremos todo o esforço possível para criarmos as condições no Hospital das Clínicas para podermos cumprir este relógio de cuidados com cada pessoa com NF1 que nos procurar.

Belo Horizonte, 24 de dezembro de 2020

 

Nota final – Como calculamos o preço do selumetinibe?

Realizamos uma estimativa do custo do selumetinibe a partir de dados de outros países, pois ainda não temos seu preço fixado no Brasil. 

  1. Considerando que a dose recomendada do medicamento foi de 25 mg por metro quadrado de superfície corporal duas vezes por dia, em ciclos de 28 dias; 
  2. Considerando que a idade mediana das crianças incluídas foi de 10,2 anos; portanto, pode ser estimada uma superfície corporal mediana inicial de 1,171 m2 (meninos), crescendo até o final do estudo para 1,43 m2 e podendo chegar numa pessoa de 20 anos a 1,87 m2;
  3. Considerando que o preço mais baixo (em busca online, em sites dos EUA) foi de cerca de US$ 8.680,00 por caixa com 120 comprimidos de 10 mg = US$ 7,23 dólares por mg;
  4. Considerando que a conversão do dólar para reais seria de 5,4;
  5. Podemos estimar o custo mediano mensal do medicamento (ver tabela abaixo), que pode variar de cerca de 50 mil reais (para uma criança de 10 anos) a cerca de 100 mil reais (para um adulto de 20 anos) por mês.

Ver abaixo planilha com cálculo do custo do selumetinibe em termos médios.

Idade área SC

a partir de peso e altura (DuBois)

dose/m2 dose diária mg dias de uso preço U$/mg valor U$ custo mensal

R$

custo anual

R$

menina 10,2 anos (início) 0,914 25 45,7 28 7,23 5,4 49.969,13 599.629,62
menino 10,2 anos (inicio) 0,932 25 46,6 28 7,23 5,4 50.962,90 611.554,79
menina (13,4 anos) final 1,469 25 73,4 28 7,23 5,4 80.272,51 963.270,15
menino (13,4 anos) final 1,475 25 73,8 28 7,23 5,4 80.638,22 967.658,63
adulto feminino  1,621 25 81,0 28 7,23 5,4 88.576,67 1.062.919,99
adulto masculino 1,875 25 93,7 28 7,23 5,4 102.468,84 1.229.626,12

Qual seria o impacto deste medicamento sobre o Sistema Único de Saúde? 

  1. Considerando que dentre a população brasileira estimada com NF1 (cerca de 80 mil pessoas) haveria um grupo de 10% da população com plexiformes sintomáticos e inoperáveis (ou seja, 8 mil pessoas potencialmente usuárias do selumetinibe);
  2. Considerando que o custo médio mensal seria de cerca de 80 mil reais (entre 50 e 100 mil reais como calculado acima);
  3. Teríamos o custo estimado para o SUS de 640 milhões de reais por mês.
  4. Considerando que o tempo mediano de tratamento para metade dos voluntários que sustentaram o efeito do medicamento foi de 3,2 anos no  estudo da Dra. Gross e col. 2020;
  5. Teríamos o custo total de cerca de 11 bilhões de reais para o tratamento de metade das pessoas com plexiformes sintomáticos e inoperáveis por três anos.